Pequeno histórico sobre o assédio moral nas relações de empresa e relações de trabalho

Resumo:


  • O conceito de Mobbing foi destacado por Heinz Leyman em 1993 como uma forma de comportamentos hostis direcionados a uma terceira pessoa, podendo causar danos psíquicos e físicos graves.

  • Marie-France Hirigoyen, em seu livro "Assédio moral, a violência perversa no cotidiano", foi fundamental na abordagem do assédio moral, levando à discussão e à proposição de leis sobre o tema.

  • O assédio moral no trabalho, intensificado nas últimas décadas, está relacionado às mudanças nas formas de produção e organização do trabalho, exigindo mais eficiência e competitividade dos trabalhadores, o que pode levar a situações de humilhação e constrangimento prolongadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resgata-se informações sobre o assédio moral nas relações empresarias e de trabalho. Nos próximos anos espera-se uma agudização de atitudes perversas sobre trabalhadores, capazes de conduzi-los à morte psíquica, tendo em vista a crise econômica em curso.

Heinz Leyman, doutor em psicologia do trabalho e professor na Universidade de Stockholm publicou ensaio em 1993 no qual destacou o conceito de Mobbing: define o encadeamento por um longo período, de comportamentos hostis, que isolado poderia parecer inócuo. Mas é manifestado por uma ou várias pessoas em direção a uma terceira que se torna o alvo, ameaçando infringir ao indivíduo graves danos psíquicos e físicos.

No entanto, é considerado um marco na abordagem do assédio moral a publicação do livro da médica psiquiatra Marie-France Hirigoyen, publicado em 1998 - Assédio moral, a violência perversa no cotidiano. A coleta de inúmeros testemunhos e a divulgação que a mídia à época promoveu, desembocou no encaminhamento de projeto de lei submetido pela bancada comunistas à Assembleia Nacional Francesa.

Para a autora, a organização do trabalho é um dado necessário, porém não suficiente para explicar o fenômeno. Possível de ser enfrentado a partir da prevenção no local do trabalho e junto aos profissionais, reforça um forte senso de ética e de responsabilidade individual (1998). Isolar, desacreditar, desconsiderar o trabalho feito são apenas alguns dos numerosos meios do assédio moral se manifestar, e as consequências dramáticas (HIRIGOYEN, 2014).

Segundo ela, é possível destruir qualquer um com as palavras, os olhares, os subentendidos, que se torna violência moral ou assédio moral. Mas chama a atenção para a especificidade da relação perversa e para o cuidado de a questão não ser banalizada. Afinal, um mesmo processo mortífero é desencadeado seja entre casais, na família, na empresa, envolvendo a vítima numa espiral depressiva e mesmo suicida. Essas violências insidiosas decorrem de uma mesma vontade de se desembaraçar de qualquer um sem sujar as mãos. Isto porque a propriedade do perverso é de avançar mascarado. É essa impostura que se deve desvelar para permitir à vítima de reencontrar suas referências e de subtrair a empresa de seu agressor. Deve ser levada em conta e nomeada pelo que é: uma verdadeira morte psíquica (HIRIOYEN, 2001).

No Brasil, a Dra. Margarida Barreto foi uma das primeiras a abordar a temática. Sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social, defendida em 2000 na PUC/ SP, teve por título "Uma jornada de humilhações”. Embora o assédio moral ou violência moral seja antigo, a novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e abordado como não inerente ao trabalho.

A autora diferencia o conceito de humilhação de assédio moral no trabalho: o primeiro, sentimento de ser ofendido/a, menosprezado/a, rebaixado/a etc.; o segundo é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho. As mais comuns são relações hierárquicas autoritárias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. A vítima escolhida é isolada sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. O estímulo constante à competitividade rompe os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ’pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ’perdendo’ sua autoestima.

Dessa maneira, humilhação não é sinônimo de assédio moral, que pressupõe: 1) repetição sistemática intencionalidade (forçar o outro a abrir mão do emprego); 2) direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida como bode expiatório); 3) temporalidade (durante a jornada, por dias e meses); 4) degradação deliberada das condições de trabalho.

Trata-se de fenômeno internacional segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e para a Organização Mundial da Saúde (OMS) nas próximas décadas, relacionado com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e vinculadas as políticas neoliberais. Com ou sem o prefixo “neo”, o liberalismo tem como conduta a responsabilização dos indivíduos e não de uma organização social perversa, as dificuldades e/os impossibilidade de obter sucesso, especialmente no mercado de trabalho.

De acordo com Barreto (2002), as mudanças nas formas de produzir e organizar o trabalho marcaram as duas últimas décadas do século passado, desencadearam a quebra de direitos sociais, reformas no contrato laboral, terceirizações, aumento da informalidade e do subemprego, precarização do trabalho, desemprego massivo e aumento da miséria urbana. As repercussões na vida dos trabalhadores foram imediatas, passando a exigir mais eficiência técnica, espírito competitivo e agressivo, flexibilidade e polifuncionalidade. A reestruturação e enxugamento da máquina empresarial exige trabalhar mais com menos pessoas. Nesse contexto, aparece o assédio moral que transversa toda a jornada, em íntima relação com os pensamentos, emoções e afetos.

Outros autores brasileiros vêm se dedicando ao estudo do assédio moral mais recentemente.

Vieira (2008) estudou os impactos do trabalho na saúde mental dos trabalhadores, particularmente aqueles que compõem a categoria dos vigilantes bancários. No estudo do caso de Ricardo analisou a sua trajetória ocupacional para compreender quais os fatores que determinaram o seu adoecimento. Embora tenha sido afastado pelo Transtorno de Estresse Pós-Traumático, após um assalto ao banco onde trabalhou por mais de 10 anos, o trabalhador atribuiu à deterioração do relacionamento com os funcionários do banco o fator determinante para o seu adoecimento.  Para o vigilante, o assalto foi “gota d’ água”. As situações de  conflito no trabalho e os paradoxos advindos no trabalho real são apontados como geradores de sofrimento psíquico dos trabalhadores, afetando inclusive as relações no âmbito familiar.

Saboli (2008), partindo da pesquisa sobre relação entre assédio moral e organização do trabalho, aprofunda a reflexão, permitindo que os textos deste livro, ao serem discutidos pelos atores sociais trabalhadores, representantes sindicais ou de empresas, profissionais da saúde ou área jurídica colaborem para o reconhecimento social da violência psicológica que permeia a organização do trabalho e possam desenvolver ações de combate a essas práticas. Um possível caminho para combater o assédio moral.

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Para Moreira (2010), assédio moral ou bullying é uma forma de violência dissimulada e que não ocorre somente nos escalões hierárquicos, estando presente e causando danos morais dentro das instituições educacionais, empresarias e no próprio seio da família.

De acordo com Taisa Trombetta e Jose Carlos Zanetti ( 2010), não existe uma única definição sobre o que é o assédio moral, que pode ocorrer tanto na estrutura familiar, como nas escolas e no trabalho. É tão antigo quanto o próprio trabalho, mas somente na década de 1990 foi identificado como fenômeno destruidor do ambiente. Diminui a produtividade e favorece o absenteísmo, devido aos desgastes psicológicos que provoca. Não existe uma única definição para assédio moral entre os profissionais, pois permite abordagem multidisciplinar. Para eles, humilhações eventuais, seguidas de desculpas, não caracterizam o fenômeno, mas sim a sequência acumulativa e repetida de forma isolada é que constitui assédio moral.

Para Sergio Pinto Martins (2015), o assédio moral é uma conduta que já existia no ambiente do trabalho, mas talvez não fosse tão comum ou talvez não chegasse a ser divulgado. A partir do momento em que o dano moral passou a ser da competência da Justiça do Trabalho, os casos que apresentaram situação de humilhação, amedrontamento, intimidação ou assédio psicológico no trabalho passaram a ser constatados nos processos trabalhistas com maior intensidade. Nos novos modelos de análise da violência no ambiente de trabalho propostos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), suas manifestações físicas e psicológicas são igualmente consideradas, como o amedrontamento, a intimidação ou o assédio psicológico.

Por fim, a CLT, desde 1.943, prevê no artigo 483, alíneas a e b, motivos que podem ser invocados para respaldar eventual ação de indenização por assédio moral: quando forem exigidos serviços superiores às forças do empregado, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; e quando o empregado for tratado pelo empregador ou por seus superiores com rigor excessivo. Há um esforço da justiça trabalhista para precisar e tipificar  o assédio moral – vertical, horizontal, combinado, ascendente – sinalizando o compromisso de que práticas como o assédio moral sejam inibidas. Também na Lei nº 13.288/2002 esforços são feitos na mesma direção.

Referências:

BARRETO, M. Uma jornada de humilhações. São Paulo: FAPESP; PUC, 2000.

___________  Assédio moral . Revista ser médico. Edição 20 - Julho/Agosto/Setembro de 2002

CLT (BRASIL).  Decreto 5.452 de 1º de Maio de 1943.  Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, 1º de maio de 1943; 122º da Independência e 55º da República.

HIRIGOYEN, Marie- France. Le Harcèlement Moral: la violence perverse au quotidien. Paris: Éditions La Découverte & Syros, 1998.

__________Malaise dans le travail, harcèlement moral: déméler le vrai du faux. Paris: Éditions La Découverte & Syros, 2001.

­­­_________Que sais-je: Le harcèlement moral au travail. Paris: Presse Universitaires de France, 2014.

LEYMANN, Heinz, Mobbing. 1993. Acesso em 1/04/2015. http://de.wikipedia.org/wiki/Heinz_Leymann

MARTINS, Sergio Pinto, Assédio moral no emprego. 4ª edição, Atlas: São Paulo, 2015.

MOREIRA, Dirceu. Transtorno do assédio moral-bullying. Editora Wak: São Paulo, 2010.

SOBOLI, Lisandra. Assédio moral /organizacional – uma análise da organização do trabalho, Casa do psicólogo: São Paulo, 2008.

TROMBETTA Taisa, ZANETTI, Jose Carlos. Características do assédio moral. Juruá Editora: São Paulo: Juruá 2010.

VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca. Do moral ao Psicossocial – desvendando os enigmas da organização do trabalho. Juruá Editora: São Paulo, 2008.



 

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Sobre a autora
Ana Lúcia Eduardo Farah Valente

Titular da UnB. Pós-Doutorado em Antropologia da Educação (Bélgica). Pós- Doutorado em Economia UnB. Graduada, Mestre e Doutora pela USP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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