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Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna:

para onde caminha o processo?

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01/04/2003 às 00:00
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5- A Ação

A ação ocupa hoje, de um modo geral, o centro da teoria do processo. Escudada na doutrina alemã da segunda metade do século XIX, a processualística colocou o problema da ação e do seu exercício como o "punctun dollens" de toda a teoria do processo, representando este fato ainda um vestígio da visão privatista do processo. A doutrina alemã substituiu a ação pelo objeto litigioso, o "streitgegenstand". Mas a doutrina da grande maioria dos países do mesmo tronco ancestral ainda se ocupa de especulações acerca da ação. A afirmação de que a ação tomada ao centro da teoria processual representa um vestígio de privatismo resulta da constatação de que ao se prestigiar o mecanismo de demanda da prestação jurisdicional. está se prestigiando, em última análise, a iniciativa da parte e se demonstrando um caráter secundário do exercício da jurisdição que só teria legitimidade quando invocada frente ao conflito.

A compreensão do porquê desta proeminência deve ser buscada no contexto dos fatos do século XIX, que não refugia muito do passado remoto no que diz respeito à compreensão da ação. Isto nos abre ensejo para que analisemos as construções teóricas acerca da ação através da qual poderemos vislumbrar sua evolução.


6- Construções Teóricas acerca da Ação

Aqui, mais uma vez é necessário advertir para os perigos do dogmatismo e da pretensa neutralidade do Direito.

As mais diversas teorias disputaram a proeminência no qualificar o fenômeno da ação e na busca de dar-lhe uma construção dogmática e estrutural, além de um embasamento filosófico- jurídico. Evidentemente cada teoria enquadra-se em um momento próprio da vivência humana e do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social da humanidade e das coletividades tomadas em dado local e tempo. Nenhum conhecimento produz-se de forma isolada ou ideologicamente neutra e a tentativa de construir-se uma ciência neutra como se pretendeu no século XIX, naufragou ante a constatação de que todo o conhecimento produzido pelo homem carrega sempre uma carga ideológica, em maior ou menor quantidade e intensidade, que é inerente ao ser humano.

Nosso pensar, e nosso agir via de conseqüência, será sempre fruto de uma carga cultural que nos é passada pelo ambiente e pela condicionantes culturais que a vida em sociedade nos impõe, além da natureza que trazemos conosco.

Por isso é que o estudo de qualquer conhecimento deve sempre levar em conta o campo da demanda social da pesquisa o que nos permite localizar no tempo e no espaço o conhecimento e aferir se as condições e circunstância existenciais que vigiam ao tempo de sua produção permanecem ou se mudaram, caso tenham mudado em que intensidade e sentido se operou esta mudança e quais as conseqüências disto para a construção teórica que é objeto de consideração. Não há verdades científicas absolutas, e crer-se que elas possam existir cria uma perigosa ilusão e credulidade que conduz invariavelmente à ruptura do sistema com a realidade. Esta visão acaba por isolar o sistema de conhecimento, entendido como um conjunto de idéias acerca de uma determinada matéria e que apresenta uma unidade estrutural, da sua origem, condicionando-o a uma visão introspectiva e à conseqüente perda de perspectiva, que, cedo ou tarde, o tornará ilegítimo. Somente considerações desta ordem nos possibilitarão aferir se soluções encontradas no passado correspondem à realidade e em que medida isto acontece.

No campo jurídico estas preocupações assomam com maior intensidade à mente do pesquisador e estudioso porque trata-se de uma ciência social e teórica. Se nem mesmo nas ciências exatas se conseguiu expungir-se a incerteza dos conceitos, com muito maior razão nas ciências sociais isto não ocorre. Além do mais, o Direito é uma ciência dialética em que até mesmo as categorias de base, como verbi gratia os princípios gerais retores do sistema, não estão indenes de questionamento na própria dinâmica funcional da estrutura a que dão embasamento. Na verdade eles não passam de opções legislativas e também estão sujeitos à mobilidade apenas em menor intensidade. Neste passo, é preciso distinguir os princípios intrínsecos dos extrínsecos. Aqueles são mais estáveis porque dizem com o funcionamento dos institutos. Estes últimos são mais permeáveis às ingerências políticas e portanto são mais maleáveis.

Assim sendo, toda a análise deve pautar-se por uma abordagem histórico evolutiva cuja judiciosa observação nos dá a noção de para onde caminha o sistema. Da mesma forma, não podemos perder de perspectiva o componente social, axiomático e cairmos na ilusão de uma ciência neutra e produtora de verdades absolutas, de dogmas inquebrantáveis. É com esta visão permanentemente crítica que nos colocamos a observar a ação, cientes de que nossa visão também é fruto de nosso tempo e sem negar o valor do que se construiu porque postura crítica não é postura nilista, destrutiva, mas sim analítica. Analisar a evolução da ação e não só dela mas também de qualquer instituto jurídico é analisar os valores da época em que se produziu esta forma de controle social e os homens que a produziram. Esta perspectiva é que não devemos esquecer.

6.1) Teoria Civilista ou o Imanentismo Sincretista:

O direito material sempre foi ao longo da história preponderante, e não é de estranhar porque a preocupação pelo processo só pode surgir a partir do ponto em que se reconheça a jurisdição enquanto função estatal de fundamental importância. Isto só ocorre quando temos um estado impessoalizado, porquanto sem esta circunstância o que se tem é um exercício de força do soberano. Sem garantias a resguardar, o procedimento é um mero iter, e como meio, cede ao fim que é o direito material. O que importa é o comando legal, não como ele vai atuar. Assim sendo, vivenciou-se durante a maior parte da história humana a ligação entre os planos material e processual e o processo sempre foi relegado a uma posição de obscurantismo. Basta lembrarmos o processo Canônico do Santo Ofício, despido de garantias mínimas. É porque o processo, então, era realmente somente um suceder de atos, despidos de uma substância transcendente e concatenados a atuar a vontade do soberano. Somente com a ruptura do Estado pessoalista se teria clima político para que se trata-se de dar uma visão nova para o fenômeno processual. Da mesma forma, de fundamental importância foi o cientificismo que marcou o século XIX. As tentativas de estabelecer uma ciência neutra e absoluta, capaz de explicar absolutamente tudo, oriunda do pensamento racionalísta, incrementaram a especulação científica sobre quase tudo. Mas até que isto ocorresse e se tivesse consciência da separação dos planos, o que se teve foi a "teoria civilista" ou o "imanentismo sincretista".

A Teoria Civilista tem este nome devido à proeminência do direito civil e pelo fato de e o direito penal e o processo penal, com uma carga política extremamente forte que os transformava em instrumentos do poder, nunca haverem grassado a atenção que mereciam. A rigor a nomeclatura que define a junção dos planos através da expressão sincretismo imanentista é melhor porque não distingue entre o direito material civil e penal.

O fundamento da teoria imanentista reside em identificar o fenômeno da ação como uma fase do direito material, a fase dinâmica a que se contrapõe a fase estática, de latência. Para os sincretistas o direito material é despertado pela violação e "veste-se para a guerra" [21] através da ação. Não há neste ponto uma construção teórica independente do processo porque não se concebe o processo como algo distinto do direito material. Podemos hoje facilmente notar a insuficiência que haveria na explicação, através da teoria imanentista, da existência de ações declaratórias e constitutivas posto que elas não pressupõe necessariamente uma violação de direito.

Nesta corrente firmaram posição os pandectistas alemães e os praxistas que construíram suas noções à partir da releitura do direito romano: "Nihil aliud est actio quan ius, quod sibi debeatur, in juditio persequendi. Dentre eles nomes do quilate de um Savigny, de um Demolombe, de um Hunger. Ainda recentemente se encontravam juristas que defendiam o imanentismo como é o caso de João Monteiro, Jorge Americano e Manuel Aurelino de Gusmão. O imanentismo caracteriza a primeira fase do processo como ciência.

A separação do direito material do processo começou a urdir-se por obra e graça de dois memoráveis juristas alemães. Ernest Windescheid e Theodor Müther [22]. Windescheid é considerado o maior dos pandectistas alemães. Em 1856 publica "Die actio des römischen Civilrecht, von Standpunk des heütigen Rechts" (A actio do direito civil romano a partir do ponto de vista do direito moderno). Grosso modo é defendida na obra a tese de que o conceito de actio romano não se amolda à moderna noção de ação. Para Windescheid o direito de ação corresponde a um direito que nasce de doutro direito. No direito Romano não se tem ação mas sim actio. No moderno direito se tem a pretensão (ansprüch) como correspondente diferenciado da actio. A actio romana é por seu turno o poder de agir em face de outrem. Começava a ruir o edifício civilista. Theodor Müther, jovem jurista pouco reconhecido se comparado a Windescheid, já consagrado, dirigiu mordaz crítica à obra deste. Em seu "Zur Leher von romischen Actio, der heütigen Klagrecht, des Litiscontestation und der singularssuccesion in Obligationen- Eine Kritich des windeschieid´schen Buches". (Sobre a doutrina da actio romana, do moderno direito de ação, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações-Crítica à obra de Windescheid), Müther se contrapõe as afirmações de Windescheid dizendo que o direito de actio voltava-se não em face de outrem mas sim ao magistrado e que, portanto, as conclusões a que este chegara eram equivocadas. Para ele a actio tinha a conformação de um direito exercido frente ao Estado, direito a uma prestação jurisdicional.

Windescheid rebate as colocações de Muther em seu (Die actio gegen Dr Müther. "A Actio, replica ao Dr Müther") obra na qual afirma que Muther não compreendera do que ele falava e estaria se referindo ao um direito diverso que ele não negou. A concordância de que havia um direito voltado contra o Estado e não em face de outrem abriu o caminho para a separação dos planos material e processual.

6.2)Teoria do Direito Concreto:

Uma vez que se estabeleceu a separação dos planos material e processual restou um vácuo no espaço ocupado pelo direito material. Afinal, qual seria a posição do direito material frente ao processo? Qual a ligação entre ambos e até que ponto ela existe? Se outrora a ação era o direito material em movimento não se tinha esta espécie de questionamento, mas a partir da separação surgia o grande problema de justificar os atos processuais. Dois caminhos se mostravam ao jurista. Conceber a abstração completa do direito material ou manter uma forma de atrelamento entre ação-processo e direito material. A Teoria do Direito Concreto de Ação opta pelo segundo. É Adolph Wach, considerado o maior processualista alemão da época que dará vida a esta construção teórica, nos seus "Handbuch des Deustchen Civilprozessrecht" de 1885, e que seguiu outra obra que já publicara em 1789, "Vörtage über die Reich Civilprozessrecht", para o qual só há ação quando há direito material, mesmo sendo ação e direito material independentes. Significa dizer que para que se considere ter havido ação, é necessário que tenha sido reconhecido o direito ao termo do processo, ou seja, que a demanda tenha sido julgada procedente. Mas como justificar os atos processuais, principalmente a sentença, nos casos em que se chega à negação do direito material? Ou se atribui o caráter de ação à oposição do demandado e portanto teríamos que a negação da ação do autor seria o reconhecimento do direito do réu, ou se cairia num vazio. Sim, porque não sendo reconhecido o direito material, não se tinha ação então não se poderia justificar a sentença de negação mesma. Haveria uma contradictio in adiectio. A sentença nega ação e a negação da ação nega a possibilidade de sentença a não ser que se concebesse uma sentença válida e eficaz sem ação. Mas neste caso, em não podendo o magistrado atuar de ofício na provocação da jurisdição ( nemo judice sine actore), e não tendo havido ação, que é a provocação da jurisdição, como se justificar a atividade do magistrado?

Por outro lado, não menos espinhoso é o resultado de se atribuir a negação da ação do autor ao reconhecimento da ação do réu. Primeiramente é de se notar que tal reconhecimento de inexistência poderia se arrimar em uma questão processual e não material logo o réu estaria afirmando não um direito mas apontando uma falha que diz respeito ao Estado tutelar para que não aconteça no procedimento. Quer dizer, não haveria reconhecimento de um direito do réu, que tem claro o direito de ter uma prestação jurisdicional justa e obtida dentro de um procedimento sem eivas, mas direito indireto, pois o Estado e a sociedade também tem interesse na idoneidade do procedimento, e o direito afirmado pela parte para obter a nulificação formal não seria um direito diretamente seu. Ademais, ainda que se considerasse a ação do réu como causa da inexistência da ação do autor como ficariam os casos de revelia em que ainda assim o juiz nega o direito do autor. Faltaria a ação do réu. Logo, a doutrina de Wach levava longe demais a inflluência do direito material na ação. Ficariam sem justificativa todas as atividades no caso de negação de existência do direito pleiteado e estaria atingida também a própria sentença ou a integridade do sistema com um sentença sem ação. O fato é que existia atividade processual decorrente de ação mesmo sem existência do direito material.

6.3)Teoria do Direito Abstrato de Ação [23]:

O extremo oposto da teoria concreta está no desligamento total do direito material que ocorre na denominada Teoria Abstrata do Direito de Ação. Os dois grandes teorizadores do direito abstrato de ação são Plóz e Dagenkolb. Plóz a quem na verdade coube a pioneirismo, publicou "Beitrage zur Theorie des Klagesrecht". Dagenkolb assim como seu colega húngaro foi dos grandes teorizadores do direito abstrato na Alemanha através do seu "Einlassungaspruch und Urteilsnorm" (Ingresso forçado e norma judicial). A abstração total do direito material implica a completa separação dos planos material e processual, de modo que a ação existe per se. Trata-se de um direito autônomo, independente, abstrato, não carecendo referir-se a um direito existente, voltando-se contra o Estado-Juiz e tendente a obtenção de uma prestação jurisdicional. Mas a abstração não passa incólume a críticas. Destarte, o direito de ação completamente abstrato confunde-se com o direito de petição assegurado constitucionalmente e denominado direito constitucional de ação. Ontologicamente não haveria óbice a que se compreendesse o direito de ação com esta amplitude, mas na prática surgem dificuldades de fato. O grande mal desta teoria é permitir demandas temerárias e infundadas que acabariam por atravancar o judiciário e desprestigiar a função jurisdicional. Cada demanda desta espécie que chega à apreciação do judiciário é uma demanda real, efetiva, a menos que é apreciada. Esta simples e óbvia constatação é suficiente para repelir uma abstração total. No campo penal as conseqüências da abstração seriam ainda mais graves. O processo penal pela sua natureza é sempre degradante. O só fato de ser processado criminalmente é fator que causa vergonha e consternação. Imagine-se se pudéssemos propor ações penais sem o menor suporte, que males seriam causados!

6.4)Teoria Eclética da Ação [24]:

Sempre que se chocam posições antagônicas, há tentativas de se encontrar um meio termo razoável. Não se podia admitir um direito de demandar pura e simplesmente sem uma base, sem uma plausibilidade de utilidade social do provimento. Por outro lado, não se pode levar a ligação do direito material com o processo a ponto de tornar injustificada a atuação jurisdicional quando ao termo da demanda se reconheça inexistente o direito pleiteado. Há, com efeito, uma necessária ligação entre o direito material e o processual, resumindo-se a questão à determinação da intensidade e extensão desta ligação. Na tentativa de preencher esta lacuna, aproximando os extremos, surge a teoria eclética da ação que teve em Enrico Tullio Liebman [25] seu maior prosélito. A teoria eclética, nomeclatura que se deve a Galeno Lacerda, cria uma categoria jurídica que faz a ligação entre os dois planos, consubstanciada nas condições da ação. A nossa doutrina processual se baseia em três condições da ação. A doutrina italiana reconhece apenas duas, pois o próprio Liebman mudou de opinião acerca da matéria. É pela presença ou não das condições da ação que se rompe com o abstrativismo total sem, no entanto, se chegar a extremo oposto, pois o juízo acerca delas é procedido "in statu assertionis" e sem aprofundamento na hipótese concreta, ou seja, sem apreciação do material probatório de forma ampla.

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As condições da ação são exatamente a "ponte" entre uma hipótese completamente abstrata e uma hipótese concreta realmente existente. Neste passo impende notar que a certeza acerca da existência, ou melhor dizendo, acerca da afirmação de existência dos fatos e aplicação do direito a eles só poderá, via de regra, existir após uma instrução contraditória e de uma cognição exauriente [26]. Esta é a regra em nosso processo, que, certamente, sofre exceções nas demandas ditas sumárias, como sejam v.g as cautelas e possessórias e os pedidos de restituição de coisas no processo penal. As condições da ação são objeto de uma cognição superficial embora rigorosamente a matéria que nelas será apreciada componha o mérito. De fato obram em erro aqueles que separam completamente as condições da ação e o mérito. É verdade, as condições da ação não são o mérito da demanda. Este quase sempre reside no plano do direito material, mas na medida em que o mérito tem uma abrangência maior do que se lhe costuma deferir, as condições da ação estão contidas no mérito sendo julgadas com outra conformação e finalidade.

Destarte, o mérito é mais amplo do que as questões de direito material diretamente postas em juízo como objeto do pedido. Sem dúvida que julgar o mérito é julgar o pedido, mas o julgamento do pedido envolve uma série de antecedentes causais onde se inserem os fatos que, em um juízo anterior, são tomadas na análise das condições da ação. O que separa condições da ação e mérito é que no mérito há apreciação dos fatos sob a ótica do direito objeto do pedido material ou processual, mas visto como objeto da ação. Nas condições da ação os mesmos aspectos são analisados sob o prisma processual e sem análise aprofundada da prova. Em um momento a análise se destina a conceder ou não a via processual para o demandante ou demandado ( ambos exercem, senso largo direito de ação); em outro a análise se destina a conceder ou negar o direito pretendido, e envolve uma análise que geralmente engloba uma apreciação probatória mais profunda e submetida à possibilidade ampla de contraditório em cognição exauriente ( regra), ou sumária ( mas neste caso mais aprofundada do que a realizada acerca das condições da ação), destinada a conceder o direito pleiteado como ato final do processo, ou a nega-lo, também nos mesmo termos definitivos ( definitivo aqui não no sentido de formação de coisa julgada mas de provimento final). Significa dizer que os fatos são apreciados sob o ponto de vista estritamente processual, ou seja, relacionado exclusivamente à ação ( condições da ação), ou sob o ponto de vista do direito objeto do provimento, seja este objeto direito material ou processual, como ocorre na rescisória. ( mérito).

Assim sendo, ao ter diante de si um pedido de provimento jurisdicional tendente a um bem da vida concreto ou abstrato, material ou imaterial, o magistrado, ao analisar as condições da ação, levando em conta a hipótese concreta, fará a seguinte pergunta? Este sujeito postulante, pedindo o que pede frente ao ordenamento jurídico, tendo uma configuração de necessidade-utilidade do provimento conforme a situação que se apresenta, se lograr provar os fatos que afirma, poderá ter guarida do seu pedido frente ao direito posto? Se a resposta for afirmativa se passa ao julgamento do mérito. Caso contrário se dá pela carência de ação porque a postulação se mostra fora da conformação requerida para que seja apreciada no provimento final ( não do processo mas do iter até a concessão deste provimento que pode ser uma liminar). O Estado afirma no juizo de carência que aquela pessoa ( legitimidade ad causam), pedindo o que pede (possibilidade jurídica do pedido), visando um determinada utilidade e que tem ou não no processo a última ratio para alcançar o bem da vida ( binômio necessidade-utilidade), exercendo seu direito pelo veículo processual correto ou não ( adequação), não poderá obter uma apreciação do seu direito. No mérito, a pergunta abrange, levando em conta a oposição do réu, os mesmos elementos os quais serão analisados agora não como mera hipótese provável futura, mas sim como uma realidade provada e juridicamente existente, ou como não provados e portanto legalmente não existentes ao menos para o julgamento da demanda. Logo a pergunta se transmuda para: uma vez que provou, ou que não provou, este autor, pleiteando este pedido e tendo a necessidade e utilidade de valer-se da jurisdição conforme as circunstâncias dos autos, deve lhe ser deferida a prestação jurisdicional analisando se tem ou não o argüido direito subjetivo. Se a resposta for afirmativa, o julgamento é pela procedência ou pela concessão da via executiva. Caso contrário pela improcedência ou obliteração da via executiva [27].

Mas quais serão as condições da ação em nossa doutrina e ordenamento? Qual o conteúdo desta ponte entre a hipótese abstrata e o julgamento efetivo da lide ou do direito invocado? O direito processual brasileiro enumera três condições da ação no processo civil e quatro no processo penal. São elas a legitimatio ad causam, o interesse processual, a possibilidade jurídica do pedido e, no processo penal, o justo motivo. Analisemos cada qual delas, lembrando que a doutrina peninsular e mesmo o próprio Liebman, que foi o maior prosélito desta teoria, colocam a possibilidade jurídica do pedido entre os elementos do mérito.

A legitimatio ad causam [28] e o interesse processual são condições de cunho subjetivo. Mas é preciso que se diga que afirma-las de cunho subjetivo não significa dizer que são avaliadas subjetivamente, ou seja que são avaliadas de acordo com o que se apresentam na visão das partes. Significa dizer que a configuração da situação sub examine é tomada em conta através de critérios objetivos e não de acordo com o que a parte acredita que seja. São portanto condições subjetivas no sentido de que dizem respeito às partes, mas são avaliadas sob critérios objetivos. A legitimidade ad causam diz com a pertinência subjetiva do processo [29]. Consiste o requisito em ter a parte concedida por lei a legitimação para exercer o direito de pedir um provimento jurisdicional do Estado- Juiz. Uma vez que a doutrina processual de tradição romano- germânica se assenta sobretudo na noção privatista do direito de ação, tomado especialmente na Itália e no Brasil como o centro da teoria processual, e isto conduz à construção do litígio, da lide de Carnelutti, é natural que a legitimidade ad causam tenha forte ligação com a situação fática que se transforma na "res in judictio deducta", em cujo bojo se encontra um direito material ou processual. Logo, em sendo, para a doutrina tradicional, o processo meio de composição dos litígios com marcante função residual e subsidiária, quem tem legitimidade é aquele que é o titular da relação de direito material posta à análise sub especie jurisdicionis. Esta noção, no entanto, padece do malefício próprio da visão de jurisdição centrada no litígio, ótica privatista que a torna parcial no universo de fenômenos postos a lume no processo. Como já analisamos, ficam sem explicação sistemática muitas atividades processuais realizadas em processo, no caso procedimentos, de jurisdição voluntária. O dizer-se que se trata de atividade administrativa para a qual se defere garantias processuais é argumento que não calha, porque o conferir-se morfologia de processo é tornar processo. Nestes casos diz-se que não há partes mas interessados. É sofisma.

Mas nem sempre quem é parte é o titular da relação jurídica material. Há casos em que a lei concede legitimidade a pessoas que são extraneus à relação de direito que constitui o objeto do processo. São os casos de substituição processual, em que se age proprio nomine em relação a direito de outrem [30]. Há ainda o caso dos terceiros intervenientes que compõe as figuras do assistente, do denunciado á lide, do nomeado à autoria e do chamado ao processo. Mais um vestígio de privatismo, posto que a posição destes é a de partes desde que intervêm no procedimento em contraditório, estejam ou não sujeitos à coisa julgada. A figura da assistência é comum aos dois ramos do processo, penal e civil. Para a assistência no processo civil, o assistente carece comprovar um interesse jurídico que surge do fato de ter a situação das partes influência sobre uma situação ou relação jurídica sua. No processo penal o interesse se cinge, segundo a doutrina dominante na obtenção de título executivo civil. Mas reputamos que a concepção que justifica a participação do assistente pelo direito de obter uma justa aplicação da lei é perfeitamente sustentável sem que isto configure uma volta da "vindita privata". Trata-se, a bem da verdade, de mais um mecanismo de democratização do processo e um meio de reforçar a legitimidade do sistema. Lembremos que a legitimidade do sistema processual está ligada à capacidade que tenha de produzir uma aplicação do Direito a mais próxima possível da expectativa dos jurisdicionados. A possibilidade de participação da vítima ou daqueles que foram atingidos pelo delito gera um grau maior de satisfação frente a decisão e cria confiança na aplicação da lei dentro do contraditório, da ampla defesa e da estrita observância dos postulados do Estado de Direito.

Também possui o processo penal o cunho da publicidade, porque a pretensão punitiva é exclusiva do Estado, embora possa ter excepcionalmente seu exercício delegado. Isto ocorre na ação penal privada. Nesse caso, ingerências de conotação social e política permitem que ao ofendido se conceda o direito de exercer ou não a pretensão punitiva que é do Estado, movendo ou não a ação contra o delinqüente conforme lhe pareça conveniente. Tal ocorre porque há em certos casos a insofismável constatação de que o processo judicial, com o "strepitus fori" poderá trazer mal maior do que a impunidade, Obviamente a ação penal privada concerne a delitos que atingem primordialmente o interesse pessoal da vítima sendo possível o Estado nestes casos abrir mão do exercício da ação em prol do indivíduo, haja vista a repercussão pessoal do delito, o que certamente não poderia ocorrer naqueles delitos que ferem profundamente a paz pública.

Mas em síntese, o que se pode dizer é que há em nosso processo ortodoxo uma tendência de identificar a legitimidade com a titularidade do direito objeto do processo.

A possibilidade jurídica do pedido é uma condição que mudou de conformação, separando-se do vestígio pandectista que ainda se vê nos autores mais antigos. Destarte para a doutrina pandectista, a qual se somava a escolástica, o direito subjetivo só poderia surgir do texto expresso de lei. A influência do cientificismo experimentada no século XIX sobre o direito criou a falsa impressão de que seria possível urdir uma legislação que pudesse abarcar toda a realidade, assim como ocorria com as ciências naturais. Ora, se a ciência do direito podia abarcar toda a realidade e como o direito subjetivo só poderia ter origem na letra da lei, ponto culminante da neutralidade científica preconizada então, era lógico que se atrelasse o direito subjetivo aos grilhões do texto legal. Na esteira desta tendência surgiram as grandes codificações na tentativa de positivar a realidade. Assim o Códe de Napoleón dizia que todo o direito nele se continha e em mais nenhuma parte [31]. Neste diapasão só poderíamos falar em possibilidade jurídica como resultante da invocação da lei, da letra expressa da lei, mesmo porque os métodos hermenêuticos em voga proibiam a extensão da interpretação pena de quebrar a neutralidade do magistrado, fiel servo da lei, na verdade "boca da lei". Aquele que não invocasse o direito positivado não poderia se dizer realizando um pedido juridicamente possível.

Mas o Direito não se contém na lei, embora o inverso seja verdadeiro, e a tentativa de subjugar o Direito a um método científico construído para as ciência naturais naufragou ante a irrefragável dinâmica da vida em sociedade e da natureza instável do ser humano. A evolução do método de investigação das ciências exatas descortinou a concreta impossibilidade de construção de um sistema estanque e cristalizado, formado de postulados universais de conteúdo axiológico. Ao revés, o método de investigação das ciências sociais e humanas é por essência construído sobre postulados nos quais se procura dotar o método da maior flexibilidade e adaptatividade possível. Se quer um método que seja capaz de tornar a investigação permeável à dinâmica da fenomenologia jurídica, abandonando-se a utopia de conter a realidade no texto da lei.

Note-se bem que não se quer aqui dizer de um desvalor da lei. Muito antes pelo contrário, a lei é o alicerce do Estado de Direito e sem ele o que há é um mero exercício de força despótica. O que se quer dizer é que a lei tem hoje outra dimensão que é a de critério de orientação na aplicação do Direito. Ante sua insuficiência, o interprete aplicador deve buscar preencher as lacunas através dos meios que a própria lei determina como lícitos para sua integração. O Direito, enfim, não se contém na letra da lei, mas representa, outrossim, uma dimensão mais abrangente, e por isto a possibilidade jurídica toma um novo contorno para ser as regra. Logo, a não previsão expressa de um direito subjetivo em lei não inibe a possibilidade jurídica de se o pleitear. A impossibilidade só existe no inverso, ou seja, na previsão de que determinada situação jurídica não pode ser obtida seja por determinação expressa seja por defluência lógica do sistema, como seria o caso de pedir-se pena de morte por adultério v.g.

Hodiernamente, portanto, há sempre a possibilidade de buscar-se o direito que se diz ter desde que não seja vedado pelo ordenamento entendido como o todo. A existência ou não de forma expressa do direito não é o fator fundamental para se garantir a ação.

Há, contudo, que atentar para a especialidade do direito penal haja vista o princípio da legalidade que o embasa. Não há delito sem lei que o preveja e não há delito fora dos limites expressos que a lei prevê, sendo vedada a analogia um "malam partem". Logo, para o direito processual penal, só há possibilidade jurídica quando há previsão legal ( tipificação da conduta). Neste caso, o raciocínio de que somente caso prevista em lei o direito subjetivo ( jus puniendi) é que haverá possibilidade jurídica é válido. Neste passo se vê que a construção possibilidade jurídica como condição da ação à luz de uma teoria geral do processo não pode ser homogênea, o que de modo algum invalida a teoria.

O interesse processual também é uma condição da ação que recebeu da doutrina moderna um nova roupagem, sendo hoje formado por um binômio, ou até por um trinômio. São elementos que compõe o interesse processual: a necessidade, a utilidade e a adequação. [32] A utilidade se materializa no fato de que o provimento pleiteado possa trazer uma situação material ou processual mais vantajosa para o demandante. Mais uma vez cumpre observar que a avaliação é objetiva, quer dizer, não se pode levar em conta para a deliberação a utilidade que a parte diz lhe ter o provimento. É preciso analisar os fatos objetivamente sem perder de vista o caso concreto, mas tendo como critério a utilidade que qualquer um teria nas mesmas condições. Quase sempre o provimento tem uma utilidade e é preciso que se diga que, por mínima que seja, ainda assim é utilidade. Logo, deve o magistrado agir com cautela na aferição deste requisito para não incorrer em denegação de justiça. A necessidade é requisito que tem por base o fato de ser o processo a "ultima ratio" de que deve se valer o jurisdicionado. O processo sempre representou um mal pelo estado de incerteza causado pela litispendência, claro que um mal menor do que a justiça de mão própria e sem garantias, mas de qualquer forma um mal. Da mesma forma, há um custo social e econômico que é considerável, mormente quando verificamos que a atividade de julgar requer homens cada vez melhor preparados e um contigente de apoio cada vez maior e mais qualificado.

É por isso que se prestigiam cada vez com maior intensidade os meio de auto-composição, as alternativas à jurisdição. A conseqüência deste ônus social e econômico que o processo representa é que ele só se justifica ante a inexistência de outro meio mais célere ou menos oneroso para se conseguir o resultado pretendido [33]. Da mesma forma, não podemos olvidar que o Estado Democrático Social de Direito está comprometido com uma prestação jurisdicional eficaz, efetiva, e cada lide que adentra ao judiciário representa uma a mais a dificultar o andamento dos processos que lá já estão. Quando esta demanda não tem sentido porque pode ser evitada por outros meio de obtenção do resultado pretendido, o seu ingresso em juízo só colabora para retardar a prestação jurisdicional daqueles que realmente necessitam do processo.

Por aqui se nota que a interpretação que se tem dado ao artigo 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de modo a se retirar a ilação de que por via deste dispositivo não se poderia limitar de modo algum o direito de ação é falsa. Com efeito, o aquele dispositivo preconiza é que não se pode impedir o Poder Judiciário de conhecer de ameaça ou lesão, mas isto não implica afirmar que não se possa exigir determinadas circunstâncias que postergam o conhecimento do Judiciário a uma fase posterior onde v.g se tenham exaurido os caminhos alternativos à obtenção do resultado pretendido. Obviamente quando a exigência de algum requisito puder tornar inútil o provimento jurisdicional é absolutamente descabido falar-se em postergar a apreciação da ameaça ou lesão. Mas neste caso surge a necessidade na medida em que não há via mais célere ou menos custosa para a obtenção do provimento, tornado lícito, frente a o sistema processual, o ingresso imediato em juízo. A admitir-se a interpretação que se tem dado ao inc. XXXV do artigo 5º da CF/88, teríamos que não mas haveria possibilidade de existência de condições da ação. Na verdade seria o mesmo que consagrarmos a Teoria Abstrata de Wach.

A necessidade deve estar presente desde o início até o momento do julgamento do mérito. A perda da necessidade no transcurso no processo, contudo, nem sempre implica em extinção do feito. Se surge uma via alternativa no transcurso do processo a parte não perde o direito a uma sentença principalmente porque a avaliação das condições e in statu assertionis e referente ao ingresso em juízo. Mas desde que exista esta via ab initio, ela deverá ser exaurida para legitimar o ingresso em juízo, sem que isto implique violação ao Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional.

Resta o elemento da adequação que é a roupagem assumida pela falta de interesse no mais das vezes. A adequação diz respeito ao veículo processual utilizado, tanto à espécie de tutela como quanto ao rito escolhido. Para cada espécie de pretensão há uma tutela específica, de conhecimento, cautelar ou executiva. Dentro de cada espécie de processo há um série de ritos próprios cuja aplicação se faz pelos mais variados critérios como v.g, valor da causa, espécie de pretensão de direito material, qualificação especial de uma ou ambas as partes, dentre outros. A não utilização da tutela específica, ou erro no rito, implica falta de interesse. É possível a aplicação da fungibilidade desde que presente dúvida objetiva e ausência de erro grosseiro ou má fé. Mas a fungibilidade entre ações ( rectius= ritos) só pode existir dentro de uma mesma espécie de função jurisdiconal quer seja conhecimento, cautela ou execução. Logo, é inadmissível a fungibilidade entre execução ou cautela, entre cautela e conhecimento, entre conhecimento e execução e vice-versa [34]. Para a aplicação da fungibilidade a dúvida há de ser objetiva, ou seja uma dúvida corrente, comum no meio jurídico e não fruto de dúvidas pessoais ou interpretações próprias e discrepantes da lei. Em todos os casos em que exista assentada doutrinaria e jurisprudencialmente de forma clara e pacífica, uma posição, salvante fortes argumentos contrários, ter-se-á que não há erro objetivo. A má fé denota-se da conjunção do instrumento errôneo mais o intuito de procrastinar, tumultuar ou embargar indevidamente o curso da demanda.

Conforme veremos mais adiante, ao tratarmos da visão instrumentalista, a fungibilidade é medida consentânea com o caráter instrumental do moderno processo. Não há na sua aplicação nenhuma vedação ontológica, e a limitação à ampla fungibilidade surge de um critério de política legislativa que toma por parâmetro o limite tolerável do tumulto processual que pode causar a mudança de tutela ou de rito, além da quebra da imparcialidade, passando o juiz a advogar pela parte.

Chega-se por fim, à última condição da ação que é própria do processo penal, Trata-se do justo motivo. Dito princípio é corolário do Princípio da Intervenção Mínima que postula que a repressão penal não deve recair sobre delitos de pequena monta. A invocação do justo motivo advém da constatação de que o só fato de se ver processar no juízo criminal já constitui, de per si, uma pena. Há certamente uma pecha sobre aqueles que têm contra si correndo processo judicial no foro criminal. A suspeita que se lança sobre o acusado aos olhos da comunidade é uma senda que jamais se apaga, tanto mais com os meio de comunicação de que hoje dispomos. Ainda que se comprove, após a instrução e o julgamento, que o indivíduo era inocente, sempre restará a lembrança de que foi processado e a dúvida acerca de sua inocência. Ademais é impossível fazer com que o resultado do julgamento inocentador chegue ao conhecimento de todos, ao menos é impossível ter certeza de que isto aconteceu, inobstante se faça ampla divulgação. Assim sendo, mesmo estando presentes as condições da ação comuns ao processo civil e penal, não se moverá a ação penal se verificado que no balanço custo benefício a ação não se justifica pelos prejuízos que o processo causará ao acusado, ainda que seja culpado. É preciso contudo, não confundir o justo motivo com o perdão judicial. Neste há uma previsão do direito material que isenta de pena. Naquele, sob o ponto de vista legal material nada justifica a elisão da ação penal. Se ela é afastada isto ocorre por considerações, neste caso, processuais. Não se justifica mover uma ação penal nestes casos e pode-se então dizer que tem muito de comum o justo motivo com a utilidade, elemento de composição do interesse. Mas na caso do justo motivo não está afastada a utilidade, o que ocorre é que no balanço custo benefício da atividade jurisdicional torna-se descabida a movimentação da máquina judiciária. É portanto, repise-se, um juízo processual e não material.

A Teoria Eclética da Ação é sem dúvida a que grassou maior número de adeptos no direito brasileiro, tanto no campo penal como no civil. Há, no entanto, uma série de criticas que contra ela se dirigem porque, assim como as outras teorias, não consegue explicar a totalidade do fenômeno da ação. Um dos principais aspectos apontados como falhos é o que diz respeito às atividades levadas a cabo antes do pronunciamento do juízo de carência. Ora, se o autor era carente de ação o que justificou a atividade do Estado-Juiz até o pronunciamento deste fato e qual a natureza destas atividades? Para contornar este óbice diz-se que as condições da ação são na verdade condições para o julgamento do mérito. Mas então há uma "contradictio in terminis", porque então não são condições da ação mas condições para o julgamento do mérito, e o autor não seria carente de ação, mas sim de julgamento de mérito. Com isto o que temos é na verdade uma teoria abstrata a não ser que se diga que o conjunto de atividades realizado antes do juízo de carência não é referente ao exercício do direito de ação. Só haveria exercício efetivo do direito de ação se o magistrado se pronunciasse no mérito da demanda. Mas a sentença terminativa, que põe fim ao processo sem julgamento do mérito, sentença é, e afinal o que estaria justificando a sua prolação? Nota-se que a Teoria Eclética denuncia também uma visão privatista do processo e da ação na medida em que tem por centro de gravidade a demanda conforme aduzida pela parte ( in statu assertionis), e não o exercício do poder jurisdicional.

6.5)Teoria do Direito Potestativo [35]:

Interessante construção teórica é a de Chiovenda segundo a qual a ação é um direito potestativo [36]. Concebe o processualista italiano a ação como um direito autônomo, exercido frente ao adversário que é quem se encontra em posição de sujeição. A potestatividade surge da impossibilidade de furtar-se dos efeitos da ação em que se encontra a parte adversa. Há a prescindibilidade do comportamento o daquele frente ao qual se exerce o direito de ação. A declaração de vontade é requerida como condição para a atuação da vontade da lei, sendo portanto a ação " o poder jurídico de criar condições para a atuação da vontade da lei". É óbvio o equívoco em que labora o emérito jurista ao reconhecer na ação um direito que se exerce frente ao adversário e não frente ao Estado. É certo que o adversário nada pode fazer quanto ao exercício da pretensão, isto contudo não serve para definir a ação, ou seja, não podemos tomar uma característica que não é exclusiva do direito de ação e utilizarmos como ponto de diferenciação.

6.6) O Relativismo:

É Calamandrei quem idealiza o relativismo [37], doutrina segundo a qual a conformação do direito de ação sofre influência do modelo de Estado e sociedade em que é concebida. Assim sendo, a teoria do direito abstrato encontra guarida nos ordenamentos autoritários e coletivistas ao passo que as teoria do direito concreto e civilista representam concepções liberais de Estado. Acaba Calamandrei por adotar a teoria de Chiovenda, posição que só foi revista muito mais tarde.

6.7)Teoria do Direito Subjetivo das Partes:

É a tese de Carnelutti que a ação é um direito subjetivo das partes. Carnelutti distingue a ação da pretensão, vendo naquela uma relação que é fruto desta, mas sendo ambas absolutamente distintas. Vê a ação voltada contra o juiz, o que é a grande falha de sua concepção. É de se notar que não deu grande atenção ao conceito, porque estruturou sua doutrina tendo por base a lide.

6.8) Teoria do Direito de Personalidade:

Da lavra de Köhler [38], esta teoria vê na ação a emanação de um direito de personalidade tomando a feição de uma mera faculdade Embora seja um conceito publicístico o fato é que a ação perde muito em força. Mas não é de se negar que a ação subsiste como um direto inerente à personalidade. O erro é dar-se demasiada atenção a este aspecto. Semelhante entendimento tem Couture, que fala na ação como emanação de um poder jurídico que tem todo cidadão. Esta concepção aproxima o direito de ação do direito constitucional de petição. Com isto, o direito de ação toma um contorno de extrema generalidade. Se podemos afirma que o direito de ação se engloba dentro do direito genérico de petição, não podemos contudo tomar por base para a explicação do direito de ação esta circunstância, posto que demasiadamente ampla e genérica.

Estas as concepções, dentre tantas, que maior apoio encontraram na doutrina e no direito positivo. Mais adiante, volveremos ao tema da ação para ulteriores considerações.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna:: para onde caminha o processo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -92, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3902. Acesso em: 19 dez. 2024.

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