Diferença entre dolo eventual e culpa consciente

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17/04/2015 às 13:37
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[1] Reza o Princípio da Potencialidade Lesiva que, para configurar crime, o ato praticado pelo agente tem que ser capaz de ofender bem jurídico penalmente tutelado de outrem.A DIFERENÇA ENTRE DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Resumo: No mundo atual, surgem diversas dúvidas, aos aplicadores da lei, acerca da aplicação dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente, no campo prático. O presente estudo objetiva discorrer exatamente essa dita diferenciação, analisando-se a forma como os tribunais e a doutrina aplicam cada um dos institutos. Isso se justifica por serem o dolo eventual e a culpa consciente incrivelmente parecidos; o agente, em ambos os casos, são conhecedores do risco, porém no dolo eventual o agente pouco se importa pela ocorrência do dito risco, enquanto que na culpa consciente o agente acredita sinceramente na sua não ocorrência. Portanto, necessita tais institutos de atenção jurídica, principalmente quanto às suas diferenciações.

Palavras-chave: Diferenciação; Dolo Eventual; Culpa Consciente

            Introdução

            O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal parecidos, com mui dificuldade de distinção, e com efeitos práticos diferentes. Ambos ocorrem quando o agente, ao realizar uma conduta, prevê o risco de ocorrer ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado e continuando agindo, ocorrendo a dita ofensa. Só se diferencia o dolo eventual da culpa consciente por no primeiro o agente aceitou o risco, enquanto no segundo acreditou sinceramente na sua não ocorrência. E, como tal diferenciação é praticamente impossível se descobrir no campo prático, por não se conseguir adentrar na mente do autor dos fatos, mister é descobrir outra forma de diferenciar o dolo eventual da culpa consciente.

            E o presente estudo tem como escopo exatamente diferenciar o dolo eventual da culpa consciente no campo prático, sem que se precise adentrar na mente do autor dos fatos. Para tanto, será trabalhado, primordialmente, o dolo e suas modalidades, na esfera legal e doutrinária, com seus conceitos e aplicações, dando-se maior ênfase ao dolo eventual, cerne deste trabalho.

            Após, trabalhar-se-á a culpa, com suas modalidades, da mesma forma que será trabalhado o dolo, especificando o ponto principal do tema, que é a diferenciação da culpa consciente da inconsciente.

            Ao final, após trabalhar minuciosamente os conceitos e aplicações do dolo e da culpa, chegar-se-á ao cerne do trabalho, especificando-se a diferenciação do dolo eventual da culpa consciente, demonstrando-se, no campo práticos, como os tribunais e a doutrina diferenciam os dois institutos na atualidade.

  1. Do Dolo

Dolo é “a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador” (GRECO, 2006, p. 193). O Código Penal, por sua vez, traz a definição de crime doloso como sendo: “Art. 18 – Diz o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. (BRASIL, 1940). O art. 33 do Código Penal Militar trata o crime doloso com a mesma descrição dada pelo art. 18 do Código Penal.

Portanto, dolo é, para o Direito Penal, a vontade do agente em querer cometer um ato vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, objetivando a ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado ou, na ausência do querer, o assumir o risco de produzir a referida ofensa.

Nucci (2010, p. 204) apresenta três características do dolo, todas necessárias para sua ocorrência: a) abrangência, pois o dolo deve envolver todos os elementos objetivos do tipo; b) atualidade, pois o dolo deve estar presente no momento da realização da ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior; c) possibilidade de influenciar o resultado, pois é indispensável que a vontade do agente consiga produzir o fato típico.

Para haver o dolo em um crime, é necessário, primeiramente, que ele esteja presente em todas as elementares do tipo penal e não apenas no verbo do tipo. Dá-se a título de exemplo o crime de furto (art. 155 do Código Penal), que possui como elementares: 1 – subtrair; 2 – para si ou para outrem; 3 – coisa alheia móvel. Para existir o dolo do agente em praticar o crime de furto, é necessário que ele subtraia, coisa alheia, coisa móvel, para si ou para outrem, não podendo o agente ter dolo apenas, por exemplo, em subtrair coisa alheia móvel e não ter a destinação de para si ou para outrem; ou subtrair coisa móvel, para si ou para outrem, e não ser alheia a coisa. Para Damásio de Jesus (1991, p. 49),

o dolo deve abranger os dados descritivos da figura típica. Assim, para que se possa dizer que o agente agiu dolosamente, é necessário que seu elemento subjetivo tenha se estendido às elementares e às circunstâncias do delito.

Igualmente necessária é a presença do dolo no momento da realização da ação, não podendo ser apenas anterior ou ulterior, senão se trataria de dolo antecedente ou subsequente, respectivamente, o que é vedado no nosso ordenamento jurídico.

Por fim, é necessária a possibilidade de o ato ilícito influenciar no resultado, por força do Princípio da Potencialidade Lesiva[1], pois, caso o agente, mesmo com a intenção de lesionar bem jurídico penalmente tutelado alheio, executa o ato de forma inteiramente incapaz de lograr êxito na ofensa ao bem jurídico, trata-se de crime impossível (art. 17 do Código Penal).

Não basta, entretanto, apenas a abrangência, atualidade e possibilidade de lesionar bem jurídico para se concretizar o dolo em um tipo penal. É necessária também a existência dos elementos cognitivo e volitivo (BITTENCOURT, 2006, p. 334-335).

O elemento cognitivo é a consciência do agente em praticar o injusto penal. É necessário que o agente entenda o ilícito penal que está cometendo, e este entendimento deve abranger de forma correta e completa todas as elementares do tipo ou, caso isso não ocorra, envolver-se-á em uma excludente de pena (art. 28, § 1º; art. 20, caput e § 1º ou art. 21, in fine, todos do Código Penal). A consciência do agente deve ser atual, existente no momento da realização da ação, e abrange

a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (delitos materiais), da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e atenuantes que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo (PRADO e BITTENCOURT, 1995, apud BITTENCOURT, 2004, p. 258-259).

Também é indispensável o conhecimento, pelo autor dos fatos, dos chamados caracteres negativos, tais como “sem consentimento de quem de direito” (art. 164), “sem licença da autoridade competente” (art. 166), “da inexistência de nascimento” (art. 241, todos do Código Penal), entre outros (BITTENCOURT, 2004, p. 259).

Já o elemento volitivo é a vontade do agente em praticar o injusto penal, abrangendo-se a ação ou omissão, o resultado e o nexo causal. É imprescindível que o agente tenha a vontade de praticar a ação ou omissão que dá causa ao tipo penal, com o intuito de se chegar ao resultado pretendido (ofensa ao bem jurídico), pois, do contrário, poderá se encaixar em causas de isenções de pena ou dirimentes de culpabilidade, como a inexigibilidade da conduta diversa, obediência hierárquica ou coação irresistível (art. 22 do Código Penal). Portanto, para se concretizar o dolo no tipo penal, é necessário o conhecer e o querer do ilícito.

O dolo se subdivide em:

a) Dolo direto: quando o agente quis e conheceu o resultado.

b) Dolo indireto ou eventual: quando o agente não quis o resultado, mas conheceu do risco.

c) Dolo alternativo: quando o agente quis, indiferentemente, de um resultado ou outro. Nucci (2010, p. 208) nos dá o exemplo do ladrão que encontra uma carteira, envolta em um pano, na praia. Não se sabe se foi deixada ali por um banhista que foi à água ou se alguém a esqueceu ali e foi para casa. Leva-a. Somente analisando o caso concreto irá determinar se o crime cometido pelo ladrão foi furto (art. 155) ou apropriação indébita de coisa achada (art. 169, Parágrafo Único, II, ambos do Código Penal).

d) Dolo cumulativo: significa que o agente deseja alcançar dois resultados, de forma sequencial.

 e) Dolo antecedente: significa que o agente quis o injusto penal antes de sua ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Não possui validade no Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser atual, conforme dito anteriormente. Assim, se A deseja a morte de B, mas o mata em um acidente de trânsito, sem ter a intenção da morte, mas agindo com imprudência, por exemplo, não responderá a título de dolo e sim de culpa, pois o seu dolo foi anterior à sua conduta, e não atual.

f) Dolo subsequente: significa que o agente quis o resultado danoso após a sua ocorrência, que se deu de forma lícita ou culposa. Igualmente não possui validade no Direito Penal atual, tendo em vista a necessidade de o dolo ser atual. No caso anterior, se A, ao perceber a morte de B, que de se dera mediante culpa, felicita-se, tendo em vista ser desafeto daquele, não responderá a título de dolo e sim de culpa, tendo em vista que a sua intenção em praticar o injusto penal foi ulterior à sua conduta, e não no momento do dito injusto.

 g) Dolo genérico e dolo específico: o dolo genérico significa que o agente apenas quis praticar o fato típico, enquanto que no dolo específico, além do intuito de praticar o fato típico, possui outro fim específico. O crime de homicídio (art. 121, caput, CP) é dolo genérico, pois o intuito do agente é a morte da vítima, enquanto que no crime de extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, do Código Penal) é dolo específico, pois, além do intuito do sequestro da vítima, possui o intuito de receber vantagem indevida (“Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem como condição ou preço do resgate”) (BRASIL, 1940, grifo nosso). Para a teoria finalista, não há diferenciação entre dolo genérico ou dolo específico.

            Os dolos mais importantes a serem estudados no campo do Direito Penal são o direto e o eventual – tanto que o art. 18, I do Código Penal trata em seu texto de somente ambos. São aqueles que são utilizados diariamente para se delimitar a responsabilidade penal das pessoas. O dolo direto por ser aquele que incorre praticamente todos os violadores da legislação penal – os que cometem crime de roubo, furto, estupro, e outros, por exemplo; o dolo eventual por fazer pouca distinção com a culpa – em crimes como lesão corporal, homicídio, entre outros -, podendo ser aplicado em detrimento desta. Portanto, serão apenas estes os delimitados neste trabalho, dando-se maior à ênfase ao dolo eventual.

            1.1 Dolo direto

O inciso I do art. 18 do Código Penal denomina o crime doloso, na modalidade dolo direto, como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado [...]”. (BRASIL, 1940). O Código Penal Militar, em seu artigo 33, traz denominação semelhante. Nucci (2010, p. 205), todavia, traz uma definição mais especificada de dolo direto: “é a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto”.

Dado o exemplo do crime de homicídio, é dolo direto quando A, fitando B, seu alvo, saca uma arma e desfere diversos tiros contra si, ceifando-lhe a vida. A tinha a intenção de retirar a vida de B (“quis o resultado”) e utilizou os meios bastantes para a produção do resultado do tipo penal elencado no art. 121 do Código Penal (ao desferir diversos tiros contra a vítima). É, sem sombra de dúvida, a modalidade de ocorrência de crime mais comum, sendo, inclusive, a única forma de ocorrência em diversos crimes, tais como furto, roubo, estupro, e outros.

Para a confecção do tipo penal na modalidade dolo direto é necessário que possua os elementos cognitivo (a consciência da ocorrência do crime) e o volitivo (a vontade da ocorrência do crime). Ausentes algum dos dois elementos, não há que se falar de crime ocorrido na modalidade dolo direto.

O dolo direto possui três aspectos:

a) representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; b) o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecução; c) o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. (BITTENCOURT, 2004, p. 260).

É imprescindível, portanto, o conhecimento dos meios necessários para a consumação do injusto penal, o conhecimento do resultado de sua ação ou omissão, e o conhecimento das consequências do resultado; é igualmente necessário o querer o resultado (quis o resultado, descrito no art. 18, I do Código Penal) e o querer os meios utilizados para se chegar ao resultado. Por fim, é obrigatório o anuir na realização das consequências dos meios utilizados para se chegar ao resultado, pois responderá pelos resultados dos meios empregados. Por exemplo, caso A aponte uma arma na direção de B para subtrair, para si, seus pertences e, diante da grave ameaça, B, cardíaco, tem uma síncope cardíaca e vem a óbito, A responderá pelo resultado morte (art. 157, § 3º, in fine, Código Penal) e não apenas pelo roubo.

O dolo direto é subdividido em dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau. No dolo direto de primeiro grau, “o agente busca diretamente a realização do tipo legal, a prática do delito. O resultado delitivo era seu fim principal”. (PRADO, 2010, p. 339). Por exemplo, A, querendo subtrair para si R$ 1000,00 de B, aponta uma arma em sua direção e, utilizando-se da grave ameaça, subtrai o montante para si. Tendo todas as elementares do tipo penal do crime de roubo no caso em tela, e tendo A o ânimo de cometer o dito tipo penal, utilizando-se do meio necessário para tanto (utilizando-se da grave ameaça através de uma arma), A responderá pelo delito do art. 157 do Código Penal.

Já o dolo direto de segundo grau “é a intenção do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilização dos meios para alcançá-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente certos”. (NUCCI, 2010, p. 205). Dá-se o exemplo de A, que quer matar seu desafeto B. Para tanto, implanta uma bomba em seu carro. Em determinado momento, o carro se encontra abastecendo no Posto X, onde estão diversas pessoas. A, sabendo que lá o seu resultado é mais garantido, detona a bomba, matando B, todos que se encontravam no posto e ainda mata ou fere aqueles que se encontravam nas adjacências no momento da explosão. A responderá pelo crime de homicídio contra B na modalidade dolo direto, todavia, responderá igualmente na modalidade dolo direto contra a morte e ferimento de todos os envolvidos no caso, pois A, por mais que desejara a morte apenas de B, conhecia os efeitos colaterais (mortes e ferimentos dos adjacentes) quando se utilizou do meio explosão para ferir o bem jurídico penalmente tutelado vida de B. Não responderá por dolo eventual, por mais que “não quis o resultado, mas assumiu o risco”, e sim na modalidade direta, por ser tal dolo direto de segundo grau – em relação às demais vítimas; em relação a B, responderá por dolo direto de primeiro grau.

O dolo direto de segundo grau difere-se do dolo eventual por neste o agente não querer resultado danoso algum, apenas conhece e assume o risco de produzi-lo, enquanto que, naquele, por mais que o agente não quisesse o resultado danoso em relação aos demais, o quis em relação ao seu alvo, e conhecia o risco, praticamente certo, de lesionar bens jurídicos penalmente tutelados de terceiros.

A distinção entre dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau se faz necessária por ocasião da fixação da pena-base na forma prevista no art. 59 do Código Penal.

            1.2 Dolo Eventual

O art. 18, I do Código Penal denomina crime doloso, na modalidade eventual, como sendo: “Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente [...] assumiu o risco de produzi-lo”. (BRASIL, 1940). Nucci (2010, p. 205), por sua vez, conceitua o dolo eventual como sendo “a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro”. Damásio de Jesus (1991, p. 50) dá uma definição parecida de dolo eventual, ao retratá-lo como sendo “quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, i.e., admite e aceita o risco de produzi-lo”.

Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que se produza. (DAMÁSIO DE JESUS, 1991, p. 50).

Já Bittencourt (2004, p. 261) conceitua dolo eventual, ao relatar que o mesmo acontece “quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas a aceita como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art. 18, I, in fine, do CP)”.

Dolo eventual, portanto, ocorre quando o agente age ou deixa de agir, conhece do risco de produzir um resultado danoso a um bem jurídico penalmente tutelado através de sua conduta e se conforma caso este venha a acontecer. O dolo eventual não se consubstancia apenas em o agente, conhecendo do risco, não se abstém de agir, pois isso pode configurar culpa consciente. Não basta, pois, apenas o agir quando não deveria – pois isso caracteriza a imprudência –, é imprescindível o conformismo sobre a possibilidade da ocorrência do resultado danoso.

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Capez (2011, p. 227) nos dá o exemplo do motorista, que conduz em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo este prevendo que poderá vir a perder o controle direcional do veículo e atropelar ou até mesmo matar alguém, não se importa com a ocorrência de eventuais resultados indesejáveis, pois correr o risco é melhor do que interromper o prazer em dirigir em alta velocidade. Para este, o resultado danoso não é querido, mas o risco é aceito. É a famosa frase proferida por Frank (1931, apud HOLANDA, 2004): “Seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir”.

Quando o agente, estando em dúvida a respeito de um dos elementos do tipo penal, arrisca-se em concretizá-lo, também age com dolo eventual. Por exemplo, o agente se encontra com dúvida acerca da idade do indivíduo – se o mesmo possui idade igual ou superior, ou não, a catorze anos – e, ainda assim, o induz a satisfazer a lascívia de outrem, ou mantém conjunção carnal com o mesmo, cometerá, em caráter de dolo eventual, crime de corrupção de menor (art. 218 do Código Penal) ou estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal), respectivamente. (CAPEZ, 2011, p. 227). Não se recai, no caso, a excludente por ocasião de erro sobre elementos do tipo, esculpida no art. 20, caput do Código Penal, por ter o agente assumido o risco acerca da elementar do tipo penal, não respondendo, portanto, a título de culpa – ou, na ausência da previsão legal da mesma, a atipicidade da conduta –, como prevê o artigo retromencionado, e sim a título de dolo.

Todavia, em determinados casos, a descrição da conduta impõe ao agente um especial conhecimento da circunstância. Dá-se o exemplo do crime de receptação (art. 180 do Código Penal), em que é elementar do tipo saber ser a coisa produto de crime. O tipo penal é claro em dizer “sabe” – só recaindo, portanto, o dolo direto; caso quisesse abarcar o dolo na modalidade eventual, teria trazido a expressão “deve saber” como elementar, ou outra que indique assumir o risco, como ocorre no § 1º do próprio art. 180 e os caput dos art. 130 e 245, todos do Código Penal. O conhecimento especial da circunstância também se verifica nos tipos penais da denunciação caluniosa (art. 339) e da comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340), além das condutas esculpidas no § 1º do art. 138, todos do Código Penal, entre outros.

No dolo eventual, ao contrário das demais modalidades de dolo, não existe o elemento volitivo (a vontade), pois se o elemento volitivo é a “ vontade do agente de praticar o fato típico almejando o resultado, e, existindo entre ambos, o nexo causal” (TAVARES, 2010), e não havendo vontade do agente em praticar o fato típico, e sim mero aceite por parte do mesmo, não há que se falar em existência de elemento volitivo no dolo eventual. Entretanto, é certo dizer que o elemento cognitivo se faz presente, pois o agente sabe da possibilidade da ocorrência do evento danoso quando age ou deixa de agir, pois, se não soubesse, não haveria sequer a previsibilidade do agente da ocorrência do fato delituoso, pressuposto essencial da culpa consciente e do dolo eventual, e, sem a mesma, seria meramente culpa inconsciente.

O dolo eventual não deve, todavia, ser confundido com a mera esperança ou o desejo simples que determinado resultado ocorra, como no exemplo trazido por Bittencourt (2004, p. 263), do sujeito que manda seu adversário a um bosque, durante uma tempestade, na esperança de que seja atingido por um raio. É diferente, porém, do agente que não conhece com clareza as elementares do tipo penal e, com dúvida sobre a existência da mesma, age ou deixa de agir, aceitando a possibilidade da existência da dita elementar. Nesse caso, configurar-se-á o dolo eventual.

O nosso Código Penal equiparou os efeitos do dolo eventual e do dolo direto, nos termos da Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, escrito por Ministro Francisco Campos, in verbis: “O dolo eventual é, assim, plenamente equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento”. (BITTENCOURT, 2004, p. 263). O mesmo peso dado ao dolo eventual é dado ao dolo direto pelo nosso Código Penal, tendo em vista que arriscar-se sabendo da possibilidade de ocorrência do resultado lesivo e aceitar a ocorrência do mesmo, tem, às vistas do legislador de 1940, pelos dizeres supra, a mesma validade daquele que agiu com a intenção pura e clara de ofender o bem jurídico penalmente tutelado alheio.

            2. Da Culpa

O Código Penal, no inciso II de seu art. 18, conceitua crime culposo como sendo “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. (BRASIL, 1940). Os conceitos doutrinários, todavia, são mais específicos em detalhar a culpa do que o conceito trazido pelo Código Penal.

Para Nucci (2010, p. 210), culpa é “o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”. Já para Bittencourt (2004, p. 270), culpa é a “inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível”. O Código Penal Militar, em seu art. 33, II, também traz o conceito de crime culposo, igualmente mais específico que o conceito trazido pelo Código Penal.

Art. 33: Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo. (BRASIL, 1969).

Para se configurar crime culposo é necessário que o agente aja ou omita-se em agir, violando-se o dever do cuidado, típico da vivência em sociedade, mediante imprudência, imperícia ou negligência, sem possuir intenção do resultado danoso, embora sua ocorrência seja previsível.

Imprudência é “a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. [...]. Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação”. (BITTENCOURT, 2004, p. 279). Age com imprudência, por exemplo, o motorista que dirige em velocidade acima da permitida na pista, que dirige embriagado ou fazendo manobras arriscadas.

Negligência é “um deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha”. (GRECO, 2006, p. 216). Age com negligência, por exemplo, o motorista que não troca os pneus já desgastados.

Imperícia é a “incapacidade ou falta de conhecimento necessário para o exercício de determinado mister”. (NUCCI, 2010, p. 213). É o profissional que não possui o conhecimento necessário para o exercício de sua profissão. Age com imperícia, por exemplo, o médico que, na operação, erra a artéria a ser cortada, trazendo a óbito o paciente.

Greco (2006, p. 208) elenca os requisitos necessários para se tipificar o tipo penal culposo, in verbis:

a) Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; b) Inobservância de um dever objetivo de cuidado; c) O resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente; d) Nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado lesivo; e) Previsibilidade; f) Tipicidade.

Todo crime depende de uma conduta humana voluntária, que pode ser comissiva (agir) ou omissiva (deixar de agir). Todo crime culposo, como já dito anteriormente, deve possuir a inobservância de um dever de cuidado, que poderá acontecer por imprudência, negligência ou imperícia, e o resultado lesivo não querido (pois, senão, tratar-se-ia de dolo, na modalidade direto) e não assumido (pois, senão, tratar-se-ia de dolo, na modalidade eventual) pelo agente, e um nexo de causalidade entre a conduta do agente que inobserva o dever de cuidado e o resultado lesivo.

É necessária também, para se configurar o crime culposo, a previsibilidade do resultado danoso através da conduta que inobserva o dever de cuidado. A previsibilidade se consubstancia quando se consegue prever o resultado lesivo com a conduta do agente. Ocorre a previsibilidade objetiva quando o homem médio, aquele que não é ínfimo ou extraordinário, consegue prever o resultado lesivo. Entretanto, na previsibilidade objetiva, o agente, contrariando o homem médio, não foi capaz de prever o dito resultado.

A previsibilidade objetiva se determina quando um juízo levado a cabo, colocando-se o observador (por exemplo, o juiz) na posição do autor no momento do começo da ação, e levando em consideração as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas pelo autor e a experiência humana da época sobre os cursos causais. (BITTENCOURT, 2004, p. 276-277).

Deve-se distinguir da previsibilidade subjetiva, que é a previsão do agente, devendo este “prever o resultado segundo suas aptidões pessoais, na medida do seu entendimento individual”. (CONCEIÇÃO, 2010). Enquanto a previsibilidade objetiva se consubstancia quando o homem médio consegue prever o resultado danoso através da conduta do agente, menos este, a previsibilidade subjetiva se consubstancia quando o próprio agente consegue prever o resultado danoso. A previsibilidade subjetiva não afasta a culpa e a transforma em dolo, na modalidade eventual, caso o agente, prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência (a chamada culpa consciente).

O último requisito da culpa é a tipicidade, que faz parte do Princípio da Legalidade, estampado nos art. 1º do Código Penal e art. 5º, XXXIX da Constituição Federal. É necessária prévia disposição legal para se responder pelo crime na modalidade culposa. E é necessário não apenas a prévia disposição legal do tipo penal a ser imputado ao agente, mas também que o mesmo possa existir na modalidade culposa (como homicídio, lesão corporal, incêndio e outros), ou, na sua ausência, só poderá responderá pelo crime aquele que o cometeu na modalidade dolosa, por força do Parágrafo Único do art. 18 do Código Penal, in verbis: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.” (BRASIL, 1940). Portanto, por exemplo, aquele que, por imprudência e não querendo o resultado lesivo, destruir, danificar ou deteriorar coisa alheia, não responderá pelo crime de dano (art. 163 do Código Penal) na modalidade culposa, sendo apenas um ilícito civil, nos fulcros do art. 168 do Código Civil.

Nucci (2010, p. 212) traz algumas situações peculiares no campo da culpa, in verbis:

- Não existência da culpa presumida: a culpa tem que ser demonstrada e provada pela acusação.

- Não diferenciação, no campo do Direito Penal, para os graus de culpa (levíssima, leve ou grave), devendo apenas diferenciar-se na individualização da pena e, caso a culpa levíssima for insignificante, não poderá ser considerada requisito para concretizar o tipo penal.

- Não incidência da compensação de culpa, como ocorre na esfera civil, pois não há débito que se compense em esfera penal. Assim, caso A atropele B por imprudência, não pode alegar que B agiu com negligência e esta foi relevante para o seu atropelamento.

- A possibilidade da ocorrência da concorrência de culpas, quando todos os envolvidos lesionam bens jurídicos alheios por culpa, e sem liame psicológico entre todos.

Não há, na esfera da culpa, a modalidade tentativa, devendo apenas responder, a título de culpa, pelos crimes consumados. Não há ocorrência da tentativa pelo fato de o primeiro de seus elementos ser a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal, enquanto que, na culpa, o agente não quer produzir resultado ilícito. O iter criminis é um instituto jurídico destinado aos crimes dolosos, não culposos. Não se cogita, prepara e executa crime culposo, mas tão somente crimes dolosos. (BITTENCOURT, 2004, p. 225). A doutrina, contudo, aceita a possibilidade de tentativa nos crimes culposos, quando ocorre a chamada culpa imprópria - o agente atua com dolo, mas, devido a erro de cautela que, analisado com mais cuidado, poderia ter sido evitado, responderá pelo crime na modalidade culposa.

A culpa se divide em três tipos: - culpa inconsciente, quando o agente não previu o resultado, embora previsível; - culpa consciente, quando o agente previu o resultado, mas acreditou sinceramente na sua ocorrência; - culpa imprópria, quando o agente agiu com dolo, mas responderá pelas penas cominadas ao crime culposo, conforme dito logo acima.

            2.1 Da Culpa Inconsciente, da Culpa Consciente e da Culpa Imprópria

Segundo Damásio de Jesus (1991, p. 53), “na (culpa) inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora previsível. É a culpa comum, que se manifesta na imprudência, negligência ou imperícia”. Conforme os ensinamentos de Damásio de Jesus, na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora o requisito da culpa previsibilidade (objetiva) exista - ou seja, o homem médio consegue prever o resultado -, e a sua conduta é eivada de imprudência, negligência ou imperícia. Nucci (2010, p. 211), por sua vez, trata a culpa inconsciente como sendo “a culpa por excelência, ou seja, a culpa sem previsão do resultado. O agente não tem previsão (ato de prever) do resultado, mas mera previsibilidade (possibilidade de prever)”. Prado (2010, p. 348) trata a culpa inconsciente como sendo “a culpa comum, que se verifica quando o autor não prevê o resultado que lhe é possível prever. A lesão ao dever objetivo de cuidado lhe é desconhecida, embora conhecível”.

O agente, portanto, não foi capaz de prever o resultado – ou a lesão ao dever de cuidado -, mas o homem médio conseguiria prever. É a chamada culpa comum ou culpa sem previsão. E é imprescindível a previsibilidade do homem médio, pois, na sua ausência, configura-se caso fortuito ou força maior, não sendo, portanto, fato típico, por ausência de um dos requisitos da culpa e, consequentemente, pela ausência da mesma.

Já a culpa consciente é a culpa que ocorre “quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado” (NUCCI, 2010, p. 211). Greco (2006, p. 218), por sua vez, define a culpa consciente como sendo

aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer. O resultado, embora previsto, não é assumido ou aceito pelo agente, que confia na sua não-ocorrência.

Configura-se culpa consciente, por exemplo, quando o agente ultrapassa um veículo em uma estrada e, verificando que na direção contrária vem outro veículo, acredita que, caso acelere, consiga ultrapassar o primeiro veículo sem chocar-se contra o segundo, o que não ocorre, gerando o resultado lesivo ofensa à integridade física ou morte. Por mais que o agente tenha previsto a possibilidade de chocar-se contra o segundo veículo, acreditou sinceramente que, caso acelerasse, conseguiria findar a ultrapassagem sem se chocar contra o dito veículo. Bittencourt (2004, p. 281), por sua vez, acredita que, ao analisar a culpa consciente, deve-se agir cautelosamente, pois a mera previsão do resultado não significa culpa consciente, pois se necessita da consciência do agente acerca do resultado. É a chamada culpa com previsão.

O Código Penal, por sua vez, não traz diferença alguma entre a culpa consciente e inconsciente, devendo o juiz apenas trazer no momento da dosimetria da pena prevista no art. 59 do Código Penal. O art. 18, II do Código Penal, que trata da culpa, sequer traz distinção da culpa consciente ou da inconsciente, como o inciso I do dito artigo traz distinção das modalidades do dolo, tendo sido trazida apenas pelo inciso II do art. 33 do Código Penal Militar e por construção doutrinária e jurisprudencial.

Bittencourt (2004, p. 280) questiona se a culpa consciente não seria, na maioria das vezes, indício de menor insensibilidade ético-social, sendo que há maior atenção por parte do agente na hora da execução das atividades perigosas, enquanto que na culpa inconsciente o descuido é maior e, assim, mais perigoso, haja vista a exposição ao risco ser mais frequente quando o agente nem percebe a possibilidade de ocorrência do evento danoso. Para o autor, é mais culpado aquele que sequer olhou o obstáculo, em detrimento daquele que avistou o obstáculo, mas acreditou sinceramente que este se afastaria a tempo. Essa análise, entretanto, deve ser feita pelo juiz na fase de dosimetria da pena.

Além da culpa consciente e da culpa inconsciente, o ordenamento jurídico brasileiro traz outra modalidade de culpa, a culpa imprópria. Apesar de ser considerado culpa, o crime foi cometido com a intenção de acontecer o resultado. Todavia, tal intenção é viciada por um erro que, com mais cuidado, poderia ter sido evitado. E tal erro deve ser evitável, pois, se inevitável fosse, excluiria por completo a responsabilidade penal. É a chamada culpa imprópria, por extensão ou assimilação.

A culpa imprópria ocorre quando o agente, no processo psicológico, analisa mal uma situação ou os meios empregados, faltando na cautela na dita avaliação, agindo assim de forma culposa. Porém, na execução do crime, age dolosamente, com o objetivo do resultado lesivo, embora viciado pelo erro evitável e culposo.

O § 1º do art. 20 do Código Penal especifica bem o que é a culpa imprópria: “§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo” (BRASIL, 1940). Analisando o dito parágrafo, consegue perceber que, caso o agente, por erro, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, é isento de pena. Todavia, caso o erro derivou de culpa – ou seja, faltou cautela por parte do agente -, responderá por culpa, desde que haja previsão de culpa no tipo penal em questão, por força do art. 18, Parágrafo Único, do Código Penal.

Além do § 1º do art. 20 do Código Penal, a culpa imprópria também aparece na parte final do Parágrafo Único do art. 23 do mesmo diploma legal, quando diz que o agente responderá pelos excessos dolosos ou culposos nas excludentes de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito ou aceitação da vítima, nos bens jurídicos penalmente tutelados disponíveis).

            3. Diferença entre Dolo Eventual e Culpa Consciente

O dolo eventual se consubstancia quando o agente age ou deixa de agir, prevê que tal conduta pode acarretar uma lesão a um bem jurídico penalmente tutelado e pouco se importa se a dita lesão ocorrer ou não. O art. 18, I do Código Penal preceitua que comete crime na modalidade dolo eventual quando o agente “assume o risco de produzi-lo (o resultado lesivo)”. (BRASIL, 1940), entendendo-se por assumir o risco o agente que conhece do risco e lhe é indiferente.

Para se concretizar o dolo eventual, em detrimento da culpa consciente, não basta o agente conhecer o risco do resultado lesivo e nada fizer para que este não ocorra, ou não agir para minorar o risco ou o resultado lesivo, pois isso não é assumir o risco; é imprescindível que o agente, ao conhecer do risco, pouco se importar com a ocorrência da lesão ao bem jurídico penalmente tutelado alheio. É o caso do agente que dirige em alta velocidade perto de uma escola, no horário de saída, e pouco se importa se acertará algum transeunte ou não.

Já a culpa consciente se consubstancia quando o agente age ou deixa de agir, prevê que tal conduta pode acarretar uma lesão a um bem jurídico penalmente tutelado, mas acredita sinceramente na sua não ocorrência. Como bem preceitua Greco (2006, p. 218), “na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não-ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente”. Percebe-se que, para ocorrer a culpa consciente, é necessário que o agente faça uma conduta (com todos os requisitos da culpa, como a imprudência, negligência ou imperícia), preveja que tal conduta possa levar a um resultado lesivo (previsibilidade subjetiva, lembrando-se que a conduta seja capaz de causar ofensa a um bem jurídico penalmente tutelado de forma iminente, e não remota) e acredita que não ocorrerá tal resultado, embora venha a ocorrer. É o caso, por exemplo, do motorista em alta velocidade que, vendo um transeunte atravessando na sua frente, correndo, acredita não necessitar frear o veículo, pois o pedestre conseguirá atravessar o veículo a tempo, mas acaba não dando tempo, acertando-o e ceifando-lhe a vida.

A diferença consubstancial entre o dolo eventual e a culpa consciente se dá em o agente, ao prever o resultado lesivo, acreditar sinceramente na sua não-ocorrência ou lhe for indiferente. É algo interno, do âmago do agente. E, como não se dá para retirar do âmago do agente se este acreditou na não ocorrência ou foi indiferente ao resultado lesivo, entendem os doutrinadores e a jurisprudência pátria que deverá retirar tais requisitos dos fatos que cercam a ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado alheio.

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Considerando que o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, na hipótese em que a denúncia limita-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao querer (vontade), não há como concluir pela existência do dolo eventual. Para tanto, há que evidenciar como e em que momento o sujeito assumiu o risco de produzir o resultado, isto é, admitiu e aceitou o risco de produzi-lo. Deve-se demonstrar a antevisão do resultado, isto é, a percepção de que é possível causá-lo antes da realização do comportamento. 2. Agravo a que se nega provimento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, 1189970 DF 2009/01050713-6, Relator: Celso Limongi, 2010).

PENAL. PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. CULPA CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DO DOLO EVENTUAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO QUE NÃO EVIDENCIAM A ANTEVISÃO E A ASSUNÇÃO DO RESULTADO PELO RÉU. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA QUE SE IMPÕE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 4. Considerando que o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, na hipótese em que a denúncia limita-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao querer (vontade), não há como concluir pela existência do dolo eventual. Para tanto, há que evidenciar como e em que momento o sujeito assumiu o risco de produzir o resultado, isto é, admitiu e aceitou o risco de produzi-lo. Deve-se demonstrar a antevisão do resultado, isto é, a percepção de que é possível causá-lo antes da realização do comportamento. 5. Agravo a que se nega provimento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial, 1043279 PR 2008/0066044-4, Relatora: Jane Silva, 2008).

Conforme as jurisprudências acima lecionam, como é impossível retirar a aceitação ou não da ocorrência do resultado lesivo extraindo da mente do autor dos fatos, deve-se retirar as circunstâncias do fato que resultou na ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado alheio. Por exemplo, A, ao perceber transeuntes à sua frente, acelera o veículo e passa próximo a todos, buzinando em tom de deboche. Em dado momento, acaba por acertar alguém, ceifando-lhe a vida ou ofendendo sua integridade física. É impossível saber se o autor dos fatos foi indiferente ou não na possível ocorrência do resultado lesivo, pois o simples fato de, ao prever o resultado lesivo, não agir para minorar o resultado, ou para o mesmo não ocorrer, não se configura, de plano, dolo eventual. Entretanto, analisando-se os fatos, pode-se extrair facilmente o dolo eventual, tendo em vista a aceitação do risco se dar no fato de, assim que fitou transeuntes à sua frente – visualizou a possibilidade da ocorrência do resultado lesivo -, acelerou o veículo. Passou próximo aos mesmos, buzinou em tom de deboche, o que demonstra sua total indiferença a possível resultado lesivo.

Em algumas situações, os fatos respondem, por si só, se o agente assumiu ou não o risco de produzir o resultado lesivo – como no exemplo acima, que todos os fatos apontam, categoricamente, para a aceitação do resultado lesivo por parte do agente. Todavia, há casos em que não se consegue extrair facilmente o dolo eventual ou culpa consciente dos fatos por si só. Além disso, há casos que, mesmo os fatos demonstrando que o agente assumiu o risco de produzir o resultado lesivo, é mister tentar verificar se, de fato, ele aceitaria ou não o risco da produção do resultado lesivo, como se adentrasse em sua mente, para verificar tal fato.

Greco (2006, p. 220) nos dá o exemplo do pai que comemora bodas de prata com sua mulher e três filhos e, durante a festa, bebe incomensuravelmente, ficando embriagado. Terminada a festa, volta para casa dirigindo o seu veículo, junto de sua família. Com pressa, pois queria assistir a uma partida de futebol, que seria transmitida na televisão, acelera o veículo. Entretanto, colide o seu veículo em outro, ceifando a vida de sua família inteira. Por mais que os fatos (dirigir embriagado, dirigir em alta velocidade por um motivo fútil) demonstrem que o pai agiu com dolo eventual, nunca, em tempo algum, ele assumiria o risco de matar toda sua família, pois um homem médio nunca aceitaria a possibilidade de ele próprio ceifar a vida de seu cônjuge e filhos no dia de comemoração de 25 anos de casado. Deve-se sempre enxergar com cautela o dolo eventual única e exclusivamente através dos fatos, pois, muitas das vezes, por mais que os fatos apontem o dolo eventual, ao adentrar no âmago do agente, perceber-se-á clara e indubitavelmente que o agente não aceitou – e jamais aceitaria - o resultado lesivo.

O dolo eventual e a culpa consciente são dois institutos do Direito Penal praticamente idênticos, difíceis de enxergar no caso concreto – muita das vezes, mesmo os retirando dos fatos –, e sempre passíveis de causar injustiça. Rotineiramente, ocorrerão dúvidas se o agente aceitou o não a possibilidade da ocorrência do resultado lesivo, mesmo retirando a resposta dos fatos que circundam a ofensa. Nesses casos, ocorrendo dúvida, deve-se sempre pesar sobre o réu a punição menos severa, para fazer jus ao princípio que ronda o Direito Penal do in dubio pro reo, ao invés de o princípio do in dubio pro societate, como muitos querem (GRECO, 2006, p. 221). A culpa consciente, por ser menos gravosa ao réu, deve sempre ser a regra, enquanto que o dolo eventual, por ser mais gravoso, deve sempre ser a exceção, para fazer jus ao princípio dito acima, devendo o último instituto apenas ocorrer quando tiver sido, nos autos, comprovado de forma indubitável, mesmo que através dos fatos, não podendo ser aplicado se pairam dúvidas.

Considerações Finais

            Ao final deste trabalho, é possível determinar, de forma precisa, a diferenciação dos institutos do dolo eventual da culpa consciente.

            Como já é cediço, o dolo eventual se consubstancia em o agente assumir o risco já conhecido, ou seja, conhece a possibilidade de sua conduta causar um resultado lesivo, continua a agir, pouco se importando se ocorrerá ou não o dito resultado, que vem a ocorrer. Já a culpa consciente ocorrerá quando o agente conhece do risco, continua a agir, mas acredita sinceramente na não ocorrência do resultado lesivo. Os dois institutos são muito próximos entre si e a diferença primordial entre ambos se dá pelo aceite, ou não, do resultado danoso por parte do agente, o que necessitaria adentrar na mente do autor dos fatos para descobrir se esse assumira o risco ou não. Por ser impossível, mister se faz encontrar outra forma de descobrir se houve o aceite ou não.

            Os tribunais consolidaram a tese de que, por ser impossível, no campo prático, descobrir se o agente aceitou ou não o risco, deve-se retirar o assumir o risco pelos fatos. Se os fatos deram ao aplicador da lei a certeza de que o agente, naquela situação determinada, assumiu o risco da lesão, será imputado a este o dolo eventual. Caso contrário, ser-lhe-á aplicada a culpa consciente.

            Deve-se, todavia, salientar que o aplicador da lei, no caso concreto, deverá analisar se o agente nunca assumiria o risco de cometer o resultado lesivo. Por exemplo, dificilmente uma pessoa assumiria o risco de matar toda sua família carbonizada ao deixar uma vela acesa, de noite, estando todos dormindo, enquanto sai para trabalhar e tranca a residência para evitar furtos noturnos. Por mais que os fatos caracterizassem o dolo eventual, dificilmente esta pessoa estivesse pouco se importando com a morte de toda sua família ao deixar uma vela acesa.

            Ademais, igualmente importante salientar que nunca se poderá aplicar ao agente o dolo eventual caso paire dúvidas acerca da aplicação correta dos dois institutos, pois a culpa consciente é menos gravosa que o dolo eventual e, no caso de dúvidas, a aplicação da lei sempre deve pesar em favor do réu.

            Assim, diante do exposto, seguindo estes caminhos, torna-se menos dificultosa ao aplicador da lei, no caso concreto, diferenciar o dolo eventual da culpa consciente.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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_____________. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1189970/2010. Sexta Turma. Relator: Celso Limongi.  Brasília, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento de 06 dez. 2010. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17668960/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumento-agrg-no-ag-1157234-rs-2009-0028911-2>. Acesso em: 22 fev. 2014.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. v. I. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Disponível em: <https://direito20112.files.wordpress.com/2012/08/

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. v. I. 6. ed. Niterói: Impetus, 2006.

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Abstract: In the actual world, many questions arise, to the law enforcers, regarding the application of the institutes of possible fraud and conscious guilt, on the practical field. This study aims to discuss this differentiation, analising the way tribunals and the doctrine apply each of the institutes. This is justified since possible frauds and conscious guilt are incredibly similar; the agent, in both cases, know about the risk, but in the possible fraud the agent cares little about the occurence of the risk, whereas in the conscious guilt the agent sincerely believes in its non ocurrence. Therefore, both of those institutes of legal attention are needed, specially because of their differentiations.

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Sobre o autor
Rodrigo Picon

Formado em Direito pelo Instituto Tancredo de Almeida Neves e pós-graduado em Direito Penal Econômico Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Rodrigo Picon é advogado, regularmente inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, escritor e contista. Atua nas áreas criminal, empresarial, penal econômica, tributária, difusos e coletivos e de adequação à Lei Geral de Proteção de Dados. É autor dos livros "Direitos Difusos e Coletivos" e "Código Penal Comentado".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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