A constitucionalidade material da PEC 171/1993

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Analisa a constitucionalidade material da proposta de redução da maioridade penal sem adentrar no mérito de sua eficácia social.

RESUMO:

A Proposta de Emenda Constitucional 171/1993, visa a alteração do Artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil/1988. Tal alteração reduzirá a imputabilidade dos menores de 18 anos para 16 anos. A PEC permaneceu parada por 21 anos. Em 31 de Março de 2015, a Comissão de Constituição e Justiça deu admissibilidade ao texto, que provavelmente será submetido a aprovação da Câmara dos Deputados e Senado Federal até o final do ano.

O presente artigo tem por objetivo discutir a constitucionalidade material da proposta sem adentrar no mérito de sua eficácia social.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade, Maioridade Penal, PEC 171/1993

1. INTRODUÇÃO

Atendendo ao clamor popular, a Câmara dos Deputados decidiu analisar a redução da maioridade penal que encontrava-se parada há 21 anos. A PEC 171/1993 foi originalmente apresentada pelo ex-Deputado Federal Benedito Domingos (PP-DF) e hoje possui outras 13 PECs apensadas. O objetivo da proposta é alterar o Artigo 228 da Constituição Federal/88 que possui a seguinte redação:

Art. 228. são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

A redação proposta pela PEC sugere que o artigo seja substituído por: “São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Parte dos parlamentares, contrários a mudança, alegam que a proposta é inconstitucional uma vez que objetiva alteração de cláusula pétrea da constituição; desta forma, o poder constituinte derivado não possui competência para tal reforma.

    2. DESENVOLVIMENTO

    A posição dos parlamentares contrários à proposta baseia-se no Art. 60, § 4.°, inciso IV da CRF/88.

    "Art. 60 – A constituição poderá ser emendada mediante proposta:

    § 4 - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

    IV - Os direitos e garantias individuais”

    Dispõe a Carta da República, no referido artigo, várias hipóteses consideradas insuscetíveis de alteração por Emenda Constitucional, dentre elas as que referem aos direitos e garantias individuais.

    Sob a ótica deste grupo, a imputabilidade dos menores de dezoito anos ao Código Penal e sua submissão à legislação especial, Estatuto da Criança e Adolescente, constitui direito fundamental que não é passível de reforma pelo poder constituinte derivado.

    Vejamos o que são direitos fundamentais segundo José Afonso da Silva (2015, p. 185):

    [...] direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5°), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia (liberdade, igualdade, segurança, propriedade); [...]”.

    Ao analisar o Art. 228 da CRF/88, observo a intenção de proteger os menores de dezoito anos, que não possuem pleno desenvolvimento emocional e social; por isso estes indivíduos são inimputáveis à legislação penal, sendo submetidos ao ECA. Portanto, o referido artigo possui a natureza de direito fundamental, de uma cláusula pétrea.

    Sobre o Art. 60, § 4.°, inciso IV, é importante observar o que diz o ministro do STF Luís Roberto Barroso (2015, p. 203-206):

    A locução tendente a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que impeça a erosão do conteúdo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando determinado status quo. A Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade, assim como da preservação e promoção de valores e direitos fundamentais; mas não deve ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima dos órgãos de representação popular, judicizando além da conta o espaço próprio da política. O juiz constitucional não deve ser prisioneiro do passado, mas militante do presente e passageiro do futuro.

    [...] A observação panorâmica das cláusulas pétreas abrigadas nas Constituições dos países democráticos revela que, em geral, elas veiculam princípios fundamentais e, menos frequentemente, regras que representem concretizações diretas desses princípios. Não é meramente casual que seja assim. Princípios, como se sabe, caracterizam-se pela relativa indeterminação de seu conteúdo. Trazem em si, porém, um núcleo de sentido, em cujo âmbito funcionam como regras, prescrevendo objetivamente determinadas condutas. Para além desse núcleo, existe um espaço de conformação, cujo preenchimento é atribuído proritariamente aos órgãos de deliberação majoritária, por força do princípio democrático. […]”.

    A sociedade evolui, mudam os valores e costumes. A Constituição deve evoluir junto com a sociedade, sem abrir mão dos valores e direitos fundamentais. É preciso preservar o que o ministro chama de “núcleo de sentido”, mas respeitar a competência do poder constituinte derivado para reformar o “espaço de conformação”. Assim devemos considerar que as cláusulas pétreas possuem em seu texto, uma parte imutável pois revela um princípio; porém existe ainda um espaço que admite reforma uma vez que não viola esse princípio.

    Voltando à análise do Art. 228 da CRF/88 e considerando o acima exposto, é preciso observar o núcleo da cláusula pétrea, ou seja, aquilo que o poder constituinte originário desejava tornar imutável. Neste contexto observo a intenção de proteção dos indivíduos que não possuem pleno desenvolvimento, sendo utilizado o caráter cronológico para definição do referido grupo. Assim, o núcleo reside na não submissão deste grupo de indivíduos ao Código Penal, dedicando a eles uma legislação especial; por este motivo a idade de dezoito anos pode ser alterada, caso a sociedade considere que os maiores de dezesseis anos possuem maturidade suficiente, respeitando assim a evolução da própria sociedade.

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    Para melhor compreensão vamos extrair a expressão dezoito anos do artigo, que passaria a ter a seguinte redação: "São penalmente inimputáveis os menores, sujeitos às normas da legislação especial.”. Ao retirarmos o caráter cronológico do artigo, percebemos que ele foi incluído apenas para limitar o grupo que o legislador original chama de menores; sua intenção é proteger esses menores, sejam eles de qualquer idade. Fica claro que a alteração para dezesseis anos preserva o núcleo da cláusula pétrea em questão, ajustando apenas seu espaço de conformação.

    CONCLUSÃO

    A PEC 171/1993 e apensadas propõe a alteração da redação do Art. 228, reduzindo a imputabilidade de menores de dezoito anos para dezesseis anos, em face a evolução da sociedade que considera que tais indivíduos possuem desenvolvimento mental e social pleno para responderem na forma do Código Penal brasileiro, quando do cometimento de atos ilícitos. A proposta é imune ao Art. 60, § 4.°, inciso IV da CRF/88, uma vez que não viola a real intenção do poder constituinte originário. O poder constituinte derivado é competente para a reforma do referido artigo, sendo a PEC materialmente constitucional.

    REFERÊNCIAS

    BRASIL, Constituição 1988. Constituição da Republica Federativa do Brasil. São Paulo: SARAIVA, 2015.

    BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 5ª Ed. São Paulo: SARAIVA, 2015.

    DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38ª Ed. São Paulo: MALHEIROS EDITORES, 2015.

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    Sobre os autores
    Fabiano Caldeira

    Formado em Ciências Biológicas, Pós Graduado em Finanças, Administração e Recursos Humanos. Estudante de Direito.

    Shirley Ribeiro Alves Cabral

    Acadêmico de Direito

    Informações sobre o texto

    Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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