Nulidades no processo penal

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15/05/2015 às 14:10
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1. DAS NULIDADES

Ensinam GRINOVER, GOMES FILHO e FERNANDES1 que a declaração de nulidade do processo é consequência jurídica da prática irregular de ato processual, seja pela não-observância da forma prescrita em lei, seja pelo desvio de finalidade surgido com a sua prática.

Fala-se em nulidades com relação a forma ou fundo. Quanto a forma, haverá nulidades relativas – não previstas em lei e se previstas, absolutas. Quanto ao fundo, há nulidade por vício quanto as condições da ação, pressupostos processuais positivos de existência e de validade e pressupostos processuais negativos, que são nulidades absolutas.

A nulidade é vício ou sob outro enfoque uma sanção, uma inobservância das exigências legais ou uma falha ou imperfeição jurídica que invalida ou pode invalidar o ato processual ou todo o processo.

Preside no processo penal, no campo das nulidades, o principio da instrumentalidade das formas, pas de nullité sans grief, segundo o qual para o reconhecimento e a declaração de nulidade do ato processual, haverá de ser aferida a sua capacidade para a produção de prejuízos aos interesses das partes e ou irregular exercício da jurisdição.


2. ATOS INEXISTENTES, NULIDADE RELATIVA E NULIDADE ABSOLUTA

A inexistência encontra-se ligada a questão de pressupostos processuais de existência do processo.

São pressupostos processuais de existência do processo:

  • a) Jurisdição;

  • b) Capacidade postulatória;

  • c) Petição inicial;

  • d) Citação inicial

A nulidades dizem respeito aos requisitos de validade. São eles:

  • a) Juízo – competência (absoluta);

  • b) Juiz – imparcialidade(impedimento);

  • c) Capacidade e legitimidade processual;

  • d) Petição inicial valida;

  • e) Citação válida.

Haverá de se fazer distinção entre os atos inexistentes e os atos nulos. Os primeiros não produzem efeito algum. Ao contrário, os atos nulos, produzem efeito até serem anulados como implicam consequências jurídicas mesmo após o reconhecimento de sua nulidade.

Se não produzem efeitos os atos inexistentes não podem ser convalidados.

De outra parte, quando se trata de ilegitimidade ativa no ajuizamento da peça acusatória, a nulidade é absoluta, como é o caso do oferecimento de denúncia, se o caso é de ação penal privada, mediante queixa. Nesse caso o processo deve ser anulado.


3. NULIDADE ABSOLUTA E NULIDADE RELATIVA

A nulidade processual, à luz do princípio da instrumentalidade das formas, está ligada a questão do prejuízo.

Necessário distinguir entre nulidade absoluta e nulidade relativa.

A nulidade relativa diz respeito ao interesse da parte e determinado processo.

As nulidades relativas dependem de valoração das partes quanto à existência e a consequência de eventual prejuízo, estando sujeitas a prazo preclusivo quando não alegadas a tempo e a modo.

Fala ainda a doutrina em prejuízo presumido em sede de nulidade absoluta. Na verdade, na nulidade absoluta, há uma verdadeira afirmação do sistema jurídico da existência de prejuízo.

É claro que a arguição de nulidade relativa diz respeito a interesse da parte. No entanto, há nulidades relativas que podem ser arguidas pelo juiz, de ofício, como é o caso da incompetência relativa(artigo 109 do Código Penal). Aqui se verá a aplicação do principio do aproveitamento dos atos processuais que só pode ser aceito na hipótese de incompetência relativa, rationi loci, causa de nulidade relativa.

Se a nulidade relativa diz respeito a interesse das partes em determinado e específico processo, os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-se ao processo enquanto função jurisdicional.

Correta a observação de OLIVEIRA2 de que configuram vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal como, por exemplo:

  • a) Contraditório;

  • b) Juiz natural;

  • c) Ampla defesa;

  • d) Imparcialidade do juiz;

  • e) A existência de motivação dos atos judiciais.

Outro caso de nulidade absoluta será o não reconhecimento de outro que não o Ministério Público como titular de ação penal pública incondicionada.

Diz-se que nenhum processo será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, como se lê do artigo 563 do Código de Processo Penal.

Pode inclusive o Parquet, na função que tem de zelar pela correta aplicação da lei, trazer à baila, nos autos, a existência de nulidade a ser objeto de saneamento no processo independente do fato de ser considerado parte processual.

As nulidades absolutas dizem respeito a vícios gravíssimos, que afetam o processo como um todo uma vez que não respeitados princípios constitucionais.

As nulidades relativas, em regra, dependem da iniciativa e do interesse da parte que foi prejudicada, como se lê do artigo 565 do Código de Processo Penal, uma vez que ¨nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que não haja dado causa, ou para que tenha concorrido.¨

Tratando-se de nulidade relativa e não sendo ela arguida oportunamente pela parte, em sua defesa, a competência do juiz fica prorrogada, não sendo declarado o vício. Tal não impede que o juiz, antes de iniciar a audiência de instrução de julgamento, em prol do principio da identidade física do juiz, de ofício, reconheça a sua incompetência, remetendo os autos ao juízo competente.

No caso de suspeição, ocorrerá a nulidade absoluta. Isso é, reconhecida ou comprovada a suspeição, há nulidade absoluta, não incidindo os artigos 566 e 567 do Código de Processo Penal por haver uma presunção absoluta de que o interesse do juiz ou das partes a ele ligadas influiu na decisão da causa. Tal será o caso de nulidade em relação aos casos de impedimento ou de incompatibilidade. Aliás, MARQUES3 vai além: diz que tais atos são inexistentes e não nulos. Para nós, são nulos, data vênia.

Há nulidade absoluta na ausência de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios. Ainda para OLIVEIRA4, em correta abordagem, na hipótese de sentença absolutória, havendo recurso do Parquet, não se vê hipótese de permitir a anulação do julgamento, unicamente em razão da inexistência de corpo de delito. Para o caso o que haveria seria insuficiência da atividade probatória da acusação.

Há nulidade radical nos processos penais, pasmem, em que há falta de denúncia, de queixa, nas ações penais privadas. Há nulidade absoluta na hipótese de ação penal pública por particular. Há nulidade absoluta na falta de intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada. Há nulidade absoluta na hipótese em que a atribuição para oferecer denúncia é do Ministério Público Federal e quem oferece é o Ministério Público Estadual.

Acarreta nulidade a falta de citação do réu para se ver processar. Porém, a falta ou nulidade citação pode ser sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se embora declare para o único fim de argui-la, como se lê do artigo 570 do Código de Processo Penal.

A falta de intimação ou ainda a supressão de prazos para as partes serão causas de nulidade absoluta sobretudo em relação a defesa, onde desponta o principio da ampla defesa.

Há nulidade absoluta se há falta de interrogatório, ato bivalente, pelo qual há meio de prova e ainda de defesa.

Há nulidade absoluta na falta de concessão de prazos à acusação e a defesa que não podem ser suprimidos nem diminuídos no intuito de não haver cerceamento à defesa ou a acusação. A falta de oportunidade para a acusação ou a defesa falar gera nulidade absoluta, portanto.

Há nulidade do processo na ausência de sentença. Equipara-se a ausência de sentença a decisão não assinada pelo juiz. É caso de sentença inexistente para alguns, como MIRABETE.5

A falta de concessão para a defesa de prazo para as alegações finais é causa de nulidade absoluta. Julga-se necessário separar as hipóteses em que não há concessão de prazo para a produção das alegações finais e os casos em que, apesar de ter sido regular a abertura do prazo a parte se omite em oferecê-las; nas primeiras, a nulidade é absoluta. No caso da omissão do defensor constituído ou dativo para o qual foi regularmente aberta vista dos autos para apresentação do arrazoado, a nulidade ainda é absoluta face a violação do princípio da ampla defesa. A ausência de alegações finais pelo Parquet além de implicar falta de cumprimento de dever funcional leva a nulidade relativa.

Com relação a mudança de competência face a assunção do réu a cargo ou função que determine o foro privilegiado, é OLIVEIRA6 quem diz que nessa hipótese de modificação de competência absoluta não haverá de se falar na necessidade de ratificação de qualquer dos atos até então praticados. Isso porque os aludidos atos teriam sido praticados por autoridades constitucionalmente a tanto legitimadas seja pela competência(juiz) seja pela atribuição(Ministério Público), ao tempo e espaço das respectivas práticas.

Assim o novo foro privativo limitar-se-á a dar prosseguimento ao processo no estado em que ele se encontrar. Aliás, ninguém será processado, senão pela autoridade competente, artigo 5º, LIII, da Constituição Federal.

A prova colhida na ausência das partes ou do juiz é caso típico de anulação, nulidade absoluta. Tal é o que se lê, inclusive, do Código de Processo Penal Alemão, § § 357 e 359, onde se expressa que às partes se assiste o direito de participar da produção da prova.

Tem-se entendido que a falta de nomeação de defensor ao réu presente que não a tiver representa nulidade absoluta, pois representa ausência de defesa técnica.

São ainda casos de nulidade absoluta: a ausência de 15 jurados para a constituição do júri; a ausência de quesitos e respostas dos jurados, nos julgamentos de crimes dolosos contra a vida de competência do Tribunal do Júri; a eliminação no processo do reexame necessário quando determinado em lei.


4. DA DEVOLUTIVIDADE DOS RECURSOS E DA REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA

No que concerne a devolutividade do recurso, máxime no que concerne ao recurso de apelação, tem-se o problema da proibição da reformatio in pejus, em prejuízo do acusado.

A Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal diz que ¨é nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício¨. Assim mesmo que a nulidade seja absoluta, não poderá ser arguida contra o réu se não houver recurso da acusação, não sendo permitida a sua declaração ex officio.

Tem-se que a proibição da reforma para pior, que é um principio dos recursos, é um desdobramento do principio da devolutividade, isto é, do princípio do tantum devolutum quantum appellatum. Tal princípio significa que o recurso devolve ao tribunal somente a matéria objeto da impugnação, e como desdobramento, a proibição da reformatio in pejus impede que se agrave a situação do réu em recurso exclusivo da defesa, pois não foi devolvida ao órgão jurisdicional a matéria que permitiria tal agravamento.

Fala-se que a vedação da reformatio in pejus outra coisa não seria que uma das manifestações da ampla defesa.

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Para OLIVEIRA7 a cláusula do devido processo legal tem por escopo essencial a realização das garantias individuais do acusado em face do Estado, de modo a promover o necessário equilíbrio das forças entre a acusação e a defesa na ação penal. Deve-se impedir que a atividade jurisdicional funcione como acréscimo ou corretivo da má atuação do órgão estatal responsável pela função acusatória. Assim permitir-se o reconhecimento da nulidade quando não alegada pela acusação poderia gerar uma situação de desigualdade entre os litigantes, em prejuízo da instrumentalidade do processo, dentro da perspectiva de um Estado Democrático de Direito, enquanto garantia do réu perante o Estado.

Fala-se numa reformatio in pejus indireta, ainda dentro do que chamamos de efeito devolutivo.

É realmente controvertido na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de haver reformatio in pejus indireta, isto é, havendo recurso exclusivo da defesa, o julgamento sendo anulado, se poderia ou não nova sentença prolatada pelo juízo a quo ter uma pena majorada.

Reformatio in pejus indireta seria a imposição de pena superior àquela que havia sido imposta na sentença condenatória anteriormente proferida no mesmo processo, e que fora anulada a pedido do réu.

O entendimento majoritário é de que também é proibido. Sendo assim, a sentença anulada, ou seja, é incapaz de produzir efeitos, ganharia eficácia para limitar o livre convencimento do juiz, o que seria censurável.

A corrente majoritária entende que o juiz deve ficar proibido de prolatar uma sentença com condenação superior àquela proferida no primeiro julgamento, pois em tal caso, estaria ocorrendo uma reformatio in pejus indireta, o que seria vedado em nosso sistema constitucional, por violar o princípio da ampla defesa, ao contraditório e causar insegurança jurídica ao réu.

Correto e essa é a posição de Tourinho Filho, Júlio Fabbrini Mirabete, Frederico Marques, Guilherme de Souza Nucci, Fernando Capez e ainda Eugênio Pacelli de Oliveira.

Para MIRABETE8 também é vedada a denominada reformatio in pejus indireta. Anulada uma decisão em face do recurso exclusivo da defesa, não é possível, em novo julgamento, agravar a sua situação. Como o Ministério Público se conformara com a primeira decisão, não apelando dela, não pode o juiz, após anulação daquela, proferir uma decisão mais severa contra o réu.

Sendo assim o principio do contraditório significa o direito de reação, que não seria respeitado, tal como o da ampla defesa.

Por outro lado, discute-se a incidência da reformatio in pejus indireta diante de decisão que anulando a sentença por incompetência absoluta do juiz pode aumentar a pena do réu.

Para uma corrente a sentença anterior promovida pelo juiz incompetente não pode produzir efeitos. Fala-se na incompetência absoluta do juiz, que não pode ser prorrogada ao contrário da incompetência relativa.

O principio da proibição da reformatio in pejus indireta não seria aplicado no caso do tribunal anular o processo em razão de violação da norma de competência prevista na Constituição Federal.

Disse MIRABETE9 que também não há proibição para o agravamento quando for declarado nulo o processo por incompetência absoluta do julgador, já que a decisão foi proferida por um órgão desvestido, naquele processo, do poder de julgar.

Importante lembrar a lição de OLIVEIRA10 quando disse que a discussão haverá de contemplar um dado novo, de origem constitucional, não contido no primeiro problema, a saber: o principio do juiz natural, a ser examinado não só como garantia do indivíduo perante o Estado, mas ainda como exigência da qualidade da jurisdição, sob a perspectiva do interesse público. Não parece razoável que o juiz natural, cuja competência decorre da Constituição, possa estar subordinado aos limites da pena fixados em decisão absolutamente nula, ainda que tal nulidade somente tenha sido reconhecida a partir de um recurso da defesa. Não se pode olvidar que a limitação imposta ao juiz, por ocasião da competência relativa, decorre de norma infraconstitucional exposta no artigo 617 do Código de Processo Penal. No caso, em havendo decisão de juiz absolutamente incompetente, estar-se-á ofendendo os limites do artigo 5º, LIII, da Constituição Federal.

Nessa linha de pensar, a proibição da reformatio indireta não deve ser aplicada em caso de nulidade em decorrência de incompetência absoluta.

Para NUCCI11, a decisão proferida por juiz incompetente, tratando-se de incompetência absoluta(material e funcional) gera nulidade absoluta, passível de reconhecimento a qualquer tempo mesmo após o trânsito em julgado. Para ele, porém, se a decisão for favorável ao réu, mormente cuidando-se de decisão absolutória, com trânsito em julgado, não se pode, posteriormente, reconhecer a nulidade em prejuízo do acusado. Isso porque nenhum recurso ou ação de impugnação pode romper o trânsito em julgado da decisão favorável ao réu. Para tanto, aqueles que são favoráveis a essa corrente trazem à colação posição do Superior Tribunal de Justiça, no HC 114.729 – RJ, Relator Ministro Jorge Mussi, 21 de outubro de 2010, quando enfrentou a questão do reconhecimento da proibição da reformatio in pejus indireta em julgamento de apelação interposta pela defesa do paciente perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Partiu-se da conclusão de que prevalece o entendimento de que a sentença proferida por juiz incompetente é nula e não inexistente.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RHC 20.337/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 4 de maio de 2009, entendeu que o juiz absolutamente incompetente para decidir determinada causa, até que sua incompetência seja declarada, não profere sentença inexistente, mas nula, que depende de pronunciamento judicial para ser desconstituída. E se essa declaração de nulidade for alcançada por meio de recurso exclusivo da defesa, ou por impetração de habeas corpus, não há como o juiz competente impor ao réu uma nova sentença mais gravosa do que a anteriormente anulada, sob pena de reformatio in pejus indireta.

É de plena razoabilidade entendimento no sentido de que ao se admitir que em recurso exclusivo da defesa o processo seja anulado e, em nova sentença, seja possível impor pena maior ao acusado, se estará limitando sobremaneira o seu direito à ampla defesa, já que nele se provocaria enorme dúvida quando da possibilidade de se insurgir ou não contra a decisão, pois ao invés de conseguir modificado o julgado para melhorar a sua situação ou, ao menos, mantê-la como estão, ele poderia ser prejudicado.

O entendimento assim exposto é no sentido de que o artigo 617 do Código de Processo Penal não faz qualquer ressalva referente ao caso de anulação do processo, ainda que por incompetência absoluta e não poderia ser diferente.

Cito ainda outras posições do Superior Tribunal de Justiça, como, por exemplo, no HC 105.384/SP, Relator Ministro Haroldo Rodrigues, Desembargador Convocado do Tribunal de Justiça do Ceará, DJe de 3 de novembro de 2009, quando diz que o principio ne reformatio in pejus, apesar de não possuir caráter constitucional, faz parte do ordenamento jurídico complementando o rol dos direitos e garantias individuais já previstos na Constituição Federal, onde se impõe a preponderância do direito a liberdade sobre o juiz natural. Sob a esse ponto de vista, ainda que a nulidade seja de ordem absoluta, eventual reapreciação da matéria, não poderá de modo algum ser prejudicial ao réu, pois está em discussão sua liberdade.

Na mesma linha, trago à colação julgamento do Superior Tribunal de Justiça, no HC 90.472/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 29 de setembro de 2009, DJe de 3 de novembro de 2009 e ainda RHC 20.337/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 4 de maio de 2009.

O Supremo Tribunal Federal reconhece que mesmo em caso de anulação do processo em virtude de incompetência absoluta, aplica-se o princípio da ne reformatio in pejus, não podendo o juiz natural fixar pena superior à estipulada pelo juiz incompetente. É o que se lê do julgamento do HC 75.907, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 9 de abril de 1999.

Quanto a reformatio in pejus indireta e o Tribunal do Júri, norteia a solução do problema a aplicação do principio da soberania do Júri(artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal).

No caso de julgamento proferido pelo Tribunal Popular ser anulado na segunda instância, deve-se ter em vista a soberania dos veredictos em contraposição à proibição da reformatio in pejus indireta, podendo, perfeitamente, caso o Conselho de Sentença reconheça situação menos favorável, ser aplicada pena maior. Contudo, caso os jurados profiram decisão idêntica, o Juiz Presidente deve ficar adstrito à pena aplicada no primeiro julgamento, pois a ele aplica-se a proibição da reformatio para pior indireta.

Em resumo, à luz do principio da soberania do júri, anulada a decisão do mesmo, no novo julgamento, é possível que os jurados reconheçam crime mais grave e consequentemente a pena seja maior do que aquela que constava na decisão anterior, pois soberana não é a pena aplicada pelo juiz presidente, e, portanto, se no novo julgamento a decisão dos jurados for idêntica à do primeiro julgamento o juiz presidente não poderá impor pena mais grave.

Por fim, dentro do efeito devolutivo, tem-se a reformatio in mellius.

A corrente majoritária, com apoio em decisões do Superior Tribunal de Justiça, como se vê no Recurso Especial 17.271/RS, Relator Ministro Edson Vidigal, DJ de 8 de abril de 2002, e ainda no HC 35.580/PR, DJ de 13de dezembro de 2004, e no HC 9.633/MG, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 22 de novembro de 1999, entende ser possível a melhora da situação do réu em recurso exclusivo da acusação, fundamentando tal posicionamento no fato de que se o tribunal verificou erro na condenação ou na dosimetria da pena, não pode estar impedido de corrigi-la em favor do réu, vez que o artigo 617 do Código de Processo Penal apenas veda a reformatio in pejus e não a reformatio in mellius.

Se há um recurso exclusivo do Ministério Público, este dotado de efeito devolutivo amplo, conclui-se que, mesmo ante o não conhecimento do apelo defensivo, seria possível ao Tribunal de Justiça, em grau de apelação, na análise do mérito do recurso, proceder a reforma da sentença condenatória, absolver o réu(Recurso Especial 241.777/BA, Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 8 de outubro de 2001, pág. 237.

Em posição diversa, temos entendimento no Supremo Tribunal Federal12 que não admite a possibilidade de reforma de situação do acusado para melhor quando somente a acusação tenha recorrido, alegando violação ao princípio tantum devolutum quantum appellatum.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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