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Considerações sobre o crime de lesões corporais

11/05/2015 às 13:18
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O Direito Penal criminaliza condutas que ferem bens jurídicos importantes para a sociedade. Como exemplo de uma proteção feita pelo Direito Penal tem-se o crime de lesões corporais que será tratado neste artigo.

1. INTRODUÇÃO

A vida em sociedade, por vezes, cria alguns conflitos entre as pessoas e põe em risco a estabilidade do convívio social. O Direito tem a função de regular a sociedade e buscar resolver, ou se possível evitar, esses conflitos. Para isso o Direito vale-se de uma sistemática de normas que disciplinam a vida social.

Um dos fins dessa sistemática de normas disciplinadoras trazidas pelo Direito é proteger uma série de bens jurídicos que são considerados importantes para o convívio social, como por exemplo, a vida, a saúde, a integridade física, a propriedade e etc.

O Direito Penal é o ramo do Direito que determina os bens jurídicos a serem protegidos por sua sistemática de leis, como o Código Penal e as leis extravagantes. A conduta humana que fere ou coloca em risco algum desses bens jurídicos é classificada como crime e como consequência ou repreensão por essa conduta existe uma pena.

Como exemplo de uma proteção feita pelo Direito Penal tem-se o art. 129. do Código Penal, que traz a tipificação do crime de lesão corporal. Essa tipificação visa proteger um bem jurídico considerado importante para a sociedade: a integridade corporal.

Este trabalho tem como objetivo geral analisar o art. 129. do Código Penal Brasileiro, o crime lesões corporais. Para tanto buscou-se conceituar o crime de lesão corporal, apontar os seus sujeitos ativo e passivo, apontar também os seus elementos objetivo e subjetivo e, ainda, explicar as diversas modalidades dolosas e culposas de lesão corporal. Usou-se para a produção teórica desse trabalho pesquisas de revisão bibliográfica e debate em grupo tendo como ferramentas livros, revistas, legislação e artigos científicos disponíveis na rede de computadores.


2. LESÕES CORPORAIS

2.1. Conceito e classificação

Sob o ponto de vista de Mirabete (2012, p. 69) “o delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à integridade corporal ou à saúde”. O conceito de lesão corporal como se vê deve ser entendido não apenas como uma lesão física ao corpo, mas toda e qualquer ofensa que prejudique a integridade física ou psíquica, incluindo, assim, qualquer distúrbio à saúde do ofendido. Nesse sentido, Cláudia Fernandes dos Santos diz que:

O conceito adotado pelo Código Penal de lesão corporal é lato sensu: lesão corporal é todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental. (SANTOS, 2014, p. 2).

No que tange a classificação, Damásio de Jesus (2012) classifica o crime de lesões corporais como sendo crime de forma livre, pois pode ser cometido por qualquer meio; crime material, de comportamento e de resultado; crime de dano, pois se consuma com a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado e também é crime plurisubistente, pois é um crime constituído de vários atos. Além disso, o crime de lesões corporais é crime unisubjetivo, pois pode ser cometido por apenas uma pessoa.

2.2. Sujeito ativo e sujeito passivo

Em linhas gerais, sujeito ativo de um crime é o indivíduo que o pratica e o sujeito passivo é a vítima da ação delituosa. O crime de lesões corporais não é um crime próprio (JESUS, 2012), diante disso ele pode ser cometido por qualquer pessoa e sua vítima também pode ser qualquer pessoa. Damásio de Jesus ensina que em se tratando do sujeito “qualquer um pode ser ofendido, salvo nas hipóteses do art. 129, §§ 1°, IV e 2°, V, em que deve ser mulher grávida.” (JESUS, 2012, p. 163). Fora dessas hipóteses o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa.

2.3. Tipo objetivo e tipo subjetivo

Em linhas gerais tipo objetivo de um crime é aquela conduta, o verbo, que quando pratico caracteriza o crime. Muitos doutrinadores chamam de núcleo do tipo.

O núcleo do tipo legal do art. 129. é ofender. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Ensina o professor Julio Fabbrini Mirabete que:

O núcleo do tipo é ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, incluindo, pois toda conduta que causar mal físico, fisiológico ou psíquico à vítima. A ofensa pode causar um dano anatômico interno ou externo (ferimentos, equimoses, hematomas, fraturas, luxações, mutilações). (MIRABETE, 2012, p. 71).

Cezar Roberto Bitencourt diz que:

A conduta típica do crime de lesão corporal consiste em ofender, isto é, lesar, ferir a integridade corporal ou a saúde de outrem. Ofensa à integridade corporal compreende a alteração, anatômica ou funcional, interna ou externa, do corpo humano, como, por exemplo, equimoses, luxações, mutilações, fraturas etc. (BITENCOURT, 2015, p. 197, grifos do autor).

Em síntese a lesão corporal pode caracterizar-se por uma lesão à integridade do corporal ou da saúde do ofendido. A lesão à integridade corporal é toda aquela que lhe cause alteração, seja ela anatômica ou funcional, como, por exemplo, uma mutilação ou uma fratura. Vale lembrar, ainda que o sujeito ativo produza diversas lesões no sujeito passivo ele responde por delito único, mesmo que cause equimoses, contusões e outras fraturas (JESUS, 2012). Diz-se alteração anatômica aquela que deforma o corpo como a mutilação. Considera-se alteração funcional aquela que prejudica alguma função do corpo humano como, por exemplo, a fratura de um braço que prejudica a função desse membro. A lesão à saúde de outrem se caracteriza por toda ou qualquer alteração fisiológica do organismo ou perturbação psíquica do ofendido.

Já se tratando de tipo subjetivo deve-se lembrar da intenção do agente ao praticar o tipo objetivo. Na maioria das vezes irá aparecer como o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar a conduta descrita no tipo objetivo do núcleo. Alguns doutrinadores usam o termo elemento subjetivo e outros usam o termo elemento subjetivo do tipo, ambos significam a mesma coisa: a intenção do agente.

No crime de lesões corporais, segundo Cezar Roberto Bitencourt:

O elemento subjetivo do crime de lesões corporais é representado pelo dolo, que consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde de outrem. É insuficiente que a ação causal seja voluntária, pois no próprio crime culposo, de regra, a ação também é voluntária. É necessário, com efeito, o animus laedendi. (BITENCOURT, 2015, 199, grifos do autor).

Em consonância com Cezar Roberto Bitencourt cita-se Ney Moura Teles. Para Teles:

O animus laedendi ou animus nocendi é o elemento subjetivo integrante do tipo legal do crime de lesão corporal. É a consciência do fato de que sua conduta poderá produzir a lesão à integridade ou o dano à saúde do outro ser humano, e a vontade livre de realizá-la com o fim de produzir esse resultado. (TELES, 2006, p. 5).

Para Julio Fabbrini Mirabete:

O dolo do crime de lesões corporais é a vontade de produzir um dano ao corpo ou à saúde de outrem ou, pelo menos, de assumir o risco desse resultado. É o denominado animus laedendi ou nocendi, que diferencia o delito de lesão corporal da tentiva de homicídio, em que existe a vontade de matar (animus necandi). (MIRABETE, 2012, p. 72).

Mirabete traz a questão da diferenciação entre a lesão corporal e a tentativa de homicídio. Segundo ele a diferença consiste no elemento subjetivo visto que no crime de lesões corporais o agente tem a intenção de apenas ferir a vitima (animus laedendi), causar-lhe uma lesão corporal, enquanto que na tentativa de homicídio a intenção, ou o elemento subjetivo ou tipo objetivo da conduta, é matar a vítima (animus necandi), mas por circunstâncias alheias a sua vontade não consegue consumar o crime de homicídio.

Sob outro ponto de vista acerca do elemento subjetivo do tipo no crime de lesões corporais vale o ensino de Damásio de Jesus, que diz:

O crime de lesão corporal admite dolo, culpa e preterdolo. Como vimos, o tipo doloso é previsto na figura fundamental (CP, art. 129, caput). As formas culposas estão previstas nos §§ 6º e 7º.O primeiro prevê a lesão corporal culposa simples; o segundo, a lesão corporal culposa qualificada. O preterdolo é admitido nas formas qualificadas dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 129. Nesses casos o delito fundamental é punido a título de dolo, enquanto o resultado qualificador, a título de culpa. (JESUS, 2012, p. 166).

Damásio de Jesus traz o dolo, a culpa e, ainda, o preterdolo como elementos subjetivos do tipo no crime de lesões corporais mudando de pensamento em relação a BITTENCOURT (2015), TELES (2006) e MIRABETE (2012) que trazem apenas o dolo como elemento subjetivo do crime de lesões corporais.

2.4. Exclusão do crime

A exclusão do crime de lesões corporais em certas práticas gira em torno da disponibilidade ou indisponibilidade da integridade corporal da pessoa. Cezar Roberto Bitencourt diz que:

Heleno Cláudio Fragoso, simpatizando com disponibilidade da integridade corporal, sustentava que o consentimento do ofendido, validamente obtido, exclui a ilicitude e que é com base nesse consentimento que se afasta a antijuridicidade da extração de órgãos de pessoas vivas para transplantes. (BITENCOURT, 2015, p. 197).

Cezar Roberto Bitencourt expõe seu posicionamento doutrinário, dizendo que:

[...] no ordenamento jurídico brasileiro, a integridade física apresenta-se como relativamente disponível, desde que não afronte interesses maiores e não ofenda os bons costumes, de tal sorte que as pequenas lesões podem ser livremente consentidas, como ocorre, por exemplo, com as perfurações do corpo para a colocação de adereços. (BITENCOURT, 2015, p. 197).

Mirabete a situação da cirurgia de remoção de órgãos genitais externos de transexual.

2.5. Consumação e tentativa

Há consumação do delito, quando acontece uma lesão à integridade física ou mental da vítima. No caso da tentativa já admitiu-se a inadmissibilidade da conduta uma vez que a prática coincide com a contravenção de vias de fato. Segundo Murilo Cézar Antonini Pereira “Entende-se por contravenção de vias de fato a infração penal expressamente subsidiária, em que o autor emprega violência contra determinada pessoa sem causar lesões corporais ou morte.” (PEREIRA, 2014). No entanto, a tentativa de lesões corporais é admitida, conforme explica Mirabete:

Já se entendeu que ‘é juridicamente impossível a tentativa de lesões corporais porque tal figura, coincidindo inteiramente à definição de vias de fato, não passa desse modesto ilícito’. Tal orientação, contudo, é isolada, opinando a doutrina pela possibilidade da tentativa, indiscutível quando o agente, pretendendo causar um ferimento ou dano à saúde, não consegue por circunstâncias alheias a sua vontade. (MIRABETE, 2012, p. 73).

Alerta Mirabete (2012), que a dificuldade de prova não serve de obstáculo à conclusão a favor da possibilidade de tentativa de lesões corporais. Concordando com Fabbrini Mirabete Damásio de Jesus diz que na hipótese de dúvida “o juiz deve aplicar o princípio do in dubio pro reo, condenando-o por tentativa de lesão corporal leve” (JESUS, 2012, p. 166).

Entretanto, Rogério Greco diz o seguinte:

No que diz respeito à tentativa, ela será perfeitamente admissível na hipótese de lesão corporal leve. Sendo graves ou gravíssimas as lesões, somente se admitirá a tentativa nos casos em que o delito não for classificado como preterdoloso. Assim, portanto, não há que se falar em tentativa nas hipóteses de lesão corporal qualificada pelo: 1) perigo de vida; 2) aceleração de parto; 3) aborto. Da mesma forma, não se admitirá a tentativa no delito de lesão corporal seguida de morte, em face da sua natureza preterdolosa. (GRECO, 2012, p. 279, grifos do autor).

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Rogério Greco, então, aborda o preterdolo do agente na inadimissibilidade da tentativa no crime de lesões corporais, sendo, portanto, admissível plenamente a tentativa no crime de lesões corporais leves, onde não há o preterdolo.

2.6. Lesão corporal leve

A lesão corporal de natureza leve está descrita no art. 129, caput, do Código Penal. Segundo Julio Fabbrine Mirabete:

O conceito de lesão leve é dado por exclusão. Prevendo o art. 129, nos §§ 1º, 2º e 3º, os crimes de lesões graves, gravíssimas e seguidas de morte, configuram o tipo básico, no caput, as lesões que não causarem qualquer dos resultados mencionados nos citados parágrafos. (MIRABETE, 2012, p. 74)

Em consonância com MIRABETE (2012), Damásio de Jesus diz que:

Para saber se um crime de lesão corporal é de natureza leve, grave ou gravíssima, devemos empregar o critério da exclusão. Há delito de lesão corporal leve sempre que o fato não se enquadra na descrição do art. 129, §§ 1º e 2º, que definem as lesões graves e gravíssimas. (JESUS, 2012, p. 168).

As lesões corporais leves são de competência dos Juizados Especiais. Devido ao seu menor caráter ofensivo. Dependem, porém, de representação do ofendido, conforme o art. 88, da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, segundo o artigo: “além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas”.

2.7. Lesão corporal grave

No código Penal as lesões corporais de natureza grave estão descritas nos §§ 1º e 2º do art. 129. Em sentido estrito as lesões corporais graves são as descritas no § 1° do art. 129. (JESUS, 2012) e estão elencadas nos incisos I a IV, conforme será discutido.

2.7.1. Incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias

A primeira das lesões corporais graves descritas no Código Penal e a incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, tratado no art. 129, § 1°, I. Segundo Julio Fabbrini Mirabete:

A referência à ocupação habitual não tem o mesmo sentido de trabalho diário, como previsto na lei anterior. Por ocupações habituais não se deve entender apenas as de natureza executiva e econômica. [...] É pacífico que as ocupações habituais abrangem a freqüência à escola, passeios etc., incluindo as crianças e o débil mental que não exerce atividade remunerada. (MIRABETE, 2012, p. 75).

Portanto, aquele que pratica lesão corporal grave em um sujeito e este deixa de frequentar a escola ou o trabalho por mais de 30 dias pratica a conduta descrita no art. 129, § 1°, I.

Mirabete ainda diz que “Nos termos do art. 168. e parágrafos do CPP, a gravidade da lesão deve ser comprovada por exame complementar a ser realizado no dia seguinte ao 30° da data do fato, contando-se do dia do início por se tratar de prazo de direito penal.” (MIRABETE, 2012, p. 75).

2.7.2. Perigo de vida

A lesão corporal que traga perigo de vida à vítima enquadra-se como lesão corporal grave. Essa hipótese está tipificada no art. 129, § 1°, II.

Apesar de toda lesão corporal apresentar certo perigo de vida à vítima, Mirabete (2012) explica que a lei penal refere-se a um perigo de vida efetivo, concreto que foi constatado em perícia. Damásio de Jesus diz que;

Não se trata de perigo presumido, mas concreto, precisando ser investigado e comprovado por perícia. Os peritos não devem fazer prognóstico, mas diagnóstico, manifestando-se sobre sua existência em qualquer momento, desde a produção de lesão corporal até o instante do exame. O êxito letal deve ser provável e não meramente possível. (JESUS, 2012, p. 171).

Nota-se que a lesão corporal para se tornar grave em virtude do perigo de vida deve ser bem fundamentada.

2.7.3. Debilidade permanente de membro, sentido ou função

No art. 129, § 1°, III, está tipificado o crime de lesão corporal grave em virtude de debilidade permanente de membro, sentido ou função.

Segundo Damásio (2012, p. 172), “Debilidade é a diminuição da capacidade funcional. Exige o CP que seja permanente. Permanência, entretanto, não significa perpetuidade. Basta que seja duradoura.”

Sobre membro, sentido ou função, de acordo com Mirabete:

Membros são os apêndices do corpo, superiores (braços) e inferiores (pernas). Sentidos são todas as funções perceptivas do mundo exterior, [...] (visão, audição, olfato, gosto e tato). Função é a atividade desempenhada por vários órgãos (respiratória, circulatória, digestiva, secretora, locomotora, reprodutora, sensitiva etc.). (MIRABETE, 2012, p. 77).

Portanto a lesão que cause a quebra de um braço e o torne debilitado permanente ou a lesão que prejudique a visão da vítima de forma permamente enquadram-se na tipificação do art. 129, § 1°, III.

2.7.4 Aceleração de parto

Segundo o art. 129, § 1°, IV, a lesão que cause aceleração do parto é uma lesão corporal de natureza grave. Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 206) diz que:

Aceleração do parto é a antecipação do nascimento do feto com vida. [...] É indispensável que o feto esteja vivo, nasça com vida e continue a viver, caso contrário, se morrer, no útero ou fora dele, configurar-se-á aborto, e a lesão corporal será qualificada como gravíssima (§ 2°). (BITENCOURT, 2015, p. 206).

Portanto, quando o sujeito pratica lesões corporais contra mulher grávida e em virtude destas vem a ter seu parto acelerado e seu feto nasce e permanece com vida comete o crime tipificado no art. 129, § 1°, IV.

2.8. Lesão corporal gravíssima

As lesões corporais gravíssimas encontram-se descritas na mesma rubrica das lesões corporais graves, nos §§ 1º e 2º, no entanto, a doutrina entende que os resultados das lesões elencadas no § 2º agravam ainda mais a pena, por isso é pacífico o uso do termo lesões corporais gravíssimas para tratar dos fatos típicos descritos no § 2º. (MIRABETE, 2012).

2.8.1. Incapacidade permanente para o trabalho

A primeira hipótese de lesão corporal gravíssima é tratada no art. 129, § 2º, I, sendo as lesões que resultem incapacidade permanente para o trabalho. Mirabete (2012, p. 78)

[...] a lei não se refere às ocupações habituais, mas à atividade profissional remunerada. Distingue-se o que a lei menciona como lesão permanente, em que há uma previsão de que a vítima não vai se restabelecer, daquilo que é perpétuo, e que se comprova que a não houve o restabelecimento. (MIRABETE, 2012, p. 78)

Explicando sobre o período da incapacidade para o trabalho, Damásio de Jesus diz que Permanência, como dissemos, não significa perpetuidade. Incapacidade permanente é a duradoura, longa e dilatada. Sempre que não se possa fixar o limite temporal da incapacidade, deve ser considerada permanente. (JESUS, 2012, p. 173). É importante salientar que se a vítima apresente uma incapacidade temporária para o exercício da sua atividade laboral ele será enquadrado na hipótese do inciso art. 129, § 1º, I, se a incapacidade for por mais de 30 dias.

2.8.2. Enfermidade incurável

O indivíduo que pratica lesão corporal contra outrem e este vem a sofrer de enfermidade incurável, incorre na tipificação do art. 129, § 2º, II. André Estefam diz que: “A incurabilidade deve ser avaliada segundo o estágio da Medicina, ao tempo da ação ou omissão [...]. Pode se tratar de qualquer doença, física ou mental, cujo prognóstico pericialmente confirmado seja da ausência de perspectiva de cura”. (ESTEFAM, 2010, p. 172).

2.8.3. Perda ou inutilização do membro, sentido ou função

Segundo Damásio de Jesus: “Perda é a ablação do membro ou órgão. Inutilização é a inaptidão do órgão à sua função”. (JESUS, 2012, p. 174). Enquanto que a lesão que acarretasse apenas a debilidade permanente do membro, sentido ou função enquadrava-se no crime de lesão corporal grave, a lesão que cause a perda destes sofre uma maior punição, portanto, enquadra-se como gravíssima.

2.8.4. Deformidade permanente

No conceito de André Estefam, deformidade “consiste na alteração sensível do fenótipo, de modo a depreciar a imagem (física) da vítima”. (ESTEFAM, 2010, p. 172). Damásio de Jesus expõe os requisitos necessários para que a lesão corporal seja qualificada pela deformidade permanente, segundo ele, a deformidade deve ser permanente, visível, irreparável, que cause dano estético e que seja capaz de causar uma impressão vexatória (JESUS, 2012).

Nessa situação a permanência da deformidade não é apenas duradoura, como se verifica nas hipóteses do art. 129, § 1º, III e § 2º, I. Nesse caso a deformidade deve ser irreparável e não apenas duradoura (JESUS, 2012).

2.8.5. Aborto

Há aqui mais uma situação de crime preterdoloso, onde o legislador pune a lesão corporal a título de dolo e o aborto a título de culpa. Nesse sentido, Damásio de Jesus diz que:

O elemento subjetivo-normativo da qualificadora é o preterdolo (CP, art. 19). Assim, pune-se a lesão corporal a título de dolo e o aborto a título de culpa. Se o sujeito, lesionando a integridade corporal ou a saúde da vítima, agir com dolo direto ou eventual quanto à interrupção da gravidez e consequente morte do feto, responderá por delito de aborto e não lesão corporal qualificada pelo aborto. (JESUS, 2012, p. 175).

Com se verifica, é importante que fique provado a não intenção do sujeito em provocar diretamente o aborto na vítima, caso contrário sua conduta será enquadrada na tipificação do art. 125. do Código Penal.

2.9. Lesão corporal seguida de morte

Delmanto, ao tratar da lesão corporal seguida de morte explica que esse delito:

[...] também é chamado homicídio preterdoloso ou preterintencional. A lesão inicial é punida a título de dolo; o resultado letal que qualifica o comportamento é carreado ao agente por culpa (CP, art. 19). Não há qualificação quando o resultado for imprevisível ou houver caso fortuito. Se houver dolo eventual quanto ao resultado, o crime será o de homicídio. (DELMANTO, 2010, p. 479).

Conforme diz Celso Delmanto (2010), a lesão corporal seguida de morte é um crime preterdoloso, isso significa que o agente não quis aquele resultado e nem assumiu o risco de produzi-lo, pois daí seria dolo eventual e o crime seria o de homicídio. Isso se verifica na tipificação do art. 129, § 3º, segundo o referido artigo, a lesão que “[...] resulta morte e as circustâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo” responde por lesão corporal seguida de morte.

2.10. Lesão corporal agravada contra menor e idoso

A lesão corporal praticada como menor de 14 (quatorze) anos ou maior de 60 tem a sua pena aumentada em 1/3. O § 7º do art. 129. traz essa possibilidade, que na verdade é uma obrigação do juiz agravar a pena para esses casos. Julio Fabbrini Mirabete ensina que:

O art. 263. da lei n. 8.069, de 13 de setembro de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), deu nova redação ao art. 129, § 7º, do CP [...]. Assim, com relação à lesão corporal dolosa (leve ou grave) praticada contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos, deve ser aumentada obrigatoriamente a pena de um terço. (MIRABETE, 2012, p. 81-82)

Mirabete ainda lembra que quando for classificada a lesão como agravada pela idade, em face do princípio do non bis in idem, não pode mais ser aplicado o disposto no art. 61, II, h, do Código penal, que diz: “Art. 61. São circustâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] II – ter o agente cometido o crime: [...] h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida”.

2.11. Lesão corporal privilegiada

A lesão corporal privilegiada é tratada no art. 129, § 4º, do Código Penal, que diz:

Art. 129. [...] § 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Essa modalidade de lesão corporal implica em uma redução de pena que pode variar de um sexto a até um terço. Essa redução ocorre quando verificado alguns dos casos previstos no tipo penal. Segundo Julio Fabbrini Mirabete, ao tratar das lesões corporais privilegiadas, diz que: “São causas de redução da pena, portanto, as paixões sociais (patritismo, sentimento filial etc.) e a agressão por provocação injusta da vítima que provoca violenta emoção” (MIRABETE, 2012, p. 82).

2.12. Violência doméstica

A lei. 10.886, de 17 de junho de 2004, inseriu ao artigo 129 do Código Penal os §§ 9º e 10 que tratam da violência doméstica. O art. 44. da lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, majorou a pena para as lesões corporais cometidas por violência doméstica passando a prevê pena de 3 meses a 3 anos. Segundo Guilherme de Souza Nucci, “doméstico é o termo que diz respeito à vida em família, usualmente na mesma casa” (NUCCI, 2012, p. 684).

Sendo assim, as lesões corporais cometidas no seio da família serão enquadradas na situação de violência doméstica. Podem, portanto, conforme o § 9º, sofrerem lesões corporais por violência doméstica: “ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. Mirabete ainda diz que: “Aplicam-se, assim, os §§ 9º e 10 do art. 129, certamente, às hipóteses de união estável ou concubinato, atual ou pretérito, e de estarem os cônjugues divorciados ou separados, judicialmente ou de fato.” (MIRABETE, 2012, p. 83).

2.13. Lesão corporal culposa

Diz o art. 18, II, do Código Penal que o crime é culposo quando praticado com imprudência, negligência ou imperícia. Segundo Damásio de Jesus:

A lesão corporal culposa apresenta um tipo simples, descrito no § 6° do art. 129, e um tipo qualificado, descrito no § 7°. Para o autor do tipo fundamental, o CP impõe pena de detenção de 2 meses a um ano. A sanção, porém, é aumentada de um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato ou foge para evitar prisão em flagrante (§ 7°). (JESUS, 2012, p. 178).

Há, ainda, a lesão corporal culposa cometida no trânsito, que será discutida oportunamente em tópico específico.

2.14. Concurso

Em certos momentos o crime de lesões corporais é cometido mediante concurso, mas em outros momentos ele é absolvido pelo crime fim. Mirabete diz que:

As lesões praticadas para a consecução de outro crime são por este absorvidas quando se tratar de crime complexo (arts. 157, 158 etc.), a não ser que haja disposição expressa em contrário (arts. 163, parágrafo único, 227, § 2°, 228, § 2° etc.” (MIRABETE, 2012, p. 86).

Mas no caso de abuso de autoridade que produz lesão corporal na vítima há concurso formal, com decisões reconhecendo o concurso material. (MIRABETE, 2012).

2.15. Ação penal e pena

Segundo Luiz Regis Prado “a ação penal é pública condicionada à representação nas lesões leves, culposas e de violência doméstica, e incondicionada nas demais hipóteses”. (PRADO, 2008, p. 150). Sendo assim os crimes de lesões corporais grave, gravíssimas e seguida de morte são de ação penal pública incondicionada.

A pena para o crime de lesões corporais varia de acordo com o tipo. O crime lesões corporais leve, descrito no art. 129, caput, do Código Penal tem pena de detenção que pode variar de três meses a um ano. A lesão corporal grave tem pena de reclusão de um a cinco anos. A gravíssima, tratada no § 2º do art. 129. tem pena de reclusão de dois a oito anos. A lesão corporal seguida de morte, por ser um crime preterdoloso, onde o sujeito é punido por dolo na conduta mais culpa no resultado, apesar de resultar em morte não sofre a mesma punição do crime de homicídio, segundo o art. 129, § 3º, a lesão corporal seguida de morte é punida com reclusão de quatro a doze anos.

No caso de o agente ter cometido “o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”, conforme evidencia o art. 129, § 4º.

Há também hipótese de substituição de pena, na qual o juiz, verificando o atendimento aos requisitos do § 4º do art. 129. ou se as lesões são recíprocas e não apresentam gravidade (Art. 129, § 5º), poderá substituir a pena privativa de liberdade pela pena de multa.

A pena do crime de lesões corporais, segundo o art. 129, § 7º, também podem ser aumentadas de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do art. 121. do Código Penal. No caso de violência doméstica, conforme manda o § 10, a pena é aumentada de 1/3 se as lesões foram grave, gravíssima ou seguida de morte.

Por fim há a hipótese do perdão judicial, trazida pelo § 8º e somente sendo aplicável às lesões culposas quando for possível aplicar o disposto no § 5º do art. 121. do CP.

2.16. Comparação com o tipo legal do Código de Trânsito Brasileiro

Segundo o art. 303. do Código de Trânsito Brasileiro: “Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” É importante ressaltar que apenas as lesões corporais culposas cometidas na direção de veículo automotor que se enquadram na tipificação do art. 303. do CTB, se o agente pratica dolosamente, mesmo sendo na direção de veículo automotor responde pelo crime do art. 129. do CP. (MIRABETE, 2012).


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foram abordadas sobre o artigo do Código Penal Brasileiro 129: lesões corporais, contendo suas definições, suas classificações, exclusões entre outras.

Utilizaram-se alguns doutrinadores para que este trabalho fosse realizado. Desta forma, lesão corporal é todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano.

O crime de lesão corporal é classificado doutrinariamente, em síntese, como crime forma livre; crime material; crime de dano, crime plurissubistente e crime unissubjetivo.

O crime de lesão corporal pode ser descrito, conforme tipificação legal, da seguinte forma: lesão corporal leve, grave, gravíssima, seguida de morte, agravada contra menor e idoso, privilegiada, domestica e culposa. E ainda em certos momentos o crime de lesões corporais é cometido mediante concurso, mas em outros momentos ele é absolvido pelo crime fim.

Por fim, foi entendido pelo grupo outra possibilidade para que haja esse delito: lesão corporal na direção de veículo automotor, que se enquadra na tipificação do art. 303. do CTB.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 15. ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940: Código penal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 06 maio 2015.

______. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995: Lei dos juizados especiais cíveis e criminais. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 24 abr. 2015.

______. Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997: código de trânsito brasileiro. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm>. Acesso em: 08 maio 2015.

______. Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.886.htm>. Acesso em: 06 maio 2015.

______. Lei n. 11.340, de 7 agosto de 2006: lei Maria da Penha. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 06 maio 2015.

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ESTEFAM, André. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2012.

GRECO, Regério. Curso de direito penal: parte especial 9. ed. v. 2. Niterói: Impetus, 2012.

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 29. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. 7. ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PEREIRA, Murilo Cézar Antonini. Vias de fato no contexto de violência doméstica. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3956, 1 maio 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/27816/vias-de-fato-no-contexto-de-violencia-domestica>. Acesso em: 24 abr. 2015.

SANTOS, Cláudia Fernandes dos. O princípio da insignificância e lesões corporais leves sob a ótica funcionalista. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 187, 9 jan. 2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4707/o-principio-da-insignificancia-e-lesoes-corporais-leves-sob-a-otica-funcionalista>. Acesso em: 6 maio 2015.

TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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