Algumas questões controvertidas sobre o crime de furto

Exibindo página 4 de 5
13/05/2015 às 09:08
Leia nesta página:

XI – FURTO QUALIFICADO

As circunstâncias destacadas no artigo 155, § 4º, do Código Penal, configuram o furto qualificado, ao qual é cominada pena autônoma mais grave, de dois a oito anos, e multa se o crime for cometido:

a)      com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

b)      com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

c)       com emprego de chave falsa;

d)      mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Por sua vez, a Lei 9.426, de 24 de dezembro de 1996, inclui mais uma forma de furto qualificado, diante da redação que foi dada ao parágrafo quinto do artigo 155 do Código Penal: A pena  é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Assim levou-se em conta as dificuldades trazidas para a vítima que tem furtado o   veículo automotor, aquele que se move mecanicamente, diante das dificuldades de apreensão.

Resta discutir os demais casos que já existiam na redação do Código Penal.

De toda sorte, entende Júlio Fabbrini Mirabete[38] caso o furto se revista de mais de uma qualificadora uma delas irá qualificar o delito e as demais devem ser consideradas na qualificação da pena como agravantes.

Fico com a abalizada opinião de Heleno Cláudio Fragoso[39]para quem o concurso de duas ou mais circunstâncias que isoladamente já qualificam o furto, em nada altera a configuração jurídica do crime, embora possam ser consideradas pelo juiz na aplicação da pena uma vez que se tratam de circunstâncias judiciais, artigo 59 do Código Penal.

11.1 – Destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa

Era, sob o Código Penal de 1890, artigo 358, na linha do Código Imperial, uma modalidade de roubo.

O núcleo verbal é: destruir(fazer desaparecer em sua individualidade), romper(quebrar, rasgar, destruir parcialmente) qualquer obstáculo móvel ou imóvel, à apreensão e subtração da coisa(muros, portões, janelas, gavetas, cofres, portas, etc). Há de existir um dano efetivo à coisa.

Deve ocorrer a qualificadora se o rompimento ocorrer antes de consumado o delito de furto.

O rompimento de telhas, para penetrar na habitação, qualificará o crime pelo rompimento de obstáculo e não pela escalada(RF 179/407). Se houver simples remoção das telhas, sem fratura, haverá qualificação pela escalada.

Repito que não caracteriza a qualificadora a simples remoção de obstáculo, como desparafusar ou retirar telhas.

Deixando vestígio, o rompimento de obstáculo requer o exame de corpo delito(artigo 158 do CPP). Se não houver tal exame, será caso de nulidade absoluta do processo.

11.2 – Abuso de confiança

Aqui o agente se prevalece da qualidade ou condição pessoal que lhe facilite a prática do furto.

É o caso de empregado ou alguém que se valha de relações de amizade ou de uma situação de confiança para de forma mais fácil subtrair a coisa alheia. Ainda será o caso do vigia, do guarda-noturno.

A específica fidúcia, decorrente da relação pessoal é exigida(RT 337/272).

A qualificadora pressupõe a existência de uma prévia credibilidade que é rompida por aquele que violou o sentimento de confiança previamente estabelecido. Como exemplo, tem-se o caso da empregada doméstica, que, há anos, goza da mais absoluta confiança dos patrões, que lhe entregaram a chave da casa e várias outras atividades pessoais, como, por exemplo, o pagamento de contas. Caso pratique esse crime incidirá na figura qualificada.

11.3 – Fraude

Aqui há o uso de artifício, ou ardil, para induzir o lesado em erro sobre qualquer circunstância. Bem explica Heleno Cláudio Fragoso[40] que qualifica a fraude o crime de furto, quando o agente se serve de artifício ou embuste para fazer a subtração. Diferente é o estelionato, porque neste ilícito penal não há subtração: o lesado entrega livremente a coisa ao estelionatário, iludido pela fraude. Exemplo do crime: o agente se faz passar por guarda sanitário, para mais facilmente penetrar na casa alheia e furtar ou quando o agente mantém a vítima em conversa, distraindo-a para que o comparsa pratique o furto.

No crime de furto mediante fraude, esta é apenas meio para a retirada da coisa. 

Observo a jurisprudência para o caso: no furto com fraude há retirada contra a vontade da vítima; no estelionato, a entrega é procedida livremente(ART 540/324 e 436/380). No furto com fraude há discordância da vítima; no estelionato, o consentimento(RT 531/370 – 371). A conduta no furto é de tirar, no estelionato é de enganar para que a vítima entregue a coisa(RT 552/355).

11.4 – Escalada

A escalada não reside em galgar ou subir, mas sim em penetrar por lugar não destinado á entrada. Assim não é escalada subir um poste para subtrair fios elétricos(RT 437/402).

A escalada é assim a penetração no local do furto por via que normalmente não se usa para o acesso. Não se relaciona, desta forma, com o galgar ou subir. A passagem por um túnel ou subterrâneo constitui escalada.

A escalada, portanto, é utilização de via anormal para penetrar na casa ou local em que vai acontecer a subtração(RT 437/402).

Se o agente ingressar no imóvel por uma janela que está próxima ao solo não se  configura a qualificadora, pois não fez um esforço incomum. Se a janela estiver aberta pode-se falar no furto simples.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte , no julgamento da Ap. 2007.003571-2 – Macau – Relator Desembargador Caio Alencar, 24 de agosto de 2007, entendeu que comprovado nos autos que houve a remoção de telhas do telhado da residência da vítima, onde ocorreu o furto, impõe-se o reconhecimento da qualificadora do artigo 155, parágrafo quarto, inciso II, do Código Penal.

11.5 – Destreza

Observe-se a destreza na subtração imperceptível da carteira(RF 144:446), quando o agente revela uma extraordinária habilidade para o ofício criminoso de furtar.

É o crime típico do ladrão profissional, que usa sua habilidade para furtar.

A destreza revela subtração dissimulada e com especial habilidade por parte do agente. Há destreza se o ladrão corta o bolso da vítima com afiada lâmina(RF 211/314).

11.6 – Chave falsa

É chave falsa qualquer instrumento ou engenho de que se sirva o agente para abrir fechaduras, seja tendo ou não o formato de chave.

Indispensável se faz o exame pericial, pois se trata de crime que deixa vestígios.

11.7 – Concurso de agentes

O furto será qualificado se cometido por mais de 2(dois) agentes, não se exigindo a presença de coautores na fase executória. Por sua vez, Nelson Hungria considera necessário o ajuste prévio ou combinação.[41]

O furto qualificado com presença de duas pessoas existirá embora apenas uma tenha realizado a execução material do crime, limitando-se a outra ou as outras a participação secundária. Não se exige um acordo precedente, mas apenas a consciência recíproca de cooperação na ação comum criminosa.

Por fim, o fundamento da agravante independe da presença de todos na execução. Heleno Cláudio Fragoso[42]baseia-se nas lições de Manzini, De Marsico e Vannini, na análise de dispositivo no Código Penal da Itália.

Se o crime for praticado em bando ou quadrilha(hoje associação criminosa, em face da Lei de Organizações Criminosas) haverá concurso material entre o crime discutido e aquele do artigo 288 do Código Penal. Já se decidiu, no entanto, que há concurso material entre o furto simples, pois não se aplica o dispositivo em exame, e o crime do artigo 288 do Código Penal.[43]


XII – O FURTO DE COISA COMUM

Trata-se de caso especial de furto  previsto no artigo 156 do Código Penal.

O sujeito ativo  do crime poderá ser o condômino, o sócio ou o coerdeiro, pois tal condição é elementar, transmitindo-se ao partícipe estranho.

O tipo objetivo consiste na subtração de coisa comum de quem legitimamente a detém. Se a coisa estiver na posse do agente certamente o crime será de apropriação indébita(artigo 168 do Código Penal).

O objeto da ação deve ser coisa móvel comum.

Observo, na linha de Magalhães Noronha[44] a subtração de bens que integram o patrimônio da sociedade praticada pelo sócio que não tem a posse dos mesmos constitui-se em furto, assim como será apropriação indébita a apropriação dos bens de que tiver a posse.

Se a coisa for fungível e se o valor da subtração feita não exceder à cota a que tem direito o agente, o fato será considerado impunível(artigo 156, parágrafo segundo, CP).

O tipo subjetivo é o dolo e a ação é pública condicionada à representação do ofendido, permitida a suspensão condicional do processo, a teor do artigo 89 da Lei 9.099/95.


XIII – A ISENÇÃO DA PENA

 Nos crimes patrimoniais, exceto quando houver caso de roubo ou extorsão[45] ou ainda se tratar de crime em que haja participação de estranho ou for contra idoso(Lei 10.741/2003), poderá o juiz isentar de pena quem a comete em crimes como o furto, assim como, por exemplo, na apropriação indébita, na receptação.

Somente se procede mediante representação, se o crime previsto no titulo II, capitulo VIII, do Código Penal for cometido em prejuízo(artigo 182 do Código Penal):

a)      do cônjuge judicialmente separado;

b)      do irmão, legítimo ou ilegítimo;

c)       de tio, sobrinho, com que o agente coabita.

Assim é isento de pena quem comete crimes patrimoniais(título II, capítulo VIII), dentro que foi registrado, em prejuízo(artigo 181 do Código Penal):

a)      do cônjuge, na constância do casamento;

b)      de ascendente ou descendente.

Estamos diante de causas pessoais de exclusão da pena que se distinguem de causas pessoais de extinção da pena. As primeiras são circunstâncias legalmente reguladas que, de antemão, conduzem à impunibilidade em face das regras de parentesco trazidas pela lei. As segundas são circunstâncias que só ocorrem depois do cometimento do fato e que impedem novamente de modo retroativo a punibilidade, como é o caso da desistência voluntária e do arrependimento eficaz. A dicotomia foi bem traçada por Johannes Wessels.[46]

Cuida-se, como bem expuseram Celso Delmanto e outros,[47] de escusa absolutória de caráter pessoal que exclui a possibilidade de punição. Trata-se de imunidade absoluta, que afasta a possibilidade de punir, mas não afasta a ilicitude do fato.

No entanto, se havia determinação judicial de separação cautelar de corpos, a imunidade penal é só relativa, como se vê do artigo 182, I, do CP, e não absoluta.

Se a vítima mantinha relacionamento eventual com a vítima do crime, não se aplica o artigo 181, I, do Código Penal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos