Ensaio: o caminho do hermeneuta constitucional

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27/04/2015 às 13:27
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Artigo elaborado para o crédito de Hermenêutica Constitucional II – ministrado pela Prof. Maria Garcia do Programa de Estudos Pós- Graduados em Direito da PUC/SP e propõe sinalizar os cuidados que o interprete deve ter ao aplicar a Constituição Federal.

“O homem compreende a coisa quando sabe o que fazer dela, do mesmo modo como compreende a si mesmo, quando sabe o que pode ser” Heidegger

Índice

1 - A Interpretação - do abstrato ao limite

2 - Hermenêutica Jurídica - Uma técnica possível.

3 - O Texto e a Constituição - da escrita fria ao conteúdo.

4 - O Interprete - olhar para si e para o mundo

5 - Conclusão

6 - Bibliografia

Introdução.

Documento abstrato, a Constituição Federal do Brasil de 1988 idealizado por constituintes responsáveis por todo um trabalho de compreensão e interpretação dos anseios sociais em relação a seu próprio tempo (1987) mas também, conscientes para estabelecer moldes de adaptação e estabilização para as futuras gerações, isto é, elaborar um texto que sirva de norte para a sociedade se desenvolver com o controle do Poder do Estado e a preservação de garantias individuais.

A eleição de uma linguagem renovada do novo texto político, demonstra a evolução constitucional no Brasil, de que os textos anteriores não foram capazes de se manterem ao longo do tempo, seja por diversas razoes, política ou social, por exemplo.

A linguagem do texto, geral e abstrato, característico das constituições seja ela de origem no commun law ou no positivismo, também é responsável pela forma como poderá ser atualizado pelas próximas.

O texto constitucional deve ser acessível para a apreensão popular de seu conteúdo, mas também, técnica no sentido de estabelecer um molde ideal a ser buscado, sem engessar por completo gerações futuras a partir do texto, estabelecer possibilidades de coerência do conteúdo da palavra positiva.

Com a evolução social ao longo do tempo, hábitos e costumes tendem muitas das vezes contrariar ou reivindicar preceitos legais, surge então, toda uma necessidade de alteração normativa para a positivação de direitos a fim de acompanhar as mudanças sociais.

Outra forma de manuseio de direitos é por meio da interpretação frente as diversas possibilidades que se extrai do texto ou pela semântica, isto é, o sentido das palavras também se modificam.

Ao interprete, seja ele formado nas ciências jurídicas ou não, todos operadores do direito, ao buscar apreender o sentido do texto constitucional deve iniciar a partir do próprio texto como um todo, mas também, deve-se levar em consideração a história, os diversos contextos, a multiplicidade de possibilidades, os sistemas, a unidade e os tradicionais métodos interpretativos para uma melhor compreensão de seu sentido.

A hermenêutica aprimorada a partir do século XX, leva em consideração outras ciências que possam contribuir para a clareza do texto na relação com o interprete como a psicologia, a sociologia, a antropologia, a física, a matemática, a filosofia, o auto conhecimento e as artes.

Assim, a hermenêutica constitucional se apresenta como uma técnica capaz de guiar o individuo no complexo caminho existencial na interpretação Constitucional ao buscar elucidar alguma questão frente a Constituição.

1 - A Interpretação - do abstrato ao limite

Entender para explicar, tarefa cada vez mais complexa na sociedade da informação que desde a popularização dos meios de comunicação com a revolução tecnológica a partir do final do século XX, permitiu a qualquer individuo a possibilidade de investigação ou exposição de algum fato e com isso revelou a grande diversidade de questões existentes, desde os povos do Oriente que buscam por mudanças políticas com a eleição de constituições democráticas como a primavera árabe; na Europa a crise econômica e a reação popular, ou ate mesmo no Brasil com as passeatas de jun 2013.

O mundo inteiro esta conectado, demonstra que em todo o lugar, as instituições, como a escola, o direito, e o Estado, criados para permitir o desenvolvimento e harmonia para conter expectativas sociais não estão suprindo as atuais demandas, seja na escola que não mais formam as crianças para exercerem a cidadania com o estabelecimento dos primeiros limites aos ímpetos individuais ou os litígios judiciais que demoram anos para chegar o fim.

Dois mundos, o do SER e o do DEVE SER, distanciam-se, as palavras adquirem significados diferentes e atualmente é cada vez mais claro as conseqüências das falta de coerência entre o que esta pactuado, neste caso, o texto legal com o que se faz na práxis e nas decisões emanadas dos tribunais (jurisprudência).

A interpretação é exatamente aquilo que se deseja saber, compreender, explicar, que desde a Grécia antiga, para o ocidente, surgem as mais varias técnicas de investigação do sentido real, da verdade.

Francesco Ferrara em relação a interpretação jurídica, estabelece:

A interpretação é actividade cientifica livre, indagação racional do sentido da lei, que compete aos juristas teóricos e práticos[1]

No Sistema Jurídico, a interpretação deve se sustentar na própria linguagem jurídica, isto é, a norma como veiculo de comunicação especializada com o mundo e no caso da apuração de algum fato ser ou não jurídico, o interprete deve permanecer no próprio sistema jurídico auxiliado pelas diversas técnicas existentes como: a retórica, o silogismo, a gramatical, a histórica, a semiótica, os sistemas, a lógica ou a hermenêutica por exemplo, mas também, ser subsidiado na formação do convencimento da importância da multidisciplinaridade na relação entre o SER e o DEVE SER.

A Metafísica, outra técnica, é uma parte da filosofia que só utiliza a razão para explicar as coisas, nega a experiência, é um corpo de conhecimentos racionais e não empíricos ou a tópica, outra método de investigação que se da por problemas e se orienta por pontos de vista.

Por outro lado, a intuição heurística, origem grega, que significa encontrar, descobrir, mesma origem da palavra eureca, isto é, encontrei. A verdade revela-se para o interprete sem a utilização de métodos racionais, apenas se manifesta e depois desenvolve-se uma explicação racional, cientifica para a descoberta.

No caso da interpretação conforme a constituição, por exemplo, a semântica é utilizada para restringir ou alargar o entendimento de alguma norma.

Ao buscar solucionar expectativas normativas, o interprete, a partir do texto, irá lidar com conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, diversas serão as possibilidades para a mesma norma, especialmente no caso do Direito Constitucional em que o leitor deve "fundir estes horizontes", ou seja, olhar para o universo da diversidade, de possibilidades mas com os pés no direito, para delimitar o vago.

” interpretar é extrair o significado de um texto” (Celso bastos)

“o texto é o limite” (Konrad Hesse)

Michel Foucault nas obras “As palavras e as coisas” e “Hermenêutica do sujeito” assim escreve:

Os códigos fundamentais de uma cultura, linguagens hierarquias, fixam as ordens para cada homem, de outro lado, filósofos explicam a ordem.

 

Quando a linguagem surge para o ser humano cada palavra correspondia as coisas, hoje as coisas, as palavras não correspondem a realidade.

A palavra legal positivada, ao longo do tempo, pode adquirir sentido diverso e ser aplicada a novos casos, a chamada interpretação[2] evolutiva, busca o fundamento racional atual, no texto antigo, porém válido.

Francesco Ferrara sobre a interpretação evolutiva.

A chamada interpretação evolutiva é sempre mera aplicação do direito, e repousa em dois cânones: a ratio legis é objectiva (não a ratio sobjectiva do criador da lei) e é actual (não a ratio histórica do tempo em que a lei foi feita). Assim pode acontecer que uma norma ditada para certa ordem de ralações adquira mais tarde um destino e função diversa[3].

Grandes mudanças ocorreram a partir do Séc. XIX, a coerência da idade clássica da palavra corresponder a coisa pela qual podia-se identificar com certa precisão e segurança da sua correspondência as coisas pelas quais identificava-se pelos nomes, passaram a assumir significados diferentes ou até mesmo oposto a origem primaria da palavra no sec. XX.

A escola do direito livre rompeu com a escola clássica da interpretação jurídica "que define em estreitos limites os poderes do interprete na aplicação e desenvolvimento do direito positivo, sempre obdecendo à lei, faz-se valer, recentemente, e em diversos países, uma nova orientação doutrinal, umas vezes arrojada e outras, mesmo, revolucionária, com a qual se vai sustentando que, visto ser a lei defeituosa e insuficiente, toca ao juíz corrigi-la e completá-la, e que nesta função integradora ele pode guiar-se por momentos subjetivos, por apreciações de interesses, pelo seu próprio sentimento, criando no posto e ao lado do direito um direito livre judiciário[4]".

Adverte Francesco Ferrara:

O direito, exclama LABAND, necessita firmeza; a jurisprudência não se pode deixar mover pelas correntes do dia e pelas tendências das classes e dos partidos, como a cana ao vento[5].

Mas reconhece:

a escola do direito livre trouxe uma renovação benéfica à doutrina da interpretação um novo sopro vital, pois ao mesmo tempo que lançava a mãos cheias o descrédito sobre o abuso dos teoremas e das construções, isto é, sobre o método lógico, apontou que a decisão deve ser inspirada na natureza real das relações e nas exigências sociai[6]s.

O homem toma consciência de que é uma invenção e se re inventa, sempre em busca da perfeição e assim como na arte, cria sua própria abstração.

No campo do direito, a abstração é o texto que nasce após um período de tempo como resultado da alteração e estabilização de hábitos culturais na sociedade em geral, com a conseqüente criação ou retirada de um direito no sistema jurídico.

Já na arte, o artista tem diversas ferramentas como opção para estabilizar a abstração que pode se dar por exemplo em poemas, no teatro, no circo, no cinema, na intervenção urbana ou na dança que terá no sentir o veiculo comunicativo com o público e servirá de base a interpretação dos significados artísticos no qual, invariavelmente, receberá do publico, diversas leituras sobre a obra de arte, no direito não é diferente, a norma é o veiculo comunicativo com a sociedade que entende de forma diversa o texto legal.

Teleológica, isto é, o interprete do direito deve ter como foco a finalidade da lei, o objetivo fim da norma positiva como fator relevante e principal da interpretação como clarifica Francesco Ferrara:

O jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado pratico que ela se propõe conseguir. A lei é um ordenamento de relações que mira a satisfazer certas necessidades e deve interpretar-se no sentido que melhor responda a esta finalidade, e portanto a plenitude que assegure tal tutela[7].

A norma jurídica produzida é de observância obrigatória para todos, Estado e sociedade, assim como as decisões e interpretações dos tribunais no controle da constituição.

Na modernidade, a escola da exegese que teve inicio e fim no século XIX, propôs o rompimento entre direito x filosofia que por muitos anos se ignoraram.

O inicio da escola exegética foi em 1804, seu apogeu em 1830 e o fim em 1890, concluiu-se que a interpretação restrita a letra da lei é insuficiente e o isolamento proposto pela exegese, não permitiu o desenvolvimento do direito mas deixou o legado de que a interpretação se faz necessária a partir do texto.

Legados importantes da ESCOLA DA EXEGESE:

1 - reconhecimento da importância da linguagem escrita, do texto da lei;

2 – reconhecimento da necessidade de operar sobre um conjunto fechado de corpos, o sistema legal;

No século XX, principalmente após a segunda guerra mundial, o direito começou a restabelecer comunicação com a lógica, fenomenologia e a lingüística por exemplo, e foram aprimorados vários métodos como a semiótica, a tópica, a hermenêutica e os sistemas.

A semiótica[8],

"na sua acepção mais genérica, o termo indica "doutrina" ou, em todo caso, uma reflexão de algum modo sistemática sobre os signos (v.), sua classificação, as leis que os regem, seus usos na comunicação.

 

... o conceito teórico de "signo" define caracteres funcionais comuns a fenômenos diversos como um termo lingüístico, uma imagem, um gesto, um sintoma atmosférico ou médico."

Em 1690, Locke (Ensaio IV, 21,4) subdividia o conhecimento humano em filosofia natural, ética e Semiótica, atribuindo a esta ultima (identificada com a lógica) a tarefa de estudar a natureza dos signos utilizados pelo intelecto tanto para compreender as coisas quanto para comunicar-se[9].

Charles Peirce definiu Semiótica como a "disciplina da natureza essencial e das variedades fundamentais de toda possível semiose", e a semiose (v.) como uma relação entre três entidades, não redutível de modo algum a uma relação entre dois: um signo, o objeto pelo qual o signo, chamado interpretante , que está pelo mesmo objeto pelo qual o primeiro signo também está. E mais, o significado (v.) de um signo reside na idéia infinita das seus interpretantes (outras palavras, frases, assuntos, e também, e também imagens, gestos, ações etc), mas em particular no seu interpretante final, constituído pelo habito comportamental que o signo determina naqueles que interpretam e usam, e pela conseqüente disposição destes a agir de determinado modo[10].

O método desenvolvido por C. Peirce, envolve, portanto, as três esferas do discurso cientifico: sintaxe, semântica e pragmática, isto é, o triangulo semiótico.

Sintaxe =- Estudo das relações das palavras situadas na frase (sujeito – verbo – predicado);

Semântica = Significado das palavras de uma frase;

Pragmática = Relação do interprete com as palavras;

Semiótica = sintaxe, semântica e pragmática

Gramática = sintaxe + semântica

Semântica = Significado, sentido da norma

A semiótica jurídica é precisamente o estudo das relações entre o direito x lógica x linguagem, isto é, linguagem jurídica x linguagem  cientifica e a linguagem comum.

“E pela semiótica que vemos o mundo” (Álvaro Gomes, "da luz e do fogo", didática)

Os métodos interpretativos são ferramentas importantes para apaziguar a alma em momentos de instabilidade ou incertezas, cabe a qualquer ciência, em especial as abstratas, criadas pelo homem, como o direito, a filosofia, a psicologia ou a arte desenvolverem suas funções como caminhos para a interpretação, a compreensão.

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Konrad Hesse, em  Escritos de Derecho Constitucional ao estabelecer as bases para a interpretação constitucional desenvolve que o interprete não pode captar o conteúdo da norma a partir de um ponto situado fora da existência histórica se não, unicamente da concreta situação histórica em que se encontra, cujo o molde é constituído pelos hábitos mentais[11], condicionado pelo seu conhecimento e seus pre-juízos.

"El interprete comprende el contenido de la norma a partir de una pre-comprensión que es la que va a permitirle contemplar la norma desde ciertas expectativas, hacerse uma idea del conjunto y perfilar un primer proyecto necesitado aún de comprobación, corrección y revisión a través de un análises más profundo, hasta que, como resultado de la progresiva aproximación a la "cosa" por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda claramente fijada."

O doutrinador alemão, K. Hesse[12], esclarece que "para o Direito Constitucional a importância da interpretação é fundamental, pois, dado o caráter aberto e amplo da Constituição, os problemas de interpretação surgem com maior freqüência que em outros setores do ordenamento jurídico cujas as normas são mais detalhadas."

Prossegue:

 "A tarefa da interpretação é encontrar um resultado constitucionalmente "correto" a través de um procedimento racional e controlado, a base deste resultado deve ser igualmente racional e controlado, criando, de este modo, certeza e previsibilidade jurídica, e não, talvez, da simples decisão pela decisão[13]."

Francesco Ferrara escreve nas idéias gerais sobre a determinação do sentido das normas jurídicas[14]:

Mas a actividade central que se desenvolve na aplicação da norma do direito é a que tem por objeto a interpretação.

 

Entender uma lei, portanto, não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis: Scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem

Ferrara compreende que "a interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei[15]".

A evolução teórica sobre a interpretação constitucional, permitiu o estabelecimento de alguns princípios, K. Hesse, propõe que estes servem de guia, com a missão de orientar e canalizar o processo de relação, coordenação e valorização dos pontos de vista ou considerações que devem ser levados para a solução do problema.

Hesse traz como princípios da interpretação constitucional[16]:

1 - Principio da unidade constitucional estabelece a relação de interdependência existente entre os diversos elementos da Constituição, a norma interpretada, isolada, deve estar conectada com todo o texto.

2 - Principio da concordância pratica. Os bens jurídicos constitucionalmente protegidos devem se coordenados de tal modo na solução do problema que se conservem em sua entidade.

Alerta o teórico alemão que pode haver colisões de direitos e que não se deve através de uma precipitada "ponderação de bens" ou por meio da abstrata "ponderação de valores" escolher um a outro, que de fato contraria o principio da unidade constitucional exige um trabalho de otimização, o estabelecimento de limites a ambos os bens a fim de que todos alcancem uma efetividade ideal.

3 - A correção funcional. Se a Constituição, regula uma determinada maneira as funções estatais e dos agentes, o órgão de interpretação, neste caso o Tribunal Constitucional deve manter o estabelecido; não poderá modificar a distribuição de funções através do modo e do resultado da interpretação.

4 - Principio da eficácia integradora estabelece que a Constituição se propõe a criação e manutenção da unidade política e exige outorgar preferência na solução dos problemas juridico-constitucionais a aqueles pontos de vista que promovam e mantenham a unidade.

5 - A força normativa da Constituição refere-se a efetividade das normas constitucionais frente a todo ordenamento jurídico.

O Prof Tercio Sampaio Jr[17], em limites da interpretação jurídica, destaca que limites a interpretação são necessários e servem para encontrar equilíbrio, porém provisório devido ao contexto histórico, econômico, social e cultural, considerando que o direito é um fenômeno complexo de comunicação especializada na relação emissor receptor.

O teórico brasileiro, desenvolve a idéia de que a norma é o veiculo de comunicação e assumiu no inicio do século XXI, um caráter de jogo interpretativo, isto é, o direito esta no manuseio das normas positivas.

Frente a um efeito inesperado do texto da lei na sociedade, a autoridade pode criar norma interpretativa, segundo Francesco Ferrara[18], a interpretação autentica ocorre quando a determinação do sentido muda por força dos costumes ou por outra lei:

É interpretativa toda a lei que, ou por declaração expressa ou pela sua intenção de outro exteriorizada, se propõe determinar o sentido de uma lei precedente, para esta ser aplicada em conformidade. ... ..a característica das leis interpretativas, isto é, a sua eficácia retroactiva. Só não são atingidas por esta lei as controvérsias já encerradas por uma sentença passada em julgado ou por transação

A Interpretação por força de lei é obrigatória, ainda que defeituosa e injusta, mas prevalece como válida enquanto não revogada ou declarada.

O hermeneuta constitucional, ao manusear a norma política deve fazê-la de modo a observar sua integralidade, manter a coerência de um sistema que não define mas indica quais são os valores eleitos pela sociedade.

Outra limitação, tange quanto o sentido comum ou popular das palavras, a Constituição tem que ser interpretada em vocabulário acessível, mas também, admite-se que em determinados assuntos de termos técnicos, a significação deve ser técnica, preservando a unidade.

Neste sentido, Francesco Ferrara[19]:

Normalmente as palavras devem entender-se no seu sentido usual comum, salvo se da conexão do discurso ou da matéria tratada derivar um significado especial técnico. É o que se verifica quando se trata de matérias ou de institutos que tem entre os interessados uma terminologia particular (direito marítimo, contratos de bolsa, regime de águas, certas espécies de venda, etc.).

Comum na doutrina, o brocado "in claris cessat interpretatio - havendo clareza não existe interpretação", a clareza da norma, ou, disposições de fácil compreensão, merecem atenção, pois, pode haver diferenças quanto a clareza na interpretação da norma considerando que o intérprete pode levar ao contexto a carga valorativa de sua pré compreensão e pode entender que a norma não é tão clara.

Reforça o professor Tercio Sampaio Jr ao argumentar "que a carga valorativa do proprio interprete afeta a possibilidade de uma clareza intrínseca e limitadora da interpretação. Ou seja, nenhum texto normativo se reduz ao aspecto locucionário (é proibido fumar nesta sala), mas é sempre acompanhado de alguma ilocução (fumar faz mal à saúde), na qual as disputas axiológicas, ideológicas entre os próprios intérpretes aparecem[20]."

2 - Hermenêutica Constitucional - Uma técnica possível.

Hermenêutica, isto é, interpretação, segundo o dicionário de filosofia[21] hermenêutica remete-se a interpretação, palavras para designar uma séria de atos lógicos e quase lógicos na busca por entendimento.

A mitologia grega trabalha na crença no deus Hermes (hermeneus) que significa interprete, ou seu corresponde na mitologia romana, Mercúrio, em que são vistos como mensageiros de Deus, aqueles que receberam o dom da adivinhação.

Pode-se também, buscar a origem da hermenêutica no passado, na Grécia do século IV a.C nos fragmentos de Heráclito, considerado o pai da dialética.

“O Deus a quem pertence o oráculo de Delfos não diz nem oculta significa”.

"Pensar sensatamente (é) virtude máxima e sabedoria é dizer (coisas) verídicas e fazer segundo (a) natureza, escutando"

Desenvolvida a partir do XX, a Hermenêutica contemporânea pretende ver o grau de epistemologia, isto é o grau de cientificidade de uma teoria. Descreve que o interprete está ligado por um contexto de tradição que implica na existência da compreensão previa do objeto.

"O ser no mundo tem uma circunstancia que carrega." (Heidegger)

A Hermenêutica Crítica, adotada por Kar-Otto Apel e Jurgen Habermas combina abordagem metódica com a procura do conhecimento pratico relevante do objeto, não quer apenas interpretar mas propor mudanças da realidade.

A interpretação crítica tem afinidade com a escola de Frankfurt e com a obra de Marx, trabalha com o legado da exortação da mudança da realidade e não apenas da interpretação. A Critica é Auto reflexiva e libertadora, se socorrem da psicanálise e da possibilidade de abranger significados.

Hans George Gadamer, da escola da hermenêutica filosófica, considera, também, a analise histórica, da tradição, isto é, da origem ao momento atual para compreender, interpretar.

A historia como dialogo no ato de compreensão e determinado pelo contexto, é uma teoria que procura elaborar os princípios da compreensão do discurso humano, o campo semântica.

Gadamer estabelece também a relação de dependência dos pré juízos com o passado, ou seja, traz a baila a importância do auto conhecimento e da influencia do contexto do interprete no momento da compreensão.

Tanto no passado que já se socorria de uma tradição oral na transmissão e produção do conhecimento como depois da grafia com o texto e o auto conhecimento, são portanto, pontos de partida, portas abertas para a interpretação, ou seja, a compreensão surge para o hermeneuta a partir da pré compreensão e da história.

Compreender para Gadamer é chegar a um acordo com os outros, estabelecer diálogo para ouvir os outros modos de pensar, isso também acontece com o texto, a partir do que é publicado, este não é mais do autor, é do interprete.

Na obra Verdade e Método, Gadamer, desenvolve que durante o caminhar do hermeneuta, este deve estar disposto a flexibilizar certos princípios para progredir nas compreensões mais profundas, pois são diversas as concepções sobre a verdade, a do interprete é apenas uma e no caminho interpretativo todas as possibilidades são importantes.

Na obra "Experiência linguagem e interpretação" H G Gadamer – Ed univ católica de Lisboa – colóquio de 2003 explana sobre a hermenêutica.

A hermenêutica procura explorar os diversos sentidos. Constitui a simbolização de todo o conhecimento, produz um mundo, que está acima da realidade do ser, é transcendental que rege o mundo a partir da suas próprias exigências e o homem vive com formas, a compreensão do homem é mediata. O pensar é um dizer-se a proceder metaforicamente o pensamento, é simbólico.

Gadamer deixou três primados como contribuição:

1) a compreensão como diálogo, quando estuda o pré juízo e a tradição, essas interpretações envolvem a experiência e o momento atual e no dialogo verdadeiro, o interlocutor é obrigado a ultrapassar “limites” para buscar o consenso, o acordo, o pacto que representa diferentes pontos de vista sobre uma idéia comum, é a fusão de horizontes de idéias diferentes, o dialogo e a discussão favorecem a evolução da compreensão, o ouvir o outro.

2) A noção da experiência hermenêutica, não há uma única verdade, uma única descrição da arte, da natureza, da fé, do direito etc. Ser racional é estar pronto para admitir a existência de outras coisas melhores, pensar em coisas melhores.

3) O conceito de “Bildung” termo do alemão, ocorre quando a interpretação é negativa, é a nossa experiência hermenêutica recusada, não deve-se desistir e perder a confiança na razão, a possibilidade de uma negação e não desistir, designa o "bildung" em que o indivíduo deve ampliar sua perspectiva a um universo mais vasto, é a experiência da historia e do dialogo com os outros, é como aprende-se a pensar.

A experiência da historia e o dialogo com os outros, formam o individuo, forma se o "billdung".

Gadamer, mostra a onde chega o irracional social da dominação da razão técnica sobre a razão pratica, o deslocamento da ciência em relação ao objeto para apenas a técnica.

A capacidade de julgamento pode ser minada pelos fatores ideológicos a qual o individuo não é totalmente consciente, no entanto, o trabalho do auto conhecimento permite ao longo do tempo estabelecer consciência de alguns destes fatores ideológicos ocultos da formação considerando o contexto do interprete.

O doutrinador Sergio Alves Gomes no livro "Hermenêutica Constitucional um contributo a construção do Estado Democrático de Direito" comenta sobre as contribuições de Gadamer ao direito e traz o desenvolvimento de alguns termos utilizados pelo filosofo alemão:

pré compreensão = são opiniões previas o qual se utilizada na leitura dos textos;

o ato de interpretar = colocar em jogo os conhecimentos prévios;

fusão de horizontes = é o âmbito de visão a partir de um determinado ponto;

circulo hermenêutico = concordância da parte com o todo, do todo com a parte;

A pré compreensão evolui para a compreensão, é a entrada no circulo hermenêutico, a fusão de horizontes (âmbito da visão + compreensão do texto) em que o velho e o novo caminham juntos.

Historia efeitual = uma hermenêutica deve demonstrar a realidade da historia, isto é, entender; é essencialmente um processo a partir da distancia histórica entre o fato e o interprete. Quando se nega a historia efeitual na Fé, no método, a conseqüência pode ser uma real deformidade do conhecimento como a historia da ciência. A fé no método nega a historicidade.

Aplicação = a interpretação deve concretizar a validade jurídica e a lei não deve ser entendida com seu sentido histórico, deve ser compreendido em cada instante de maneira nova e distinta, compreender é aplicar.

A hermenêutica jurídica recorda em si mesma, o autentico procedimento das ciências do espírito. A construção do sentido é ampliada com a fusão de horizontes, estabelecer diálogos com perspectivas multidisciplinares para ampliar o horizonte é fundamental, colocar perante a práxis, a interpretação, a razão, o sentimento, a intuição e os instintos para uma percepção mais afinada e profunda sobre o contexto e a circunstância.

Ao aplicar a hermenêutica no campo Constitucional, os contornos ou limites da interpretação, podem se dar por princípios próprios da interpretação constitucional e sua significação ter sempre a vista no horizonte, o ser comum, isto é, buscar o sentido comum, para o povo.

“A constituição é um documento político para o povo" (Geraldo Ataliba )

Outra possibilidade interpretativa, é o método tópico da hermenêutica constitucional, isto é, uma forma de pensar que procura estabelecer diversos pontos de vista.

3 - O Texto e a Constituição.

Da escrita fria ao conteúdo.

"Se conduzirmos o povo por meio das leis e realizarmos a regra uniforme com a ajuda dos castigos, o povo procurara evitar os castigos, mas não terá o sentimento da vergonha. Se conduzirmos o povo por meio da virtude e realizarmos a regra uniforme com a ajuda dos ritos, o povo adquirira o senso da vergonha e alem disso se tornará melhor." Confúcio (551-479a.C)

No Brasil, o direito reconhecido e válido é fruto de uma abstração coletiva, síntese de toda uma complexa harmonização de interesses sociais que se manifesta por meio do texto legislativo.

Sobre a emanação da lei, Francesco Ferrara[22] assim escreve:

O legislador é uma abstração. A lei, diz Kohler, deve conceber-se como um organismo corpóreo penetrado por um impulso espiritual. O elemento corpóreo é a palavra da lei, pois que a palavra não é simplesmente o meio de prova, mas o veículo necessário, o substrato do conteúdo espiritual, não é só revelação, mas realização do pensamento legislativo.

 

A obra legislativa é como a obra artística, em que a obra de arte e a concepção do criador não coincidem. Também o conteúdo espiritual da lei não coincide com aquilo que dela pensam os seus artífices: na lei está sempre um fundo, de inconsciente e apenas suspeitada vida espiritual, em que repousa o trabalho mental de séculos.

Aristóteles (384 - 322 a.C) na obra sobre: "Tratado Da Interpretação: A proposição, a Linguagem, o pensamento, verdadeiro e falso"; esclarece e já apontava sobre o distanciamento de sentidos existe entre a fala, e a escrita. :

“As palavras faladas são símbolos das afecções da alma, e as palavras escritas símbolos das palavras faladas”.

Neste sentido, Francesco Ferrara esclarece:

A lei, porem, não se identifica com a letra da lei. Esta é apenas um meio de comunicação: as palavras são símbolos e portadores de pensamento, mas podem ser defeituosas. Só nos sistemas jurídicos primitivos a letra da lei era decisiva, tendo um valor místico e sacramental. Pelo contrário, com o desenvolvimento da civilização, esta concepção é abandonada e procura-se a intenção legislativa. Relevante é o elemento espiritual, a voluntas legis, embora deduzida através das palavras do legislado[23]r.

O caminho do hermeneuta constitucional é alimentado por operações mentais que tem por objetivo traçar o significado do objeto, isto é, o texto da lei na práxis a aplicação da lei.

O tempo compromete a convencionalidade de sentido que se estabelece com a palavra escrita, isto torna, a tarefa do interprete mais complexa, cheia de surpresas e revelações na busca por manter uma coerência para preservar a segurança jurídica com a previsibilidade que se deve esperar das normas.

Que coisa é, de facto, a lei? A lei é um texto impresso, rígido e mudo. Não se pode falar misticamente de uma vontade da lei, porque a lei não quer nem pensa, e somos nós que pensamos e queremos atribuir-lhe um conteúdo intelectual. Tanto menos se pode falar duma vontade do legislador, que nos modernos estados constitucionais, com a pluralidade dos factores que participam na legislação, é puramente fantástico[24].

A intertextualidade do Direito Constitucional é outra característica do texto, deve haver uma completa fusão de horizontes a fim de comportar toda a diversidade social e cultural do país.

"O direito constitucional deve ser interpessoal" (Canotilho)

O Direito escrito, devido a autonomia operativa de seu sistema, isto é, por meio de códigos (Direito Material) e programas (Direito Processual) invariavelmente irá tratar de conceitos jurídicos indeterminados. A imprecisão das normas jurídicas é uma características da linguagem do direito.

O objeto do conceito jurídico não pode ser representado graficamente, exato e preciso, só pode existir de forma abstrata e por força normativa com o mínimo de segurança e certeza que é atribuído a uma coisa, a um estado, ou situação para que sua significação jurídica possa ser reconhecida e aplicada por um grupo social.

Um bom exemplo da evolução de significação do sentido que esta diretamente relacionado com o tempo é o conceito de propriedade, antes era absoluto e atualmente, deve cumprir função social.

Conceito indeterminado é uma descrição do objeto e não uma definição fechada e acabada, cuja sua realidade, conteúdo e precisão não aparecem bem descritas.

A indeterminação de conceitos não representa problema lingüístico e sim como um recurso da linguagem que permite expressar e valorar a conduta, como a "boa fe" e a "liberdade de expressão" por exemplo.

No capítulo "Lendo a Constituição ou escrevendo uma nova?" em Hermenêutica Constitucional, Laurence Tribe e Michael Dorf descrevem que[25]:

"ler a constituição requer muito mais do que procurar um significado fixo que tenha sido determinando por gerações anteriores."

4 - O Interprete - olhar para si e para o mundo

Estar em sociedade é aprender a olhar para o outro, ver o diferente, aceitar a diversidade, equilibrar emoções e instintos, em fim, tarefa nada fácil ao individuo do século XXI, considerando que a popularização da tecnologia permitiu a comunicação global em tempo real interligado por meio da internet, do virtual a realidade dos povos e das instituições sociais.

"Consciência é o conhecimento do bem e do mal"

(Harold Bloom).

A primeira dificuldade que o interprete enfrenta na linguagem é a palavra e sua multiplicidade de sentidos, o hermeneuta deve ter bastante consciência de si para evitar conclusões precipitadas ao desviar-se do método escolhido quanto ao objeto da interpretação.

O interprete com formação em direito que se propõe a desvendar os mistérios constitucionais, por força da intertextualidade da Carta Política o contato com outras áreas do conhecimento humano, como por exemplo a sociologia, a matemática, a física, a filosofia e as artes se faz necessário, justamente para uma melhor compreensão sobre a pluralidade de visões que comporta a norma jurídica.

O professor Ferrara esclarece que a "finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis ac potestas legis"[26] e "deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objcetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris[27].

O Interprete constitucional no caminho da significação deve buscar relacionar, também, a linguagem e a lógica para atribuir naquele instante o sentido da norma, a pré compreensão (auto conhecimento) leva a compreensão.

 “O conhece- ti a ti mesmo”

“nada em excesso”

(Sócrates)

A ciência que pode contribuir com o auto conhecimento é a psicanálise de S. Freud, linha racional, que estabelece que o sujeito esta entre a língua e a linguagem, a significação antitética (teses contrarias). (Coleção de Freud – edição 23) e deixou alguns princípios:

1 - Psique são os atos de consciência despertados no cérebro ou no sistema nervoso e existe um ponto que se chama ID, contem tudo que é herdado no nascimento e acima de tudo os instintos, esta é a parte mais antiga do desenvolvimento, forma-se no ventre materno e são: os instintos da vida (Eros) e da morte (tanatos).

2 - O EGO é uma porção do ID, no cérebro, que se desenvolve para o individuo lidar com o mundo externo, o ego aprende a se preservar ao longo da existência com os eventos externos, por estímulos positivos e negativos, é responsável, também, por controlar os instintos primitivos do ID.

3 - O SUPER EGO, formação no EGO é de influencia parental no qual se prolonga e forma uma terceira força que inclui a personalidade dos pais, as tradições do meio social que se está, é a influencia das experiências dos outros, experiência positiva ou negativa, é responsável pela auto preservação, observa o ego e da ordens ou punições, é a consciência, o conhecimento do bem e do mal, das funções judiciais, demonstra severidade, é um prolongamento da infância, que teve um gosto determinante.

ID = inconsciência = Instintos (de vida e morte)

EGO = lógica, experiência (intermediário entre o id e o mundo exterior).

SUPER EGO = a consciência.

Ser e dever ser; olhar para si e para o mundo realidades existentes e anti naturais, ambas ficções, de um lado o individuo, o mundo interior e o constante o processo de adaptação social ao longo da vida; e do outro, o mundo exterior, coletivo, regidos por uma ordem pré-estabelecida.

O confronto destas realidades, individual x social ou interior x exterior, para o interprete, deve ser como atravessar tempestades, terremotos ou guerras sem perder o foco e o equilíbrio, ou seja, desenvolver o auto conhecimento para ampliar a visão geral e também especifica, da parte e do todo.

Neste sentido, ao abordar a decisão judicial, a escola do direito livre e a segurança juridica, Francesco Ferrara[28]:

Até aqui pode chegar a obra do interprete. Mas desviar-se conscientemente da lei, querer reformá-la ou inová-la por pretendidas exigências de interesses, é atraiçoar a função do magistrado. O juiz deve ficar pago a sua nobre missão, e não ir mais longe, passando a usurpar os domínios do legislador. Os dois poderes estão divididos, e assim deve estar.

 

Só com esta condição se pode alcançar aquela objectiva segurança jurídica que é o bem mais alto da vida moderna, bem que deve preferir-se a uma hipotética protecção de exigências sociais que mudam ao sobor do ponto de vista, ou do caráter, ou das paixões do indivíduo. Esta é a força da justiça, a qual não é lícito perder, se não deve vacilar o fundamento do Estado; mas esta é também a sua fraqueza, a qual nós devemos pagar, se queremos obter a inestimável vantagem de o povo nutrir confiança em que o direito permaneça direito.

Diversas variantes podem influenciar a reflexão, mas a responsabilidade do interprete é enorme em não se deixar levar pelas vontades individuais ou dos desejos coletivos por uma resposta imediatista e inconseqüente, o decifrador jurídico tem o compromisso de conter uma expectativa de momento com a preocupação na segurança jurídica, estabilidade social e harmonia do sistema jurídico devem nortear os passos do hermeneuta constitucional.

 

5 - Conclusão

Lidar com si e com o mundo no século XXI significa voltar ao passado e abrir as percepções históricas, a coerência extraída no desenvolvimento dos homens que desde o século o século XVII aprimora um modelo social, ideológico e cultural de organização da sociedade com o estabelecimento de instituições a fim de cumprir funções especificas para a estabilização das expectativas sociais.

Naquele período, as mais diversas áreas do conhecimento humano como a matemática, filosofia, física, educação física, biologia, artes e o direito propriamente dito, desenvolveram autonomia enquanto ciência e assim o homem se inventa, busca a perfeição alterando sua própria natureza, múltipla e contraditória.

As ferramentas tecnológicas do final do século XX, principalmente a comunicação virtual pela internet ou rede mundial dos computadores fez o planeta interligar-se em tempo real, e com isso, o povo teve acesso a informação e diante de si uma janela para outras realidades e culturas.

A universalização do direito de petição, da liberdade, da propriedade, dos direitos do homem, eleições livres entre tantos outros que foram emanados com a declaração de direitos (bill of rights) em 1689 na Inglaterra, declaração de independência dos Estados Unidos da América em 1776, a declaração dos direitos do homem e do cidadão na frança em 1789 parece estar se tornando a práxis global.

No oriente, a primavera árabe trouxe o desejo por liberdade do povo ao deporem monarquias e elegerem textos constitucionais, no ocidente, G-7, grupo dos países mais industrializados e desenvolvidos economicamente recebem duras criticas de outro grupo, BRICS, países em desenvolvimento que buscam igualdade em relação as nações mais ricas e também a fraternidade demonstrada pelo ser humano na ocorrência de grandes desastres naturais como o tsunami que destruiu o Haiti e recebeu ajudar internacional, não só dos Estados Nacionais, mas também de pessoas que de forma voluntaria, como médicos e artistas sem fronteiras demonstram que a esperança é possível e que o momento é de transição.

Ao hermeneuta constitucional, a compreensão da história e de si é fundamental a fim de estabelecer coerência com toda uma proposta ideológica de transformação que requer tempo e ao mesmo tempo, não se deixar guiar pelos instintos imediatistas do momento para mudar a realidade social ao distorcer por meio da interpretação a Lei.

As técnicas interpretativas, devem servir como guia e cada etapa da investigação, permitirá ao interprete clareza para poder distanciar-se dos instintos e valores pessoais/intimo na avaliação e comprovação se alguma expectativa é normativa ou não, isto é, se o caso concreto esta conforme ou desconforme ao direito.

A abstração e generalidade das normas constitucionais, por natureza interdisciplinar, exige um esforço extra do interprete constitucional ao ter que olhar para o horizonte e abrir diálogo com a práxis social, com as artes em geral (circo, teatro, cinema, artes plásticas, poesia) e com outras ciências (filosofia, biologia, física, matemática, a lingüística e arquitetura), em fim, estar e fazer parte do mundo, mas, com os pés fincados no direito.

De certa forma, no Brasil, apesar dos diversos conflitos existentes e a enorme demanda de litígios no Judiciário, demonstra que o povo na práxis esta se apropriando do discurso jurídico constitucional de acesso a justiça, como também, pelos movimentos populares que reivindicam e justificam invasões em propriedades com base no direito a moradia e função social.

Ao hermeneuta constitucional, a partir do texto e dos tribunais terá a positivação necessária para a defesa de qualquer direito, mas o manuseio do direito deve manter a estabilidade e equilíbrio de todo o sistema legal, primando pela segurança jurídica e a previsibilidade das normas, a parte deve adequar-se ao todo e não ao contrário.

Portanto, lapidar a visão a fim de visualizar equilíbrio na diversidade entre realidades distintas, o interprete parte de sua história, ou seja, da pré compreensão e da experiência adquirida como ponto de partida na investigação dos mistérios constitucionais.

Bibliografia:

Abbagnano, Nicola. Dicionário de filosofia, Martins Fontes, 6 ed, 2 tiragem, São Paulo, 2014.

Aristóteles: "Tratado Da Interpretação: A proposição, a Linguagem, o pensamento, verdadeiro e falso".

Ferrari, Regina Maria Macedo Nery Ferrari, em Efeitos da Declaração de Constitucionalidade. 5 ed, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004. p. 83/245.

Ferrara, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis.  Traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade, em Colecção Stvdivm - Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, 3ed, Coimbra - 1978.

Ferraz Jr, Tércio Sampaio. Limites da interpretação jurídica. Revista Brasileira de Filosofia, ano 58, n.232, Revista dos Tribunais, jan-jun/2009

Gadamer, Hans-Georg. Verdad y método I Fundamentos de uma hermeneutica filosófica, 5ed, Sigue, Salamanca 1993.

_________________. Experiência linguagem e interpretação – Ed univ católica de Lisboa – colóquio de 2003.

Gomes, Sergio Alves. Hermenêutica Constitucional um contributo a construção do Estado Democrático de Direito.

Konrad Hesse, Escritos de Derecho Constitucional (seleccion) - Centro de Estudios Constitucionalales - Madri, 1983, p44

Tribe, Laurence e Dorf, Michael. Hermenêutica Constitucional. tradução Amarilís de Souza Birchal, Del Rey, Belo Horizonte, 2007.

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Sobre o autor
Rodrigo Guimarães Buchiniani

Advogado em SP, Especialista em D. Tributário (Uni - FMU) e Mestrando em Direito Constitucional (PUC SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado como quesito parcial para aprovação no crédito de Hermenêutica Constitucional II – ministrado pela Professora Maria Garcia do Programa de Estudos Pós- Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

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