Algumas questões controvertidas sobre o crime de furto

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13/05/2015 às 09:08
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V – TIPO SUBJETIVO

O dolo é vontade consciente de subtrair, acrescido do elemento subjetivo do injusto, dolo específico. Independe de intuito de lucro por parte do agente(RT 716/445).

Na sempre correta lição de Francisco de Assis Toledo[12] o dolo do tipo é: intencionalidade(finalidade da ação); previsão do resultado(elemento intelectual).[13]

O consentimento do lesado descriminaliza a ação, por certo. Porém, se ele é dado após a prática do ilícito, não o elide.

Sabe-se que pela teoria finalista a inexistência do dolo conduz a uma atipicidade de conduta, fato atípico. A par disso temos a consciência da ilicitude, que não faz parte da culpabilidade, não integrando o dolo, bastando ser potencial, pois basta a possibilidade de conhecer a ilicitude do fato.

Sendo assim o dolo decide sobre a existência ou não de um tipo doloso de delito. O dolo está no tipo, isto provou Welzel, pois está no conceito de ação.

Com isso se quer dizer que se há prova de a conduta ilícita foi gerada por imprudência, negligência, certamente não se pode falar em crime, pois há falta do elemento do tipo, dolo, seja ele direto  ou eventual., pois o crime é fato típico, antijurídico e, para alguns, ainda culpável.  


VI  – CONFRONTO ENTRE O FURTO E OUTROS CRIMES

No roubo  a ação típica consiste na subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência à pessoa ou grave ameaça, ou depois de haver, por qualquer meio, reduzido à vítima à impossibilidade de resistência. Há uma ação idêntica ao crime de furto(subtrair coisa alheia móvel) onde a execução deve dar-se mediante violência à pessoa, seja por esforço corporal sobre a vítima; ameaça(violência moral) ou ainda por outros meios que reduzam a resistência da vítima, como narcóticos, por exemplo.[14]

Já decidiu o Supremo Tribunal Federal(HC 96.099, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 5 de junho de 2009, que não se mostra necessária a apreensão e perícia de arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, uma vez que a qualificadora do artigo 157, § 2º, I, do Código Penal pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima.

Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que ainda que não se afaste a possibilidade de reconhecimento da autonomia de condutas envolvendo tentativa de homicídio e porte ilegal de armas de fogo, a tentativa de homicídio absorve o de porte de arma de fogo quando as duas condutas delituosas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculada(Recurso Especial 571.077/RS, DJ de 10 de maio de 2004, Relator Ministro Felix Fischer).

Que falar do que popularmente se chama de ¨trombada¨?

O que chamamos de ¨trombada¨ é hipótese de furto qualificado. Mas se a ¨trombada¨ vier com agressão ou vias de fato contra a vítima, será enquadrada como crime de roubo. O Supremo Tribunal Federal, corretamente, decidiu que o empurrão[15], com o propósito de desequilibrar a vítima ou tolher os seus movimentos, se caracteriza como violência, a determinar a prática do crime de roubo(HC 75.110 – 5 – RS, DJU de 29.9.00). Por sua vez, o arrebatamento inopinado da coisa é visto como crime de furto simples, desde que não haja violência à pessoa(Julgados TACSP, 19/3, 339, 23/2, 153).

No furto não há que se falar em violência ou grave ameaça para subtração da coisa alheia.

No furto constitui pressuposto de fato que o agente não tenha a posse ou a livre disposição da coisa, isto é, disponibilidade não sujeita à vigilância do titular do direito patrimonial em relação à mesma. Assim distingue-se o furto da apropriação indébita(artigo 168 do Código Penal). O empregado praticará furto ou apropriação indébita conforme tenha ou não a livre disponibilidade da coisa pertencente ao empregador.

Comete o delito de apropriação indébita(artigo 169, inciso II, CP) quem se apossa de coisa perdida. Data vênia, contrariamente a opinião de Nelson Hungria[16], que vê exemplo de crime de furto, comete  crime  de apropriação de coisa achada,  aquele que vendo o proprietário perder a carteira, dela se apossa pacificamente, Isso porque não há na hipótese subtração, mas mera apropriação.

Também  revela-se como apropriação a conduta de quem se apoderou de coisa deixada a suas vistas por pessoas que a haviam subtraído um pouco antes(RT 623/309). Se porém, o agente provoca a perda da coisa pelo proprietário, poderá praticar o crime de furto com fraude, não apropriação.

Poder-se-ia entender que comete o crime de apropriação indébita(artigo 169, inciso II) quem se apossa de coisa perdida. No entanto, há decisões pelo furto quando se trata de apossamento de coisa esquecida. Se não se sabe quem é o proprietário da coisa, não há crime de furto(RT 529/341).

Se a apropriação indébita(artigo 168) e sua forma qualificada(artigo 168, § 1º, CP), se revelam crimes comissivos, envolvendo a figura do animus rei sibi habendi, que exige dolo específico, longe da figura do furto  está o crime inserido no artigo 168 – A do Código Penal, crime omissivo próprio, que exige dolo genérico, na omissão de recolhimento de contribuição previdenciária.

A subtração de ser humano não configura, por certo, o crime de furto, mas de seqüestro(artigo 148 do CP). Da mesma forma, não é crime de furto a subtração de incapaz(artigo 249). Já se decidiu que é crime de furto a subtração de dentes, cabelos(RT 598/313)e ainda pernas ortopédicas, dentaduras, perucas.

 Por sua vez, o cadáver que é juridicamente coisa será objeto de outros crimes, como aquele do artigo 211. Heleno Cláudio Fragoso[17] leciona que o cadáver pode ser objeto de furto quando submetido a especial destinação, para fins científicos, quando adquire um caráter patrimonial. Ora, partes do cadáver como dentes, dedos, podem ser destacadas, sendo coisas para efeitos penais, daí podem ser objeto de furto. Júlio Fabbrini Mirabete[18] entende que o cadáver, quando for subtraído, poderá ser objeto de furto, pelo seu valor econômico, vista a utilidade para estudos científicos, por exemplo. Por sua vez, a subtração de animais domésticos, é furto, isto independente de seu valor sentimental.

Não é crime de furto a conduta consubstanciada no fato do agente, para auxiliar o autor da subtração de veículo, modificar suas placas identificadoras a fim de assegurar-lhe a posse da res furtiva, pois há aqui cometimento do crime de favorecimento real(artigo 349 do Código Penal).

Por certo, há um crime de exercício arbitrário das próprias razões quando o agente subtrai a coisa alheia visando ressarcir-se de prejuízos(RT 554/377, 522/439).

A subtração de nota promissória e sua destruição caracteriza o crime de supressão de documento(artigo 305 do CP), e não o furto(RT 473/388).

Aqueles que adquirem coisa furtada  cometem crime de receptação(artigo 180 do Código Penal), crime de fusão. Os que prestarem auxílio, após a consumação do crime, pois, sem acerto prévio, cometem crime de favorecimento real(artigo 349 do CP).

Já se entendeu que a  destinação que o agente der à coisa furtada é irrelevante para a configuração do crime. Lembro que a destruição, doação, venda ou ainda outro meio de disposição da res furtiva nenhum efeito tem sobre a consumação do delito. Todavia, já se decidiu que  o estelionato praticado com a venda posterior da coisa furtada(passando-se por dono) é para o ladrão fato posterior impunível que é absorvido pelo furto(RF 151/445, 195/378). Já o comprador estaria inserido na conduta de receptação(artigo 180 do CP) se conhecida a origem da coisa.

Há concurso material de crimes, se, após a subtração dos talonários de cheques, o agente pratica o crime de falsificação das cártulas subtraídas ou as utiliza como meio fraudulento para o crime de estelionato(RTJ 85/78). Há ainda concurso material nos crimes de furto de um automóvel e estelionato na venda posterior do veículo como próprio a terceiro(RT 701/300).

Há concurso material se o agente comete estupro e após o furto em coisas da vítima. O estupro com a redação que lhe foi dada pelo artigo 213 do Código Penal, se caracteriza pela conduta de ¨constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele pratique outro ato libidoso¨. Constrange-se alguém, e não apenas a mulher, a ter conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso, que, no passado, eram tipificados como atentado violento ao pudor(artigo 214 do Código Penal, agora revogado). Basta para a configuração do crime de estupro que uma pessoa(homem ou mulher) obrigue outra(homem ou mulher) a com ela praticar qualquer ato libidinoso(conjunção carnal, felação, coito anal, etc). O furto, por sua vez, é crime material contra o patrimônio.

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Pode haver concurso formal de furto praticado contra várias vitimas e ainda crime continuado.

Agiu bem o Supremo Tribunal Federal ao negar a continuidade delitiva entre os crime de roubo e furto(RTJ 89/1.048, 99/821, dentre outros). 

Da mesma forma, não há falar em crime continuado envolvendo furto e estelionato(artigo 171 do Código Penal) uma vez que são de espécies diferentes(RT 668/352).

A violação de domicílio é absorvida pelo furto(RF 150/420).


VII  – O CRIME DE FURTO E O PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Estudo a aplicação do princípio da insignificância com relação ao crime de furto.

Entende-se que para configuração do delito de bagatela devemos ter: a) conduta minimamente ofensiva: b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) lesão jurídica inexpressiva.

No entanto, já se entendeu que não há falar na aplicação de tal princípio se o réu é reincidente, além de responder por várias ações penais, fazendo do crime um modo de vida(Recurso Especial 1.391.698/RS, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe de 25 de novembro de 2013). Tal entendimento está na linha de outros, dentre os quais o RHC 41.143/ES, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 19 de novembro de 2013.  

 A isso, some-se a conclusão  de que não há falar em aplicação desse princípio se o valor dos bens subtraídos não pode ser tido como insignificante, ao lado de conduta socialmente desqualificada(HC 143.060/RS, Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe de 20 de novembro de 2013).

Não se caracteriza como insignificância para efeito penal, o fato do agente  subtrair de uma loja de conveniência de posto de gasolina, duas caixas de chocolate, avaliadas em R$164,00(cento e sessenta e quatro reais) mediante o rompimento de obstáculo, furto qualificado(HC 277.663/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 19 de novembro de 2013.

Já se decidiu por sua aplicação(RT 569/338). Aliás, já se entendeu pela inexistência do crime na subtração de cheque em branco por ausência de prejuízo econômico(RT 693/390).

Distingue-se o princípio da insignificância da irrelevância penal do fato.

Que se entende por infração bagatelar? A resposta é dada por Luiz Flávio Gomes[19] ao dizer que a infração bagatelar ou delito de bagatela expressa o fato insignificante, de ninharia ou de um ataque a um bem jurídico que não requer a intervenção penal. A infração bagatelar deve ser compreendida em dupla dimensão: infração bagatelar própria e infração bagatelar imprópria.

A infração bagatelar própria é a que nasce sem nenhuma relevância penal: ou porque não há desvalor da ação ou porque não há desvalor do resultado. Quem subtrai uma cebola pratica uma conduta desvalorada, sendo o resultado jurídico ínfimo.

Por sua vez, a infração bagatelar imprópria não nasce irrelevante para o direito penal, mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso apresenta-se desnecessária.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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