Palavras-chave: Pesquisa Sociojurídica. Trabalho Acadêmico. Sociologia Jurídica. Manualismo. Reverencialismo. Evolucionismo. Código de Hamurábi. Pesquisa Jurídica.
No artigo Não fale do Código de Hamurábi! A pesquisa sociojurídica na pós-graduação em Direito1, o professor Luciano Oliveira2 discute a relevância da Sociologia Jurídica para alunos de mestrado e doutorado em Direito. O autor destaca que sua análise resulta da experiência como docente e examinador de dissertações e teses, conferindo um viés pessoal à obra.
Luciano Oliveira esclarece que o aluno de graduação ainda está em processo de formação, enquanto o jurista, já formado, ao ingressar na pós-graduação, tem como objetivo a produção de uma dissertação ou tese, ou seja, um trabalho acadêmico. Nesse contexto, a Sociologia Jurídica desempenha um papel fundamental ao capacitar o aluno para a realização de pesquisas na área do Direito.
O autor situa que a Sociologia do Direito consiste em uma pesquisa que analisa o Direito sob o viés das ciências sociais, com seus atributos e aspectos inerentes. Dessa perspectiva, a pesquisa sociológica enxerga o Direito externamente (de fora), enquanto a pesquisa jurídica o faz internamente (de dentro).
O autor informa que dificilmente as pesquisas, tanto jurídica quanto sociológica, encontram-se livres de contaminações. Para ilustrar esse fato, esclarece que argumentos jurídicos são frequentemente trazidos do mundo externo ao Direito sem guardarem pertinência temática com o núcleo do tema em questão. Por conseguinte, tais incursões produzem um saber abstrato e distante da visão crítica que se busca nas pesquisas e trabalhos empíricos acadêmicos.
Alguns problemas recorrentes que afetam os trabalhos acadêmicos produzidos por juristas em cursos de pós-graduação incluem: falta de domínio no ato de pesquisar, combinada à escassez de tempo; ampliação excessiva dos temas; escassez de referências jurisprudenciais e de casos concretos; uso excessivo de manuais e livros doutrinários em detrimento de artigos monográficos, entre outros.
Por consequência desses problemas, surgem dois outros, recorrentes nos trabalhos acadêmicos: o manualismo e o reverencialismo. O primeiro caracteriza-se pela tendência de reproduzir conceitos e ideias amplamente conhecidas, de modo extensivo. O segundo, por sua vez, faz uso do chamado “argumento de autoridade”, em que, por meio de retórica e apelos estilísticos, busca-se chamar a atenção, reverenciando a ideia alheia sem a devida constatação e comprovação por meio de dados.
A pesquisa acadêmica, quando não se apoia em uma metodologia adequada, pode causar confusão epistemológica. A experiência do autor traz à tona a questão da inclusão de textos que buscam conferir uma “visão” de áreas e ciências distintas do Direito, como a Sociologia, a Filosofia e a História, procurando relacioná-las ao tema do trabalho. Ocorre que tais abordagens acarretam confusão na construção do conhecimento e comprometem a metodologia utilizada na produção acadêmica.
Do mesmo modo, o autor aduz que essa problemática não é exclusividade do Brasil, pois encontra similitude com o que ocorre na Europa, particularmente na França. Esse processo de internalização de institutos jurídicos de outros sistemas, sob a perspectiva do Direito moderno e ocidental, recebeu o nome de “europeocentrismo”. Ademais, a tentativa de explicar a história e sua evolução por meio do “evolucionismo” nos textos acadêmicos encontra-se em desuso entre aqueles que fazem da História seu objeto de estudo.
A partir de sua observação e vivência no meio acadêmico, o autor percebeu que não era incomum a referência ao Código de Hamurábi, em teses e dissertações, como a primeira codificação a irradiar uma lista de direitos comuns aos homens, na tentativa de reproduzir, em certa medida, costumes e elementos de uma época que não pertencem à atualidade nem ao contexto do tema abordado.
Segundo o autor, a Sociologia não deve ser vista como um conhecimento enciclopédico, mas como um espaço para a confrontação crítica de ideias e métodos. Quando se trata da produção acadêmica de um jurista, tornam-se fundamentais o esforço e a capacidade do pesquisador para pesquisar, filtrar e escolher as obras sociológicas que melhor abordem os fenômenos sociais considerados úteis.
Alguns exemplos sobre essa questão foram trazidos pelo autor, tais como referências a Platão e Nietzsche, utilizadas simultaneamente por meio de frases descontextualizadas, de forma inconsciente; e citações a Beccaria e Foucault, feitas sem os devidos cuidados, o que pode acarretar problemas em vez de soluções, tornando-se uma mera prática ritualística na produção do trabalho acadêmico.
Quanto à pesquisa sociojurídica, o autor aponta que, no campo do Direito, não é praxe a pesquisa empírica. Além disso, a pesquisa realizada por aqueles que operam o Direito, em regra, não possui potencial de renovação, pois permanece na esfera do saber constituído.
Ele acrescenta que a Sociologia é o instrumento por meio do qual são delineadas as metas a serem alcançadas pela pesquisa sociojurídica. O autor considera que essa abordagem deve se iniciar pela definição do problema de pesquisa, uma vez que é a partir dessa formulação que o escopo do trabalho acadêmico toma forma, permitindo que as hipóteses sejam listadas e organizadas na busca por respostas ao problema proposto.
De modo esquemático, o autor explicita que a elaboração de uma tese ou dissertação deve conter, no mínimo, quatro partes, a saber:
a definição do problema a ser pesquisado;
o arcabouço jurídico existente sobre o tema;
a pesquisa stricto sensu ou especializada sobre o tema; e
a análise de dados à luz do arcabouço jurídico existente, com foco nas possibilidades e alternativas não exploradas pelos aplicadores da lei, além de soluções ou alterações no próprio arcabouço jurídico.
O objetivo do texto não é apenas informar, mas também estimular a reflexão daqueles que buscam se especializar na área do Direito. Como juristas, ao elaborarem seus trabalhos acadêmicos em cursos de mestrado ou doutorado, objetivam desmistificar pontos que podem levar a uma pesquisa permeada por certa confusão epistemológica, resultante de uma metodologia impura, do manualismo e do reverencialismo. Como alunos da pós-graduação em Direito, deveriam conduzir uma pesquisa sociojurídica, e não sociológica.
A princípio, o autor explica a razão de ser do texto sobre Sociologia Jurídica, cuja finalidade seria seu uso como objeto de reflexão pelos alunos de mestrado e doutorado em Direito. Em seguida, apresenta alguns problemas e situa o aluno da graduação como alguém em processo de formação, em busca do diploma de bacharel, enquanto o aluno da pós-graduação é um jurista já formado. Neste ponto, o autor questiona: “Qual seria a melhor contribuição a ser dada pela Sociologia Jurídica a um jurista que está produzindo um trabalho desse tipo?”.
Entre os problemas apontados pelo autor, encontram-se o manualismo, o reverencialismo, a falta de tempo e a impureza metodológica. Como solução, ele propõe confrontar a pesquisa baseada nesses aspectos com o pensar empiricamente, sugerindo que este é o caminho mais adequado.
Considerando a estrutura esquemática básica proposta no texto para elaborar uma tese ou dissertação, é prática comum nas ciências sociais e jurídicas sugerir o uso de metodologias correlatas que enumeram, de forma exemplificativa, alguns aspectos que ajudam nesse trabalho, a saber:
escolha e delimitação do assunto, com a definição da área de conhecimento jurídico ou sociojurídico;
elaboração da problematização do tema ou formulação do problema, direcionando as possíveis hipóteses e questões;
embasamento teórico ou teoria de base que serve de fundamento para o estudo;
pesquisa stricto sensu ou especializada sobre o tema;
análise de dados colhidos à luz do arcabouço jurídico existente; e
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cronograma de trabalho com a definição de etapas e períodos, em semanas e dias, para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa.
Diante de tudo isso, busca-se exigir do pesquisador uma atitude crítica em sua leitura e pensamento.
Ao propor uma nova abordagem na pesquisa sociojurídica de teses e dissertações no campo do Direito, despida de conhecimento já amplamente repetido, o referido texto busca oferecer ao interessado ideias úteis para refletir e produzir um bom trabalho acadêmico, distanciado do manualismo e do reverencialismo. Demonstra ser possível alcançar qualidade na produção literária sem recorrer a “visões sociológicas” descontextualizadas da realidade abordada no tema central escolhido na área do Direito, as quais podem causar confusão ao leitor menos atento. Trata-se, pois, de um alerta para evitar algo tão corriqueiro no meio acadêmico: a repetição do conhecimento já consolidado e amplamente disponível em manuais, livros de doutrina e jurisprudência, além da reverência excessiva a obras e textos alheios.
O texto é claro, objetivo e explicativo, sendo indicado para estudantes em geral e, particularmente, para graduandos e graduados em Direito. Busca oferecer subsídios para a reflexão crítica sobre a condução da elaboração de textos acadêmicos em cursos de pós-graduação em Direito, utilizando a Sociologia Jurídica e distanciando-se da abordagem tradicional para se atingir esse propósito.
Notas
1 O texto objeto da presente resenha foi publicado no livro Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de Sociologia jurídica (Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004, pp. 137-167).
2 Luciano Oliveira é doutor em sociologia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris) e, atualmente, professor de sociologia jurídica e examinador de dissertações e teses no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco.