A investigação criminal pelo Ministério Público

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15/05/2015 às 09:24
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O artigo examina decisões do STF na matéria e ainda a natureza jurídica do poder de investigação criminal concedido ao parquet.

RESUMO:Este artigo examina o que chamamos de poder de investigação do Ministério Público, trazendo à colação as teorias dos poderes implícitos e das garantias institucionais. Apresenta entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal  Federal , sendo que, ao final, o autor traz suas conclusões.

ABSTRACT:This article examines what we call investigative power of prosecutors, bringing to the fore the theories of implied powers and institutional guarantees. Displays understanding of the Supreme Court jurisprudence, and in the end, the author brings his conclusions

PALAVRAS – CHAVE:Direito criminal brasileiro – investigação criminal – ministério público – teorias

KEY WORDS:Brasilian criminal law – criminal investigation – prosecutors – theories


I – O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUICÃO DE 1988. A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS.

A Constituição de 1988 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial a função jurisdicional do Estado, dando-lhe elevado relevo na estrutura do Estado Brasileiro.

Sendo assim incumbe ao Ministério Público  a defesa da ordem democrática, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, consagrando-lhe os princípios da indivisibilidade, unidade e independência funcional, administrativa e financeira.

Bem disse SILVA[1] que independência funcional(artigo 127, § 1º) quer dizer que, no exercício de sua atividade-fim, o membro do Ministério Público, assim como seus órgãos colegiados, têm inteira liberdade de atuação, não ficam sujeitos a determinações superiores e devem observância à Constituição e as leis.

 Autonomia funcional( artigo 127, § 2º) significa dizer que o Ministério Público exerce suas funções livre de ingerências de qualquer outro órgão do Estado, devendo se falar em autonomia funcional.

Por sua vez, autonomia administrativa quer dizer que cabe à Instituição organizar sua administração, suas unidades administrativas, praticar atos de gestão, decidir sobre a atuação funcional de seu pessoal, propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus serviços auxiliares, prover cargos nos termos da lei, estabelecer a política remuneratória.

Por fim, autonomia financeira ocorre  na medida em que tem atribuição para elaborar sua proposta orçamentária.

Para cumprir seu importante papel no Estado Democrático de Direito, a Constituição enumerou diversas funções institucionais ao Ministério Público, entre elas: a promoção privativa da ação penal; o zelo para efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos constitucionalmente assegurados, a expedição de  notificações nos procedimentos administrativos de sua competência e a requisição de informação e documentos para instruí-los, a requisição de diligências investigatórias, a instauração de inquérito policial e o exercício do controle externo da atividade policial.

Fala-se em independência funcional, uma vez que no Ministério Público não há subordinação hierárquica. A Instituição, diante do que foi dito, goza de autonomia e independência para exercer suas funções.

Longe está o tempo da Lei de 29 de novembro de 1832(Código de Processo  Criminal do Império), cujo artigo 36 previa que os promotores, que eram nomeados pelo Governo da Corte e pelo Presidente das Províncias, por prazo de3 (três) anos, por proposta em lista tríplice das Câmaras Municipais,  tinham, pelo  artigo 37, atribuições como denunciar os crimes de ação pública, acusar os delinqüentes perante o Tribunal do Júri, lembrando que o Decreto 4.824, de 28 de novembro de 1871, estabeleceu a denominação promotor público.

Por sua vez, com a República, o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, declarou que,  em cada Seção da Justiça Federal, haveria um Procurador da República, nomeado pelo Presidente da República, por 4(quatro) anos durante os quais não poderia ser removido, salvo se o requeresse. Os Procuradores da República exerceriam o papel de advogados da União  e membros do Ministério Público, situação que ficou até a Constituição de 1988. Observe-se que tal diploma normativo não tratou do Ministério Público, mas das atribuições do Procurador da República.

Pela Constituição de 1934, o Ministério Público era considerado como um órgão de cooperação na atividade governamental, ao lado dos Tribunais de Contas e dos Conselhos Técnicos. Seria o Ministério Público organizado na União, nos Territórios, no Distrito Federal, por leis federais e nos Estados por leis locais. O Ministério Público na Justiça  Eleitoral e na Justiça Militar seria organizado por lei especial.

A Constituição de 1937 nada disse sobre a Instituição.

A Constituição de 1946, tratando da matéria em titulo autônomo,  exigiu que tanto no âmbito da União Federal como dos Estados-Membros fosse a Instituição organizada em carreira, determinando que seus membros ingressariam  através de concurso público, nos cargos iniciais, adquirindo estabilidade após 2(dois) anos de exercício, a teor dos artigos 125 e 128 da Constituição Federal.

Tal foi mantido pela Constituição de 1967 e pela E. Constitucional n. 1/1969.

A Lei Complementar n. 40/1981 concedia ao membro ministerial poderes para expedir notificações e requisições, a teor do artigo 15, I a IV.

Nos dias de hoje, o Parquet, a teor do artigo 129, II, da Constituição é fiscalizador de poderes e dos mecanismos de controles estatais e para isso a Constituição o armou de funções, garantias e prerrogativas que possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.

O caráter dos misteres concedidos ao Parquet é meramente exemplificativo, do que se lê do artigo 129, IX, da Constituição, que determina que são   funções do Ministério Público:

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Detém o Parquet poderes implícitos com fins de realizar a investigação criminal.

PACHECO[2]  faz  alusão ao que disse Madison, no Federalista, n. XLIV, onde se esclareceu  que ¨desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos, todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la¨, para mostrar a flagrante influência da teoria dos poderes implícitos na Suprema Corte americana após o caso ¨Mac Culloch X Maryland, em 1819.

A matéria encontrou bela síntese em voto do Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de inconstitucionalidade n. 2.797 – 2 – DF, onde se disse:

¨ "(...) Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCULLOCH v. MARYLAND (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Cabe assinalar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO ("Direito Constitucional", vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional – e não aos processos de elaboração legislativa - assinala que, ´Em relação aos poderes dos órgãos ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos` (grifei). Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional - consoante adverte CASTRO NUNES (Teoria e Prática do Poder Judiciário, p. 641/650, 1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça, tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República. Não constitui demasia relembrar, neste ponto, Senhora Presidente, a lição definitiva de RUI BARBOSA (Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva), cuja precisa abordagem da teoria dos poderes implícitos - após referir as opiniões de JOHN MARSHALL, de WILLOUGHBY, de JAMES MADISON e de JOÃO BARBALHO - assinala: ´Nos Estados Unidos, é, desde MARSHALL, que essa verdade se afirma, não só para o nosso regime, mas para todos os regimes. Essa verdade fundada pelo bom senso é a de que - em se querendo os fins, se hão de querer, necessariamente, os meios; a de que se conferimos a uma autoridade uma função, implicitamente lhe conferimos os meios eficazes para exercer essas funções. (...). Quer dizer (princípio indiscutível) que, uma vez conferida uma atribuição, nela se consideram envolvidos todos os meios necessários para a sua execução regular. Este, o princípio; esta, a regra. Trata-se, portanto, de uma verdade que se estriba ao mesmo tempo em dois fundamentos inabaláveis, fundamento da razão geral, do senso universal, da verdade evidente em toda a parte - o princípio de que a concessão dos fins importa a concessão dos meios (...)." (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2 - Distrito Federal).

Tal teoria está assim resumida: ¨Quando a Constituição dá a um órgão determinado encargo implicitamente lhe confere os meios de realização dele.¨

Sendo assim a teoria dos poderes implícitos permite entender que qualquer norma constitucional que atribui a um órgão a realização de um dado fim, implicitamente lhe permite o uso dos meios necessários e hábeis a atingir tal desiderato, salvo proibição expressa da própria Constituição.

Logo, se ao Ministério Público é outorgada a legitimidade para a propositura da ação penal pública, a ele é facultado investigar o fato para decidir se dará procedimento à denúncia ou não.

A investigação criminal é um poder implícito que teria como função a obtenção de elementos suficientes para possibilitar a formação de opinião do promotor a respeito da materialidade e autoria criminosa.

Se pode o membro do Ministério Público requisitar diligências investigatórias, como não se pode o menos, id est, fazê-las motu próprio? À norma constitucional, como se lê do principio da maior efetividade, princípio da interpretação efetiva, deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.

Recebendo o promotor uma noticia-crime terá o poder-dever de colher os elementos confirmatórios, seja obtendo declarações, seja requisitando provas necessárias para formar sua opinião com relação ao delito. Se pode ajuizar ação penal, pode recolher elementos para tal.

Isso porque tanto na área civil, com os inquéritos civis, quanto na criminal, admitem-se investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado.

Fará tal mister o órgão ministerial  através de requisições, notificações e demais diligências.

 Natural que possa realizar outras diligências com o objetivo de buscar elementos para produção da ação penal, inclusive, com a devida autorização judicial, quebrar o sigilo de informações fiscais, bancárias, do investigado.  Não havendo, na espécie do sigilo bancário, em nenhum dispositivo constante do artigo 38 da Lei de Reforma Bancária, Lei n. 4.595/1964, que permita ao Ministério Público excepcionar o sigilo expresso em seu caput, entende-se que, como qualquer outra instituição, deva submeter sua solicitação de exame de informações sigilosas ao Poder Judiciário. Prevalecem os limites constantes do artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal, na tutela do direito a intimidade.

Anoto que, no julgamento do MS 21729/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 19 de outubro de 2001, o Supremo Tribunal Federal considerou que o poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas á ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. Lembrou-se que a ordem jurídica confere amplos poderes de investigação ao Ministério Público, a teor do artigo 129, incisos VI, VII, da Constituição Federal e artigo 8º, incisos II e IV, e § 2º da Lei Complementar n. 75/93. Considerou-se assim que não cabe à instituição financeira oficial negar ao Ministério Público informações sobre os nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado na defesa do patrimônio público. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 215.301-CE, Relator Ministro Carlos Velloso, 13 de abril de 1999, entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade para, sem interferência do Poder Judiciário, determinar a quebra do sigilo bancário, afastando-se argumento no sentido de que a solicitação de informações de caráter sigiloso estaria prevista nas funções institucionais do Parquet, do que se lê do inciso VIII, do artigo 129 da Constituição Federal(requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial).

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Nessa linha de pensar,  trago a ilação de RANGEL[3] para quem a investigação criminal direta é garantia da sociedade que tem o direito subjetivo de exigir do Estado as medidas necessárias para reprimir e combater as condutas lesivas à ordem jurídica.

Não há razão plausível para coibir investigação dirigida por órgão ministerial quando ela respeita direitos  e garantias individuais.


II – A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL  PROMOVIDA PELO  MINISTÉRIO PÚBLICO

Mesmo que se entenda por supletiva tal atividade ministerial não resta dúvida que surgiria em casos notórios de investigações de seus próprios membros, de ilícitos cometidos por policiais e ainda nos casos em que a polícia se omite de agir.

 Ora, é notório que o art. 144, IV, da CF, diz que cabe à polícia federal “exercer, com exclusividade, a polícia judiciária da União¨;

 Entretanto, o que o dispositivo está a impor é a exclusividade da policia federal em relação à policia estadual no tocante às funções de polícia judiciária da União. A Polícia Judiciária não tem nem pode ter exclusividade na apuração das infrações penais, pois diversas infrações penais são apuradas em procedimentos diversos, que são alheios à atividade policial.  Tal é o caso: a) comissões parlamentares de inquérito que também investigam crimes; b) nos inquéritos policiais militares, que não são conduzidos pela polícia civil, também se investigam crimes[4]; c)  nas atividades de correição judicial, o magistrado pode investigar crimes para fins correcionais; d) em matéria de crimes eleitorais, por abuso de poder econômico, as investigações pré-processuais são conduzidas pelo Corregedor-Geral Eleitoral(artigo 19 da LC 64/90, Inq. 593 – 2 – MG, STF); e) nos processos administrativos, quem investiga é a autoridade administrativa processante; f) nos processos cíveis em geral, o juiz apura ilícitos civis que, não raro, são também ilícitos penais, o que enseja a comunicação direta dos fatos ao Ministério Público; g) nos inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público, por muitas vezes, se apuram fatos com conotação penal(LACP, artigos 8º e 9º e Constituição Federal, artigo 129, III).

MAZZILLI[5] conclui que o Ministério Público pode investigar também em matéria penal, não como rotina, mas em caráter excepcional, como nas hipóteses em que a polícia não tenha condições ou não demonstre interesse na apuração de fatos que envolvam policiais ou autoridades que a controlam.

Mas, conclui MAZZILLI[6] que, mais dia menos dia, o Supremo Tribunal Federal terá o descortino de reconhecer que o poder investigatório do Ministério Público não passa de corolário da privatividade da ação penal pública que a Constituição lhe conferiu. Bem se diz que, numa Democracia, o poder investigatório de crimes não pode ficar subordinado apenas à vontade do governante, que controla hierarquicamente a atividade policial, pois o próprio governante pode  estar envolvido na prática de delitos.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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