Discricionariedade do juiz em Herbert Hart

13/05/2015 às 19:44
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O Poder Discricionário do Juiz

Resumo: Trabalho realizado através de pesquisas na área de filosofia do direito e hermenêutica a fim de proporcionar uma melhor compreensão do Direito.

Boa parte da teoria do direito deste século tem-se caracterizado pela tomada de consciência progressiva das incertezas derivadas da linguagem. Mesmo as normas gerais e supostamente claras, podem ser objeto de duvida quando da sua aplicação aos casos concretos (HART, 2001, p. 139).

Neste caso Hart diz que “em todos os campos de experiência e não só no das regras há um limite inerente à natureza da linguagem quanto à orientação que a linguagem geral pode oferecer” (HART, 2001, p. 139).

Aqui os cânones de interpretação não eliminam as incertezas, apenas podem diminuí-la, uma vez que são elas próprias regras gerais sobre o uso da linguagem, e exigem interpretação. Não podem estes fornecer sua própria interpretação (HART, 2001, p. 139). Continua o autor:

Os cânones simples, em que os termos gerais parecem não necessitar de interpretação e em que o reconhecimento dos casos de aplicação parece não ser problemático ou ser automático são apenas os casos familiares que estão constantemente a surgir em contextos similares, em que há acordo geral nas decisões quanto a aplicabilidade dos termos classificatórios (HART, 2001, p. 139).

Esclarece o autor que há no Direito caso em que a linguagem poderá ocasionar interpretações conflitantes, mas que nenhuma sobreponha à outra, surgindo às vezes questões que terá mais de uma resposta (HART, 2001, p. 139).

 Neste sentido, Hart (2001, p. 140) “o poder discricionário que assim lhe é deixado pela linguagem podem ser muito amplo; de tal forma que, se ela aplicar a regra, a conclusão constitui na verdade uma escolha, ainda que possa não ser arbitraria ou irracional”. Hart esclarece sobre importância da textura aberta do direito,

 “a textura aberta do Direito deixa aos tribunais com um poder de criação de direito muito mais amplo do que os deixados pelos marcadores, nestes sentidos as decisões não são usadas como precedentes criadores de direito” (HART, 2001, p. 158).

Aqui Hart admite que a interpretação das regras, dadas a textura aberta das mesmas, demanda certo grau de discricionariedade, assim nos casos mais importantes o seu uso seria inevitável (HART, 2001, p. 16-17). Continua Hart afirmando que os juízes mesmo aqueles dos tribunais federais são partes de um sistema e poderão fornecer padrões de decisão judicial correta (HART, 2001, p. 159). Ainda o jurista:

É importante que os poderes de criação que eu atribuo aos juízes, para resolverem os casos parcialmente deixados por regular pelo direito, sejam diferentes dos de um órgão legislativo: não só os poderes do juiz são objectos de muito constrangimento que estreitam a sua escolha, de que um órgão legislativo pode estar consideravelmente liberto, mas, uma vez que os poderes dos juízes são exercidos apenas para ele se libertar de casos concretos que urge resolver, ele não pode usá-los para introduzir reformas de larga escala ou novos códigos. Por isso, os seus poderes são intersticiais, e também estão sujeitos a muitos constrangimentos substantivos. Apesar disso, haverá pontos em que o direito existente não consegue ditar qualquer decisão que seja correcta e, para decidir os casos em que tal ocorra, o juiz deve exercer os seus poderes de criação do direito. Mas não deve fazer isso de forma arbitraria: isto é, ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar a sua decisão é deve agir como um legislador consciencioso agiria, decidindo de acordo com suas próprias crenças e valores. Mas se ele satisfizer estas condições, tem o direito de observar padrões e razões para a decisão, que não são ditadas pelo direito e podem diferir dos seguidos por outros juízes confrontados com casos difíceis semelhantes (HART, 2001, p. 336).

Assim, “(...) os juízes por vezes não só criam como aplicam direito, e elucida também os principais aspectos que distinguem a criação de direito judicial da criação pelo órgão legislador”. Neste sentido Hart explica que o direito criado pelos juízes, embora sejam direito novos, tem consonância com os princípios ou razões subjacentes, assim reconhecidos como tendo uma base no direito existente (HART, 2001, p. 337).

O autor ensina que “quando certas leis ou precedentes concretos se revelam indeterminados, ou quando o direito explicito é omisso, os juízes não repudiam os seus livros de direito e desatam a legislar (...)”. Mostra que quando os juízes tiverem que decidir estes casos, eles citam um principio qualquer, (geral), desde que este esteja a mostrar a área relevante ao direito junto ao caso concreto e servir de exemplo (HART, 2001, p. 337- 338).

O autor não admite que se possa ter uma decisão correta a todos os casos, ou encontrar qual decisão é possivelmente a mais correta, neste caso o juiz poderá ser criador de direito (HART, 2001, p. 338). Segue o autor:

(...) Mas embora este ultimo processo, seguramente, o retarde, a verdade é que não elimina o momento de criação judicial de direito, uma vez que, em qualquer caso difícil, podem apresentar-se diferentes princípios que apóiam analogias concorrentes, e um legislador consciencioso, no seu sentido sobre aquilo que é melhor, e não em qualquer ordem de prioridades já estabelecida e prescrita pelo direito relativamente a ele, juiz. Só se, para tais casos, houvesse sempre de se encontrar no direito existente um determinado conjunto de princípios de ordem superior atribuindo ponderações ou prioridades relativas a tais princípios concorrentes de ordem inferior, é que o momento de criação judicial de direito não seria meramente diferido, mas eliminado (HART, 2001, p. 331).

Neste sentido o jurista esclarece que frente a um caso concreto poderá haver a possibilidade de que dois princípios contraditórios se revelem, sendo que haverá que tomar uma decisão, o que implicará em discricionariedade, pois não há critério seguro de sopesamento de princípios em casos concretos (HART, 2001, p. 338).

Parece desarrazoada para Hart a critica de que o ato criativo do juiz implica efeitos retroativos a norma.

Hart (2001, p. 339):

Dworkin formula uma outra critica de que a criação judicial do direito é injusta e condena-a como uma forma de legislação retroativa ou de criação de direito ex post facto, a qual é, com certeza, considerada, de forma geral, como injusta. Mas razão para considerar injusta a criação de direito reside em que desaponta as expectativas justificadas dos que, ao agirem, confiaram no principio de que as conseqüências jurídicas dos seus actos seriam determinadas pelo estado conhecido do direito estabelecido, ao tempo dos seus actos. Esta objeção, todavia, mesmo que valha contra uma alteração retroativa do direito por um tribunal, ou contra um afastamento do direito estabelecido, parece bastante irrelevante nos casos difíceis, uma vez que se trata de casos que o direito deixou regulados de forma incompleta e em que não há um estado conhecido do direito, claramente estabelecido, que justifique expectativas.

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Aqui é de observar que não se cria um novo direito com a resolução de um conflito entre princípios, nem há criação de uma norma retroativa, pois se trata de uma eleição entre direitos (HART, 2001, p. 339).

REFERÊNCIAS

HART, HERBERT L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

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Sobre o autor
Enio Dionary de Paula Silva

Especialista em Direito Penal e Processual Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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