Capa da publicação Manualismo e reverencialismo na pesquisa sociojurídica: resenha de artigo
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Pesquisa sociojurídica, manualismo e reverencialismo.

Resenha do artigo "Não fale do Código de Hamurábi!", de Luciano Oliveira

24/04/2015 às 16:32

Resumo:


  • Luciano Oliveira é doutor em sociologia e professor de sociologia jurídica.

  • O texto aborda a importância da sociologia jurídica na pós-graduação em Direito.

  • Problemas comuns em trabalhos acadêmicos incluem manualismo, reverencialismo e falta de tempo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente texto visa tratar a importância da Sociologia Jurídica entre alunos de pós-graduação de Direito, nos cursos de mestrado e doutorado.

Palavras-chave: Pesquisa Sociojurídica. Trabalho Acadêmico. Sociologia Jurídica. Manualismo. Reverencialismo. Evolucionismo. Código de Hamurábi. Pesquisa Jurídica.


No artigo Não fale do Código de Hamurábi! A pesquisa sociojurídica na pós-graduação em Direito1, o professor Luciano Oliveira2 discute a relevância da Sociologia Jurídica para alunos de mestrado e doutorado em Direito. O autor destaca que sua análise resulta da experiência como docente e examinador de dissertações e teses, conferindo um viés pessoal à obra.

Luciano Oliveira esclarece que o aluno de graduação ainda está em processo de formação, enquanto o jurista, já formado, ao ingressar na pós-graduação, tem como objetivo a produção de uma dissertação ou tese, ou seja, um trabalho acadêmico. Nesse contexto, a Sociologia Jurídica desempenha um papel fundamental ao capacitar o aluno para a realização de pesquisas na área do Direito.

O autor situa que a Sociologia do Direito consiste em uma pesquisa que analisa o Direito sob o viés das ciências sociais, com seus atributos e aspectos inerentes. Dessa perspectiva, a pesquisa sociológica enxerga o Direito externamente (de fora), enquanto a pesquisa jurídica o faz internamente (de dentro).

O autor informa que dificilmente as pesquisas, tanto jurídica quanto sociológica, encontram-se livres de contaminações. Para ilustrar esse fato, esclarece que argumentos jurídicos são frequentemente trazidos do mundo externo ao Direito sem guardarem pertinência temática com o núcleo do tema em questão. Por conseguinte, tais incursões produzem um saber abstrato e distante da visão crítica que se busca nas pesquisas e trabalhos empíricos acadêmicos.

Alguns problemas recorrentes que afetam os trabalhos acadêmicos produzidos por juristas em cursos de pós-graduação incluem: falta de domínio no ato de pesquisar, combinada à escassez de tempo; ampliação excessiva dos temas; escassez de referências jurisprudenciais e de casos concretos; uso excessivo de manuais e livros doutrinários em detrimento de artigos monográficos, entre outros.

Por consequência desses problemas, surgem dois outros, recorrentes nos trabalhos acadêmicos: o manualismo e o reverencialismo. O primeiro caracteriza-se pela tendência de reproduzir conceitos e ideias amplamente conhecidas, de modo extensivo. O segundo, por sua vez, faz uso do chamado “argumento de autoridade”, em que, por meio de retórica e apelos estilísticos, busca-se chamar a atenção, reverenciando a ideia alheia sem a devida constatação e comprovação por meio de dados.

A pesquisa acadêmica, quando não se apoia em uma metodologia adequada, pode causar confusão epistemológica. A experiência do autor traz à tona a questão da inclusão de textos que buscam conferir uma “visão” de áreas e ciências distintas do Direito, como a Sociologia, a Filosofia e a História, procurando relacioná-las ao tema do trabalho. Ocorre que tais abordagens acarretam confusão na construção do conhecimento e comprometem a metodologia utilizada na produção acadêmica.

Do mesmo modo, o autor aduz que essa problemática não é exclusividade do Brasil, pois encontra similitude com o que ocorre na Europa, particularmente na França. Esse processo de internalização de institutos jurídicos de outros sistemas, sob a perspectiva do Direito moderno e ocidental, recebeu o nome de “europeocentrismo”. Ademais, a tentativa de explicar a história e sua evolução por meio do “evolucionismo” nos textos acadêmicos encontra-se em desuso entre aqueles que fazem da História seu objeto de estudo.

A partir de sua observação e vivência no meio acadêmico, o autor percebeu que não era incomum a referência ao Código de Hamurábi, em teses e dissertações, como a primeira codificação a irradiar uma lista de direitos comuns aos homens, na tentativa de reproduzir, em certa medida, costumes e elementos de uma época que não pertencem à atualidade nem ao contexto do tema abordado.

Segundo o autor, a Sociologia não deve ser vista como um conhecimento enciclopédico, mas como um espaço para a confrontação crítica de ideias e métodos. Quando se trata da produção acadêmica de um jurista, tornam-se fundamentais o esforço e a capacidade do pesquisador para pesquisar, filtrar e escolher as obras sociológicas que melhor abordem os fenômenos sociais considerados úteis.

Alguns exemplos sobre essa questão foram trazidos pelo autor, tais como referências a Platão e Nietzsche, utilizadas simultaneamente por meio de frases descontextualizadas, de forma inconsciente; e citações a Beccaria e Foucault, feitas sem os devidos cuidados, o que pode acarretar problemas em vez de soluções, tornando-se uma mera prática ritualística na produção do trabalho acadêmico.

Quanto à pesquisa sociojurídica, o autor aponta que, no campo do Direito, não é praxe a pesquisa empírica. Além disso, a pesquisa realizada por aqueles que operam o Direito, em regra, não possui potencial de renovação, pois permanece na esfera do saber constituído.

Ele acrescenta que a Sociologia é o instrumento por meio do qual são delineadas as metas a serem alcançadas pela pesquisa sociojurídica. O autor considera que essa abordagem deve se iniciar pela definição do problema de pesquisa, uma vez que é a partir dessa formulação que o escopo do trabalho acadêmico toma forma, permitindo que as hipóteses sejam listadas e organizadas na busca por respostas ao problema proposto.

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De modo esquemático, o autor explicita que a elaboração de uma tese ou dissertação deve conter, no mínimo, quatro partes, a saber:

  1. a definição do problema a ser pesquisado;

  2. o arcabouço jurídico existente sobre o tema;

  3. a pesquisa stricto sensu ou especializada sobre o tema; e

  4. a análise de dados à luz do arcabouço jurídico existente, com foco nas possibilidades e alternativas não exploradas pelos aplicadores da lei, além de soluções ou alterações no próprio arcabouço jurídico.

O objetivo do texto não é apenas informar, mas também estimular a reflexão daqueles que buscam se especializar na área do Direito. Como juristas, ao elaborarem seus trabalhos acadêmicos em cursos de mestrado ou doutorado, objetivam desmistificar pontos que podem levar a uma pesquisa permeada por certa confusão epistemológica, resultante de uma metodologia impura, do manualismo e do reverencialismo. Como alunos da pós-graduação em Direito, deveriam conduzir uma pesquisa sociojurídica, e não sociológica.

A princípio, o autor explica a razão de ser do texto sobre Sociologia Jurídica, cuja finalidade seria seu uso como objeto de reflexão pelos alunos de mestrado e doutorado em Direito. Em seguida, apresenta alguns problemas e situa o aluno da graduação como alguém em processo de formação, em busca do diploma de bacharel, enquanto o aluno da pós-graduação é um jurista já formado. Neste ponto, o autor questiona: “Qual seria a melhor contribuição a ser dada pela Sociologia Jurídica a um jurista que está produzindo um trabalho desse tipo?”.

Entre os problemas apontados pelo autor, encontram-se o manualismo, o reverencialismo, a falta de tempo e a impureza metodológica. Como solução, ele propõe confrontar a pesquisa baseada nesses aspectos com o pensar empiricamente, sugerindo que este é o caminho mais adequado.

Considerando a estrutura esquemática básica proposta no texto para elaborar uma tese ou dissertação, é prática comum nas ciências sociais e jurídicas sugerir o uso de metodologias correlatas que enumeram, de forma exemplificativa, alguns aspectos que ajudam nesse trabalho, a saber:

  1. escolha e delimitação do assunto, com a definição da área de conhecimento jurídico ou sociojurídico;

  2. elaboração da problematização do tema ou formulação do problema, direcionando as possíveis hipóteses e questões;

  3. embasamento teórico ou teoria de base que serve de fundamento para o estudo;

  4. pesquisa stricto sensu ou especializada sobre o tema;

  5. análise de dados colhidos à luz do arcabouço jurídico existente; e

  6. cronograma de trabalho com a definição de etapas e períodos, em semanas e dias, para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa.

Diante de tudo isso, busca-se exigir do pesquisador uma atitude crítica em sua leitura e pensamento.

Ao propor uma nova abordagem na pesquisa sociojurídica de teses e dissertações no campo do Direito, despida de conhecimento já amplamente repetido, o referido texto busca oferecer ao interessado ideias úteis para refletir e produzir um bom trabalho acadêmico, distanciado do manualismo e do reverencialismo. Demonstra ser possível alcançar qualidade na produção literária sem recorrer a “visões sociológicas” descontextualizadas da realidade abordada no tema central escolhido na área do Direito, as quais podem causar confusão ao leitor menos atento. Trata-se, pois, de um alerta para evitar algo tão corriqueiro no meio acadêmico: a repetição do conhecimento já consolidado e amplamente disponível em manuais, livros de doutrina e jurisprudência, além da reverência excessiva a obras e textos alheios.

O texto é claro, objetivo e explicativo, sendo indicado para estudantes em geral e, particularmente, para graduandos e graduados em Direito. Busca oferecer subsídios para a reflexão crítica sobre a condução da elaboração de textos acadêmicos em cursos de pós-graduação em Direito, utilizando a Sociologia Jurídica e distanciando-se da abordagem tradicional para se atingir esse propósito.


Notas

1 O texto objeto da presente resenha foi publicado no livro Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de Sociologia jurídica (Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004, pp. 137-167).

2 Luciano Oliveira é doutor em sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris) e, atualmente, professor de sociologia jurídica e examinador de dissertações e teses no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco.

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Sobre o autor
Eder Silva Bezerra

Advogado, Pós-graduando em Direito Público - Conclusão prevista para 1º sem/2015 pelo UniCeub<br>Graduado em Direito pelo UniCeub em 2011,<br>MBA em Gestão de TI pela UnB, 2003,<br>Pós-graduado em Teleinformática e Redes Multiserviços pela UnB, 2003,<br>Graduado em Tecnologia de Processamento de Dados pela UnB, 1986

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Resenha apresentada no curso de Pós-graduação Lato-Sensu da ESMPDFT, em Brasília/DF, no 1º semestre de 2012, como avaliação da disciplina de Sociologia em Direito. Curso não concluído.

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