Algumas questões controvertidas sobre o crime de furto

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13/05/2015 às 09:08
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VIII – O FURTO DE USO

O furto de uso é a subtração da coisa apenas para usufruí-la momentamente, sendo, pois, estranho a incriminação que é prevista no artigo 155 do Código Penal.

No passado, temos decisões pelo reconhecimento do furto de uso quando ocorre a efetiva devolução ou restituição(RF 170/404; 169: 403).

Porém, já se entendeu que haverá furto comum, e aí crime, se a coisa é abandonada em lugar distante do diverso(RT 403:315).

Da leitura do Código Penal de 1969, que não entrou em vigência, tem-se os seguintes elementos do furto de uso:

a)      subtração da coisa não fungível para uso momentâneo;

b)      imediata restituição ou reposição no lugar onde se achava.

O uso de coisa fungível(que pode ser substituída por outra) deve ser momentâneo, o que significa o uso imediata em seguida à subtração e por período de tempo breve, como informa Heleno Cláudio Fragoso.[20]

A restituição, que deve ser feita no lugar onde se achava a coisa,  além de ser imediata deve ser voluntária, entendendo-se que a coisa deve ser utilizada segundo a sua destinação e não pode significar o seu consumo ou a sua destruição.

Mas já se considerou o contrário, sob o argumento de que o dono deve ter sempre a disponibilidade das coisas, entendendo-se que o crime de furto de uso configura um crime de furto comum(JTACrSP 44/416, dentre outros).

Fico, no entanto, com o entendimento já traçado por Heleno Claudio Fragoso[21], Celso Delmanto[22], dentre outros, para quem o código penal  não cogitou desse tipo de ilícito, valendo falar no principio da tipicidade formal. A esse respeito: RTJ 34/655; 36/570; 42/86, dentre outros.

Será caso, segundo entende Hungria[23] , de punir o agente, no caso do furto de uso de veiculo, pelo furto da gasolina, do óleo diesel.

O Código Penal Militar, no artigo 241, tipifica tal crime, quando a coisa é subtraída para fins de uso momentâneo e, a seguir, vem a ser imediatamente restituída ou reposta no lugar onde se achava.


IX – FURTO NOTURNO

A pena pelo cometimento do crime de furto será aumentada de um terço se o crime for praticado durante o repouso noturno. Tal razão se dá em face da precariedade da vigilância por parte de seu titular(artigo 155, § 1º).  

No direito comparado, há exemplo do código penal alemão(artigo 243,7), segundo o qual a pena pelo crime de furto será agravada se praticada à noite.

O Anteprojeto do Código Penal de 1999, em seu artigo 184, § 2º, III, trata o furto noturno no rol das qualificadoras.

Para o Ministro Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código, n. 56,  a expressão refere-se ao período de sossego noturno.

Na lição de Nelson Hungria[24] o Código Penal tem em mira, com a maior punibilidade do furto noturno, única e exclusivamente assegurar a propriedade móvel contra a maior precariedade de vigilância e defesa durante o recolhimento das pessoas para o repouso durante a noite.

Entretanto, Cezar Roberto Bitencourt[25] faz criticas a majorante, alegando ser a mesma vetusta. Disse ele que houve equívoco ao se aplicar uma majorante ao agente que furta durante o repouso noturno, pois esse não possui maior periculosidade, visto que o nosso cotidiano demonstra que ladrões furtam e roubam, de forma audaciosa, à luz do dia, sem temer a polícia.

Há aplicação do chamado critério psico-sociológico, levando em conta o respeito ao período de recolhimento destinado ao repouso.

É por demais conhecida a conclusão na 1ª Conferência dos Desembargadores reunida em 1943, no Rio de Janeiro, quando se disse: ¨o critério para se aferir o repouso noturno é variável e deve obedecer aos costumes locais, relativos à hora em que a população se recolhe, e a em que desperta para a vida cotidiana¨(conclusão XIII). Ora, disse bem Júlio Fabbrini Mirabete[26] que não há identidade de sentido nas expressões repouso noturno e noite. Esta se caracteriza pela ausência de luz solar; aquela se identifica com o tempo em que a cidade ou local repousa(RT 423/449). Portanto, é certa a conclusão de que o horário de repouso noturno é variável, devendo obedecer aos costumes locais relativos à hora em que a população se recolhe e a em que desperta para a vida cotidiana(RT 503/431). Da mesma forma, o que o Supremo Tribunal Federal decidiu, no RE 105.329/PR, Relator Ministro Nelson Neder, DJ de 23 de agosto de 1985, ao aludir que praticado o crime de furto durante o tempo que é, pelos costumes sociais, destinado ao repouso noturno, incide a agravante do parágrafo primeiro do artigo 155 do Código Penal.

Por sinal, o Ministro Nelson Hungria[27] lembrava que objetivava o dispositivo a assegurar a propriedade móvel contra a maior precariedade de vigilância e defesa durante o recolhimento das pessoas para o repouso durante a noite. Critério este estritamente objetivo, concluindo que a majorante em questão não se conjuga, necessariamente, com a circunstância de ser o furto praticado em casa habitada. Irrelevante o fato de ser o crime praticado em casa habitada, por exemplo, às 1:20 horas, durante o recolhimento para o repouso noturno.

Para Magalhães Noronha[28] é o tempo em que a vida das cidades e dos campos desaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas e as estradas se despovoam, facilitando a prática do crime.

Ensinou Nelson Hungria[29] que não se aplica a agravante se o furto é praticado em local cujos moradores não se acham repousados, mas em festiva vigília, pois assim desaparece a razão de ser da maior punibilidade. Nesse sentido: RT 759/640.

Todavia, registro jurisprudência onde se considerou que deve ser excluída a agravante se o furto é praticado em lugar desabitado(RF 145/434; 159/372; 165/332; 166/348).  Ora, corretas as conclusões no sentido de que é irrelevante o fato de estar ou não habitada a casa(RF 174/365; 182/334; 194/370; 198/263) ou na ausência dos moradores(RF 200/263).

Quanto a lugar habitado, há quatro correntes: a) o lugar precisa ser habitado com pessoa repousando(TACrSP, RJDTACt 1/102) quando o lugar não é habitado ou o furto é praticado na rua(RT 752/607), ou ainda trata-se de estabelecimento comercial(RT 751/615); b) não se exige a presença de moradores(STF, RT 637/366; STJ, RT 748/579); c) os moradores não devem estar acordados(RT 498/323); d) o lugar não precisa ser habitado(RT 590/361).

Para o reconhecimento da agravante de repouso noturno não há importância no fato da casa onde ocorreu o furto estar habitada e seus moradores dormindo (STJ, REsp 75.011- SP, 6ª Turma, Relator Ministro Anselmo Santiago, 25 de setembro de 1997; REsp 78.426 – SP, 6ª Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 4 de março de 1997.

Vale dizer que onde  se denomina por repouso noturno não se faz qualquer ressalva se o bem pertence à pessoa física ou jurídica, uma vez que o que se almeja é o patrimônio alheio.

Já se entendeu que se a vítima dorme durante o dia – por ser vigilante noturno, não incide a agravação da pena(TACRIM/SP(Atual TJ/SP, RJDTACRIM 24/213).

Volto-me ao Recurso Especial 704.828/RS, 5ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJ de 26 de setembro de 2005, pág. 448, onde decidiu-se aplicar a majorante prevista no artigo 155, § 1º, do Código Penal, se o delito é praticado durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade inclusive para estabelecimentos comerciais. Aqui observo o julgado no Recurso Especial 509.590/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU de 6 de outubro de 2003, quando  foi acentuado que para a incidência da majorante prevista no artigo 155, § 1º, do Código Penal, é suficiente que a infração ocorra durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade para as residências, lojas e veículos, sendo irrelevante o fato de a vítima estar ou não, efetivamente, repousando. Da mesma forma, o julgamento do HC 18.787/PB, 5ª Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU de 4 de março de 2002. O critério para agravamento da pena é, sem dúvida, objetivo, no caso do furto noturno, pois visa proteger as residências no período em que estão mais vulneráveis. Contra, entendendo não ocorrer a aplicação da causa de aumento se ocorrer em casa comercial(JTACrSP 65/330).

Correto, portanto, o entendimento de que perpetrado o furto durante o período noturno, caracteriza-se a majorante do parágrafo primeiro do artigo 155 do Código Penal, mesmo quando a subtração ocorrer em estabelecimento comercial, uma vez que a referida circunstância tem caráter objetivo, devendo ser reconhecido que os proprietários desses estabelecimentos também têm, por óbvio, direito ao repouso noturno, não havendo lógica, razoabilidade, em entendimento contrário. A esse respeito: TJRJ, Segunda Câmara Criminal, ApCrim 2005.050.00342, Relatora Desembargadora Telma Musse Diuna.

Ora, desnecessário para a caracterização da causa agravadora que o falso seja praticado em casa habitada e que haja moradores repousando(RTJ 64/593; RT 229/578, 271/728, dentre outros). Assim a decisão onde se teve por agravada subtração de automóvel estacionado na rua(RT 426/411). Da mesma forma, não descaracteriza a agravante o fato de ter sido o furto praticado na garagem da casa(RT 541/391; JTACrSP 56/261, 57/282).

Vem a pergunta com relação a aplicação dos parágrafos primeiro e segundo concorrentemente.

Para Guilherme de Souza Nucci[30] há perfeita possibilidade. Diz ele que trata-se de um concurso entre a causa de aumento e a causa de diminuição da pena, devendo o juiz aplicar as regras gerais para a fixação da pena. Assim poderá aumentar e um terço a pena, por conta do furto praticado durante o repouso noturno, bem como, em seguida, compensar a elevação com a diminuição de um terço por conta do disposto no parágrafo segundo. Poderá, ainda também, aumentar a pena em um terço(parágrafo primeiro) e diminuí-la de dois terços(parágrafo segundo).

Vem a pergunta: A agravante de repouso se aplica às hipóteses de furto qualificado?

Para Guilherme de Souza Nucci[31] esta causa de aumento deve ser aplicada somente ao furto simples, tendo em vista a sua posição sistemática na construção do tipo penal. A pena do furto qualificado, já aumentada nas suas balizas mínima e máxima, não seria por este aumento afetada. 

De forma negativa tem-se: RT 547/355, 554/366, dentre outros, entendendo que a agravação da pena em um terço é precedida sobre a reprimenda do furto simples e, por isso, não se refere às hipóteses de furto qualificado. Refiro-me ao HC 10.240/RS, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 14 de fevereiro de 2000, onde se disse que a causa especial de aumento do parágrafo primeiro do artigo 155 do Código Penal(repouso noturno) somente incide sobre o furto simples, sendo, pois, descabida a sua aplicação na hipótese do delito qualificado(artigo 155, § 4º, IV, do Código Penal).

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José Henrique Pierangeli[32] considera que a circunstância agravante só é aplicável ao furto simples, excluídos, portanto, os furtos privilegiados(artigo 155, parágrafo segundo) e qualificados(artigo 155, parágrafo quarto).

Por sua vez, Cezar Bitencourt[33] considera que é indubitável que a majorante do repouso noturno não se aplica às hipóteses do furto qualificado, podendo, contudo, ser considerada na dosimetria da pena, como circunstância do crime, à luz do artigo 59 do Código Penal.


X – FURTO PRIVILEGIADO

Dispõe o artigo 155, § 2º, do Código Penal: ¨Se o criminoso é primário e de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão, pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. O artigo 155, § 2º, CP, no entendimento de Heleno Cláudio Fragoso[34] e de Hungria[35] não se aplica ao furto qualificado(RTJ 95/887, 104/822). Data vênia, assim não entendeu o Superior Tribunal de Justiça, Terceira Seção, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 842.425 – RS, que julgou procedente a aplicação da privilegiadora do parágrafo segundo do artigo 155 do Código Penal, aos casos em que o furto é qualificado, pacificando divergências entre a Quinta e a Sexta Turma da Corte Superior. Por certo essa decisão, não só por sua importância, abre perspectivas com relação à possibilidade de aplicação da causa de aumento de pena com relação ao furto noturno, prevista no § 1º, ao furto qualificado, previsto no § 4º, uma vez que os argumentos para não aplicação eram semelhantes.

Foi dito naquele julgamento do EREsp 842.425/RS, Relator Ministro Og Fernandes,Terceira Seção, DJe de 2 de setembro de 2011, que o único requisito exigido para a aplicação do benefício é que as qualificadoras sejam de ordem objetiva, como no caso – concurso de agentes – e que o fato delituoso não seja de maior gravidade. Em sendo assim, sendo o réu primário e de pequeno valor a coisa furtiva, não há óbice à concessão do referido privilégio na hipótese de furto qualificado pelo concurso de agentes.

No julgamento do HC 96.843/MS, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 23 de abril de 2009, a questão foi tratada, concluindo-se pela possibilidade de incidência do privilégio previsto no parágrafo segundo do artigo 155 do Código Penal, visto que, apesar do crime ter sido cometido em concurso de pessoas, o paciente era primário e a coisa furtada de pequeno valor.

Convém lembrar que, no julgamento do HC 100.307/MG, DJe de 3 de junho de 2011, a Ministra Cármen Lúcia Antunes, considerou que as causas especiais de diminuição(privilégio) são compatíveis com as de aumento(qualificadora) de penas previstas, respectivamente, nos parágrafos segundo(furto privilegiado) e quarto(furto qualificado) do artigo 155 do Código Penal.

Assim, embora a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça fosse no sentido de que nos casos de furto qualificado não incide, via de regra, o privilegium estatuído no parágrafo segundo do artigo 155 do Código Penal, a orientação mais moderna, contudo, navega em sentido da compatibilidade das qualificadoras com o redutor, em casos excepcionais(HC 157.684 /SP, Relator Ministro Félix Fischer, DJe de 4 de abril de 2011).

A lei outorga ao juiz uma faculdade para corrigir pela equidade a sanção que é aplicada com relação ao crime de furto. Aplica-se tal ao furto simples como ao furto noturno, como bem disse Heleno Cláudio Fragoso.[36]

São os seguintes os seus pressupostos:

a)      criminoso primário(aquele que, no Brasil ou no estrangeiro, ainda não sofreu uma condenação definitiva por outro crime);

b)      pequeno valor da coisa furtada.

Há uma distinção entre o pequeno valor da coisa subtraída, apurado no momento da consumação, e o pequeno prejuízo sofrido pela vítima, que se apura, ao final. Somente se reconhece a existência de furto privilegiado se a coisa for de pequeno valor(RTj 109:820, 106/1.332, 98/934, dentre várias outras decisões).

O agente não deve revelar má personalidade ou antecedentes comprometedores que são indicativos que voltará a delinquir(RT 436/393, 439/407).

O ressarcimento do dano não acarreta a aplicação do privilégio e a devolução ou recuperação da coisa(RSTJ 23/433; RT 696/357).

Permanece atual a lição de Heleno Claudio Fragoso[37] para quem se o concurso de duas ou mais circunstâncias que isoladamente qualificam o furto, em nada altera a configuração jurídica do crime, embora possam ser consideradas pelo juiz nas circunstâncias judiciais.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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