3. VÍCIO DE PRODUTO
3.1. Vicio de qualidade
Como já exposto, o vicio de qualidade torna o produto insatisfatório à sua destinação, não atingindo sua finalidade. Vejamos agora o § 6º do artigo 18 do CDC, que de maneira exemplificativa, diz:
§ 6° São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Constatado o vício de qualidade dos bens fornecidos, o consumidor pode exigir substituição das partes viciadas. Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor, nos termos do § 1º do artigo 18, exigir, alternativamente e à sua escolha: a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; o abatimento proporcional do preço.
Essas prerrogativas garantem ao consumidor optar por uma solução que lhe seja mais favorável. Rizatto Nunes faz o seguinte apontamento:
[...] o consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico. O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor, mas também elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que lhe escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está a mercê daquilo que é produzido. (NUNES, 2000, p.106)
Importante lembrar que os prazos para reclamar o vício de produto são decadenciais, começando a contar da entrega do bem - vício aparente - ou do conhecimento do defeito - vício desconhecido ou oculto, como já explicitado.
O código admite também que as partes, consumidor/fornecedor, convencionem a redução ou ampliação do prazo legal de garantia retrocitado, não podendo ser inferior a sete, nem superior a cento e oitenta dias, lembrando sempre que deverá ocorrer sem imposição ao consumidor.
Se a avaria apresentada ao ser solucionada ou em caso de peça restituída, comprometer a qualidade ou características essenciais ao produto, inclusive diminuindo o valor, conforme estabelecido no artigo 18, § 3º, o consumidor poderá exigir a substituição do produto viciado por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, que vem amparado pelo artigo 18 § 4° do CDC.
3.1.1. Da ignorância sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos
Acerca dos vícios sobre os produtos, o Código de Defesa do Consumidor aborda a hipótese do não conhecimento dos mesmos, pelo fornecedor, como previsto no artigo 23 do referido diploma, que aduz que a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.
Ou seja, diferentemente da esfera civil, quando o fornecedor ignora o vício ou o defeito (vícios redibitórios) que afeta o produto, sendo de boa-fé, deverá restituir o valor recebido mais as despesas contratuais, ou quando de má-fé, deverá restituir o valor recebido mais perdas e danos, em conformidade com o artigo 443 do Código Civil de 2002.
Nas relações de consumo, conforme já supra mencionado, a ignorância, ou melhor, o não conhecimento dos vícios dos produtos, independente de boa ou má-fé, não exime o fornecedor de sua responsabilidade de reparar o dano causado ao consumidor.
Essa definição prevista no artigo 23 pode ser caracterizada como natural, haja vista que as relações de consumo são pautadas sob o regime da responsabilidade objetiva, com fundamento na teoria do risco, onde são desconsiderados os aspectos subjetivos da conduta do fornecedor.
3.2. Vicio de quantidade
Com relação aos vícios de quantidade do produto, dispõe o artigo 19 do Código de Defesa do Consumidor, que caracterizam quando observado que o conteúdo líquido é inferior àquele apresentado na embalagem, rótulo ou mesmo mensagem publicitária, ressalvadas as variações decorrentes da própria natureza do produto.
Cumpre ressaltar que apresentar as informações corretas quanto à quantidade e variações dos produtos trata-se de uma obrigação do fornecedor, caso contrário, considera-se ter o mesmo violado o dever de transparência na relação e consumo, iludindo o consumidor.
Destaca-se que o dever de transparência quanto à prestação de informações corretas por parte do fornecedor, estende-se também quanto ao tamanho da embalagem, que deve ser condizente ao conteúdo. Desta forma, também são responsabilizados aqueles fornecedores que utilizam da embalagem como ferramenta para induzir o consumidor a uma percepção de maior quantidade, conquanto a informação e a quantidade efetiva estejam corretas.
Ressalta-se que tal obrigação também se aplica aos fornecedores imediatos, conforme previsão do § 2º do artigo em estudo, porém será apenas quando estes realizarem a pesagem e medição utilizando-se de instrumentos não aferidos segundo os padrões oficiais. Acolhe ainda tal artigo algumas variações decorrentes da natureza do produto, que são observadas, em maioria, naqueles produtos fornecidos in natura.
Portanto, para aqueles produtos em que se verificar disparidade entre o conteúdo anunciado e o conteúdo efetivo, determina o CDC que cabe ao consumidor exigir e escolher dentre as medidas: abatimento proporcional do preço; a complementação do peso ou medida; a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.
De forma clara, ao que ora falamos, elucida o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DE QUANTIDADE DE PRODUTO NO CASO DE REDUÇÃO DO VOLUME DE MERCADORIA. Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o volume da mercadoria para quantidade diversa da que habitualmente fornecia no mercado, sem informar na embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva, a diminuição do conteúdo. É direito básico do consumidor a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6º, III, do CDC). Assim, o direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Diante disso, o comando legal somente será efetivamente cumprido quando a informação for prestada de maneira adequada, assim entendida aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, no último caso, a diluição da comunicação relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia. Além do mais, o dever de informar é considerado um modo de cooperação, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor). Além disso, o art. 31. do CDC, que cuida da oferta publicitária, tem sua origem no princípio da transparência (art. 4º, caput) e é decorrência do princípio da boa-fé objetiva. Não obstante o amparo legal à informação e à prevenção de danos ao consumidor, as infrações à relação de consumo são constantes, porque, para o fornecedor, o lucro gerado pelo dano poderá ser maior do que o custo com a reparação do prejuízo causado ao consumidor. Assim, observe-se que o dever de informar não é tratado como mera obrigação anexa, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de consumo, não podendo afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor a erro, uma vez que não é válida a “meia informação” ou a “informação incompleta”. Com efeito, é do vício que advém a responsabilidade objetiva do fornecedor. Ademais, informação e confiança entrelaçam-se, pois o consumidor possui conhecimento escasso dos produtos e serviços oferecidos no mercado. Ainda, ressalte-se que as leis imperativas protegem a confiança que o consumidor depositou na prestação contratual, na adequação ao fim que razoavelmente dela se espera e na confiança depositada na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado. Precedentes citados: REsp 586.316-MG, Segunda Turma, DJe 19/3/2009; e REsp 1.144.840-SP, Terceira Turma, DJe 11/4/2012.
REsp 1.364.915-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/5/2013. (grifo nosso)
Por fim, destaca-se que conforme a disposição do §1º, do art. 19. do CDC não sendo possível a substituição do bem, poderá ainda haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, desde que o consumidor complemente ou restitua eventual diferença de preço.
4. VÍCIOS DE SERVIÇO – QUALIDADE E QUANTIDADE
O conceito de serviço impróprio consta no CDC artigo 20 § 2º “são impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade”, que nos revela, ainda, que o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, é o que leciona Fabricio Bolzan de Almeida:
Mais uma vez, o CDC valeu-se da relação entre vicio e inadequação aos fins a que se destina, no caso, o serviço. Assim, se o serviço de polimento e cristalização de um veículo automotor não atingir a finalidade pretendida, tal serviço será considerado viciado, momento em que o consumidor poderá valer-se de uma das opções [...]. (ALMEIDA, 2014 p. 500)
Ademais, antes de falarmos das opções do consumidor, importante dizer que esta reparação pode ser tanto patrimonial quanto moral, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso V, abrangendo em seu contexto, tanto dano à pessoas como aos bens, prevalecendo à obrigação de ressarcimento nos casos de vício, falta ou insuficiência de informações, ou seja, tanto em razão de problemas internos como externos dos bens, ou dos serviços.
Caso, portanto, o consumidor contrate um serviço viciado ele terá, a sua escolha, alternativas para que tal irregularidade seja sanada, consoante nos mostra o artigo 20 do CDC, in verbis:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
Importante lembrar também que “a reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor”, conforme §1º do artigo 20 do mesmo diploma.
Já no artigo 21 do CDC o legislador estabelece que para os prestadores de serviços, o dever jurídico de empregar nos consertos e reparações de qualquer natureza, componentes originais na reposição, adequados, novos, de acordo com as especificações técnicas do fabricante, salvo autorização em contrário do consumidor.
Diferente do que acontece com os vícios do produto, o nosso Código de Defesa do Consumidor, não separa em dois artigos os vícios de quantidade e qualidade do serviço, como critica Rizzato Nunes:
Para os serviços, reservou apenas o art. 20. e regulou somente os vícios de qualidade, como se não pudessem existir vícios de quantidade dos serviços. Mas se enganou, porque há sim vícios de quantidade de serviço [...] Logo, a primeira observação é a de que se deve fazer uma interpretação extensiva do caput do art. 19. para incluir, nas salvaguardas que ele pretende estabelecer, o vício de quantidade do serviço. E, uma vez incluído o vício de quantidade do serviço no sistema protecionista, tudo o mais que se aproveitar da norma também valerá para essa outra proteção que se dá ao consumidor. (NUNES, 2012 p.291)
E para conceituar, portanto, o vicio de quantidade dos serviços, continua Nunes:
Tivemos oportunidade de constatar que vício de quantidade é tudo aquilo que significa um minus do direito do consumidor. Independentemente do tipo de medida de que se trate: metragem espacial, peso líquido,porção etc. É que, se o dinheiro do consumidor foi entregue ao fornecedor,logicamente a quantidade oferecida tem de ser entregue a ele. (NUNES, 2012 p.315)
Assim, podemos ver que da mesma forma que o consumidor tem o direito de receber a quantidade de produto que efetivamente pagou, ele também tem que ter a quantidade de serviço contratado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Código de Defesa do Consumidor, notadamente, trouxe para o nosso ordenamento jurídico, regras que representaram uma melhor equiparação entre os sujeitos das relações contratuais.
Este fato pode ser constatado, quando o referido diploma, ao disciplinar a responsabilidade por vício do produto ou serviço, garante que o consumidor, parte tida como vulnerável na relação consumerista, terá a segurança de que se vier a adquirir um produto ou usufruir de serviço com vício, este deverá ser sanado pelo fornecedor.
Para que isto ocorra de fato, o referido Código de defesa disciplina em seus artigos os meios e formas que o consumidor deverá se valer para ter garantido o seu direito.
O que podemos depreender desse estudo é que o Código de Defesa do Consumidor representou a conquista e consagração de direitos adquiridos pelos mais vulneráveis em uma relação jurídica e trouxe novo animo a tais relações, proporcionando um desenvolvimento socioeconômico com maior segurança jurídica.
6. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do Consumidor Esquematizado. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm> Acesso em: 9 de jan. 2015
GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor:comentado pelos autores do anteprojeto. 10. Ed. Revista, atualizada e reformulada. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, vol. 1.
NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000.
______,. Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
______,. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RAGAZZI, Jose Luis et al. Direito do Consumidor. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
TARTUCE, Flávio et al. Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense , São Paulo: Método, 2014.