A competência e o NCPC

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21/04/2015 às 14:23
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[1] O que acarreta analisar o processo sob diferentes prismas: O processo compreendido como método de criação de normas jurídicas; o processo compreendido como teoria do fato jurídiçao e o processo considerado como efeito jurídico. No entanto, para o processo civil, o que importa é a confecção de processo como método de exercício da jurisdição.

O processo é espécie de ato jurídico e deve ser analisado a partir do plano da existência dos fatos jurídicos. O processo encarado como efeito jurídico, situa=se no plano de eficácia dos fatos jurídicos.

Todo processo traz: uma situação jurídica carecedora de tutela. Situação jurídica: pode ser chamada de direito material processualizado. Situação jurídica substancial afirmada (é o direito material, na linguagem mais frequente). Desse modo, a separação entre “direito” e “processo” ocorre apenas para estudo científico e didático, já que não pode implicar em um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela.

Processo: (i) deve ser compreendido, estudado e estruturado tendo em vista a situação jurídica material; (ii) o processo serve de instrumento de tutela tendo em vista a situação jurídica material. Essa abordagem metodológica levou o processo à chamada fase do instrumentalismo (sua principal virtude foi estabelecer a ponte entre o direito processual e o direito material, sem qualquer hierarquia entre os dois).

Calmon de Passos: “Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às normas materiais”. Isso é extremamente importante (essa relação entre direito material e processual), sem a qual, não se pode entender: a) causa de pedir; b) conteúdo da sentença e coisa julgada; c) intervenções de terceiro; d) defesas do demandado; e) princípio da adequação do processo; f) condições da ação; g) direito probatório; h) peculiaridades do processo coletivo etc.

Fredie Didier Jr.: “É impossível compreender esses temas sem analisar a relação que cada um desses institutos mantém com o direito material processualizado”. Em suma: a relação que se estabelece entre o direito material e o processo é circular (“O processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servidor por ele”).

O direito material sonha; o processo concretiza perfeitamente o máximo possível esse sonho. Instrumentalidade do processo: segue a premissa de que o direito material coloca-se como o valor que deve presidir a criação, a interpretação e a aplicação das regras processuais. 

[2] A doutrina constitucional brasileira, ao enfatizar a importância dos princípios para a aplicação do direito, supõe estar distanciada da forma de aplicação/interpretação legalista do direito. Todavia, na realidade, o culto aos princípios disfarça tão somente uma nova configuração de paradigma. Segundo aduz Napoleão Nunes Maia Filho, "a compreensão da natureza dos princípios deverá sempre prestigiar a sua função conformadora do sistema de direito positivo, entendendo-se que servem sobretudo a uma finalidade macrojurídica e essencialmente regradora".   Cabível, pois, concluir que se antes o eixo era o texto legal, hoje foi ele substituído pela Constituição, vista isolada ou retoricamente com o auxílio dos princípios. Aliás, é verificada tendência de substituir tais parâmetros por outro: a decisão judicial, o direito dos precedentes, sem atenção para o que  ocorre nos países de origem desses institutos.

[3] Os delineamentos jurídicos da justiça social requererm um sistema normativo aberto composto de princípios e regras. A norma jurídica entendida como proposição vinculativa institucionalizada, que estatui uma hipótese à qual imputa uma consequência jurídica e que funciona como critério de decidibilidade constitui, em outros termos, gênero em relação às espécies dos princípios e das regras.

Tais princípios se assemelham em estrutura lógica, às chamadas normas programáticas, ao passo que as regras se apresentam sob a forma tradicionalmente atribuída às demais normas de Direito em sentido mais amplo.

As regras contêm a descrição de uma hipótese fática e a sua qualificação prescritiva que pode ser amparada ou não por uma sanção. Os princípios, ao contrário, não se dirigem à hipótese específica da qual decorre certa consequência jurídica.

Já os princípios são mandados de otimização, ou seja, normas que ordenam algo que deva realizar-se na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

 Isto é, a aplicação de cada princípio submete-se aos condicionamentos da realidade e às contingências resultantes do convívio eventualmente conflitante com outros princípios. O conflito entre princípios, aliás, resolve-se pelo critério do maior peso axiológico, o que permite um equilíbrio entre os valores preponderantes em determinado tempo e espaço e os interesses em jogo. No caso das regras, a sua convivência é antinômica, isto é, excluem-se segundo o critério da validade.

[4] A justiça é um dos valores constantes do Preâmbulo da Constituição e supremo da sociedade, assim como a harmonia social e a liberdade. Também é um objetivo fundamental da república brasileira a construção de uma sociedade que seja justa, sendo meta a promoção da justiça social. Que consta estatuída nos arts. 170 e 193 do texto constitucional vigente, referente aos princípios gerais da atividade econômica e das disposições gerais da ordem social. Muito embora o ordenamento jurídico brasileiro não exprima categoricamente o conteúdo da expressão justiça social, que pode ser obtido pela interpretação dos próprios dispositivos constitucionais.

[5] A competência tributária é, em regra, indelegável, somente podendo ser diferente mediante previsão Constitucional. Assim é que, matéria disciplinada pela Constituição delimita os poderes da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios para instituir tributo, descrevendo, legislativamente, sua hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e sua alíquota. Somente as pessoas políticas têm competência tributária. Isto se deve ao fato de que somente elas possuem Poder Legislativo com representação própria.

Delegação de atribuições e funções tributárias não se confundem com a delegação de competência tributária. É curial que qualquer dos entes públicos pode delegar certas funções tributárias (dentre elas de arrecadação, fiscalização e, inclusive, cobrança judicial) sem que isto possa significar delegação de competência tributária, pois não está em causa a instituição de tributos.

[6] A delegação é a transferência da atribuição jurisdicional de um juízo para o outro. Poderá ser externa – se essa transferência ocorre em juízos diferentes (Ex: cartas precatórias citatórias – art. 353, CPP) e instrutórias, para interrogatório de testemunhas (arts. 222 e 224, CPP); ou interna – na qual não há alteração de juízo, ocorrendo, consequentemente, dentro do mesmo juízo (Ex: juízes auxiliares e substitutos do juiz titular).

[7] A Comissão Legislativa do Senado Federal que elaborou o Projeto de Lei nº 166/2010 (novo Código de Processo Civil) defendeu a unificação desses critérios no seu artigo 44, passando a prever que em qualquer caso o “despacho que ordenar a citação torna prevento o juízo” (grifo meu). Assim, os artigos 106 e 219 do vigente Código de Processo Civil, e suas respectivas previsões legais, seriam substituídos por um único artigo e consequentemente, por um único critério de prevenção.

[8] Prevenção consiste na fixação da competência de um juízo em face de outro, quando ambos forem competentes. É uma forma de preferência conferida a um desses juízos. Explica Cândido Rangel Dinamarco que: “Prevenção é a concentração, em um órgão jurisdicional, da competência que abstratamente já pertencia a dois ou vários, inclusive a ele. Podendo a causa, ou causas, ir ter a qualquer desses juízes potencialmente competentes, por algum modo ficam os demais excluídos e resta competente só aquele a quem a atividade tiver sido concretamente atribuída. O latim proe-venire significa chegar antes: o juiz que chegou primeiro, recebendo a causa ou o recurso, considera-se prevento.

[9] Os valores, assim como os princípios, podem colidir, porém, como é impossível uma ordenação hierarquizada rígida de valores ou de princípios para todos os casos que defina os limites e âmbito de aplicação dos direitos fundamentais, uma ordenação flexível se mostra viável e necessária. Esta pode surgir de preferência prima facie em favor de determinado princípio ou valor ou de decisões concretas sobre preferências, ambas ligadas ao conceito de ponderação. ·.

[10] Já o princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional diz que nenhum juiz poderá subtrair-se do exercício da função jurisdicional. Outrossim, este princípio determina que o legislador não poderá produzir leis que restrinjam o acesso ao Poder Judiciário (art.5º, XXXV, CF/1988).

[11] Art. 59. O registro ou distribuição da petição inicial torna prevento o juízo.

[12] Art. 58.  A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente. Art. 53 NCPC. É competente o foro: III – do lugar: e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto; f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício; V – de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

[13] O paradigma procedimental só parece fortalecer a democracia na medida em que é acompanhado de mecanismos reais de ampliação da presença dos cidadãos dentro do Judiciário e do fortalecimento de instâncias capazes de dividir o poder de determinação do conteúdo do texto constitucional (como uma Corte constitucional não exclusivamente pertencente ao Judiciário). Cabe ainda observar que esse papel pretendido de guardião dos ideais republicanos encontra-se nas mãos de um corpo bastante fechado, pouco transparente nos seus procedimentos internos, distante da participação dos cidadãos, com formas de recrutamento e ascensão na carreira sujeitas a um filtro ideológico e a uma análise do perfil de atuação. A juridicização do debate democrático ou a mediação judicial da expressão da soberania popular podem acarretar, dependendo do contexto de cada país, um verdadeiro risco para a democracia.

[14]  Por outro lado, em se tratado de relação de consumo, a cláusula de eleição de foro, poderá ser declarada nula de ofício, levando-se em conta o caráter impositivo das leis de ordem pública, no âmbito da lei consumerista, desde que haja abuso da cláusula contratual que estipula o foro para futura e eventual contenda entre as partes, subentendida como aquela que efetivamente inviabilize ou dificulte a defesa judicial do consumidor, ainda mais porque, nesses casos, a competência do juízo em que reside o consumidor é tida como absoluta.

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[15] A competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais foi recepcionada pela lei 9099/95 no artigo 3º, estabelecendo como critérios o valor e a matéria. O referido artigo estabelece que os Juizados Especiais Estaduais têm competência para processar e julgar as causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: nas causas cujo valor não exceda 40 vezes o salário mínimo, nas causas enumeradas no artigo 275 II do Código de Processo Civil qualquer que seja o valor e nas ações de despejo para uso próprio e nas ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 salários mínimos.

Podemos afirmar, não sem certa ousadia, que se fosse adotada o critério de competência mista dos Juizados Especiais, em face da própria Lei Maior artigo - 24 X e XI – a Justiça Comum talvez pudesse ser pouco mais célere, já que, observadas as causas tramitadas e julgadas na Justiça Comum, muitas ações teriam pleno cabimento para serem processadas e julgadas nos Juizados Especiais Cíveis, porém, por se tratar de competência relativa pela maioria dos doutrinadores e consagrada pela prática e jurisprudência, muitas dessas causas são tramitadas na Justiça Comum, ajudando ainda mais a crise do Judiciário no que diz respeito à morosidade processual.

[16] Trata-se do princípio da perpetuatio iurisdictionis, ou da inalterabilidade da instância, segundo a qual a competência é fixada com base na formulação da demanda (art. 87); a alienação da coisa ou do direito litigioso não altera a legitimidade das partes, permanecendo elas titulares do direito posto em juízo e não suprimindo o interesse processual (art. 42); e a vedação de alteração do pedido ou da causa de pedir, após haver a citação válida do réu (art. 264).

São cuidados que o legislador tomou para garantir a estabilidade da relação jurídica e, por via reflexa, obrigar as partes a agirem em conformidade com os princípios da lealdade processual e do contraditório e ampla defesa.

[17] A expressão “parquet”, que serve para se referir ao Ministério Público, tem origem francesa, haja vista que os procuradores do rei, antes de adquirirem a condição de magistrados e ter assento ao lado dos juízes, ficavam sobre o assoalho (parquet) da sala de audiências, e não sobre o estrado lado a lado à magistratura sentada.  Os registros históricos focalizam o Parquet como uma instituição milenar.

Para alguns, a Instituição precursora do Ministério Público remonta à civilização egípcia, há mais de quatro mil anos, representada pelo magiaí – funcionário real no Egito. Na Grécia Clássica, os estudiosos buscam os traços iniciais da Instituição, nos éforos de Esparta e nos thesmotetis ou tesmótetas (espécie de servidor judicial, religioso e militar, cuja atribuição principal era vigiar, pela aplicação correta das leis, um magistrado encarregado de administrar a justiça).

[18] Leciona Cândido Rangel Dinamarco que "a teoria dos prazos está intimamente ligada à das preclusões, porque, máxime num sistema de procedimento rígido como é o brasileiro, sua fixação visa na maior parte dos casos a assegurar a marcha avante, sem retrocessos e livre de esperas indeterminadas".

Continua o mestre dizendo que "nem todos os prazos são preclusivos, ou próprios: existem também os prazos impróprios, destituídos de preclusividade. São impróprios todos os prazos fixados para o juiz, muitos dos concedidos ao Ministério Público no processo civil e quase todo os que dispõem os auxiliares da justiça, justamente porque tais pessoas desempenham funções públicas no processo, onde têm deveres e não faculdades – seria um contrassenso dispensa-las do seu exercício, como penalidade (penalidade?) pelo não exercício tempestivo". Nelson Nery afirma que prazos próprios são aqueles "fixados para o cumprimento do ato processual, cuja inobservância acarreta desvantagem para aquele que o descumpriu, consequência essa que normalmente é a preclusão". Para o autor "prazos impróprios são aqueles fixados na lei apenas como parâmetro para a prática do ato, sendo que seu desatendimento não acarreta situação detrimentosa para aquele que o descumpriu, mas apenas sanções disciplinares. O ato praticado além do prazo impróprio é válido e eficaz". A diferença fundamental entre ambos está em que, nos prazos próprios, o descumprimento do ônus processual de praticar determinado ato implica conseqüências processuais típicas. Já os prazos impróprios não acarretam conseqüências processuais, mas disciplinares, conforme dispõem os artigos 194 e 198 do CPC/73 (aplicáveis, respectivamente, aos serventuários e aos juízes).

[19] A doutrina contemporânea debruça-se com árdua tarefa de construir novos modelos interpretativos. Abandona-se deliberadamente o discurso hostil e egoísta que apontava a incompatibilidade axiológica entre o texto positivado e a ordem pública constitucional. Afinal, há de se extrair do elemento normativo todas suas potencialidades e compatibilizando-o, a todo custo, à Constituição Federal vigente. Tal mudança de perspectiva exige pensamento permanentemente crítico na busca da máxima eficácia social.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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