Análise da espionagem como quebra de direito no âmbito internacional e legitimidade moral de acordos entre Estados estrangeiros

28/04/2015 às 09:09
Leia nesta página:

Um paralelo entre a espionagem cometida pelos EUA sobre a óptica de Foucault e Hobbes.

"O homem é o lobo do homem", disse Hobbes, descrevendo o conflito natural entre aqueles que compartilham dos mesmos instintos e necessidades. E seria essa tendência natural do homem a gerar conflitos que o levaria a firmar acordos em busca de uma paz mútua, permitindo-lhes viver de forma pacífica numa sociedade complexa em prol do bem comum. Mas como não poderia deixar de ser, ao mínimo sinal de ameaça, os laços racionais que regem estes acordos são postos de lado, e o homem passa a usar sua astúcia de lobo para se sobrepor.

No mundo em que vivemos, onde a informação, a tecnologia e o desenvolvimento são cada vez mais intensos, é de suma importância que haja entre os Estados uma correlação que permita o benefício de todos, uma vez respeitados a integridade, soberania, e independência de cada um. Mas isso parece ter sido algo esquecido pelos Estados Unidos, que atualmente enfrenta uma forte pressão internacional contra as recentes denúncias de espionagem promovida em nome da segurança nacional. Talvez o conceito explicado por Hobbes seja claramente aplicável a este caso, onde vemos que o detentor de uma hegemonia mundial vê seu poder e economia ameaçados pelo crescimento daqueles que um dia foram seus "subordinados", e que hoje começam a ganhar visibilidade própria, feito o Brasil. Uma mistura de interesses políticos e econômicos norteiam tais atitudes, fazendo imperar uma nuvem de desconfiança sobre os reais intuitos do Estado transigente.

Porém, algo que se fez bastante aparente, foi uma certa conivência da população americana, onde, mesmo com algumas críticas ao sistema empregado, muitos defendem o pensamento de que "

ele está no direito defender seu país, e que pode se utilizar de quaisquer recursos necessários para fazê-lo". Isso é fácil compreensível se partirmos do pressuposto de que uma sociedade é formada por indivíduos que compartilham de interesses comuns, sem falar na adoção do sistema capitalista – cada um por si e a sorte por todos.

Essa não foi a primeira vez que os Estados Unidos justificam suas ações com o argumento da Defesa Nacional. Pode-se perceber a repetição desse discurso em vários momentos. Seja para justificar a guerra contra o Iraque, o confronto contra a Síria ou qualquer outros de deus atos de repressão externa. Percebe-se assim a construção de um discurso de vitimização e medo, que foi assimilado pela população; seria apenas mais uma falácia política usada para disfarçar a quebra de sigilo e ocultar seus reais interesses econômicos e de poder. Segundo Foucault,

"em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade."

Se de forma prática pudéssemos unir Foucault a Hobbes, chegaríamos a conclusão de que os pactos sociais seriam apenas uma forma de disfarçar o receio de ataque, enquanto é arquitetado um meio de se sobrepujar. Afinal, qual seria a melhor maneira de um país, dito democrático, ir contra seus próprios princípios senão justificar sua transgressão a uma norma pactuada e de valor jurídico pela obediência a uma lei de maior importância, uma vez que a "Defesa Nacional", assim como a "Soberania", figura no topo da lista de prioridade dos Estados. Logo, seus crimes de Estado são apenas prevenções contra possíveis ataques de outros Estados, o que torna o discurso dos seus líderes legitimado e aceito pela população. Assim como o Brasil, a maioria dos Estados atribui valor de lei aos acordos internacionais, seja ele de paz, colaboração, de direitos etc., e isso faz com que se crie uma aparente moralidade de respeito entre eles, já que a aceitação de um acordo e seus termos implica – logicamente – na submissão às normas de comportamento nele explicitados ou subtendidos. Mas uma vez que cada Estado possui seu conjunto de culturas, e tais culturas valores compartilhados por seus adeptos, mesmo a aceitação e submissão a regras internacionais está repleta de razões ocultas que guiam os interesses generalizados de uma população.

"... afirma-se que o valor prende-se essencialmente a algum elemento integrante da coisa. Mas é a maneira pela qual a coisa afetaria o sujeito coletivo e, não mais o sujeito individual, que daria o seu valor. A avaliação seria objetiva pela simples razão de ser coletiva."

 Com isso, percebe-se que o Tio Sam, já malquisto por boa parte da população internacional, criou em sua história um discurso de defesa nacional para justificar seus atos de repressão e violação de direitos internacionais, remetendo sempre a acontecimentos anteriores (II Guerra Mundial, atentado de 11 de setembro, por exemplo) que foram veiculados de maneira massiva e vitimada. Tais argumentos são empregados para burlar as normas do Direito Internacional, criando uma visão ambígua acerca da legitimidade jurídica de tais acordos e convenções. Essa dinâmica de busca pelo poder hegemônico não é apenas natural dos Estados Unidos; o próprio Brasil violou um de seus princípios ao não conceder o asilo político (Art. 4º, X) àquele que expôs os esquemas de espionagem, evidenciando relações de interesses de poder junto aos EUA. Sendo assim, subtende-se que a lei possa ser um dispositivo subjugado quando, no mesmo patamar, encontra-se a possibilidade de ganho de poder.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

BIBLIOGRAFIA

Foucault, Michel. 1996. A ordem do discurso. [trad.] Laura Fraga de Almeida Sampaio. 17ª Edição. São Paulo : Edições Loyola, 1996.

Rodrigues, José Alberto. 2003. DURKHEIM. 9ª. São Paulo : Ática, 003. Análise da obra de Durkheim.

William Outhwaite & Tom Bottomore. 1993.Dicionário do Pensamento Social do Século XX. [trad.] Álvaro Cabral e Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro : Zahar, 1993.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Lucas Santos

Bacharelando em Direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Para fins acadêmicos.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos