7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ): a auspiciosa decisão de combate ao assédio moral nos bancos

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A decisão tomada pela 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho no último dia 16 de março de 2015 criou jurisprudência para combater o assédio moral nos bancos..

Ana Lúcia E.F. Valente

“E sem o seu trabalho, o homem tem honra,

e sem a sua honra se morre se mata.

Não dá pra ser feliz...”(Gonzaguinha)

No último dia 16 de março de 2015, a decisão tomada pela 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho criou jurisprudência para combater o assédio moral nos bancos, que deve ser festejada. Isto porque o trabalho bancário reveste-se de importância ímpar na organização capitalista.

Tratou-se de analisar um recurso em desfavor ao Banco Itaú-Unibanco, que após a fusão dispensou funcionários com altos salários e intensificou práticas de assédio sobre empregados mais antigos, submetendo-os ao desprestígio e ameaças de demissão.

Este foi o caso de funcionário do Banco Itaú, com alta remuneração e 36 anos de trabalho. Tendo ascendido ao cargo de gerente geral de agência, a partir de 2009 passou a vender produtos e atender clientes com renda inferior a R$ 4.000,00, ainda fiscalizando novos funcionários para o cumprimento de metas.

O evidente rebaixamento de sua função, o estresse provocado pela possibilidade de desemprego e rebaixamento do seu nível social, provocou-lhe doença cardiológica. Apesar do tratamento médico, as condições de trabalho no banco culminaram em sua morte em 2011. Acionado o banco pela viúva, seu advogado utilizou-se de bons argumentos para ganhar a causa, apenas não lhe sendo concedido valor maior de 10% do valor da condenação a título de sucumbência.

            Da sentença destacam-se os seguintes posicionamentos:

1) Há culpa do empregador, que estabelece as condições em que o trabalho será executado, que polui, ou não, o ambiente de trabalho e que escolhe a atividade econômica que irá desenvolver, com os riscos e ganhos a ela inerentes. Não se trata de responsabilidade objetiva no seu aspecto mais puro, mas de risco específico do ambiente poluído ou da atividade, que responsabiliza a empresa pela reparação do dano;

2) A empresa que executa objetivo social com riscos previsíveis, com vista ao lucro, cabe demonstrar que a culpa seria exclusiva do empregado ou de terceiro, do que não se desincumbiu. É um ônus que deve ser assumido de quem se beneficia da atividade laboral de risco, a fim de não desamparar o trabalhador. Diversas teorias do risco possuem seu fundamento nos princípios da dignidade do trabalho humano e da solidariedade social, mas é preciso fazer com o que o trabalho seja absolutamente seguro, garantir segurança jurídica ao trabalhador, de que será ressarcido em situação adversa. Desta forma, “seja em razão da culpa, do ambiente poluído promovido pelo Réu ou pelo risco a que era submetido o de cujus em razão da atividade empresarial desenvolvida, clara a responsabilidade do Réu pelo adoecimento que levou o empregado a óbito” (grifo da sentença). Consta-se, assim, o nexo causal e a responsabilidade do Réu, fazendo jus à autora da ação devida reparação por danos morais e por danos materiais;

3)) O dano moral é presumível e não necessita de prova.  A dor dos familiares de pessoa que morre de forma súbita, especialmente da companheira de 30 anos com a qual teve dois filhos, é imensurável. Não há dinheiro que substitua a perda de um ente familiar querido. O valor arbitrado foi reparação pecuniária e medida pedagógica para evitar outros óbitos de igual natureza, que não pode ser módico para produzir efeitos. Tendo em vista a capacidade financeira da ré, fixou-se a indenização em R$200.000,00.

Quanto aos danos materiais, decidiu-se pela pensão vitalícia de 100%, com base na última remuneração do empregado falecido.  Serão observados o terço constitucional e o décimo terceiro salário, uma vez que o princípio da restituição integral garante ao dependente a remuneração como forma de manter sua capacidade econômica. Observa-se, ainda, a expectativa de vida de 24,2 anos após o óbito (IBGE).

Para se compreender o alcance e importância desta decisão, deve-se resgatar o porquê, historicamente, os bancos são emblemáticos nesta questão trabalhista. E alvos importantes para que medidas pedagógicas para a saúde mental do trabalhador sejam tomadas.

No livro Imperialismo, fase superior do capitalismo (LÊNIN, 1978), afirmou-se que no início do século XX o modo de produção capitalista atingiu a sua fase monopólica. O traço principal dessa fase é a substituição da livre concorrência pelo monopólio, com a concentração do processo produtivo atingindo grau elevado, que favorece o surgimento de associações monopólicas capitalistas, como os cartéis e trustes.

A partir desse momento, alguns grandes bancos passam a controlar a vida econômica no mundo. No último terço do século XIX, o Estado passou a cumprir a função reguladora da sociedade burguesa, que mais tarde levou à emergência do Welfare State, o Estado de bem-estar social.  Para garantir a acumulação do capital, passou a financiar a produção por meio de fundos públicos. O Estado da burguesia consolida-se no Estado do capital (ALVES, 2006, p.183). Na última década do século XX, verificou-se um incremento tecnológico que caracterizaria uma onda longa de tonalidade expansionista (MANDEL, 1985), não apenas implicando a mudança dos processos de produção existentes provocando desemprego, mas também a criação de novos bens e serviços de consumo, propiciando o surgimento de novos ramos de produção como, aliás, ocorre em outras revoluções tecnológicas.

Para o enfrentamento da crise, foi desencadeado um processo de reorganização do capital, buscando novas respostas para a retomada da acumulação. Esse processo denominado de globalização, agudizou as tendências antes percebidas, quando o capital financeiro assumiu a hegemonia.

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São algumas das condições materiais que o ideário neoliberal tenta justificar, dissimulando o fato de serem formas contemporâneas de exploração e dominação: o desemprego estrutural; a terceirização e fragmentação das esferas produtivas; a rejeição da presença estatal e consequente privatização estrutural; a transnacionalização da economia implicando a transferência da base industrial dos países ricos para os países pobres, tendo como atrativo a força de trabalho a baixo custo; e a existência de bolsões de riqueza e pobreza substituindo a nomenclatura que designava a diferença entre países do primeiro e terceiro mundos.

Organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial se tornaram o centro econômico e político global, desse ideário. Como decorrência do desemprego estrutural, o trabalho é desregulamentado, desenvolvido em situações ainda mais precárias, ampliando-se a terceirização e as atividades temporárias e ilegais. Isso implica a perda de conquistas históricas dos trabalhadores que ameaçados de não garantir a sobrevivência, aceitam as condições impostas, instaurando-se um processo desfavorável de negociação.

Ao final da década de 1990, a crise “mal disfarça o estado de imobilidade que vai tomando conta do Estado. Mesmo que a crise atinja também as empresas privadas” (ALVES, 2006, p.214). Para o autor, “o Estado compromete sua função estabilizadora da sociedade capitalista; perde os meios para o controle de focos de tensão que podem redundar em conflitos sociais e ameaças à ordem capitalista” (idem, p.216).

 O Estado brasileiro voltará a assumir rumo próprio ante as tendências globais? Espera-se que a decisão tomada pela 7ª Turma do TRT da 1ª Região (RJ) se estenda para outras atividades trabalhistas.

Referências

ALVES, Gilberto Luiz. A Produção da Escola Pública Contemporânea. 4ª edição. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

LENIN, V.I. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras escolhidas. v.1. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1978.

MANDEL, Ernest. Capitalismo tardio. Apresentação de Paul Singer. Tradução de Carlos Eduardo S. Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de A. Azevedo. 2a ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (Os economistas).

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Sobre a autora
Ana Lúcia Eduardo Farah Valente

Titular da UnB. Pós-Doutorado em Antropologia da Educação (Bélgica). Pós- Doutorado em Economia UnB. Graduada, Mestre e Doutora pela USP.

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