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Formação e eficácia probatória dos contratos por computador

Leia nesta página:

1.Introdução

            Nestes tempos em que a informática permeia-se em todos os segmentos da vida e a Internet abrindo inúmeras novas possibilidades de negócios, é de fundamental importância o estudo dos contratos por computador, sua formação e eficácia probatória.

            Neste trabalho iremos comparar os emios de formação e eficácia probatória dos contratos "tradicionais" e os por computador, bem como problemas e possíveis soluções.


2.Regras tradicionais acerca da formação dos contratos e da eficácia probatória de seus instrumentos

            O contrato consensual torna-se perfeito e acabado no momento em que nasce o vínculo entre as partes. Para sua formação são necessárias duas ou mais declarações de vontade que se encontrem emitidas por duas ou mais partes, ou a atuação da vontade do oblato.

            As declarações devem ser coincidentes. Se a lei não exige que seja expressa, a declaração pode ser tácita.

            A declaração inicial chama-se proposta ou oferta. A declaração que lhe segue chama-se aceitação ou oblação. Proposta e aceitação não constituem atos jurídicos, classificando-se como atos pré-negociais.

            O vínculo nasce quando a proposta e a aceitação se integram.

            A proposta deixa de ser obrigatória: se feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita; quando sem prazo, a decorrência de tempo razoável para a resposta, sem que tenha acontecido esta; quando transcorrido o prazo fixado para a resposta, não a tenha recebido e no caso de retratação do policitante, prévia ou simultaneamente à aceitação.

            Segundo Pontes de Miranda, " a oferta pelo telefone, com ou sem televisão, trata-se como oferta entre presentes. Idem a oferta pelo radiofone ou pela irradiação com televisão. O que é preciso, para que se trata como a oferta pelo telefone, é que seja identificável o figurante".

            Se a proposta for feita a pessoa ausente, considera-se ausente quando:

            - Se, feita sem prazo, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente (Teoria da Cognição)

            - Se não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado (Teoria da Expedição)

            - Se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.(Teoria da Expedição)

            É oportuno ressaltar que segundo o art 85 do Código Civil de 1916: " Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem". Trata-se de regra extremamente importante para o nosso estudo pois define a prevalência da vontade e a relevância da declaração.

            Vige no direito pátrio, como regra geral, o princípio da liberdade formal, no que tange à conclusão dos contratos.

            Quanto ao ônus da prova, dispõe o Código de Processo Civil no seu artigo 333, que atribui-se ao autor a prova dos fatos constitutivos e ao réu a dos fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, ou em outras palavras, o ônus probandi cumpre sempre ei qui dicit.


3. Contratos instrumentados por computador

            Segundo César Viterbo, computador é " todo aparelho eletrônico capaz de receber e armazenar informações, submetê-las a um determinado conjunto de operações lógicas pré-programadas e, como conseqüência, gerar novas informações e resultados.

            3.1 Usos

            O computador pode ser utilizado como:

            - Simples meio de comunicação – neste caso o computador funciona como instrumento de comunicação de uma vontade já antes aperfeiçoada. Equipara-se para todos os efeitos jurídicos, a outros meios de comunicação tais como telefone, telex ou o fax.

            - Local de encontro de vontades já aperfeiçoadas – é o caso em que o computador é posto a sserviço das partes contratantes, não pertencendo o sistema a nenhuma delas, com exclusividade. Ele é programado por terceiros, estranhos À contratação, segundo critérios objetivos que garantam uma igual tutela dos interesses contrapostos dos contraentes.

            - Auxiliar no processo de formação da vontade ( contratos por computador strictu sensu) – neste caso, o computador incide diretamente no processo de formação da vontade negocial. Não apenas meio de comunicação, nem tampouco mero instrumento ou local de encontro de vontades, o computador funciona como determinante na manifestação da parte. A partir da inserção, pelo usuário, de dados e algoritmos que deverão regular genericamente a atividade negocial, é o próprio equipamento quem elabora esses elementos e conduz à conseqüente decisão, transmitindo-a diretamente ao outro contratante.

            3.2 Problemas

            Segundo Antônio Mille, os seguintes problemas podem ocorrer:

            - Problemas causados pelo meio-ambiente – calor, umidade, eletricidade estática, poeira etc

            - Falhas de equipamento – Certos componentes do computador ( especialmente mecânicos)podem falhar. Isto é particularmente verdade no caso de impressoras onde medidas de controle de qualidade são difíceis de implementar e a falha na impressão pode levar à falhas em imprimir ou creditar uma operação.

            - Erros de projeto – atualmente, devido ao uso intensivo e testes e, grande número de instalações, caixas automáticos, home banking, etc, têm baixa probabilidade de ter erros de projeto.

            - Erros humanos – erros voluntários ou involuntários causados por operadores quando carregando, processando ou apagando dados etc.

            As falhas acima mencionadas podem causar problemas que têm conseqüências legais sérias aos partícipes nestas transações, entre os quais:

            - Problemas relacionados à identificação do usuário – levando à rejeição de ordens ou instruções dados por usuário legítimo, assim como ao processamento de operações iniciadas por usuários não autorizados. Isto inclui o sério risco de uso impróprio por alguém por exemplo, alterar números de cartões de crédito ou obter senhas.

            - Mudanças na informação – refere-se à possibilidade da informação ser modificada por acidente ou por manobra fraudulenta.

            - Atraso na transmissão da mensagem – perdas e danos podem resultar de atrasos na transmissão de operações.

            - Desaparecimento de informação – informação pode desaparecer durante a entrada de dados, transporte, processamento ou armazenamento.

            3.3 Formação

            Indubitavelmente a possibilidade de formação de contratos por computador supõe a existência de condições prévias que ensejem essa operação.

            O sistema deverá ter sido programado para responder a algum, alguns ou qualquer contrato a ser estabelecido pela contraparte, através de equipamento compatível ou outro meio de acesso. Esta programação pode e deve ser bastante genérica, fixando apenas os parâmetros condicionantes para a contratação.

            A aferição dos requisitos subjetivos necessários à contratação (capacidade, vigência de poderes de presentação e representação) deverá ser feita tomando-se por base, sempre, o momento em que o sistema foi preparado e inserido no computador e não a data da celebração do pacto.

            No caso de contratos por computador vê-se freqüentemente a situação de oferta permanente, em que se põem certas pessoas, se não público em geral, ao menos em relação a um número bastante significativo de contraentes em potencial. As vendas através de máquinas pré-programadas e a prestação de serviços bancários são exemplos bastante elucidativos dessa forma de comportamento.

            A manifestação de vontade nos contratos por computador strictu sensu é feita de forma tácita, e Às vezes, através do silêncio circunstanciado. Dependendo da programação a que foram submetidos os equipamentos interligados, o desejo de obrigar-se pode caracterizar-se seja pela adoção de condutas que só são compatíveis com um estágio de contratualidade existente ( o que caracteriza a tacitude) seja pelo silêncio, em casos em que o oblato teria o dever de manifestar-se, quisesse se opor ao negócio.

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            O art. 1080 do Código Civil de 1916 é aplicável a este tipo de contrato da seguinte forma: a partir do instante em que o equipamento programado é posto em contato com qualquer meio de acesso a potenciais contratantes, está feita a oferta, exceto nos casos em que o próprio texto da lei afasta tal obrigatoriedade.

            Do ponto de vista daquele que faz a oferta via computador, a força obrigatória do contrato nasce desde o momento em que tem conhecimento da aceitação lançada pelo outro contratante. Da parte deste, desde o momento em que efetua a expedição da sua manifestação.

            3.4 Eficácia probatória

            Para que a manifestação de vontade seja levada a efeito por um meio eletrônico ( isto é, não dotado de suporte cartáceo) é fundamental que estejam atendidos dois requisitos de validade:

            - O meio utilizado não deve ser adulterável sem deixar vestígios

            - Deve ser possível a identificação do emitente da vontade registrada

            O conceito de documento, de acordo com a doutrina, significa "uma coisa que tem em si a virtude de fazer conhecer". Assim, qualquer que seja o suporte utilizado para oportunizar a manifestação de vontade dos contratantes ( disco magnético, disco óptico, cartão magnético etc) é fundamental que tal suporte seja dotado de mecanismos de proteção que impeçam a modificação do seu conteúdo sem deixar vestígios.

            Antes disso, vejamos se é necessário um regime legal próprio para o tratamento dos documentos eletrônicos, instrumentalização dos contratos eletrônicos. Segundo o art. 368 do Código de Processo Civil: "As declarações constantes do documento particular , escrito e assinado ou somente assinado..." As expressões "escrito e assinado", se vistas a partir de uma interpretação literal e restritiva, parecem impor o suporte cartáceo como sendo o único admissível para a caracterização do que se aceita como documento.

            Entretanto utilizando-se a interpretação sistemática ( contrastando tais expressões com o que diz o artigo 383 do CPC) ou histórica ( que irá adequar a redação do CPC à época de sua realização) chega-se a resultado oposto, aceitando-se que o produto de uma relação informatizada seja tido como documento ainda que preencha certos requisitos que são:

            - Permita livremente a inserção dos dados ou a descrição dos fatos que se quer registrar

            - Permita a identificação das partes intervenientes, de modo inequívoco, a partir de sinal ou sinais particulares

            - Não possa ser adulterado sem deixar vestígios

            Isso pode ser alcançado de muitas formas, entre as quais: discos WORM ( Write Once Read Many times), ou seja, discos que permitem somente uma escrita, mas várias leituras, ou assinaturas digitais, que é o mercado atualmente que vem tendo um crescimento explosivo, inclusive com projetos governamentais para implantação do governo eletrônico ou "e-governo" baseado no conceito de assinaturas digitais.. Outros exemplos podem ser citados : a encriptação de 128 bits utilizadas para transações bancárias etc

            Sendo assim, é inteiramente desnecessária a adoção de um regime legal específico para contratos por computador.


4. Conclusão

            A conclusão a que se chega é no sentido de que o computador nada traz de novo ao que já se sabe em matéria de formação dos contratos e da eficácia probatória dos seus instrumentos, e em segundo lugar, introduz inovações significativas na forma de compreender o tema. A aparente contradição é resolvida quando se esclarece que de um lado, vê-se que as fontes tradicionais do direito suportam as modificações trazidas pela moderna tecnologia informática, bastando quês e use a hermenêutica com todas as suas possibilidades; é imperativo que se faça o processo de adequação dessas inovações Às necessidades do direito, especificando os registros exigíveis para que o suporte antes apontado seja viável.


Bibliografia

            Código Civil

            Código de Processo Civil

            Gomes, Orlando. Contratos. Ed. Saraiva. 16ª ed. 1996.

            Viterbo, César. Formação e eficácia probatória dos contratos por computador. Ed. Saraiva. 1995.

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Sobre o autor
Reginaldo de Castro Cerqueira Filho

auditor fiscal de tributos estaduais, bacharel em Direito, especialista em Direito Público, engenheiro eletrônico, mestre em Informática pela Unicamp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CERQUEIRA FILHO, Reginaldo Castro. Formação e eficácia probatória dos contratos por computador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3865. Acesso em: 24 abr. 2024.

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