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Um retrocesso na conquista de direitos é sempre imperdoável

06/05/2015 às 19:43
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Os defensores da redução da idade penal são alarmistas e introduziram nas pessoas uma euforia que instiga sentimentos atávicos como a retaliação e a vingança.

"Ninguém nasce odiando outra pessoa. As pessoas são ensinadas a odiar, e se são ensinadas assim, elas podem aprender a amar, porque o amor chega mais naturalmente ao coração do homem que o oposto”. Nelson Mandela

Há alguns fatos que precisam ser incluídos no contexto da discussão sobre a redução da maioridade penal, a tornar o debate mais racional, embasado em dados científicos e menos emocional. Destacaremos aqui alguns deles.

Começamos pelas 156 alterações sofridas pelo nosso Código Penal, atendendo a clamores de maior rigor, que não contribuíram de forma alguma para a repressão desejada. Simplesmente porque a criminalidade não se combate só com o apenamento mais severo ou com mais encarceramentos.

Outra conclusão científica, talvez ignorada pela maioria da população, é a real distinção pedagógica entre criança, adolescente e adulto. Não se trata de mera terminologia. O desenvolvimento do ser humano é cientificamente catalogado de acordo com a sua capacidade intelectiva. E o menor de dezoito anos há de ser respeitado como indivíduo em fase de transição e amadurecimento; em desenvolvimento e construção de sua personalidade. Não se pode negar essa verdade natural do homem.

Nesse sentido, a pretendida redução da maioridade penal contraria não apenas características naturais e biológicas do infante, mas principalmente, está na contramão de garantias individuais previstas na Constituição Federal e, por conseguinte, no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma conquista civil, da qual não se pode abrir mão, que em sua máxima é expressão do princípio da isonomia: tratar desigualmente os desiguais.

Mais um fato que precisa ser desmistificado é a atribuição dos altos índices de criminalidade no Brasil pelos atos praticados pelos menores. Há estudos sérios que apontam números completamente distintos daqueles que acreditam que os menores são os maiores culpados pela violência no país, pois não seriam punidos. Isso é uma grande inverdade. Primeiro: não são a maioria delinquente no país. E em segundo lugar, não ficam impunes.

A própria Unicef calcula que apenas cerca de 1% dos homicídios cometidos no Brasil são praticados por menores de 16 a 17 anos (O GLOBO 2/4/15).

Veja-se o quadro elucidativo formulado pelo Ministério Público da União[1]: a porcentagem de crimes violentos praticados por menores é baixíssima dentro da realidade dos atos infracionais.

Neste ponto, minha experiência profissional me permite esclarecer algumas verdades. Existem sim, menores que têm consciência das suas práticas delituosas, mas a meu ver, a construção legislativa do nosso país há de seguir a regra e não a exceção. Portanto, ao contrário do que a mídia populista enganosamente divulga e, da sensação de insegurança que as pessoas possam sentir, não são os menores infratores os maiores culpados pela insegurança pública que se instala no Brasil.

A regra que deve orientar o Legislativo é de que a grande maioria dos atos infracionais são cometidas sem violência à pessoa. E, portanto, não se justifica dar ao menor o mesmo tratamento dispensado ao preso comum. A meu ver, uma alteração no ECA, quando trata das medidas sócio-educativas, talvez fosse uma saída razoável e adequada. Mas não para aumentar a “pena” do menor.

Entendo que ao menor deve ser proporcionado espaço reeducador adequado e educação de qualidade em tempo integral, alteração nos currículos de ensino fundamental e médio. Se os gestores de tais educandários públicos fossem pessoas além de tituladas também vocacionadas a ensinar o caminho do amor, não seria necessário endurecer jamais a repressão contra os menores, nem se cogitar de reduzir a maioridade penal.

O ECA ainda merece mais uma revisão: no crime de corrupção de menores, previsto no artigo 244-B, do ECA (Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.). Atentando-se aos princípios protetores que norteiam oEstatuto da Criança e do Adolescente, entendo perfeitamente cabível uma majoração severa na pena deste crime fixando-a em 6 (seis) anos. Se o objetivo do ECA é proteger o menor, que se puna com maior rigor o adulto que a décadas vem inserindo esses miseráveis menores no mundo do crime, valendo-se de sua fragilidade emocional e da falsa percepção de impunidade.

É necessário ainda rebater o argumento de que cada vez mais os adultos se servem de adolescentes para prática de crimes e que, por isso, justificada está a redução da idade de imputabilidade penal. Não há nenhuma coerência em punir com maior rigor o menor (mandado). Puna-se severamente o mandante! Se a questão é eficácia da lei penal, qual a lógica em punir o mandado mais severamente que o mandante?

Destes poucos argumentos que apresentamos, várias conclusões são possíveis:

Salta aos olhos que a redução da idade penal é de origem midiática, sensacionalista, eleitoreira e enganosa. Trata-se de verdadeiro estelionato, porque induz a população a erro grosseiro, quando tenta resolver um problema sério de violência, atribuindo aos menores uma culpa que não lhes pode ser imputada.

O verdadeiro pano de fundo para o combate à violência nunca entra em pauta: investimento em educação de qualidade!

Essa questão da violência praticada pelo menor poderia ser gerida de forma exitosa junto da Sociedade Civil, se o Poder Público conduzisse o debate do tema através das verdadeiras causas e confessasse que, há décadas, crianças e adolescentes de baixa renda têm sido mortos, vítimas das drogas, do crime organizado, porque não têm assegurados sequer seus direitos básicos.

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Poderíamos unir forças no combate das reais causas se houvesse comprometimento com políticas públicas preventivas. E diante da sucumbência na prevenção, com ações restaurativas e/ou ressociativas. Sim. É possível restaurar ou ressocializar pessoas! Não nesse sistema. Mas com comprometimento sim.

Nesse sentido, é que vemos a aprovação da proposta de redução da idade penal como uma medida típica de direita e conservadora. Quase que um primeiro passo para a pena de morte.

Os defensores da redução da idade penal são alarmistas e introduziram nas pessoas uma euforia que instiga sentimentos atávicos como a retaliação e a vingança. Seus adeptos são pródigos em estereotipar criminosamente o menor. À imprensa capitalista, por sua vez, cabe a orquestração de que o menor em confronto com a lei é um bandido irrecuperável, como se sua essência fosse criminosa. E que bandido bom é bandido morto. Mas todos nós sabemos que ninguém nasce criminoso!

Introduzi o texto com as preciosas lições do saudoso estadista Nelson Mande e com ela encerro minhas palavras, pois correspondem à maior verdade que sinto ao trabalhar na recuperação de vidas. Ninguém nasce odiando outra pessoa. As pessoas são ensinadas a odiar, e se são ensinadas assim, elas podem aprender a amar, porque o amor chega mais naturalmente ao coração do homem que o oposto.


NOTA

[1] ESTATÍSTICA INSTITUCIONAL - ANÁLISE COMPARATIVA - Perfil dos Adolescentes Infratores e dos Atos Infracionais Registros obtidos entre 1º/11/2007 e 29/02/2008. Disponível em: <http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Publicacoes/2008%20-%20025%20-%20Inf%C3%A2ncia%20-%20Perfil%20dos%20Adolescentes%20Infratoresv1.pdf>

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Sobre a autora
Conceição Cinti

Advogada e educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substâncias Psicoativas, com experiência de mais de três décadas. Articulista de vários sites.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CINTI, Conceição. Um retrocesso na conquista de direitos é sempre imperdoável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4326, 6 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38772. Acesso em: 5 nov. 2024.

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