Multipartidarismo brasileiro: o excesso de partidos políticos e suas implicações

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07/05/2015 às 13:02
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O multipartidarismo, desvio de aplicação do princípio do pluralismo partidário e proliferação de legendas, embora salutar no período pós-ditadura, adquiriu nos últimos anos alguns aspectos negativos com desvios do sistema eleitoral e partidário no Brasil.

Denomina-se “multipartidarismo” a exagerada proliferação de agremiações partidárias ou, ainda, o sistema pluripartidarista extremado, a utilização desenfreada do princípio do pluripartidarismo insculpido no art. 17 da Constituição Federal.

Há no Brasil trinta de dois partidos políticos em funcionamento e algo em torno de trinta associações com pedido de registro de legenda em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral. Assim, corre-se o risco de o país contar, nos próximos anos, com algo em torno de sessenta legendas.[i]

A maioria dos partidos existentes foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral nos anos 1990, sendo cinco deles entre 2011 e 2013. É inegável a inclinação brasileira ao multipartidarismo, levando-se em conta a criação de cinco novos partidos em apenas dois anos.

Com mais semelhanças do que diferenças, podemos dizer que essas agremiações dividem-se em cerca de oito partidos trabalhistas, sete socialistas ou comunistas, dois ecológicos e, os demais, em vertentes liberal, democrática, liberal, cristã, republicana e humanista, com essas tendências mais ou menos definidas em seus estatutos.

A pouca diferença ideológica encontrada nos estatutos partidários ou nos posicionamentos políticos não é, por si só, um mal. Tanto o pluralismo político (CF, art. 1º, V) quanto o pluralismo partidário (CF, art. 17) e a consequente liberdade de aderir a essa ou aquela ideologia, de criar novas tendências e novas agremiações são indissociáveis dos regimes democráticos.

Entretanto, a acentuada proliferação de agremiações e seu frágil conteúdo ideológico têm gerado distorções no sistema representativo de governo e graves problemas de governabilidade que põem em risco o próprio regime democrático. As inconsistências encontradas nos posicionamentos assumidos durante as campanhas eleitorais e na atuação parlamentar quando comparados aos estatutos partidários e até certo desconhecimento destes pelos próprios parlamentares não podem ser ignorados.

Salvo pouquíssimas exceções, é comum a declaração de que esse ou aquele partido não é "nem de esquerda, nem de direita”, “nem liberal, nem conservador”, “nem de centro”. E assim por diante.

Uma pesquisa interessante promovida por uma revista de grande circulação[ii] aplicou a algumas personalidades influentes em 13 dos maiores partidos, o teste denominado “politicômetro”, criado para avaliar com critérios objetivos a orientação ideológica dos eleitores e dos partidos e seus dirigentes, em torno de conceitos de complexa discussão teórica, como “direita” e “esquerda”, “liberalismo” e “conservadorismo”, dentre outros.

Dentre as inúmeras incongruências encontradas nos resultados estão: determinado político caracterizado como liberal de centro-direita que “queria ter ficado mais para a esquerda"; outro que, orientado por um assessor, pediu para refazer as respostas, saindo-se desta feita como centro-esquerdista; outro que só aceitaria fazer a avaliação desde que “não fosse taxado como de direita” no resultado do teste.

Quanto aos partidos, o resultado também não trouxe alento: partido apresentado como de ideologia trabalhista respondeu a favor, por exemplo, da redução de benefícios como o 13º salário e o FGTS, que seriam negociados conforme o caso; outro, liberal de direita, se mostrou a favor da cobrança de mensalidades em universidades públicas; outros, a favor do estado mínimo, se autodenominaram de centro-esquerda; por fim, um supostamente de esquerda antiliberal a favor de métodos violentos pelo Estado que, em questões sobre economia, se mostrou menos conservador. Já outros, “vice-versa”.

O cientista político David Fleischer, ouvido pela revista, apontou algumas razões da frouxidão ideológica dos partidos políticos brasileiros: “Alguns partidos políticos tenuamente tentam se filiar a uma ideologia, mas com tantas legendas, essas ideologias não ficam muito evidentes (...). Para a maioria, estar em um partido ou outro não tem a ver com ideologia. E o eleitor também não liga muito para isso na hora do voto”.[iii]

Outra pesquisa, exibida na TV aberta à época das eleições de 2014 mostrava aos políticos e candidatos um texto impresso com o suposto programa de governo de seu partido, pedindo que opinasse a respeito. As respostas eram invariavelmente de concordância e elogios às propostas. Ocorre que os organizadores mostravam aos entrevistados, na verdade, propostas de partidos diversos do seu, mas com a sigla trocada.

São trabalhos midiáticos, mas que aqui nos servem perfeitamente. Não há como negar que, em geral, as agremiações não dispõem de conteúdo ideológico bem delimitado e que seus dirigentes e filiados, por sua vez, sequer têm conhecimento do que consta nos estatutos e propostas de governo de seu partido, salvo poucas exceções.

E não há diferenças políticas e opiniões sobre o futuro do país que justifiquem a existência de tantas legendas. A alegada heterogeneidade – ou a confusão ou inexistência – de ideologias políticas como oriunda da própria diversidade social tampouco justifica, isoladamente, posicionamentos contrários à imposição de limitações relativas aos partidos. Tal argumento é falacioso.

É democrático que tantos partidos políticos disputem cargos eletivos. Mas é prejudicial à democracia que a diversidade e o pluralismo político existam meramente em um nome gravado nas legendas. E um partido sem ideologia e objetivo concretos só existe formalmente, não servindo aos propósitos democráticos insculpidos pelo legislador constituinte.

Paulo Bonavides pondera que os adeptos do pluralismo partidário amplo "louvam-no como a melhor forma de colher e fazer representar o pensamento de variadas correntes de opinião, emprestando às minorias políticas o peso de uma influência que lhes faleceria, tanto no sistema bipartidário como unipartidário.”[iv]

O pluripartidarismo é, ainda, o sistema o que melhor atende aos princípios democráticos, garantindo a existência dessas instituições que são verdadeiros mecanismos de estruturação da vontade popular e canais de contato entre o povo e o governo de seu país, fundamental à consolidação da democracia.

No entanto, algum critério e ponderação são necessários. O papel dos partidos está sendo desvirtuado e a sua pluralidade, aplicada de forma desequilibrada e desproporcional. Os partidos políticos são essenciais à democracia, mas é também essencial que o elemento ideológico esteja inserido em suas constituições. Kneipp alerta que “a ideologia deve surgir como substrato concreto da construção partidária, como justificativa da própria existência do partido político”.[v]

Acertadamente, Bruno Albergaria chama a atenção para o fato de que a diversidade de ideias é essencial para a consolidação da democracia, mas ressalta a atenção para possíveis problemas originados pelo pluripartidarismo mal aplicado: “o pluralismo não deve servir como subterfúgio da desordem e da inexistência de um mínimo de ação política”.

Um sistema pluralista extremado ou polarizado alimenta – e é em parte originário de –, um sistema eleitoral e político de representação proporcional anômalo e fragmentado, oposições bilaterais ineficientes (sem real união de forças), formadas por partido de características absolutamente opostas e variáveis conforme o momento.

Feitas essas considerações, fato é que o art. 17 da Constituição Federal consagra a liberdade para a criação dos partidos políticos e, em seu §1º e assegura-lhes autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.

Eis a base do sistema político pluripartidarista adotado no Brasil que, após anos de regime ditatorial militar, natural e salutarmente opta por uma norma cuja maior finalidade é impedir os males do uni ou o bipartidarismo e garantir a representação parlamentar de diversas vertentes políticas.

Mas isso não significa que o pluralismo partidário possa ser desvirtuado e transformado em multipartidarismo com graves consequências para o sistema representativo.

A discussão relativa a meios de controle da proliferação partidária exagerada é também relevante quando se averigua que, no Brasil, o sistema eleitoral proporcional[vi] para preenchimento das cadeiras no parlamento vem produzindo graves distorções. Compromete a legitimidade do processo eleitoral, confunde os eleitores[vii] e permite certa manipulação do quociente eleitoral, cuja finalidade seria, a princípio, servir de barreira a ser ultrapassada pelos partidos, garantindo-se, assim, legitimidade aos olhos do eleitor real representatividade.

O multipartidarismo é um dos diversos fatores de enfraquecimento do sistema político partidário e, quiçá, de seu possível colapso dentro de poucos anos. Esse desvirtuamento do pluripartidarismo leva a governos necessariamente de coalização, com composições heterogêneas – e não no seu melhor sentido, o da diversidade de opiniões –, gerando instabilidade de todo o sistema politico-eleitoral brasileiro.

Matéria intitulada “Congresso Nacional S.A.” traça um panorama da alta dispersão partidária no Congresso nacional, e compara a instituição a uma sociedade anônima e à composição de grandes empresas, nas quais “não é preciso ser dono de metade mais um dos votos, basta ter uma fração do poder e saber negociar os votos suficientes para garantir a maioria.”[viii] O texto informa, com base em dados colhidos no site oficial do Congresso, que no final de 2014 havia vinte e dois partidos com representação na Casa e que, se não havendo fusões nem debandada para outros partidos, a partir de 2015, terão direito a cadeiras na Câmara dos Deputados vinte e oito legendas:

É certamente a maior dispersão partidária de nossa história e Casas Legislativas formadas com tão alta dispersão partidária não contribuem em nada para a governabilidade e a divergência de ideias que deveria ser um bem, acaba por prestar um desserviço à democracia.

A Câmara dos Deputados terá em algo em torno de três bancadas de um deputado só (PSL, PRTB e PT do B), três de duplas (PEN, PTC e PSDC) e duas de trios (PMN e PRP). Se os 28 partidos do Congresso lançarem candidato a presidente da República em 2018, a legislação obriga que todos tenham direito a voz nos debates eleitorais na TV. Se o debate durasse uma hora, cada candidato teria direito a fazer uma pergunta de 30 segundos e dar uma resposta de um minuto e meio. “Ou talvez fosse melhor começar e terminar nas considerações finais”.[ix]

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Não se pode dizer que essa fragmentação advém da “heterogeneidade da própria sociedade brasileira”. O quadro partidário brasileiro no Congresso Nacional é fragmentado não porque simplesmente reflete a fragmentação da sociedade, mas porque a sobrevivência de partidos políticos sem representatividade real é possibilitada e garantida pelo nosso sistema eleitoral e partidário.

O pluripartidarismo exacerbado e a alta dispersão partidária são algumas das causas de instabilidade política e do que se tem chamado de “crise de governabilidade”. Nesse tipo de situação, o partido governista tende a governar em forma de coalizão, uma vez que não alcança a maioria necessária dos representantes no parlamento.

“É tanto que, quanto maior a divisão de forças políticas menor será a possibilidade de um partido único conseguir mais da metade das cadeiras do órgão parlamentar que permitiria constituir um governo politicamente homogêneo”.[x]

A composição política da coalizão eleitoral no Brasil não constitui uma coalizão de governo suficientemente forte para garantir a necessária governabilidade. Tem razão Mainwaring ao afirmar que “a tendência de formação de governos de minoria legislativa estaria na natureza dos sistemas eleitoral e partidário que combinam presidencialismo e multipartidarismo com agremiações pouco coesas”.[xi]

A tendência que há vários anos é a pulverização no parlamento e, quanto mais dispersos os votos dos deputados, maior o espaço para negociações do Poder Executivo com o Congresso Nacional e maior o poder de barganha deste para com aquele. Na tentativa de amenizar o problema da governabilidade (ou a ausência dela), formam-se coalizões dentro que, fatalmente, serão desfeitas ou alteradas conforme interesses momentâneos, levando à instabilidade.

“Se empilhassem suas cadeiras em um bloco dos nanicos, os partidos com 10 deputados ou menos alcançariam estatura de totem maia. Chegariam a 57 cadeiras e formariam a terceira maior bancada da Câmara, à frente do PSDB. Perderiam, mas olhariam os rivais nos olhos, não na canela.[xii]

A coalizão parlamentar não é, em si, um mal. Quando formada para obter maioria parlamentar de apoio ao governo e com o compromisso de implantar projetos direcionados a bem governar, garante a integração de opiniões diversas, necessárias ao regime democrático. Do contrário, forma-se o que Lamounier chama de “poliarquia perversa, instável e com alta propensão à ingovernabilidade”.[xiii]

Muito da fragilidade desse sistema se deve ao fato de que as eleições e, posteriormente, a composição das Casas giram em torno da pessoa dos candidatos e não dos partidos políticos e estes, têm conteúdo programático superficial e variável conforme os interesses de momento.[xiv] José Afonso da Silva pondera, com razão, que uma das causas dessa situação é o fato de que o grau de institucionalização partidária no Brasil “sempre foi muito fraco” e que, assim, “o sistema partidário é instável e altamente fragmentado”.

“Isso complica a governabilidade parlamentar, pois, as relações do Poder Executivo com o Poder Legislativo acabam não sendo institucionais, mas sujeitas a um desgastante processo de negociação individual”. (...) Por outro lado, a fragmentação partidária se caracteriza pelo elevado número de partidos com representação no Congresso Nacional, alguns com pequeníssima representação (...)”.[xv]

Mesmo quando o móvel das negociações não seja a obtenção de favores individuais, as coalizões são instáveis com tantos posicionamentos diversos dentro do mesmo grupo.

Um Poder Legislativo formado com alta dispersão partidária não propicia a governabilidade e desfavorece processo democrático. Com menos partidos nas casas legislativas, mas dotados de efetiva representatividade, o “protagonista” da vida política tende naturalmente a ser o partido e não os políticos.

Muito da fragilidade do sistema se deve ao fato de que no Brasil, as eleições e, posteriormente, a composição das Casas giram em torno da pessoa dos candidatos e não dos partidos políticos, hoje em sua maioria, sem conteúdo ideológico bem definido e com conteúdo programático superficial e variável conforme os interesses de momento. Tal situação enfraquece, e muito, as próprias agremiações e, consequentemente, o exercício da representação e do mandato outorgado nas urnas.

A fragmentação no Congresso Nacional é, portanto, a principal consequência negativa do elevado número de partidos nele atuantes. Ao aliar o pluralismo político e o pluripartidarismo ao sistema proporcional, o legislador procurou dar voz às diversas correntes ideológicas. Esse sistema eleitoral é direcionado a dar representatividade às minorias e aos pequenos partidos e, aos seus eleitores, a expectativa de vê-los alcançar sucesso na busca pelo poder. Método bastante complexo quanto ao cálculo das cadeiras,[xvi] vale mencionar apenas que é relevante na análise das distorções do sistema político-partidário e eleitoral no Brasil.

O sistema de representação proporcional mal ajustado ameaça de esfacelamento e desintegração o sistema partidário como um todo, ao ensejar uniões discrepantes entre partidos, uniões estas “intrinsecamente oportunistas” que arrefecem no eleitorado o sentimento de desconfiança na legitimidade da representação, burlada pelas alianças e coligações de partidos, “cujos programas não raro brigam ideologicamente”.[xvii]

Em contrapartida, o sistema eleitoral majoritário garante maior governabilidade, mas, por concentrar as eleições na pessoa do candidato enfraquece os partidos políticos enquanto o cálculo pelo sistema proporcional, ao menos em tese, garante representação da diversidade política e social de um determinado país. Eis porque o sistema eleitoral proporcional ainda se apresenta como a melhor opção.

Outro aspecto negativo da proliferação exagerada de partidos políticos é o que se convencionou chamar de “legendas de aluguel”. As pequenas agremiações, por registrarem candidatura de personalidades conhecidas como “puxadores de votos”, conquistam vagas à custa de um só candidato ou por meio de alianças momentâneas e não pela divulgação de programas de governo e ideais políticos e sociais. Capazes de ultrapassar várias vezes o quociente eleitoral, os “partidos nanicos” são utilizados por outros partidos em período eleitoral e, após, na aprovação dos projetos como um verdadeiro trampolim para o destaque e enriquecimento das cúpulas partidárias.

Por sua vez, a formação de coligações, principalmente com e entre pequenos partidos, é feita e desfeita de toda e qualquer maneira, objetivando, principalmente, negociar o tempo de propaganda nas emissoras de rádio e TV e a participação no fundo partidário, prática consistente em uma verdadeira troca ou venda desse direito pelos partidos menores. Estes, por sua vez, acabam obrigados a aderir a esse sistema para obter o sucesso que não conseguiriam sem se coligarem, num círculo vicioso de troca de favores. Uma vez alcançadas cadeiras no Legislativo, surge o embate dentro do próprio núcleo que antes constituía uma coligação reunida por objetivos comuns, fazendo com que a proposta e a aprovação de projetos dependam de acordos e acomodações instáveis.

Coligações movidas por interesses pessoais não igualam aqueles que não têm condições de competir sozinhos. Ao contrário, tornam o jogo político ainda mais desigual com a degeneração das regras da competição partidária.[xviii]

A esse respeito, é possível dizer os programas exibidos no horário eleitoral gratuito, formado por uma gama enorme de partidos e candidatos, tem dado, a cada eleição, mostras claras de desgaste, uma vez que nada esclarece a população quanto às propostas de governo. Esse importantíssimo mecanismo de divulgação de propostas políticas serve de palco para exibições esdrúxulas por candidatos de partidos sem expressão, em uma clara demonstração de menoscabo e deboche para com o eleitor, nos pouquíssimos segundos de que dispõem.

Dizem a lógica e o bom senso que, se há discordância em vários aspectos entre um partido político e outro, não são essas diferenças que devem nortear as alianças em coligações, mas as semelhanças com aqueles que partilhem os ideais e tendência políticas, ao menos em boa parte.

Coligações formadas levando em conta apenas as conveniências de momento na busca pelo poder, tornam a filiação partidária e os partidos políticos meras condições formais de elegibilidade (já que nossa legislação não admite candidatura avulsa), sem significado maior dentro de uma democracia representativa. E certamente não foi essa a intenção do legislador constituinte.

Essas alianças ilegítimas desvirtuam, inclusive, o caráter nacional dos partidos determinado pela Constituição Federal. Bem acertada a definição desse princípio no voto proferido pela Ministra Ellen Gracie, para quem o caráter nacional “sinaliza no sentido da coerência partidária e no da consistência ideológica das agremiações e a das alianças que venham a se formar, com inegável aperfeiçoamento do sistema político-partidário”.[xix] Uma vez no parlamento, fica prejudicado o consenso entre as diversas agremiações, a distribuição e equilíbrio das forças políticas responsáveis pelo andamento dos trabalhos e projetos, desmoralizando ainda mais a já desgastada imagem das casas legislativas.[xx]

A respeito dos problemas causados pela alta dispersão e o esfacelamento partidário, Celso Ribeiro Bastos também destaca que nos sistemas multipartidários, não necessariamente, mas quase sempre, “o partido vitorioso nas eleições não detém a maioria do Parlamento”.

“Abre-se, então, um complexo jogo de negociações tendentes a aglutinar dois ou mais partidos que venham a possibilitar o exercício do governo. (...) Em primeiro lugar, aumentam os poderes dos representantes do povo, na medida em que é livre o jogo de coligações por eles levadas a efeito que vai determinar a formação da maioria parlamentar (...). De outra parte, estas coligações vêm muitas vezes acompanhadas de uma indesejável instabilidade, já que, formadas pelos próprios partidos, podem também por eles ser desfeitas a qualquer momento. Esta circunstância é grave tanto no presidencialismo como no parlamentarismo. (...) No presidencialismo, o esfacelamento partidário leva à inevitável fraqueza do órgão legislativo, que pode mais facilmente se ver atingido nas suas imunidades, privilégios e competências. Isto quando não se dá o inverso (...), por falta de maioria no Legislativo, o Executivo se vê a braços com a impossibilidade de exercer plenamente a função governativa em razão da obstrução aos seus projetos de lei.”[xxi]

Apesar dos aspectos negativos aqui elencados, afirmam alguns autores que o “multipartidarismo” é positivo, pois permite aos pequenos partidos e às diferentes linhas de opinião acesso aos cargos no governo e que é, por isso, necessário para a concretização da democracia no Brasil. Atribuem alguns autores a outras causas a dispersão partidária nas casas legislativas.[xxii]

São opiniões respeitáveis, mas não se pode esquecer que, a pretexto de concretizar a democracia, a aplicação do pluripartidarismo indiscriminadamente e sem critérios – o multipartidarismo – vem inegavelmente trabalhando em sentido contrário, enfraquecendo-a ao invés de concretizá-la no Brasil.

Não se pode esquecer que princípios constitucionais devem se interpretados de acordo com os demais preceitos e princípios inscritos na Constituição e que nenhum deles é absoluto. Se absoluto algum deva ser, que seja então o regime democrático que, para ser pleno, exige a regulamentação da aplicação dos demais.

Normas que permitem distorções do sistema eleitoral e representativo ferem, inclusive, outro princípio essencial à democracia: a liberdade do voto. Este, para ser plenamente exercido, deve ser consciente, esclarecido e, pode-se dizer, sem medo de errar, que a atuação de tantos partidos confunde o eleitor. Durante o pleito e, após este, já que não entende, por exemplo, como pode ser eleito um candidato sem sequer um voto e outro, com milhares de votos não alcançar sucesso. 

Os partidos políticos não devem desempenhar outro papel senão o imaginado pelo legislador constituinte, o de servir como intermediário entre o povo e o poder, função esta essencial à democracia representativa.

O multipartidarismo é só uma das inúmeras distorções cuja correção se faz urgente. Ao seu lado há deficiências próprias do sistema eleitoral proporcional nas eleições para o parlamento, do sistema partidário adotado no Brasil e o efeito cascata por elas desencadeado.

Há outro aspecto que não pode ser esquecido. A necessidade de aprimoramento do sistema pluripartidário envolve também a destinação dos recursos que permitem o funcionamento dessas agremiações. Para atingir seu objetivo como protagonista da vida política no país, não deve bastar ao partido político alcançar o apoiamento mínimo previsto em lei e ter o seu pedido de registro deferido: é preciso que conte efetivamente com o apoio popular, o que se dá no momento do voto. Além de recursos privados, recursos públicos financiam os partidos e devem ser aplicados naqueles que forem efetivamente validados nas urnas pela população.

Alterações legislativas que venha a corrigir essas máculas no sistema político e eleitoral, como a limitação na participação nos recursos do fundo partidário ou tempo propaganda nas emissoras de rádio e televisão àqueles que contem com apoio popular, dentre várias propostas de reforma, não são limitações contrárias ao regime democrático.    

O pluripartidarismo pode e deve ter sua aplicação regulamentada para amenizar as consequências prejudiciais do elevado número de partidos. Há meios de se limitar liberdades, inclusive de criação de novos partidos, de modo a dar maior força àqueles que tenham representatividade e apoio popular, sem que isso afronte o princípio constitucional. Aos demais, caberá trabalhar para alcançar apoiadores, mediante apresentação de projetos e divulgação de ideias.

Cabe ao legislador infraconstitucional dar cumprimento à Constituição Federal como um todo. Cabe a ele, não só garantir o princípio do pluralismo partidário, mas dar-lhe adequado cumprimento, sob pena de se perder a função para a qual foi adotado na Constituição: dar voz às diversas correntes ideológicas e representar o povo na sua participação nos caminhos do país e na formulação do poder do Estado.

E isso depende de mecanismos de controle da qualidade das agremiações partidárias, um mínimo de representatividade e apoio nas urnas.

Determina a Constituição Federal que é livre a organização e criação dos partidos políticos. Mas essa liberdade não é ilimitada. E, como bem salientado pelo Min. Ricardo Lewandovski, em entrevista concedida em 2011, nenhuma democracia é viável com tantos partidos. E só será consolidada com agremiações partidárias fortes e eleições em que sejam discutidas ideias “e não onde candidatos sejam vendidos como sabonetes”.

Sobre a autora
Marisa Amaro dos Reis

Advogada especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista – Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo (conclusão em 2014). Graduada pela Universidade Paulista – UNIP (conclusão em 2003). Redatora e pesquisadora.<br>- Advocacia:<br>Direito Eleitoral. Defesas e recursos. Estudos, pareceres, consultas e opiniões jurídicas. <br>- Redatora e pesquisadora freelancer:<br>Pesquisa e colaboração em obras e artigos jurídicos nas áreas de Direito Administrativo, Eleitoral, Processual Eleitoral e Processual Civil. <br>- Redação acadêmica. Pesquisa, elaboração e revisão de textos acadêmicos, atualização e contextualização de obras jurídicas e artigos; Pesquisa e organização de material para publicação de livros e artigos jurídicos; Preparação de aulas e palestras; Revisão e pesquisa para dissertações e teses.<br><br><br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

*Marisa Amaro dos Reis. Especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista (TRE-SP). Advogada em São Paulo.

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