Responsabilidade por vício do produto ou serviço no CDC

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O CDC dentre outros temas de extrema relevância, ressalta a responsabilidade pelos vícios do produto e do serviço, que chegam até o consumidor. Este estudo busca apresentar de forma sintética as particularidades desse direito dos consumidores.

Resumo: Preocupado em normatizar as relações de consumo de uma forma clara e uniforme o legislador criou em 11 de setembro de 1990 a Lei nº. 8.078, amplamente conhecida como Código de Defesa do Consumidor, tornando-o instrumento de regulamentação e proteção para o consumidor, tido como a parte mais vulnerável da relação consumerista, assegurando-o maior conhecimento de seus direitos. O Código de Defesa do Consumidor, ou abreviadamente, CDC, dentre outros temas de extrema relevância, ressalta a responsabilidade pelos vícios do produto e do serviço, que chegam até o consumidor, comprometendo-o em sua qualidade ou quantidade, tornando-os impróprios ou inadequados ao consumo que se destinam ou lhe diminuam o valor, assim como, por exemplo, aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária. Este estudo busca apresentar de forma sintética a definição do referido instituto, bem como suas particularidades. A pesquisa fora realizada mediante estudos bibliográficos. Podemos perceber que o CDC representou um grande avanço quanto à proteção ao consumidor, proporcionando assim a justa aplicação da lei e, por conseguinte, uma evolução socioeconômica.

Palavras-chave: Vício. Relação de Consumo. Responsabilidade.

Sumário: : 1. Introdução. 2. Da responsabilidade por vício do produto ou serviço. 2.1. Definição. 2.2. Pólo ativo e passivo. 2.3. Da responsabilidade solidária dos fornecedores e das cláusulas de exoneração. 2.4. Da garantia de boa qualidade. 3. Vício de produto. 3.1. Vício de qualidade. 3.1.1. Da ignorância sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos. 3.2. Vício de quantidade. 4. Vícios de serviço – qualidade e quantidade. 5. Considerações finais. 6. Referências.


1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil pode ser entendida como um dever geral de não prejudicar a ninguém, mas com a verificação de tal prejuízo, nasce o dever de reparar ou sanar eventual dano e/ou vício. Por isso, havendo algum vicio que torne o serviço ou produto inadequado, terá o fornecedor o dever de sanar tal problema; responsabilidade esta, inclusive, objetiva, pois basta que se comprove o dano - neste caso a inadequação do produto ou serviço – e o nexo de causalidade, sem a necessidade de que tenha havido o dolo – a intenção – de causar danos ao consumidor, ou mesmo culpa – negligencia, imprudência ou imperícia.

Para ilustrar, podemos citar um exemplo de uma pessoa que compre um liquidificador e ao utilizar o produto percebe que a hélice do mesmo não tritura os alimentos, ocorrendo então a inadequação ao fim que se destina, ou seja, triturar alimentos. Portanto, este consumidor poderá reclamar, a sua escolha, dentre os envolvidos na cadeia de produção, alternativas que a lei lhe oferece, que serão tratadas oportunamente neste trabalho, para ter seu direito satisfeito.

No entanto, de forma sucinta, podemos dizer que o vício de qualidade é a inadequação do produto ao fim a que de destina, e o fornecedor tem o prazo de 30 dias para saná-lo, porém decorrido este prazo, o consumidor terá a alternativa de pedir a substituição do produto, ou ainda, abatimento proporcional no preço. Enquanto que, o vício de quantidade esta relacionado à diferença entre a porção efetivamente paga e a descrição da quantidade do produto na embalagem, podendo o consumidor pedir, alternativamente, a complementação do peso, restituição do valor pago, substituição por outro ou ainda o abatimento proporcional no preço.

Importante esclarecer que vício se diferencia de defeito, o vício restringe-se à qualidade ou quantidade do produto ou serviço, porém o defeito é o vício acrescido do resultado danoso, seja à saúde ou segurança do consumidor, ocorrendo o chamado acidente de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor nos artigos 18 a 25 regulamenta a responsabilidade dos fornecedores pelos vícios do produto ou serviço. De certo, como já explicitado, a responsabilidade surge independentemente de dolo ou culpa, pois deve o fornecedor, ou seja, todos aqueles que participam do processo de produção, garantir a qualidade e/ou quantidade do produto ou serviço.

O objetivo desse trabalho acadêmico é discorrer sobre a responsabilidade por vicio do produto ou serviço, disciplinada no Código de Defesa do Consumidor, sua forma, definição e peculiaridades. Este estudo fora realizado através de pesquisas bibliográficas nas obras de diversos autores, em especial: Luis Antonio Rizzatto Nunes, Ada Pellegrini Grinover, Fabrício Bolzan de Almeida, Jose Luis Ragazzi e Flávio Tartuce, bem como, tomando como base o código de defesa do consumidor.


2. DA RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO PRODUTO OU SERVIÇO

2.1. Definição

O Código de Defesa do Consumidor promulgado em 11 de setembro de 1990 estabelece normas que conferem proteção ao consumidor. O seu artigo 6º lista, de forma exemplificativa, direitos básicos os quais destacamos a seguir:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva [...].

Por esta razão, ao consumidor deve ser assegurado o funcionamento adequado do produto e/ou a prestação do serviço, e quando estes, de certa forma, apresentam irregularidades, os denominados vícios, devem ser reparados, independente de dolo ou culpa daquele que tenha a responsabilidade, neste caso, objetiva.

Realmente, a responsabilidade pautada na comprovação do dolo ou da culpa (a subjetiva) seria incompatível com esse novo modelo de relação jurídica que é marcado pela desigualdade, tendo de um dos lados o todo-poderoso fornecedor, que é o detentor do monopólio dos meios de produção, e, do outro, o consumidor-vulnerável, o débil no mercado de consumo. (ALMEIDA, 2013, p. 424)

O doutrinador Rizzatto Nunes (2011, p.225), diz que “são consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo”, ou seja, poderá haver uma má funcionalidade do produto, ou mesmo, o consumidor receber uma menor quantidade do produto ao que efetivamente pagou, podendo ainda, os vícios serem ocultos ou aparentes.

O vício aparente, como diz o caput do artigo 26 é aquele de “fácil constatação”, ou seja, aquele notado com o uso normal do produto ou serviço, porém, quanto ao vício oculto “só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária”, comenta Nunes (2011, p.229).

Importante destacar que, estes vícios, não se confundem com os vícios redibitórios, que são defeitos ocultos e tem tratamento no Código Civil de 2002, nesta ocasião elucida Grinover que:

[...] os vícios redibitórios são defeitos ocultos da coisa que dão causa, quando descobertos, à resilição contratual, com a consequente restituição da coisa defeituosa, ou ao abatimento do preço. Os vícios de qualidade ou quantidade dos produtos ou serviços, ao revés, podem ser ocultos ou aparentes – não importa – e contam com mecanismos reparatórios muito mais amplos, abrangentes e satisfatórios do que aqueles previstos no instituto civilístico. (GRINOVER, 2011, p.217)

Outra distinção importante é acerca da responsabilidade por danos e a referida responsabilidade por vício do CDC, aquela tem relação a qualquer acidente de consumo provocado por produto ou serviço que causa dano ao consumidor, sendo um fato extrínseco, enquanto que nesta, independe de dano surge a responsabilidade, pois o vicio está relacionado intrinsecamente à coisa como preceitua Ragazzi e Honesko (2010, p. 59) “quando se fala em vicio de produto, indicam-se situações em que, apesar do produto ou serviço apresentar alguma falha, não ocorre qualquer acidente de consumo, inexistindo potencialidade danosa”.

Ademais, não são apenas os vícios de qualidade que são disciplinados no Código de Defesa do Consumidor, como também, os vícios de quantidade, sendo “os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária”, como ensina Nunes (2011, p.225).

2.2. Pólo ativo e passivo

Como já discutido, quando o produto ou serviço apresentar vícios, surge o dever daquele que forneceu de reparar. Neste sentido temos como pólo passivo, ou seja, aquele que tem a responsabilidade de sanar o vício, os fornecedores. Segundo preceito do artigo 18 do Código de defesa do consumidor, os fornecedores de qualquer produto que apresente vício de qualidade ou quantidade serão responsabilizados perante o consumidor que o adquiriu ou utilizou, devendo sanar as partes viciadas dentro do prazo legal determinado pelo mesmo diploma.

Todos os fornecedores envolvidos na cadeia de produção são responsáveis por sanar o vício do produto, pois trata de responsabilidade solidária, como nos ensina Rizzato Nunes (2012, p. 199) “isso significa que o consumidor pode escolher a quem acionar: um ou todos. Como a solidariedade obriga a todos os responsáveis simultaneamente, todos respondem pelo total de danos causados”, ou seja, diante do conflito e para fazer cumprir seus direitos, o consumidor poderá acionar qualquer fornecedor, seja o fabricante, importador, distribuidor ou até mesmo o comerciante, devido a solidariedade entre os mesmos.

Por outro lado, temos o sujeito ativo, que é aquele que busca o saneamento do vício do produto ou serviço, neste caso, o consumidor. No artigo 2º do CDC temos que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, por isso, será consumidor aquele que adquiriu o produto para si ou mesmo para terceiros, no intuito de consumi-lo/utilizá-lo, entendendo assim que, poderá reclamar do vicio, além daquele que adquiriu, aquele, também, que tenha recebido de alguma forma, como presente, doação, pagamento e outros.

Uma questão que surge duvida é se pessoas jurídicas, em especial, empresas poderão figurar no pólo ativo, equiparando-se ao consumidor. Destarte, elucida Grinover (2011, p.219) que “se trate de pessoa física ou jurídica, o único dado capaz de identificar o consumidor é a sua condição de destinatário final do bem ou do serviço fornecido”. Por isso se o bem ou serviço adquirido integra a sua produção, não é esta figurante do pólo ativo, porém se eles não são consumidos no processo produtivo, mas ela os utiliza como destinatária final, será então merecedora de tal proteção.

Ainda nos alerta Tartuce e Neves a respeito dos entes despersonalizados que também, tanto podem figurar no pólo ativo quanto no passivo numa relação consumerista, vejamos:

O consumidor pode ser ainda um ente despersonalizado, mesmo não constando expressamente menção a ele na Lei Consumerista. Incide a equivalência das posições jurídicas, uma vez que tais entes podem ser fornecedores, como antes exposto, cabendo, do mesmo modo, a sua qualificação como consumidores. A título de exemplo, cite-se julgado do Tribunal Paulista, que considerou o condomínio edilício – tratado como ente despersonalizado – consumidor de uma prestação de serviços: “Contrato. Prestação de serviços. Relação de consumo. Condomínio e prestadora de serviços de engenharia e manutenção. Código de Defesa do Consumidor. Aplicabilidade. Condomínio, ente despersonalizado, com capacidade processual, pode ser considerado consumidor final dos serviços prestados pela agravada. Recurso provido nesse aspecto” (TJSP – Agravo de Instrumento 1.009.340-00/1, Santos – Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Orlando Pistoresi – j. 26.01.2005). (TARTUCE E NEVES, 2014 p.73)

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Previsto no CDC os produtos in natura, que são aqueles colocados no mercado de consumo sem que tenham sofrido qualquer processo de industrialização, tem como responsável imediato o comerciante. Que poderá ser acionado em caso de qualquer dano ao consumidor, a menos que o produtor seja de fácil identificação, como nos informa o § 5 do referido diploma.

Informa-nos, também, o artigo 22, sobre a responsabilidade do poder público nos serviços prestados, onde a lei traça a definição dos sujeitos da relação de consumo. Temos a definição de fornecedor, na concepção legal, que é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O poder público, no papel de fornecedor, “são as pessoas jurídicas de direito público, centralizados ou descentralizados”, prestadores de serviços públicos que são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

2.3. Da responsabilidade solidária dos fornecedores e das cláusulas de exoneração

O art. 25. do CDC determina a nulidade de qualquer cláusula que tenha por efeito a exclusão ou limitação da responsabilidade do fornecedor e, ainda, confirma a solidariedade como regra quando são muitos os causadores do dano. Ou seja, nos termos do referido artigo, não serão permitidas cláusulas que impossibilitem, retirem ou diminuam a obrigação de indenizar prevista neste diploma legal, in verbis:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 1° - Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.

§ 2° - Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

É importante ressaltar que condições exonerativas são mais comuns em situações de fornecimento de serviços, como por exemplo, as empresas de guarda e estacionamento de veículos, que advertem seus usuários de que não se responsabilizam pelos valores ou objetos deixados no interior dos respectivos veículos. Entretanto, estas cláusulas consideram-se não escritas e devem ser desconsideradas pelos consumidores, como nos informa o enunciado 130 da súmula do Superior Tribunal de Justiça “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”.

Ainda neste sentido, temos a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar casos de furto de veículos em estacionamento de shoppings ou supermercados:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - FURTO OCORRIDO NO ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICABILIDADE - DANO MATERIAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1- A segurança oferecida por shoppings e supermercados em seus estabelecimentos é serviço inerente à atividade comercial desenvolvida, do que decorre a responsabilidade objetiva da empresa, nos termos do art. 14. do CDC e Súmula 130 do STJ. 2- Recurso de apelação a que se nega provimento.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.324060-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE

Em se tratando da responsabilidade solidária, o parágrafo 1º do artigo 25, ratifica a solidariedade passiva de todos aqueles capazes de causar o dano ao produto, ao passo que, o parágrafo 2º agrega ao rol dos coobrigados solidários, o fornecedor da peça ou dos componentes defeituosos que foram acrescentados aos produtos e serviços.

Ressalta-se que a responsabilidade solidária prevista, trata-se de uma solidariedade pura e simples, que não comporta benefício de ordem, podendo, portanto, o consumidor reivindicar seus direitos contra qualquer dos fornecedores do produto ou serviço, inclusive contra o incorporador da peça ou componente defeituoso.

2.4. Da garantia de boa qualidade

O fornecedor é responsável pela disposição dos produtos e serviços, no mercado de consumo, de boa qualidade, sem vícios ou defeitos. Essa responsabilidade é determinada pelo artigo 24 do CDC, que afirma que: “a garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.”

Demonstra-nos Rizzato Nunes (2012, p.427) que “o CDC garante que os produtos e serviços serão próprios e adequados ao consumo e ao uso que se destinam [...]”, sendo assim, a garantia legal é aquela disposta por imposição de lei, ou seja, é uma obrigação ex legis, sendo vedada qualquer exoneração contratual do fornecedor no sentido de diminuir ou até mesmo exonerá-lo da responsabilidade de adequação de produtos e serviços, sob pena de nulidade das cláusulas eventualmente acordadas. Da mesma forma, ensina Almeida (2014, p.545) “a garantia não pode ser afastada por convenção entre as partes envolvidas na relação de consumo, mesmo porque se trata de norma de ordem pública inderrogável pela vontade das partes”.

O artigo 26 do CDC prevê o prazo de garantia de trinta dias para produtos e serviços não duráveis, e de noventa dias para produtos e serviços duráveis, que segundo o § 1º do mesmo artigo “inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do termino da execução dos serviços”.

Porém, quanto aos vícios oculto do produto ou serviço, ha outra questão, como evidencia-nos o § 3º do artigo 26 “tratando-se de vicio oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito”.

Vejamos:

DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. DEFEITO MANIFESTADO APÓS O TÉRMINO DA GARANTIA CONTRATUAL. OBSERVÂNCIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO.

O fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de noventa dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser observado como limite temporal para o surgimento do defeito o critério de vida útil do bem. O fornecedor não é, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita, pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno. Basta dizer, por exemplo, que, embora o construtor responda pela solidez e segurança da obra pelo prazo legal de cinco anos nos termos do art. 618. do CC, não seria admissível que o empreendimento pudesse desabar no sexto ano e por nada respondesse o construtor. Com mais razão, o mesmo raciocínio pode ser utilizado para a hipótese de garantia contratual. Deve ser considerada, para a aferição da responsabilidade do fornecedor, a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Os prazos de garantia,sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, são um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto, existente desde sempre, mas que somente vem a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco, certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, todavia não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, o prazo para reclamar a reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, mesmo depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem, que se pretende "durável". A doutrina consumerista – sem desconsiderar a existência de entendimento contrário – tem entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18. do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo, sejam elas regidas pelo direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. Os deveres anexos, como o de informação, revelam-se como uma das faces de atuação ou ‘operatividade’ do princípio da boa-fé objetiva, sendo quebrados com o perecimento ou a danificação de bem durável de forma prematura e causada por vício de fabricação. Precedente citado: REsp 1.123.004-DF, DJe 9/12/2011.

REsp 984.106-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/10/2012. (grifo nosso)

Mas não é apenas pela garantia legal que o consumidor esta amparado, também existe a chamada garantia contratual que é conceituada no artigo 50 do CDC, transcrito a seguir:

Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.

Explica-nos, portanto, Almeida:

De fato por ser modalidade de garantia contratual, conclui-se que possui natureza de mera liberalidade a sua concessão por parte do fornecedor, razão pela qual a lei somente a considerará numa relação de consumo mediante a existência de termo escrito. (ALMEIDA, 2014, p.546).

Essa garantia, então, pode ser gratuita ou onerosa para o consumidor, e acima de tudo, não obrigatória a sua contratação e nem oferecimento pelas partes na relação consumerista. Devendo o contrato ser escrito e claro para o consumidor.

Por fim, vale ressaltar que a garantia contratual não exclui a garantia legal, na verdade elas se somam, é o que, aliás, vem sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme explicação de Almeida (2014, p.550) “o Superior Tribunal de Justiça também vem se posicionando no sentido de que os prazos decadenciais para a reclamação da garantia legal não correm enquanto não expirar o prazo da garantia contratual”.

Assim temos a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PRAZO. DECADÊNCIA. RECLAMAÇÃO. VÍCIOS. PRODUTO. A Turma reiterou a jurisprudência deste Superior Tribunal e entendeu que o termo a quodo prazo de decadência para as reclamações de vícios no produto (art. 26. do CDC), no caso, um veículo automotor, dá-se após a garantia contratual. Isso acontece em razão de que o adiamento do início do referido prazo, em tais casos, justifica-se pela possibilidade contratualmente estabelecida de que seja sanado o defeito apresentado durante a garantia. Precedente citado: REsp 1.021.261-RS, DJe 6/5/2010.

REsp 547.794-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 15/2/2011.

Sobre as autoras
Dahyana Siman Carvalho da Costa

Graduada em Direito. Especialista e Mestre em Direito. Professora do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE.

Kellen Christian França Martins Oliveira

Aluna do Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, participantes do projeto de extensão “Consumidor Consciente”.

Késsya Lorrane Fernandes de Sousa

Aluna do Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, participantes do projeto de extensão “Consumidor Consciente”.

Larissa Mota Lagares Pinto

Aluna do Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, participantes do projeto de extensão “Consumidor Consciente”.

Maysa Vasconcelos Costa

Aluna do Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, participantes do projeto de extensão “Consumidor Consciente”.

Wilierneia Magalhães do Carmo

Aluna do Curso de Direito do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, participantes do projeto de extensão “Consumidor Consciente”.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo desenvolvido no Projeto de Extensão "Consumidor Consciente" do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - UNILESTE, com o objetivo de divulgar os direitos do consumidor, à comunidade acadêmica e à sociedade em geral.

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