Efeitos jurídico-penais: portadores de psicopatia

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20/04/2015 às 23:13

Resumo:


  • A natureza do trabalho aborda os desafios jurídicos relacionados aos portadores de transtorno de psicopatia, incluindo a imputabilidade, a ausência de legislação específica e as consequências penais aplicáveis.

  • É discutida a necessidade de uma legislação que contemple especificamente a psicopatia, considerando o grau de periculosidade e o tratamento após o cumprimento da pena, evitando que o problema seja visto apenas como uma questão de saúde mental.

  • Foram apresentados casos concretos e jurisprudências para ilustrar a aplicação das medidas de segurança e as divergências nos julgamentos, destacando a ineficácia da legislação brasileira em lidar com psicopatas e a importância de um acompanhamento adequado para prevenir a reincidência de crimes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisam-se as questões relevantes sobre a necessidade de criação de lei especial criminal para os portadores de psicopatia, abordando o conceito histórico da psicopatia, bem como, a análise do caso em concreto juridicamente.

INTRODUÇÃO

A natureza e o objetivo deste trabalho enfoca a questão dos Efeitos Jurídico-Penais aos Portadores do Transtorno da Psicopatia, especialmente, nos desafios que o judiciário enfrenta, devido a falta de lei específica para os psicopatas. O tema vem gerando discussões entre a Psiquiatria e os Juristas, com relação ao psicopata ser ou não doente mental, se existe ou não a possibilidade de tratamento e cura da psicopatia

Procura responder as seguintes questões: Seria o psicopata imputável, semi-imputável ou inimputável? Por que não existe lei específica para os crimes cometidos apenas por psicopatas, dando providências dependendo do seu grau de periculosidade? A legislação brasileira deve encarar a psicopatia apenas como questão de saúde mental? Como é realizado o acompanhamento do indivíduo declarado psicopata após o cumprimento de sua sanção, para que o mesmo não torne a delinquir?

Tem por objetivo:

Analisar os psicopatas que são atestados como inimputáveis e semi-imputáveis e os casos de psicopatas que, por não possuírem atestado de sanidade mental, ou, mesmo que possua, não são declarados com o transtorno, cumprindo, assim, a pena em cadeia comum; a ineficácia das medidas de segurança e da legislação penal brasileira aplicada aos psicopatas; a possibilidade de criação de uma legislação, principalmente no ramo criminal, que contemple apenas o psicopata, com a contribuição da Psicologia e Psiquiatria, para que não seja o transtorno tratado apenas como questão de saúde mental, bem como, abranger as questões criminais e de ordem pública.

O estudo se justifica por ser um tema polêmico e muito discutido no ramo das ciências médicas especializadas, tais como a Psicologia e a Psiquiatria, que em sua maioria, vêem o psicopata, principalmente, aqueles que cometem crimes que, na maioria das vezes, chocam a sociedade, devido à crueldade com a qual é cometida. Justifica-se, também, pelo legislador, na criação de norma específica para a psicopatia, não deixar de observar as normas constitucionais, tais como o Princípio da Presunção da Inocência, que significa dizer, que não podemos fazer um pré-julgamento de que o condenado vá cometer outro crime, além, do que, não existe prisão perpétua no Brasil.

A metodologia baseou-se em procedimentos jurisprudenciais, bibliográficos e análise das legislações pertinentes, além dos projetos de lei em andamento na Câmara dos Deputados.

No decorrer do trabalho será apresentado o histórico e conceito atual do transtorno da personalidade psicopática, abordando a sua figura e como funciona a mente do psicopata, a importância da psicopatologia forense na contribuição da instrução criminal e as espécies de avaliações psicológicas no âmbito forense. Em seguida, serão estudadas as consequências jurídico-penais para os psicopatas, bem como, o instituto da culpabilidade, imputabilidade, semi-imputabilidade e o inimputável, analisando a aplicabilidade da legislação brasileira nos casos de psicopatia, bem como, as medidas de segurança e suas espécies, fazendo um passeio acerca do psicopata em cumprimento da sanção penal. Finalmente, serão analisados e interpretados os desafios que o judiciário enfrenta para fazer valer a lei em crimes cometidos por psicopatas, incluindo jurisprudências e relatos de casos concretos de crimes cometidos por portadores de psicopatia, tratando, ainda, da ineficácia da legislação brasileira nos casos de psicopatia, analisando, ainda, alguns projetos de lei, que por sua vez, também, não possuem tanta eficácia acerca do tema em questão. 

No entanto, o trabalho busca as respostas aos questionamentos feitos anteriormente, seguindo o entendimento de que deverá haver uma legislação específica e punitiva nos casos dos portadores de psicopatia, para que o problema não seja encarado apenas como questão de saúde mental, pois a medicina já provou que existem psicopatas que possuem consciência de seus atos, mas ignoram a lei, não devendo estes, serem tratados apenas como doentes mentais, ou como, pessoas que possuem perturbação mental e a importância do acompanhamento do condenado após o cumprimento da pena ou medida de segurança que lhe foi imposta, a fim de prevenir que o mesmo não volte a delinquir.

1 – PERSONALIDADE PSICOPÁTICA
1.1. Conceito Histórico da Personalidade Psicopática

Durante mais de um século, os conceitos sobre a personalidade psicopática transcorreram, transitando sobre o comportamento bipolar e orgânico-psicológico.[1]

O termo psicopatia vem do grego psyche + pathos, cujo significado é a “denominação genérica das doenças mentais”, sendo que, o psicopata é “quem sofre de doença mental.” [2]

Na busca de conceitos sobre personalidade psicopática, a psiquiatria, especialmente a forense, vem tentando versar sobre os indivíduos que sofrem deste transtorno.

A Criminologia é uma ciência que estuda o crime em todos os seus aspectos, bem como, os fatores que levam o indivíduo a cometer práticas criminosas.[3]

A Criminologia não se confunde com o Direito Penal, visto que, sua finalidade é visualizar o porquê de o crime ter ocorrido, o que levou o indivíduo a cometê-lo, enquanto que, o Direito Penal tem por finalidade o tipo penal e suas sanções. A preocupação do Direito Penal é de reprimir o delito, já na Criminologia, a intenção é de prevenir o delito.[4]

Sendo assim, conforme esse entendimento podemos observar que, na esfera do Direito Penal, não há uma preocupação em tratar o criminoso em seu aspecto psicológico, de forma que este seja ressocializado, de maneira que não venha mais a cometer crimes. Por esse motivo, a Criminologia é uma ciência muito importante, pois, ela analisa o comportamento biopisicossocial do criminoso, onde é possível determinar as causas e origem do ato criminoso, através do estudo do perfil do indivíduo que cometeu o delito e analisa a sua conduta, podendo identificar as causas que impulsionam a realização daquele ato criminoso, proporcionando meios para prevenção do crime e buscando a ressocialização do criminoso por meio de tratamentos, os quais possam readequar o delinquente ao meio social. [5]

No início do século XIX, Philippe Pinel, psiquiatra francês, foi o primeiro médico a estudar e classificar algumas perturbações mentais, em sua obra “Traité médico-philosophique sur l´alienation mentale ou la manie”.[6]

Sendo assim, ao longo dos séculos, os estudos nas áreas da Psicologia e da Psiquiatria acerca da psicopatia foram se aprimorando até chegar ao conceito atual, advindo da tradição anglo-saxônica, através das pesquisas de James Prichard, que introduziu o termo “insanidade moral (ou loucura moral) para a forma de alteração mental na qual o poder de autocontrole estava prejudicado.” [7]

1.1.1. Conceito Atual da Personalidade Psicopática

Na visão de Nelson Hungria, o conceito de psicopatia é definido como:

“Portadores de psicopatia a escala de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais. Seus portadores são uma mistura de caracteres normais e caracteres patológicos. São os inferiorizados ou degenerados psíquicos. Não se trata propriamente de doentes, mas de indivíduos cuja constituição é “ab initio”, formada de modo diverso da que corresponde ao “homo medius.” [8]

Para obtermos o conceito atual da personalidade psicopática é necessário fazermos um passeio pelas suas classificações.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) conceitua o distúrbio de personalidade caracterizando-o “pela inobservância das obrigações sociais, indiferença para com outrem, violência impulsiva ou fria insensibilidade.” No entanto, há um desvio de comportamento e não obediência às normas sociais estabelecidas na sociedade. [9]

 O termo distúrbio sociopático foi introduzido no Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais e de Comportamento da Associação psiquiátrica (DSM-I), em 1952, buscando uniformizar e diminuir a confusão entre  a terminologia da psicopatia e da sociopatia, vista por muitos, como sinônimos. [10]

 No entanto, a personalidade psicopática ou sociopática é distinta de todos os outros transtornos. O International Statistical Classification of Deseases and Related Health Problems (ICD) que no Brasil é classificado como Código de Doença Internacional (CID), faz menções diferentes entre a psicopatia e a sociopatia, tratando o tema como Transtorno de Personalidade Dissocial. [11]

Enquanto o termo sociopatia é utilizado pelos comportamentalistas, o termo psicopatia é utilizado na “classificação francesa de distúrbios mentais como desequilíbrio mental.” [12]

O comportamento dos psicopatas é caracterizado pelo gosto de correr riscos. Eles possuem a capacidade de se entediarem com facilidade, são “impulsivos, promíscuos, irritáveis e apresentam dificuldades em estabelecer metas realistas de vida e a longo prazo.” [13]

Seguindo esse raciocínio, chegamos ao entendimento de que a psicopatia e a sociopatia são sinônimos, ou seja, ambos são transtornos da personalidade antissocial.

Contudo, teremos um estudo mais detalhado a seguir, quando adentrarmos na figura do psicopata.

Podemos tirar proveito do que vimos até o momento, em meio a tantas tentativas de conceituar a psicopatia, que, atualmente, se discute não só a conceituação, mas também, a preocupação em buscar a ligação entre a criminalidade e esse tipo de transtorno.

1.2. A Figura do Psicopata

Diante de tudo exposto, observamos que a psicopatia é vista, pelos especialistas na área da psicologia e da psiquiatria como um desvio de conduta, quais sejam, uma espécie de distúrbio de personalidade. Muitas das vezes, em meio aos portadores de psicopatologias crônicas e incuráveis, veremos adiante que, há os que apresentam um grau de periculosidade, o qual coloca em risco seu convívio com a sociedade. Veremos, ainda, que muitos psicopatas respondem pelo crime como uma pessoa comum. Porém, quando reinseridos na sociedade, as chances de se tornarem reincidentes, ou seja, voltarem a cometer o mesmo ou diversos crimes, são extremamente altas, conforme veremos ao longo do trabalho.

Hilda Morana, Doutora em Psiquiatria, pela Universidade de São Paulo, defendeu sua tese no sentido de que, “a psicopatia pode ser entendida como um modelo particular de personalidade.”. Morana validou para o Brasil a escala “PCL-R”, de Psycopathy Check-list Revised, de autoria de Robert D. Hare (1991). [14]

Morana identificou, ainda, a partir de quando o indivíduo pode ser considerado psicopata.

O “PCL-R” é o primeiro exame padronizado, exclusivamente, para o uso no sistema penal brasileiro, onde pretende avaliar a personalidade do preso e tenta prever a possibilidade de reincidência criminal, separando bandidos comuns de psicopatas.[15]

Pouco se sabe acerca das causas desse transtorno. Estudos apontam para evidências multifatoriais [16], que podem ser biológicas, intrínsecas ou ambientais [17].

Portanto, existem outros fatores que podem contribuir para o quadro clínico apresentado pelos psicopatas, e, de acordo com pesquisadores colombianos, em seus estudos, relacionaram diversos fatores que podem causar o transtorno, tais como, os ambientes e as experiências de vida. [18]

No entanto, os portadores de psicopatia sofrem de um transtorno de personalidade, com ausência de sensibilidade para com os sentimentos alheios. Sua falta de empatia e indiferença afetiva pode levá-los a adotar um comportamento criminal recorrente. [19]

Portanto, há três tipos de psicopatia: 1) Psicopatia leve, onde o indivíduo se envolve em crimes como estelionato ou fraude, lesando poucas pessoas; 2) Psicopatia moderada, em que o indivíduo se envolve no mesmo crime acima descrito, porém, acaba lesando um maior número de pessoas, como por exemplo, o superfaturamento na compra de remédios para o sistema de saúde pública e; 3) Psicopatia Grave, onde o sujeito pode cometer crimes de maior grau, tais como os serial killers, que cometem uma série de assassinatos, em sua maioria, com requinte de crueldade, sendo este, um tipo raro. Estima-se, de acordo com a Psiquiatra Ana Beatriz Barbosa e Silva que, cerca de 4% da população sofre de psicopatia, sendo, 1% portador de psicopatia grave, 3% de psicopatia leve ou moderada. [20]

As características mais significantes da psicopatia são o encanto superficial e o poder de manipulação que eles possuem sobre as pessoas, suas mentiras sistemáticas, as quais utilizam como ferramenta de trabalho, seu comportamento fantasioso, convertendo-se em reais personagens, como se estivessem diante de um personagem verdadeiro, fazendo com que as pessoas a sua volta acreditem que ele viva realmente o que conta. [21]

Além, dessas características, estão, a ausência de sentimentos afetuosos, a amoralidade, a impulsividade, incorregibilidade e a falta de adaptação social, conforme vimos anteriormente.

Shine usa a definição de Hervey M. Cleckley, do que é a psicopatia:

“1. O psicopata está livre de sinais ou sintomas geralmente associados a psicoses, neuroses ou deficiência mental. Ele conhece as conseqüências de seu comportamento antissocial, mas ele dá a impressão de que tem muito pouco reconhecimento real de sentimentos dos quais verbaliza tão racionalmente.

2. Ele é incapaz de se adaptar em suas relações sociais de forma satisfatória de uma maneira geral.

3. O psicopata não é detido em suas ações pela punição; aliás ele parece desejá-la.

4. Sua conduta carece normalmente de uma motivação ou se uma motivação pode ser inferida, ela é inadequada enquanto explicação para tal comportamento.

5. Ele sabe se expressar em termos de respostas afetivas esperadas mas demonstra uma total falta de consideração e uma indiferença em relação aos outros.

6. Ele demonstra uma pobre capacidade de julgamento e uma incapacidade de aprender com a experiência, que pode ser vista nas “mentiras patológicas”, crime repetitivo, delinqüências e outros atos antissociais. Os pacientes repetem furtos aparentemente sem sentido, falsificações, bigamias, trapaças e atos indecentes e chocantes em público inúmeras vezes.”  [22] 

Jason Albergaria nos diz que, interessa à criminologia, os psicopatas dos tipos fundamentais, quais sejam os hipertímicos, que tendem à difamação, à indolência e à fraude, os fanáticos, que tendem a cometer delitos políticos, os explosivos, que cometem delitos contra a pessoa e os abúlicos, que praticam furtos e apropriações indébitas. [23]     

A psicóloga Marisa Lobo, autora do livro Psicopatas da Fé, classifica os psicopatas como indivíduos que, para convencer as pessoas de que são bons, se convertem e manipulam todos ao redor, fazendo com que acreditem que ele mudou, ou seja, que é uma nova pessoa. Em suas especificações, ela acredita que: “A mente de um psicopata, pode manipular por anos pessoas em uma prisão, pois seu cérebro aceita, se conforma temporariamente, mas, quando sai encontra a liberdade e pode voltar a cometer seus crimes”. Lobo alerta que “o psicopata é reincidente" e vê "com restrição e cuidado esse tipo de pessoa, que pode estar apenas sendo movido pelas circunstâncias.” [24]

Diante de tais ponderações, entendemos que a psicopatia é um transtorno mental e possui sua classificação para cada caso em concreto.

1.2.1. A Mente do Psicopata

Os psicopatas possuem menor conexão entre o córtex pré-frontal ventromedial (parte do cérebro responsável pela empatia e culpa) e amígdala, que corresponde ao medo e a ansiedade.[25]

Cientistas britânicos e canadinos, através da ressonância magnética, realizaram estudos em 44 cérebros de pessoas que haviam cometido crimes de “homicídios, violações, tentativas de homicídio ou causado ferimentos corporais graves a terceiros”, desses, 17 possuíam perfil de psicopatia. Examinaram, também, os cérebros de 22 pessoas que não haviam cometido crimes. Ao compararem as imagens, observaram que somente os psicopatas “apresentavam volumes de massa cinzenta significativamente reduzidos em duas áreas: na região anterior rostral do córtex pré-frontal e nos pólos temporais.” Os cientistas entendem que “essas duas áreas são importantes na percepção das emoções e das intenções alheias e são activadas quando pensamos em comportamentos morais.” Tratando-se das lesões nessas áreas, eles explicam que estão associadas à “falta de empatia, de medo, de angústia  de sentimentos de culpa e de vergonha.” [26]

Cabe ressaltar a evolução da medicina com relação aos exames de neuroimagem funcional, que indicam alterações volumétricas no lobo frontal. No entanto, os dados de exames de neuroimagem, indicam o envolvimento de determinadas estruturas cerebrais “específicas no desenvolvimento de comportamento antisocial.”. [27] 

Alguns registros apontam que, o transtorno incide em cerca de 2 a 3% da população, sendo 4% em homens e apenas 1% em mulheres.[28]

No entanto, em meio a tantas definições, a discussão atualmente não reflete só a preocupação de conceituar e classificar o psicopata, mas sim, em tentar buscar correlação entre a criminalidade e esse tipo de transtorno de personalidade.

Outro estudo importante foi realizado pelos peritos do Instituto Psiquiátrico Forense Dr. Maurício Cardoso (IPFMC), dados indicavam que, cerca de 20% das pessoas que praticaram delitos apresentavam diagnóstico de transtorno antissocial de personalidade. [29]

Sendo assim, há casos de pessoas que se tornaram psicopatas devido a acidentes cerebrais, como no caso do operário de mineração americano, Phineas Cage, que sofreu uma lesão no lobo frontal por uma barra de ferro que atravessou a sua cabeça. Cage sobreviveu, porém, o acidente deixou sequelas em seu cérebro, mudando a sua personalidade. De gentil e amoroso, passou a ser uma pessoa agressiva e irresponsável. [30]

Antonio Damasio, neurocientista português, desenvolveu uma teoria que poderia explicar o porquê dos pacientes com distúrbios provocados por lesões no cérebro possuírem problemas emocionais. De acordo com Damásio, indivíduos com lesões no lobo frontal possuem muita dificuldade, ou, são até mesmo incapazes, de ativar as emoções. Entende, ainda, que não há separação entre a mente e o corpo e que a mente e o corpo constituem uma realidade única e que o pensamento racional exige a contribuição das emoções e dos sentimentos. [31]

Sendo assim, o cérebro dos psicopatas pode sofrer alterações em sua anatomia e funcionalidade.

O neurocientista americano, James Fallon, em 2005, estava analisando tomografias dos cérebros de assassinos em série, e em meio a inúmeras tomografias, buscando códigos cerebrais comuns, os quais pudessem estar relacionados com a psicopatia, encontrou outros exames realizados por ele e por sua família, pesquisa esta, que ele fez para complementar um estudo sobre o Mal de Alzheimer, dentre elas, achou uma compatível com a psicopatia. Fallon se deparou com um fato curioso: era o resultado do exame do seu próprio cérebro. [32]

No entanto, Fallon passou a entender melhor o cérebro do psicopata e resolveu revelar sua descoberta para o mundo, narrando sua história no livro intitulado como “The psychopath inside”, em que passou a compreender como ele, de família tradicional, poderia obter “os mesmos códigos encontrados em grandes assassinos.” Porém, Fallon foi mais longe em sua descoberta, pois, ele não possui “comportamentos considerados violentos e perigosos”, mas descobriu que havia algo de errado com relação à definição da doença e com o tratamento que seria direcionado a ela:

“Eu não estou fazendo isso porque de repente eu sou legal, estou fazendo isso por uma questão de orgulho – porque eu quero mostrar para todo mundo e para mim mesmo que eu posso ter sucesso.” [33]

No caso de Fallon, encontramos os indícios de psicopatia que nem o neurocientista tinha conhecimento.

Silva explica, também, acerca das diversas estruturas orgânicas que podem dar inicio a um comportamento violento, como por exemplo, lesões cerebrais. Esclarece, ainda, que, a interconexão entre o sistema límbico, que cuida da parte da emoção e o lobo pré-frontais, que cuida da razão é que define os comportamentos socialmente adequados e as decisões. [34]

1.3. A Importância da Psicopatologia Forense

Para entendermos melhor acerca da Psicopatologia Forense, precisamos saber o seu conceito e sua finalidade.

Serafim conceitua o instituto da Psicopatologia Forense como “uma disciplina interdisciplinar que envolve a psiquiatria e a psicologia.” O termo vem do grego “psychê (alma, psiquismo) + pathos (patologia, doença) + logos (estudo).” [35]

O estudo da Psicopatologia Forense engloba o estudo dos transtornos e doenças mentais e sua finalidade apresenta grande relevância no campo da saúde mental e justiça, pois, gera o conhecimento dos aspectos psicopatológicos, principalmente, na diferenciação dos imputáveis e inimputáveis, que estudaremos mais adiante. [36]

Dentre as finalidades anteriormente citadas, cabe ressaltar que, é também, seu objeto de estudo, o comportamento, sendo observado se o indivíduo possui ou não conduta antissocial, quais as circunstâncias que o levaram a cometer o delito e o histórico de comportamentos anteriores. [37]

Neste sentido, Serafim e Saffi, abordam a questão da periculosidade criminal dos portadores de psicopatia, ressaltando que, tal “periculosidade criminal é um estado de desajustamento social da personalidade do indivíduo que torna provável que ele venha a delinquir.” [38]

No entanto, a importância das pesquisas da psicopatologia no âmbito jurídico é de total relevância para o nosso estudo, por abordar fatores que fazem parte do dia-dia da instrução processual criminal. quando se trata de crimes cometidos por psicopatas.

1.3.1. Avaliações Psicológicas no Âmbito Forense

As avaliações psicológicas são de extrema importância para a instrução criminal, ou seja, é o meio pelo qual o psicólogo usa suas habilidades para investigar o funcionamento mental humano e seu comportamento. [39]

Falaremos acerca de algumas dessas avaliações para melhor entendermos o grau de relevância que estas possuem dentro do processo criminal que envolve o portador de psicopatia, que é o nosso foco principal.

Devem ser levados em consideração alguns aspectos para a atuação do psicólogo no que tange a perícia, os quais incluem: “1) A qualificação e competência do perito; 2) O conhecimento das normas jurídicas; 3) A adequada seleção e utilização de instrumentos psicológicos.” [40]

1.3.1.1. Laudo Psicológico

O Laudo Psicológico deverá ser estruturado sem linguagem técnica, de modo que, qualquer pessoa que não seja da área, como por exemplo, o juiz, possa entender acerca do funcionamento psicológico do indivíduo, e assim, dar seu veredicto. Caso a linguagem técnica não possa ser evitada, deverá o especialista esclarecer brevemente a expressão usada. [41]

1.3.1.2. Perícia em Saúde Mental

A Perícia em Saúde Mental é importante, pois, a perícia, no Direito, é o meio pelo qual se adquire prova, através de pessoa qualificada (perito), nomeado pelo juiz, que vai analisar fatos que sejam juridicamente relevantes à causa, a serviço da justiça. [42]

Nos casos das perícias em saúde mental, “sua finalidade consiste em produzir e levar conhecimento técnico ao juiz, produzindo prova para auxiliá-lo em seu livre convencimento e levar ao processo a documentação técnica do fato, o qual é feito por meio de documentos legais.” [43]

1.3.1.3. Classificação das Perícias

A classificação das perícias está de dividida de acordo com a demanda judicial, quais sejam:

1) Judicial: São aquelas que são determinadas de ofício pela justiça ou a requerimento das partes envolvidas; 2) Extrajudicial: São aquelas requeridas pelas partes, particularmente; 3) Necessária (ou obrigatória): São aquelas que a lei ou a natureza do fato impõem quando é provado por meio de perícia quanto a materialidade do fato, sob pena de nulidade do processo, caso não seja realizada; 4) Oficial: É aquela determinada de ofício pelo juiz; 5) Requerida: É a perícia solicitada pelas partes envolvidas em um litígio; 5) Contemporânea ao Processo: São aquelas que são realizadas no decorrer da ação judicial; 6) Cautelares: São realizadas antes do processo de conhecimento. [44]

No entanto, na esfera penal, a perícia psicológica poderá ser requerida na fase de investigação criminal (inquérito), na fase processual e na fase de execução penal. Neste caso, o perito se fundamentará na “necessidade da verificação da responsabilidade penal, cujo processo requer um estudo aprofundado do funcionamento psicológico do sujeito acusado da prática delituosa por meio da perícia em saúde mental”, conforme vimos anteriormente. [45]

1.3.1.4. Exame Médico Legal do Acusado

Considerando tudo que foi dito anteriormente, o exame médico legal tem como finalidade a realização de exame de sanidade mental do acusado da prática delituosa, que fornecerá elementos que indiquem dúvidas acerca da sanidade mental do indiciado:

“O exame médico legal do acusado com vistas a determinação da imputabilidade há que resultar de análise do contexto probatório dos autos, a revelar a séria ou razoável dúvida a respeito de sua saúde mental. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento do exame de sanidade mental do réu se não há dúvida sobre a integridade mental dele.” [46]

Neste caso, pode o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, ou até mesmo, por ascendente, descendente, defensor, curador, irmão ou cônjuge do acusado poderá solicitá-lo. O exame pode ser ordenado, também, na fase de inquérito, mediante representação de autoridade policial ao juiz competente, conforme dispõe o artigo 149 e parágrafos primeiro e segundo, do Código de Processo Penal:

“Artigo 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, que seja este submetido a exame médico legal.

§1º. O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.

§ 2º - O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.”  [47]

Ressalta-se, ainda, que o exame serve para verificação da real capacidade do réu de entender a ilicitude de sua conduta. Ao juiz, cabe apenas deferir ou indeferir o pedido do exame. Se for deferido, valerá por toda a instrução processual e se for indeferido, o juiz fundamentará a sua decisão. [48]

Sendo assim, o sujeito corre grande perigo se o psiquiatra forense se equivocar no diagnóstico, pois, uma vez que um indivíduo é diagnosticado erroneamente como psicopata, poderá colocar em perigo o andamento de um julgamento. [49]

Contudo, não há como mencionar a psicopatia sem correlacionar a Psicologia e o Direito, pois, as duas ciências encontram fundamento no artigo 149 do Código de Processo Penal, conforme vimos anteriormente, devido à necessidade de ser verificada a responsabilidade penal do acusado da prática delituosa, estudando-se o seu funcionamento psicológico. [50]

Portanto, as pesquisas realizadas na área médica são de relevância significativa para o Direito Penal, pois, uma vez diagnosticado o transtorno, o tratamento jurídico, ou seja, a sanção que vos será imposta, não seguirá as mesmas regras das sanções aplicáveis ao cidadão comum, conforme veremos mais adiante.

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2. PSICOPATIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS

Para entendermos melhor acerca das conseqüências jurídico-penais nos casos de psicopatia, é necessário que nos reportemos a alguns conceitos básicos da área penal, para que possamos melhor compreender o que será tratado neste capítulo.

Acerca do conceito de crime, este se divide em três aspectos: material, formal e analítico. Sob o aspecto material, a definição de crime decorre de fato humano que venha lesar ou expor “a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social (...)”, [51] “(...) que são protegidos pela lei, como por exemplo, a liberdade do ser humano, reconhecida na Constituição Federal.” [52]

Sobre o aspecto formal, o legislador vai descrever o que será considerado como infração penal e os atos praticados em contrário ao dispositivo legal, serão considerados como crime ou infração penal. [53]

Já o aspecto analítico é a análise de “todos os elementos e características que integram o conceito de infração penal sem que com isso se queira fragmentá-lo.” [54]

Porém, encontraremos divergências de teorias na doutrina acerca do conceito analítico do crime:

Mirabette, Damásio, Delmanto e Dotti, adotam a teoria da divisão bipartida, onde o conceito formal do crime se dá pelo fato típico e antijurídico, encarando “a culpabilidade” sendo “apenas um pressuposto para aplicação da pena.” [55]

Capez, também entende que, “a culpabilidade não integra o conceito de crime”, seguindo a teoria naturalista, concebida por Franz Von Liszt, defendida por Ernest Von Beling, no século XIX.

Capez conceitua o aspecto analítico de crime da seguinte maneira:

Aspecto Analítico: é aquele que busca, sob o prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com o que o julgador ou intérprete desenvolva seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.” [56]

Acerca do fato típico, Capez nos esclarece como sendo “o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na legislação penal”, elementos estes, que se incluem: “a) conduta dolosa ou culposa; b) resultado (só nos crimes materiais); c) nexo causal (só nos crimes materiais); d) tipicidade.” [57]

No entanto, Greco adota a divisão tripartida do conceito analítico de crime, sendo fato típico, antijurídico, incluindo a culpabilidade como elemento característico do crime. [58]

Sendo assim, ficamos com o entendimento da corrente majoritária, que classifica o crime como fato típico, antijurídico e culpável.

2.1. O InstitUto da Culpabilidade

Greco conceitua a culpabilidade como sendo “o juízo de censura reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente.” [59]

Temos de observar, portanto, a conduta do agente. Conduta “é sinônimo de ação e de comportamento humano, comportamento este, que pode ser “omissivo (negativo) ou comissivo (positivo), culposo ou doloso.” [60]  

Mirabete entende que, só existe culpabilidade se o agente, dependendo das suas condições psíquicas, à época do fato, “podia estruturar sua consciência e vontade, de acordo com o direito (imputabilidade);” [61]

Mirabete entende, ainda, que se o sujeito tinha condições de compreender a ilicitude de sua conduta e se esta poderia ser diferente daquela que o agente obteve [62].

No entanto, a culpabilidade é a ‘reprovabilidade’ da configuração da vontade. Neste sentido, Welzel nos dá a seguinte lição:

“(...) culpabilidade é a reprovabilidade da configuração da vontade. A culpabilidade deve ser concebida como reprovação, mais precisamente, como juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao Direito, quando podia ter autuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.” [63]

A culpabilidade na visão de Capez:

“A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou o fato típico e ilícito.” [64]

Capez entende, ainda, que “na culpabilidade aufere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido.” Sendo assim, podemos entender que a culpa no sentido mais amplo (para leigos, no sentido de responsabilizar alguém) e a reprovação caminham juntas, de modo que a culpabilidade envolve a culpa. [65]

Sendo assim, a culpabilidade de fato, adotada pela doutrina majoritária, consiste no sentido de que “a censura deve recair sobre o fato praticado pelo agente, isto é, sobre o comportamento humano.” [66]

Contudo, a culpabilidade depende de três elementos, de acordo com a Teoria Normativa Pura que são:

  1. imputabilidade, que é a capacidade do agente para delinqüir;
  2. potencial consciência da ilicitude, que é possibilidade de o agente compreender ou não se sua conduta era proibida ou não por lei, no momento em que este delinquiu;
  3. exigibilidade de conduta diversa, que “consiste na expectativa social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente.” [67]
2.2. ImputabilIdade, SeMi-Imputabilidade e o Inimputável

Uma vez que, a imputabilidade consiste na capacidade de culpa do agente, ou seja, para que o agente seja responsabilizado pelo fato típico e ilícito que tenha cometido, portanto, “a imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.” [68]

No entanto, na visão de Delmanto, o artigo 26 do Código Penal, trata a questão do inimputável, quando estabelece que, considera-se inimputável o agente que é isento de pena, “que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito o fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” [69]

O Código Penal dispõe as hipóteses, de acordo com critério político-legislativo acerca da inimputabilidade dos agentes: a inimputabilidade por doença ou retardo mental ou por imaturidade natural. Vejamos o que nos diz o artigo 26 do CP, in verbis:

“É isento de pena o agente que, por sua doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” [70]

Sendo assim, percebemos que o Código Penal adotou o critério biopsicológico para classificar a imputabilidade. Assim, a natureza jurídica da imputabilidade é uma das causas de excludente da culpabilidade, “afastando o juízo de reprovabilidade da conduta praticada e, portanto, a pena.” [71]

Todavia, o critério biopsicológico engloba três requisitos:

  1. Causal, pois, são as causas previstas em lei, quando existe doença mental ou o desenvolvimento mental retardado ou incompleto;
  2. Cronológico, porque, “depende da atuação do tempo a ação ou omissão delituosa.”;
  3. Consequencial, pois, se dará pela “perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer.” [72]

Capez ressalta que se não houver os três elementos da culpabilidade não haverá imputabilidade, exceto, nos casos dos menores de idade, pois estes são regidos apenas pelo sistema biológico. [73]

Nos casos de psicopatia, se o agente é declarado inimputável, não será condenado, mas sim, absolvido. [74]

Sendo assim, os efeitos da psicopatia relacionados aos crimes, seguirão o padrão, que de acordo com Delmanto, se classificam como criminosos fronteiriços, ou seja, indivíduos que:

 “apresentam permanentes deformidades do senso ético-moral, distúrbios do afeto e da sensibilidade’, cujas alterações psíquicas os levam aos mais variados crimes, quando, porém, “dão-se por violentos, sem sombra de dúvidas, são os que praticam os atos mais perversos e hediondos dentre todos os outros”, adentrando-se, agora, ao campo patológico (ao contrário das três categorias anteriores)". [75]

Todavia, na psicopatia, a anormalidade está de um lado e a doença mental de outro, tendo como característica principal “a extrema frieza e insensibilidade moral com que tratam as vítimas”, sendo estes descritos na história como “psicopatas, sociopatas, condutopatas.” [76]

Delmanto vai mais a fundo, quando se trata da manipulação, onde descreve que muitas das vezes, o psicopata “confunde juízes e promotores que os tomam por normais quando na verdade não o são.” [77]

Sendo assim, cabe, ao perito, pelos meios que vimos anteriormente, neste tipo de situação, classificar o tipo de indivíduo com o qual se está lidando, para que a justiça, então, possa “por meio de medida detentiva de segurança, mantê-lo longe da sociedade.” [78]

Veremos, detalhadamente, como a imputabilidade é aplicada na prática, quando estudarmos sobre a aplicação da pena para os psicopatas.

Acerca da semi-imputabilidade, esta é “a redução da capacidade de compreensão e vontade, não exclui a imputabilidade.” [79]

José Cosenzo, Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, explica um exemplo acerca dos serial killers, que “por mais doentia que possa parecer sua atitude, deve ser devidamente punido já que o fato de tentar esconder dos outros os crimes que comete é sinal de que sabe do seu caráter ilícito.” Afirma ainda, que “o psicopata é semi-imputável porque compreende parcialmente o crime que cometeu.” [80] 

Todavia, observamos que há uma grande dificuldade para o Direito Penal brasileiro classificar o psicopata como imputável ou semi-imputável. [81]

A semi-imputabilidade consiste na perda parcial da capacidade do agente entender a sua conduta, devido à doença mental ou ao desenvolvimento mental retardado. [82]

Capez entende que a semi-imputabilidade “alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime.”. Ou seja, o indivíduo entende o caráter da sua conduta, mas devido as suas condições mentais, não controla seus atos. [83]

Capez entende, ainda, ser o agente imputável, porém, com a responsabilidade de entendimento do que faz, sendo a responsabilidade do agente diminuída em razão da culpabilidade ser reduzida, devido as suas condições pessoais. [84]

A semi-imputabilidade também possui os três requisitos do critério biopsicológico da imputabilidade, com exceção a intensidade do requisito cronológico e consequencial. Enquanto que na imputabilidade o requisito cronológico dependerá do tempo da ação ou da omissão, na semi-imputabilidade ele se intensifica, devendo estar presente no tempo da ação ou da omissão do agente, já o requisito conseqüencial, na semi-imputabilidade se dá com a perda parcial do entendimento do agente, diferente da perda total na imputabilidade. [85]

A conseqüência da declaração de semi-imputabilidade do agente para a imputabilidade é que, a semi-imputabilidade não exclui a culpabilidade, apenas diminui, reduzindo-se, assim, a pena de 1/3 a 2/3, ou imposição de medida de segurança, mas a sentença continuará sendo condenatória, em conformidade com o artigo 96 do CP. Vai depender de laudo de sanidade mental do acusado, dependendo do seu grau de perturbação, o juiz deverá diminuir a pena. [86]

Diante dos conceitos mencionados, concluímos que, o imputável possui consciência e entendimento acerca da sua conduta, respondendo, assim, às penas impostas no artigo 32 do CP, o semi-imputável é aquele que possui perturbação da saúde mental, em que o indivíduo vai entender que a sua conduta foi ilícita, mas devido a perturbações, este tem a pena diminuída, podendo, também, cumprir uma medida de segurança, conforme veremos, no decorrer do estudo e o inimputável é o portador de doença mental ou o desenvolvimento mental retardado ou incompleto, conforme artigo 26 do CP.

2.3. Aplicabilidade da Legislação Brasileira nos Casos de Psicopatia

Conforme vimos do decorrer desse estudo, o indivíduo, para ser caracterizado como portador de psicopatia, o transtorno deve ser declarado por meio de laudos e exames de sanidade mental, por peritos da área médica, tais como psicólogos e, ou, psiquiatras, para que o juiz possa aplicar a sanção adequada a cada caso, dependendo sempre do grau de periculosidade do agente.

No entanto, para aplicar a sanção adequada dependerá da conduta que o psicopata está inserido. A psiquiatria, unanimemente, vem desenvolvendo a tese de que o psicopata possui consciência dos seus atos. Esta teoria aproxima-se do Direito em matéria de culpabilidade, conforme vimos na teoria afirmativa pura, como forma de responsabilizar o indivíduo de acordo com a sua compreensão acerca da sua conduta.[87]

Encontraremos respaldo também, acerca do psicopata ser semi-imputável, no entendimento dos Tribunais:

“Capacidade diminuída dos psicopatas – TJSP – “Os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter criminoso do ato praticado, enquadrando-se, portanto, na hipótese do parágrafo único do artigo 22 (art. 26 vigente) do Código Penal (redução facultativa de pena).” [88]

No entanto, quando declarada a psicopatia pela perícia técnica, podemos dizer que o psicopata entende o que é crime, possuindo “capacidade cognitiva preservada, mas poderá não controlar seus estímulos à prática criminosa (...)”. Contudo, isto poderá “comprometer sua liberdade de opção no momento do fato, por ter sua a vontade reduzida em decorrência da perturbação de comportamento anteriormente presente (...)”, cuja possibilidade está prevista no parágrafo único do art. 26 do CP, conhecida como semi-imputabilidade. [89]

Porém, observaremos o acórdão que julgou improcedente o pedido de Habeas Corpus, ao acusado declarado por meio de laudo médico, sendo portador de psicopatia:

“E M E N T A – HABEAS CORPUS – VILIPÊNDIO DE CADÁVER – MEDIDA DE SEGURANÇA – FALTA DE VAGA EM NOSOCÔMIO JUDICIAL – MANUTENÇÃO DO PACIENTE NA PRISÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – PACIENTE PORTADOR DE PERSONALIDADE PSICOPÁTICA OBSESSIVA-COMPULSIVA EM EVOLUÇÃO – NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA INTERNAÇÃO PARA GARANTIA DA INTEGRIDADE FÍSICA DO PACIENTE E DA SOCIEDADE – ORDEM DENEGADA.

Tratando-se de paciente portador de personalidade psicopática em evolução e tendo sido demonstrado que a sua soltura põe em risco não só a sociedade, como também a sua própria vida, devido à revolta causada pelo ato por ele praticado, a manutenção da internação na cadeia pública até o surgimento de vaga em estabelecimento próprio não constitui constrangimento ilegal.

A  C  Ó  R  D  à O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem; unânime, com o parecer.” [90]

Neste caso, a sanção aplicada pelo juiz foi uma medida de segurança, prevista no artigo 96 do CP, I, que é a internação hospitalar. [91]

2.3.1. Das Medidas de Segurança

Acerca das medidas de segurança, essas são sanções penais, que na visão de Delmanto, são de “caráter mais gravoso do que as próprias penas” aplicadas aos imputáveis, devido à severidade da “restrição à liberdade da pessoa internada.” [92]

A finalidade das medidas de segurança é prevenir que o inimputável ou semi-imputável que demonstra potencial para o cometimento de novos delitos não volte a cometer outros delitos. [93]

 De acordo com o sistema duplo binário, poderia ser aplicado, cumulativamente a pena e a medida de segurança, porém, o Código Penal Brasileiro vigorante adotou o sistema vicariante, ou seja, se tornou impossível a aplicação da pena cumulada com a medida de segurança. No caso dos inimputáveis será aplicada a medida de segurança e aos semi-imputáveis, aplica-se a pena ou a medida de segurança, não se pode cumular. [94]

Capez faz uma observação muito importante acerca da medida de segurança, pois, esta não será aplicada a qualquer doente mental que recebe a sanção, senão naqueles que praticam fatos típicos e ilícitos. [95]

Cabe ressaltar que a periculosidade é o potencial que o agente possui para praticar o delito. “Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental.” Sendo assim, nos casos de psicopatia, mesmo que haja laudo apontando o problema mental, o juiz deverá constatá-la, investigando, ainda, no caso concreto se aplicará pena ou a medida de segurança, devido ao grau de periculosidade real. [96] 

Sendo assim, a periculosidade do agente, no caso do inimputável, é presumida, ou seja, se o laudo atestar a perturbação mental, a medida de segurança será imposta obrigatoriamente. Já na semi-imputabilidade, a periculosidade é real, depende de constatação do juiz, ou seja, mesmo que o laudo ateste a falta de saúde mental, dependerá de investigação para avaliar se seria o caso de aplicar a pena ou a medida de segurança, no caso concreto. [97]

Conforme Delmanto defendeu que a medida de segurança é mais gravosa do que a aplicação da pena para o acusado, nos casos de internação em nosocômio judicial, o STF já decidiu essa questão:

 “Tanto a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico como o acompanhamento médico-ambulatorial pressupõem, ao lado do fato típico, a pericu-

losidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime.Tratando-se de inimputável, a definição da medida cabível ocorre, em primeiro plano, considerando o aspecto objetivo — a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal. Se é o de reclusão, impõe-se a internação. Somente na hipótese de detenção é que fica a critério do juiz a estipulação, ou não, da medida menos gravosa — de tratamento ambulatorial.

A razão de ser da distinção está na gravidade da figura penal na qual o inimputável esteve envolvido, a nortear o grau de periculosidade — Arts. 26, 96 e 97 do CP”. [98]

2.3.1.1. Das Espécies de Medidas de Segurança

Acerca das modalidades de medidas de segurança, existem duas classificações: a detentiva e a restritiva, ambas previstas no artigo 97, do Código Penal. [99]

A medida de segurança detentiva é a internação do agente nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. A medida possui algumas características, vejamos:

“a) é obrigatória quando a pena imposta for de reclusão;

b) será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade;

c) a cessação da periculosidade será averiguada após um prazo mínimo, variável entre um três anos;

d) a averiguação pode ocorrer a qualquer tempo, mesmo antes do término do prazo mínimo, se o juiz da execução determinar (LEP, art.176).” [100]

Na medida de segurança detentiva, a desinternação será condicional e a situação anterior do agente deverá ser restabelecida, se este, antes do período de um ano, pratique fato que indique a sua periculosidade, não necessitando que o fato seja um crime. [101]

Acerca do local da internação, o artigo 99 do CP, dispõe que o agente será recolhido em estabelecimento com características hospitalares, submetido a tratamento, e, na falta de vagas ou caso não haja este tipo de estabelecimento, a internação deverá ser feita em hospital comum ou particular, tendo o STF já se manifestado acerca do hospital particular, não devendo o agente ser mantido em cadeia pública. Sendo assim, a manutenção do réu que teve como sanção a medida de segurança em estabelecimento inapropriado por inexistência de vaga em hospital, constitui constrangimento ilegal. [102]

A medida de segurança restritiva possui características semelhantes à detentiva. A diferença consiste na aplicação da pena, sendo detentiva quando a pena for de reclusão e na restritiva quando a pena for de detenção e o prazo para a constatação da perícia médica, na restritiva, será após o decurso do prazo mínimo, que varia entre um e três anos. A aplicação da pena na detentiva é na fase de averiguação, já na restritiva, é na fase de constatação. [103]

O critério a ser utilizado para a fixação do prazo mínimo será de acordo com o grau de perturbação do agente e conforme a gravidade do delito. Neste caso, recomenda-se cautela ao liberar ou desinternar o sujeito que possui periculosidade. [104]

A liberação do sujeito na medida restritiva, também, será condicionada, seguindo os mesmos ritos da detentiva. [105]

A diferença entre detenção e reclusão se dá, de acordo com o artigo 33 caput, do CP, que dispõe, in verbis:

“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.” [106]

No caso do psicopata, o sistema aplicado será o vicariante, ou seja, ou o juiz reduzirá a pena de 1/3 a 2/3, ou substituirá por medida de segurança. Porém, a sua decisão deverá ser fundamentada, sendo determinada, somente, se o juiz entender ser cabível, sendo neste caso, obrigatória a redução da pena, nos moldes do artigo 98, do CP. [107]

Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), possui entendimento de que é possível substituir a pena por medida de segurança, por meio de recurso de apelação, mesmo que esta seja requerida pela defesa, não cabendo a aplicação da Súmula 525 do Supremo Tribunal Federal (STF), [108] que diz que não se aplicará a medida de segurança em juízo “ad quem” (em segunda instância), quando só a defesa tenha recorrido. [109]

Contudo, a Súmula do STF foi editada antes da reforma da parte geral do Código Penal, subsistindo apenas para vedar a reforma, especificamente, para a medida de segurança.[110]

Cabe ressaltar que, não cabe medida de segurança aos menores de 18 anos, pois, estes, se submetem à Lei 8.069/90, que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, sua revogação obedece aos requisitos do artigo 176, da Lei de Execuções Penais (LEP), Lei nº 7.210/84, quando cessa a periculosidade, sendo competente o juiz da execução e não mais a segunda instância, ficando, então, revogado o artigo 777, do CPP. [111]

Ainda, sobre a medida de segurança, está sujeita a prescrição, sendo inadmissível a aplicação provisória da medida, não havendo base legal que a regule. Sendo assim, a Lei 7209/84, alterou o Código Penal, revogando os dispositivos dos artigos 378 e 380 do CPP, que tratavam da medida de segurança.  Acerca da conversão da pena em medida de segurança, esta é possível caso ocorra perturbação da saúde mental do condenado, de acordo com o artigo 183 da LEP, sendo o juiz autorizado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou de autoridade administrativa, a converter a pena privativa de liberdade em medida de segurança, ocorrendo, enquanto não acabar a periculosidade do agente, somente, durante o prazo do cumprimento da pena, de acordo com perícia médica, não ultrapassando o tempo de duração do restante da pena. Encerrando-se o cumprimento da pena, havendo necessidade de tratamento, o condenado deverá ser encaminhado ao juízo cível, para que se cuide de sua interdição, conforme o artigo 682, parágrafo 2º, do CPP. [112]

2.4. O Psicopata em Cumprimento da Sanção Penal

Conforme observamos no decorrer deste trabalho, o psicopata, sendo considerado semi-imputável, não lhe é aplicada as penas dispostas no artigo 32 do CP.

Sendo assim, sabemos que não há prisão em especial para psicopatas, conforme veremos mais adiante, quando questionaremos o tratamento difernciado dado pela justiça aos portadores do transtorno.

No entanto, quando não há uma declaração técnica do perito, que comprove a psicopatia, o psicopata responde como imputável, permanecendo em presídios, juntamente com presos comuns, por não existir no Brasil prisão especial para estes. [113]

No entanto, temos como uma problemática, casos concretos de psicopata, como por exemplo, o do Francisco da Costa Rocha, o Chico Picadinho, que foi condenado a 30 anos de prisão, por assassinar e esquartejar uma mulher, em 1966. Picadinho cumpriu apenas 1/3 da pena, o equivalente há 10 anos e foi posto em liberdade. Passados 10 anos, ou seja, em 1976, Picadinho cometeu outro crime semelhante, assassinando e esquartejando outra vítima do sexo feminino, razão pela qual, adquiriu a alcunha de Chico Picadinho. Picadinho foi novamente condenado, porém, a pena expirou em 1998. Só que desta vez, Picadinho não foi posto em liberdade e foi obrigado a permanecer na Casa de Custódia de Taubaté, no Estado de São Paulo. [114]

A justiça ainda mantém Picadinho preso, baseando-se nos laudos de exame de cessação de periculosidade, em que, corre grande risco de que venha a cometer o mesmo crime caso saia da prisão e Picadinho encontra-se interditado, não possuindo “condições de gerir sua vida civil, sem representar ameaça à sociedade, haja vista as características de transtorno mental descritas.” [115]

O advogado e curador de Picadinho entende que, o procedimento adotado pela justiça é absurdo e diz que trata-se de “pena perpétua e isso não existe em nosso ordenamento jurídico.” [116]

Acerca das sanções aplicáveis aos psicopatas, a Lei de Execuções Penais, dispõe acerca do tratamento nos hospitais de custódia e sobre o tratamento psiquiátrico, nos artigos 99 ao artigo 101. [117]

Morana insiste na tese de que a psicopatia não é uma doença mental, mas sim, perturbação da saúde mental. Na visão de Morana, podemos defini-los apenas como semi-imputáveis, depois de tanto observarmos os institutos da imputabilidade e da semi-imputabilidade. [118]

Morana discute, ainda, acerca da aplicação da medida de segurança, entendendo que o objetivo desta seria realizar tratamento curativo e considera a sanção bastante polêmica “devido à grande dificuldade de se tratar de forma eficaz os portadores de transtorno anti-social.” [119]

A psiquiatra questiona, ainda, acerca do tratamento dado nos ambulatórios ou nos hospitais de custódia, onde a aplicação da sanção é prevista para o tipo de crime praticado ao invés de depender “do quadro médico apresentado.” [120]

Acerca do tratamento dado aos psicopatas, falamos acerca da possibilidade do transtorno ser incurável, porém, Morana apresenta uma novidade acerca da existência de um debate internacional sobre a possibilidade de ser realizado tratamento dos diversos tipos de transtorno de personalidade, o que inclui a psicopatia. [121]

 Sendo assim, a dificuldade em tentar dar eficácia às tentativas de tratamento aos portadores de psicopatia, por estes representarem um desafio terapêutico, de acordo com Adshead G, o modelo de tratamento proposto é constituído por sete fatores, para que sejam checados a viabilidade do tratamento:

“1) a natureza e a gravidade da patologia; 2) o grau de invasão do transtorno em outras esferas psicológicas e sociais, bem como seu impacto no funcionamento de diferentes setores de sua vida; 3) a saúde prévia do paciente e a existência de comorbidade e fatores de risco; 4) o momento da intervenção diagnóstica e terapêutica; 6)disponibilidade de unidades especializadas no atendimento de condições especiais; e7) conhecimento científico sobre esse transtorno, bem como atitudes culturais em relação a concepção do tratamento.” [122]

Sendo assim, Morana entende que os portadores de psicopatia requerem uma excessiva atenção por parte da equipe médica e muitos são considerados difíceis de manipular, o que contribui ainda mais na condução do tratamento. [123]

No entanto, a psiquiatria pesquisou 48 casos de pessoas com indícios de psicopatia, e, cerca de 20 pacientes (44%) não responderam ao tratamento após um ano de tentativa. Os especialistas entendem que a resposta negativa ao tratamento terapêutico se dá pelos seguintes fatores: “antecedentes prisionais predominando sobre os hospitalares; não aceitação prévia em realizar tratamento psiquiátrico e falta de resposta no mesmo.” Dentre os fatores mencionados, inclui-se, também, “crime no qual a vítima era desconhecida pelo paciente; e baixo nível de motivação para o tratamento.” [124]

Sendo assim, estão sendo propostos diversos tipos de intervenção psicoterápica com o objetivo de tentar amenizar as conseqüências causadas pelos portadores do transtorno da personalidade anti-social.

3. OS DESAFIOS DO JUDICIÁRIO EM JULGAR OS CRIMES COMETIDOS POR PSICOPATAS

Veremos que o judiciário brasileiro enfrenta muitos desafios para tentar amenizar os conflitos e os transtornos que os psicopatas causam, principalmente, aqueles que cometem os crimes mais bárbaros, como por exemplo, homicídios com requintes de crueldade.

Conforme vimos no capítulo anterior deste estudo, o psicopata ao cometer um delito, o juiz aplicará sanções previstas no Código Penal. Porém, analisaremos a inexistência de legislação específica para os portadores de psicopatia no âmbito criminal.

Com o advento do Decreto nº 24.559 de 03 de julho de 1934, ainda em vigor, o termo “alienado”, como era mencionado no Decreto nº 1.132/1903, foi retirado do ordenamento jurídico brasileiro, passando, então, a ser empregado o termo psicopata. Este regula apenas as questões civis do psicopata e a sua internação compulsória. [125]

Sendo assim, de acordo com a visão médica e jurídica, o psicopata passou a ser visto como uma questão de ordem pública, devido ao seu potencial de periculosidade. [126]

A finalidade do decreto consiste em dar assistência e proteção ao psicopata, lhes proporcionado, assim, tratamento médico e proteção legal, e, social, contribuindo para a higiene psíquica e prevenção de doenças mentais. Porém, são campos mais voltados à esfera cível, não dispondo de medidas específicas acerca de crimes cometidos pelos portadores do transtorno da psicopatia. [127]

Desde então, conforme observamos no decorrer desse estudo, o psicopata vem sendo visto, apenas, como uma questão de saúde mental. Sendo assim, não há um interesse dos legisladores em criar uma tipificação específica para os psicopatas no Código Penal, muito menos em criar uma legislação que siga o pensamento e a preocupação da psiquiatria, que questiona acerca da ineficácia do tratamento dado por nossa legislação ao psicopata.

Por essas e outras razões é que o judiciário enfrenta grandes desafios, pois, nem sempre, pode-se ter um diagnóstico preciso acerca do indivíduo portador de psicopatia, pois, conforme pudemos observar nos capítulos anteriores, este pode manipular até mesmo o especialista que o avalia.

Sabemos que, de acordo com o artigo 75 do CP, ninguém pode cumprir pena de prisão por mais de 30 anos. No entanto, há um debate pela Comissão de Juristas criada pelo Senador Sarney, em que foi aprovada no dia 11 de maio de 2012, proposta que aumenta em dez anos o limite de cumprimento de penas de prisão, ou seja, de 30 passará a 40 anos. [128]

De acordo com o Código Penal vigente, se o agente vier a rescindir, ou seja, cometer outro crime, havendo nova condenação, suas penas serão somadas e limitadas há 30 anos. Com a proposta a regra seria o cumprimento de 40 anos. [129]

Esta proposta está sendo avaliada na possibilidade da criação do anteprojeto do novo Código Penal. [130]

O jurista Luiz Carlos Gonçalves explica que:

 “Se uma pessoa mata alguém no primeiro dia que está cumprindo essa pena de 30 anos, por exemplo, ela cumpriria só um dia de prisão. Com a mudança, ela poderia cumprir até dez anos e um dia pelo novo crime, ou seja, o cumprimento máximo se estenderia para 40 anos.” [131]

Porém, enquanto há essa discussão, o psicopata continua cumprindo a legislação em vigor.

Vimos que, ao ser atestado o grau de periculosidade do agente, este, mesmo cumprindo pena, esta não deverá se exceder por mais de 30 anos. Vimos, também, que a medida de segurança é por tempo determinável. Daí a importância em discutir a questão de o psicopata não ser tratado apenas como uma questão de saúde mental, mas sim, quando este possui o entendimento do caráter de sua conduta, mesmo não dando importância se esta está em desacordo com a lei, possa responder pelos seus crimes, separadamente dos demais criminosos, com uma tipificação específica para tal.

Sabemos que, se o agente cumpriu a sua sanção, como o mesmo será acompanhando, para que não possa vir a cometer outros crimes, como vimos no caso do Chico Picadinho?

Alexandre Magno, professor de Direito Penal e Processual Penal, considera que:

“Considerando impossível a mudança dos citados dispositivos constitucionais, por serem clausulas pétreas, restaria uma mudança radical na jurisprudência que reabriria a possibilidade de duração indeterminada da medida de segurança. Atualmente, a única opção legal é uma antiga norma editada por Getúlio Vargas: o Decreto n° 24.559/34, que, civilmente, regula a internação compulsória de psicopatas. Chega a ser irônica que a única norma federal a tratar de um assunto tão moderno como psicopatia tenha sido promulgada há mais de 70 anos!” [132]

Magno defende, ainda, a possibilidade de a prisão resolver o problema e ser, também, a única solução para o caso. [133]

No entanto, questionamos qual será o acompanhamento a ser realizado com o portador de psicopatia, quando este vier a terminar de cumprir a sua sanção.

3.1. Jurisprudências

Veremos o entendimento divergnte dos tribunais acerca dos pedidos de liberdade propostos por portadores de psicopatia, para que possamos compreender a relevância do tema, e, a necessidade de uma reforma jurídica analisando os casos concretos.

Sendo assim, temos decisões que indeferem o benefício da liberdade ou da progressão do regime aos condenados presos, por entenderem que estes, possuem periculosidade, apresentando grandes riscos para a sociedade se soltos.

 “STF - HABEAS CORPUS HC 66437 PR (STF)

Data de publicação: 19/08/1988

Ementa: LIVRAMENTO CONDICIONAL. TRACOS DE PERSONALIDADE PSICOPATICA QUE NÃO RECOMENDAM A LIBERAÇÃO ANTECIPADA DO CONDENADO. INDEFERIMENTO DO BENEFICIO PELO ACÓRDÃO IMPUGNADO. HC INDEFERIDO PELO S.T.F.” [134]

Neste caso, o paciente Luiz Ferreira dos Santos impetrou Habeas Corpus em face de acórdão da Justiça do Paraná, a fim de obter o livramento condicional. Não há, contudo, conteúdo do delito cometido por ele, mas, as informações acerca do cumprimento de sua sanção por ser psicopata, é o que nos interessa.

Contudo, de acordo com o acórdão, no laudo criminológico do condenado, consta que o mesmo é portador de psicopatia e os peritos aconselham que seja adotado um prazo maior para que eles possam melhor observar o seu comportamento. [135]

 Sendo assim, de acordo com o Relatório de Sydney Sanches, o STF entendeu que, devido ao fato do condenado possuir personalidade psicopática, não seria recomendado o seu livramento condicional, devido ao paciente apresentar anomalia psíquica, sendo temerária a sua liberdade, e não há garantias de que o condenado não volte a delinquir. [136]

O Relatório aponta, também, que para justificar o seu pedido de livramento condicional, o réu alegou ser primário, de bons antecedentes, possuindo bom comportamento carcerário. Porém, os ministros entendem que: “só o fato da boa conduta prisional não implica, necessariamente, na demonstração de que o sentenciado tenha possibilidade de manter boa conduta exterior, quanto em liberdade.[137]

Veremos o caso de Odair Juvino Batista, denunciado pelos crimes dos artigos 210 que dispõe acerca da violação de sepultura e 212, sobre vilipêndio (ultrajar – pode ser praticada mediante palavras, escritos ou gestos),[138] todos do CP, em que foi absolvido por ser considerado inimputável, sendo condenado a cumprir medida de segurança de internação, pelo prazo máximo de três anos, em hospital psiquiátrico, veremos a ementa:

“TJ-MS - Habeas Corpus : HC 6379 MS 2004.006379-2

E M E N T A HABEAS CORPUS – VILIPÊNDIO DE CADÁVER – MEDIDA DE SEGURANÇA – FALTA DE VAGA EM NOSOCÔMIO JUDICIAL – MANUTENÇÃO DO PACIENTE NA PRISÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – PACIENTE PORTADOR DE PERSONALIDADE PSICOPÁTICA OBSESSIVA-COMPULSIVA EM EVOLUÇÃO – NECESSIDADE DA MANUTENÇÃO DA INTERNAÇÃO PARA GARANTIA DA INTEGRIDADE FÍSICA DO PACIENTE E DA SOCIEDADE – ORDEM DENEGADA.

Tratando-se de paciente portador de personalidade psicopática em evolução e tendo sido demonstrado que a sua soltura põe em risco não só a sociedade, como também a sua própria vida, devido à revolta causada pelo ato por ele praticado, a manutenção da internação na cadeia pública até o surgimento de vaga em estabelecimento próprio não constitui constrangimento ilegal.

A  C  Ó  R  D  à O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem; unânime, com o parecer.” [139]

Batista desenterrou um corpo de uma senhora recém falecida e enterrada e praticou sexo com o cadáver, deixando o corpo exposto após terminar o ato. [140]

O caso gerou grande repercussão, pois o réu cometeu o delito em Coxim, pacata cidade, no Mato grosso do Sul e, com isso, os familiares e amigos da vítima ficaram revoltados, ameaçando a própria integridade do acusado.[141]

Batista alegou, ainda, com fundamentos no artigo 648, I, do CPP, o qual dispõe que, ninguém será mantido preso além do tempo fixado na sentença, afirmando já ter cumprido a sua sanção pelo prazo máximo imposto na lei, que é de três anos.

Ainda, de acordo com o acórdão, na sentença constou um trecho da declaração dada pelo acusado ao psiquiatra, onde foi possível constatar sua perturbação mental: “sinto muita doidura na cabeça, pensamento ruim que fica martelando na cabeça de me matar, de matar os outros.” No entanto, diante da afirmativa do acusado, foi possível constatar o grau de periculosidade de Batista, que tem pensamentos suicidas ou homicidas. [142]

O exame psiquiátrico realizado em Batista atestou sua perturbação mental, ou seja, sua psicopatia. Diante disso, a decisão indeferiu o pedido de Habeas Corpus, mantendo o condenado em cadeia pública, até que se achasse vaga em manicômio judicial, fundamentando na necessidade de garantia da ordem pública, uma vez, que, além de o condenado não possuir condições de conviver em sociedade, corria o risco de Batista ser linchado. [143]

Neste caso, é possível analisar que, por falta de vaga em manicômio judicial, o agente cumpre pena em cadeia pública, o que é considerado constrangimento ilegal pelo STF. A Corte entende que, na falta de vaga em estabelecimento apropriado, o mesmo teria que cumprir a sanção em hospital particular. Sendo assim, encontramos divergências, somando, assim, para mais um dos grandes desafios do judiciário. Neste caso, o tribunal não considerou o caso como constrangimento ilegal, contrariando o entendimento do STF, conforme vimos no capítulo anterior, quando falamos das medidas de segurança.

No pedido de habeas Corpus, impetrado por Raul Livino de Azevedo, que alegou ser ilegal o acórdão que procedeu ao aumento da pena base, devido à culpabilidade, por elevada reprovabilidade da conduta delituosa praticada pelo agente, considerando o seu modus operandi (modo de agir) empregado acerca de crime cometido contra sua ex-companheira (homicídio duplamente qualificado, com porte ilegal de arma de fogo). [144]

Cabe ressaltar, parte do relatório:

 “Embora a elevação da pena-base pela Corte originária encontre-se justificada pela consideração da presença de outras duas circunstâncias judiciais tidas por desfavoráveis, verifica-se a desproporcionalidade entre os fundamentos expostos e o quantum de pena irrogado relativamente ao crime de homicídio qualificado.

MINORANTE PREVISTA NO ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. SEMI-IMPUTABILIDADE. FUNDAMENTAÇAO CONCRETA. PERTURBAÇAO MENTAL REDUZIDA. FRAÇAO MÍNIMA QUE SE MOSTRA DEVIDA. COAÇAO ILEGAL NAO DEMONSTRADA.

1. Nos termos do art. 26, parágrafo único, do CP: "A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

2. Demonstrado que o paciente não era portador de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, apenas não possuindo plena capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento, em razão de perturbação na sua personalidade, justificada a escolha pela fração mínima (1/3) prevista noparágrafo únicoo do art. 266 doCPP.

3. Habeas corpus parcialmente concedido, apenas para reduzir a pena imposta ao paciente relativamente ao delito do art. 121, 2º, I e IV, do CP, tornando-a definitiva, para ambos os crimes em que condenado, em 12 (doze) anos de reclusão, mantida a pecuniária aplicada pelas instâncias ordinárias, preservados, no mais, a sentença condenatória e o acórdão impugnado.” [145]

Neste caso, foi indeferido o pedido de Habeas Corpus, sendo reduzida a pena do agente de 1/3 sob o seguinte fundamento:

 “(...) em razão da causa geral de diminuição prevista no parágrafo único do art. 26 do CP - semi-imputabilidade -, ficando a reprimenda do paciente definitivamente estabelecida em 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de reclusão .

Em razão do concurso material de crimes, devidamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, fica a reprimenda do paciente definitivamente estabelecida em 12 (doze) anos de reclusão, mantida a pena de multa aplicada pelas instâncias ordinárias.

Ante o exposto, concede-se em parte a ordem, apenas para reduzir a pena imposta ao paciente relativamente ao delito do art. 121, 2º, I e IV, do CP, tornando-a definitiva, para ambos os crimes em que condenado, em 12 (doze) anos de reclusão, mantida a pecuniária aplicada pelas instâncias ordinárias, preservados, no mais, a sentença condenatória e o acórdão impugnado.”[146]

3.1.1. CASO SUZANE VON RICHTHOFEN

Em 2002, a jovem Suzane Von Richthofen ficou conhecida por ser a mandante do crime de homicídio, em face de seus pais. Richthofen foi condenada a 39 anos de prisão, em regime fechado, em 2006, pelo 1º Tribunal do Júri de São Paulo. [147]

Eis um trecho da sentença:

“embora os réus sejam primários e não ostentem antecedentes, os crimes de homicídio pelos quais serão julgados são de extrema gravidade, estão classificados como hediondos e causaram intenso clamor público, de modo que, caso os réus não permaneçam privados de liberdade, a ordem pública poderá não estar garantida, assim como a própria segurança deles eventualmente poderá estar em risco.” [148]

Porém, em 2009, Richthofen requereu o cumprimento do restante da pena em regime semi-aberto, e, o Ministério Público solicitou laudo e parecer criminológico do estado de saúde mental da condenada. Sendo assim, psiquiatras, psicólogos e uma assistente social, contribuíram em sua elaboração, atestando que a mesma é dissimulada. [149]

O laudo foi divergente, com relação ao seu grau de periculosidade, pois, os psiquiatras afirmaram que Richthofen não possui doença mental que ofereça perigo, já os psicólogos e a assistente social, entenderam que Suzane não estava preparada para sair da prisão. [150]

Contudo, o promotor Paulo José de Palma se manifestou contra sua transferência para o regime semi-aberto:

“Nós apreciamos não apenas o trabalho técnico, mas apreciamos os antecedentes dos crimes, a forma como os crimes foram cometidos, e o comportamento da executada após os delitos.” [151]

Em 2014, Richthofen impetrou habeas corpus, alegando estar sofrendo constrangimento ilegal devido a excesso de prazo para o julgamento do pedido de progressão, alegando, ainda, que tal fato seria uma afronta ao princípio da celeridade processual e da razoabilidade, requerendo, novamente, a progressão para o regime semi-aberto, alegando ter cumprido 1/6 da pena, conforme exposto no artigo 112, da LEP. [152]

A impetrante fundamentou o pedido baseado em laudo criminológico, cujo parecer foi favorável à progressão do regime, elaborado em 2013, porém, o a justiça ainda aguarda análise de perito psiquiatra forense, com objetivo de complementar o exame criminológico, considerando a avaliação do seu grau de periculosidade, por causa da gravidade do crime cometido por ela. [153]

Sendo assim, a justiça aguarda o laudo e o parecer do psiquiatra forense, para definir se Richthofen progride ou não o regime.

No entanto, Richthofen é um dos muitos casos em que, o psicopata cumpre pena em presídio comum. Atualmente, Richthofen cumpre pena em cadeia pública, no município de Tremembé, interior de São Paulo [154], juntamente com detentas comuns, sem que lhe tenha sido aplicada as medidas cabíveis aos semi-imputáveis, conforme estudamos no decorrer do trabalho.

Richthofen, conforme pode ser visto na mídia, por ter sido um caso de grande repercussão, não apresentou nenhum remorso, tristeza ou qualquer sentimento pela morte dos pais. Sempre pareceu fria, sem emoção, preocupada apenas com a herança, a qual, ainda disputa judicialmente com seu irmão, apesar de analisarmos, anteriormente que, ela se mostra arrependida, demonstrando as características da psicopatia, na busca de manipular as pessoas, com seu falso arrependimento.  [155]

3.1.2. Maníaco do Parque

Francisco Pereira da Silva, serial killer brasileiro, ficou conhecido no Brasil como Maníaco do Parque, devido à prática de homicídios de nove mulheres no Parque do Estado da região sul de São Paulo, onde foram encontradas as suas vítimas no ano de 1998. [156]

Em entrevista à revista Veja, Maníaco se mostrou frio, sem emoções e não demonstrou nenhum arrependimento quando descreveu como matou suas vítimas. Em trecho da entrevista, Maníaco diz com serenidade na voz:

“Nunca contei isso pra ninguém, nem pra minha mãe. Eu tenho um lado ruim dentro de mim. Uma coisa feia, perversa, que eu não consigo controlar. Tenho pesadelos, sonho com coisas terríveis. Acordo todo suado. Tinha noite que não saía de casa porque sabia que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar. Deito e rezo, pra tentar me controlar.” [157]

Os advogados de defesa alegaram que Maníaco sofre de psicopatia e não tinha consciência de seus atos, mas, a promotoria se baseou em exames periciais para provar que Maníaco tinha plena consciência de seus atos e que deveria receber pena máxima. Sendo assim, Maníaco do Parque foi condenado a 143 anos de prisão por homicídio qualificado de 11 mulheres, sendo encontrado apenas 9 corpos. [158]

Contudo, Maníaco do Parque cumpriu pena comum, na Casa de Custódia de Taubaté/SP, mas, a Secretaria Pública de São Paulo confirmou sua morte por tiros, em rebelião ocorrida em 17 de dezembro de 2000 na casa de custódia, junto com outros detentos não identificados. [159]

No entanto, vemos mais um caso de psicopatia que não teve a aplicação de uma medida de segurança, em que o psicopata foi condenado a pena comum aos imputáveis, visto pela perícia como uma pessoa capaz de entender os seus atos, mas, que não consegue controlá-los devido à perturbação mental.

Por esta razão, continuamos a defender a ideia de uma nova legislação, que seja específica aos casos de crimes cometidos por psicopatas, tendo a necessidade de ser avaliado de acordo com o seu grau de periculosidade.

3.2. A Ineficácia da Legislação Brasileira nos Casos de Psicopatia

Entendemos que a medida de segurança, nos casos de psicopatia, tem o objetivo de tratar o doente. Porém, no decorrer desse estudo, vimos que a psicopatia não tem cura. O portador de psicopatia, caso não seja diagnosticado com o transtorno, não poderá ter sua liberdade restringida por mais de 30 anos, que após o cumprimento, o psicopata deve ser reinserido na sociedade, devido a proteção dada pelo artigo 5º, XLVII, “b”, da Constituição da República Federativa do Brasil. [160]

Sendo assim, os criminosos fronteiriços tornam a reincidir, colocando em risco o seu convívio com a sociedade, conforme a afirmativa de Palomba:

“Quanto a se discutir eventual liberação pela suspensão da medida de segurança, quase há um consenso, com poucas discórdias em torno dele, no sentido de que tais formas extremas de psicopatia que se manifestam através da violência são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados. Deve-se a propósito deste pensamento considerar que os portadores de personalidade psicopática são aproximadamente de três a quatro vezes propensos a apresentar recidivas de seu quadro do que os não psicopatas.” [161]

Contudo, restam dúvidas acerca de qual medida seria eficaz para a solução desse conflito. Com o advento da legislação de reforma psiquiátrica, Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, o artigo 5º dispõe acerca de uma política específica para os pacientes que necessitem da continuidade do tratamento, que possuam grave dependência institucional devido a seu quadro clínico, o que demonstra ainda mais a necessidade de que haja uma maneira de controlá-los após o cumprimento da medida de segurança. [162]

Atualmente, há diversos projetos de leis em trâmite na Câmara dos Deputados, com o intuito de alterar a Lei de Execução Penal acerca do exame criminológico e da psisopatia. Todos eles se encontram apensados ao PL 4500/2001, aguardando apreciação do Plenário, conforme alguns exemplos que se seguem.

3.3. PROJETO DE LEI 4500/2001

De autoria de Romeu Tuma, dispõe que, nos casos em que o cumprimento da pena for superior a 8 anos, a progressão do regime de execução da pena restritiva de liberdade poderá ocorrer, somente, após o preso cumprir pelo menos 2/5 ou 3/5 se este for reincidente. Caso o exame criminológico seja impossível de ser realizado, o juiz poderá ou não ouvir profissionais da área médica para analisar a possibilidade de concessão ou não do livramento condicional. A situação do projeto está pronta para pauta no Plenário. [163]

3.4. Projeto de Lei 6858/2010

Dispõe com mais clareza acerca do psicopata, estabelecendo a criação de comissão técnica, autônoma da administração prisional, criando a possibilidade da realização do exame criminológico do condenado à pena restritiva de liberdade. O projeto está sujeito a apreciação do Plenário, apensado ao PL acima mencionado. [164]

Conforme pode ser observado, há um intuito de mudanças na legislação acerca da psicopatia, porém, a contribuição da medicina especializada no tema em questão é de fundamental importância para que se tenha uma legislação eficaz e específica para o portador de psicopatia, pois, mesmo existindo projetos de lei, conforme mencionamos acima, seus efeitos ainda se tornarão ineficazes para a solução do problema em questão.

Fazendo um estudo de Direito comparado, veremos que nos Estados Unidos, vários Estados americanos criaram leis especiais para psicopatas. Tais leis, como por exemplo, em casos de predadores sexuais, prevêem que estes fiquem confinados após o cumprimento da pena. No estado de Washington, há uma lei de 1990, feita para prevenir que os condenados por serem predadores sexuais, quando postos em liberdade, voltem a cometer o mesmo crime ou outros crimes que sejam piores e ainda mais prejudiciais à sociedade. [165] 

No entanto, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, já citada nesta obra, contribui para o seguinte entendimento:

“Senhoras e senhores, não trago boas novas. Com raras exceções as terapias biológicas (medicamentos) e as psicoterapias em geral se mostram, até o presente momento, ineficazes para a psicopatia. Para os profissionais de saúde, este é um fator intrigante e ao mesmo tempo desanimador, uma vez que não dispomos de nenhum método eficaz que mude a forma de um psicopata se relacionar com os outros e perceber o mundo ao seu redor. É lamentável dizer que, por enquanto, tratar um deles costuma ser uma luta inglória.” [166]

No entanto, este despreparo da medicina gera conseqüências ao ramo jurídico, aguçando ainda mais a necessidade da colaboração das áreas psiquiátrica e jurídica para elaborar uma medida que abranja e proteja o psicopata, assim como, tenha o intuito de  proteger a sociedade.

CONCLUSÃO

No presente estudo, abordamos acerca de como surtem os efeitos jurídico-penais aos portadores de psicopatia.

Por se tratar de um tema extremamente complexo, na primeira parte foi necessário enxugar e pesquisar um pouco acerca da personalidade do psicopata, e como funciona a sua mente, já que, os conceitos, em si, voltam-se mais para as áreas da psicologia e psiquiatria, sendo o nosso maior foco, o Direito.

Sendo assim, na segunda parte, o trabalho buscou uma classificação para os psicopatas, analisando se são inimputáveis ou semi-imputáveis, ou, até mesmo, se são imputáveis, pois, muitos não são atestados com o transtorno, cumprindo pena como pessoas comuns, sem serem descobertos. Vimos que, de acordo com a medicina, muitos possuem consciência de seus atos, não sendo considerados como doentes mentais, fazendo um breve passeio acerca da contribuição da psicopatologia na elaboração de laudos criminológicos, cuja finalidade é analisar o grau de periculosidade do agente.

Analisamos, também, quais são as providências tomadas pela justiça, estudando as medidas de segurança, buscando entender a sua eficácia, encontrando na doutrina entendimento de que estas não são satisfatórias e não servem como punição aos portadores de psicopatia.

Na terceira parte do estudo, foram expostos alguns casos concretos e as divergências dos julgamentos em cada caso: psicopatas que cumpriram ou cumprem pena em prisão comum, psicopatas que cumprem medida de segurança de internação em nosocômio judicial e outros que cumprem pena em hospital de custódia, abordando a ineficácia da legislação brasileira na punição dos psicopatas.

No decorrer do trabalho, observa-se que, há projetos de lei, com intuito de que sejam modificados alguns procedimentos legais acerca do tema em questão, mas, nem esses, se aprovados, serão capazes de suprir a necessidade da criação de uma nova norma acerca do assunto.

Sendo assim, concluímos que, há necessidade urgente de que seja criada uma lei, principalmente, criminal, que trate especificamente da psicopatia, de acordo com o grau de periculosidade do agente, pois, dependendo do grau e do caso em concreto, teríamos como classificar os psicopatas, de acordo com a sua perturbação mental, analisando, principalmente, os indivíduos mais perigosos, que, com certeza voltarão a delinqüir, como no caso de Chico Picadinho e tantos outros, que, por falta de laudo não foram detectados como portadores do transtorno. E ainda, lei esta, que classifique e distinga o indivíduo inimputável do semi-imputável, que possam ser acompanhados pela medicina, após o cumprimento de suas sanções, onde, mesmo havendo lei dispondo que ninguém ficará preso por mais de 30 anos, possa haver uma exceção para os portadores do transtorno, enquanto forem avaliados com periculosidade, devido ao perigo que representam para a sociedade.

Cumprimos alguns objetivos enunciados, mas, conforme mencionado há um consenso de que o psicopata é semi-imputável, porém, pudemos observar casos de omissão da psicopatia, tendo precedentes de julgados que declararam o psicopata como doente mental. Sendo assim, este não seria semi-imputável, mas sim inimputável, pois, uma vez que seja doente mental, não possui consciência de seus atos.

Já no caso de Suzane Von Richthofen, esta apresenta laudos que atestam seu grau de periculosidade devido ao crime cometido, com personalidade dissimulada, caracterizando a psicopatia, mas, a mesma não foi tratada como semi-imputável, ou seja, não obteve redução da pena e seus pedidos de progressão do regime semi-aberto estão sendo indeferidos.

Contudo, o presente trabalho foi de grande importância para nossa compreensão acerca de um tema tão complexo e amplamente discutido entre os juristas e a medicina, uma vez que, nos permitiu conhecer melhor acerca do transtorno da psicopatia e suas conseqüências jurídicas, além de ter admitido aperfeiçoar e somar o entendimento da doutrina, da legislação vigente e do julgamento dos casos concretos, nos levando a nos perguntar, se, a psicopatia deverá ser vista somente como uma questão de saúde mental, ou, se há necessidade de criação de lei específica que seja eficaz para a pacificação dos conflitos que envolvem a psicopatia.

Contudo, uma vez o psicopata, preso em cadeia comum, ele pode manipular a todos, e, se possuir comportamento exemplar, sua pena é reduzida. Sendo assim, o que acontecerá com este indivíduo depois que cumprir a sua pena?

E por fim, ressaltamos a necessidade de acompanhamento desses indivíduos, pois, estes não devem ser tratados apenas como doentes ou como indivíduos que possuem perturbação mental, mas sim, devem-se avaliar cada caso, em separado, analisando o seu grau de periculosidade, para a classificação e aplicação adequada da sanção.

Sobre a autora
Lane Ribeiro

Advogada,amante de literatura, escritora, poeta e filósofa amadora, que consegue viajar nos próprios pensamentos.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Tema do meu trabalho de conclusão do curso de Direito, ministrado pela Universidade Veiga de Almeida, com nota 9,5 de aprovação pela banca examinadora, composta por: Raquel Mendes (orientadora), Emerson Afonso e Leonardo Braga. (formatação em word).

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