Nulidades no processo penal

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15/05/2015 às 14:10
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5. A INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS

Para tal é fundamental a leitura do artigo 566 do Código de Processo Penal, como se lê: ¨não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.¨

Deve ser analisada a capacidade do ato nulo influir na decisão da causa. Se influir será caso de discussão da nulidade, é o principio da instrumentalidade das formas.

Se o ato nulo não tiver concorrido qualquer prejuízo para a atuação das partes ou da jurisdição, não há razão para o reconhecimento de declaração da nulidade como se lê do artigo 563 do Código de Processo Penal.

É o princípio da instrumentalidade das formas processuais que fundamenta o artigo 566 do Código de Processo Penal, no sentido de que não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa. Bem explicita MIRABETE13 que se os atos processuais têm como fim a realização da justiça e esta é conseguida apesar da irregularidade daqueles, não há razão para renová-lo. O processo é um instrumento, um meio para formulação da verdade, e não um fim.


6. DO PRINCIPIO DA CAUSALIDADE

Como se lê do artigo 573, § 1º, do Código de Processo Penal, se a consequência jurídica do ato nulo, que vicia o processo, é a declaração de sua nulidade, nada mais lógico que a nulidade estenda-se aos atos que sejam subsequentes àqueles e que lhe sejam dependentes.

Se houver nulidade em relação ao ato de escolha dos jurados, estará viciado o processo.

Outro exemplo se dá com a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, em matéria de prova, artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal, viciando a decisão que se apega a tal prova para solução da lide. O tribunal deve desconsiderar as provas ilícitas que tiverem sido irregularmente admitidas. Tais provas devem ser desentranhadas dos autos. A causa será julgada como se tais provas não existissem.

A doutrina, com GRINOVER14, faz menção a decisão da Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator Dante Busana, em 3 de dezembro de 1990, que desconsiderou a prova ilícita resultante da busca e apreensão realizada sem mandado judicial com invasão do domicílio, absolvendo o réu. A hipótese é de clara nulidade absoluta.

Mesmo na busca da verdade real, não devem ser admitidas no processo as chamadas provas ilícitas, ou as ilícitas por derivação, que são aquelas provas, em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por intermédio de informação obtida pela prova licitamente colhida, como é o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido. Será ainda o fato da interceptação telefônica clandestina, por intermédio do qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato, que em depoimento, que foi regularmente prestado, incrimina o acusado.

Sabe-se que a jurisprudência distingue a interceptação telefônica da gravação da conversa própria com terceiro, tendendo a admiti-la no processo.15

Quanto ao principio da identidade física do juiz entende-se que se dá nulidade relativa em sua não observância, a teor do artigo 399, § 2º, do Código de Processo Penal. Para OLIVEIRA16, a incompetência, para o caso, quando relativa, somente poderia ser objeto de ser suscitada pelo juiz, até o início da audiência de instrução e julgamento, pois o juiz que instrui o processo será quem decide.

A relativização do principio da identidade física do juiz tem aplicação ainda no processo penal, já que vige o princípio da pas de nullité sans grief, traduzido nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal. Tudo isso sem esquecer que o Código de Processo Civil se aplica de maneira subsidiária, como se lê dos artigos 3º, 139 e 362 do Código de Processo Penal.

Sendo assim, na hipótese de não aplicação do principio da identidade física do juiz será necessário que a parte demonstre que há prejuízo. É o que se lê de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 163.806/DF, Relator Ministro Celso Limongi(Desembargador Convocado do Tribunal de Justiça de São Paulo), DJe de 11 de outubro de 2010.

No juízo competente os atos decisórios são cassados obrigatoriamente, não podendo ser ratificados.17

A incompetência do juízo anula os demais atos decisórios(artigo 567 do Código de Processo Penal).

A Sumula 709 do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que ¨salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.¨

É tradição da jurisprudência e da doutrina o entendimento de que o recebimento da denúncia, apesar de ato que têm carga decisória, juízo de prelibação sobre a existência de uma fumaça de bom direito na ação penal, é considerado ratificável pelo juízo competente.18

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 74.297, DJ de 27 de março de 1974, discutiu se o ato judicial de recebimento da denúncia é ato decisório.

Durante a sustentação de voto do Ministro Bilac Pinto, foi trazida a colação lição do Professor J. Canuto Mendes de Almeida, catedrático da cadeira de Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, quando disse:

¨Tratando-se de dualidade de ato processual, na mesma ação penal, bem é de se entender à indubitável circunstância de que tal reiteração acusatória careceu do caráter de denúncia, pretendido pelo digno promotor público daquela comarca fluminense. Inobstante a cota que a acompanhou, sua natureza jurídico-processual poderia ter sido a de mero aditamento à denúncia(se a houvesse efetivamente aditado), baseado no art. 569. do Código de Processo Penal, tal como é a do aditamento à queixa, previsto no art. 29. desse Código. Mas nem mesmo aditamento à denúncia foi tal ato de reiteração.

A segunda denúncia, reiterando a anterior, não mais fez do que ratificá-la. E, como diz o prof. Tornaghi, ¨a ratificação de ato anterior não o invalida nem convalida; limita-se a reconhecê-lo como bom e valioso. Tem caráter puramente declaratório, jamais constitutivo e seus efeitos se produzem ex tunc, isto é, desde a data do ato ratificado.¨

Ainda foi o Ministro Bilac Pinto, em seu voto, que informa que Florêncio de Abreu aduziu que a antiga jurisprudência pátria uniformemente entendia que se não anulam os atos ordinários e probatórios do processo organizado por juiz incompetente, mas tão-somente os atos decisórios. Essa ainda a lição de ESPINOLA FILHO19, FRANCO20, NORONHA21, TORNAGHI22, dentre outros.

O Ministro Bilac Pinto, naquele leading case, trouxe a colação a lição de MARQUES23 para quem o ajuizamento da denúncia processa-se através de despacho, que possui conteúdo ordinário ou de expediente, no qual se encerra somente um juízo de admissibilidade quanto à regularidade formal da denúncia, viabilidade da relação processual e viabilidade do direito de ação. Essa a lição oriunda de J. Canuto Mendes de Almeida e Hélio Tornaghi, que foram ali citados.

Deve-se ir mais adiante, pois ESPÍNOLA FILHO24 diz que se trata de interlocutória simples, por ser meramente ordinatória do processo que não se anula pela incompetência do juiz que as proferiu.

A ementa daquele acórdão tinha o seguinte teor:

¨Ação penal – interrupção da prescrição pelo despacho que recebeu a denúncia – Denúncia oferecida e recebida em juízo incompetente, com o oferecimento de nova denúncia no juízo competente – Alegação de validade do recebimento da primeira denúncia, por se não tratar de ato decisório, devendo considerar-se o seu recebimento, não o da ulterior denúncia, como causa interruptiva da prescrição – Improcedência da alegação – O despacho que recebe a denúncia, embora contenha carga decisória, não é ato decisório mencionado no art. 567. do Código de Processo Penal, mas é ato renovável e ratificável(Código de Processo Penal, art. 108, § 1º). Legalidade do oferecimento de nova denúncia. Interrupção do prazo prescricional pelo despacho que a recebeu e determinou a instauração da ação penal com base nela – Recurso Extraordinário conhecido e provido.¨

No julgamento do RHC 5.871 , Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 28 de abril de 1997, se lê que o despacho de recebimento da denúncia, tem cunho decisório, porquanto acolhe ou não a pretensão deduzida pela acusação, e quando proferido por juiz incompetente é ineficaz para interromper a prescrição.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 68.269, em que foi Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 9 de agosto de 1991, entendeu que declarada em apelação a incompetência da Justiça Federal, por ser o caso de esfera da Justiça Estadual, não se circunscreve a nulidade à sentença, cuidando-se da chamada competência de atribuições, de matriz constitucional, na medida em que sua falha acarreta a nulidade ex radice do processo, seja por carência absoluta de jurisdição do órgão judiciário que presidiu aos atos instrutórios, seja pela decorrente ilegitimidade ad causam do Ministério Público estadual.

Foram GRINOVER, FERNANDES e MAGALHÃES25 que advertiram que em face da Constituição de 1988, que erige em garantia do juiz natural a competência para processar e julgar, a teor do artigo 5º, LIII, da Constituição Federal, não há como aplicar-se a regra do artigo 567 do Código de Processo Penal aos casos de incompetência constitucional, não podendo haver aproveitamento dos atos não-decisorios, quando se tratar de competência de jurisdição, como ainda competência funcional, hierárquica ou recursal, ou de qualquer outra que venha a ser estabelecida pela Constituição.

Com a nulidade ex radice do processo, poderia, se for o caso, ser pronunciada a prescrição.

É conhecida a posição do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 74.297 – RJ, Relator Ministro Rodrigues Alckmin, RTJ 69/758, quando se disse que o ato judicial do recebimento da denúncia é ato decisório. Ficaram vencidos os Ministros Bilac e Baleeiro que entendiam não se tratar de ato decisório.

Disse ali o Ministro Bilac Pinto que o recebimento da peça inicial penal nada decide em definitivo, apurando-se o seu caráter irrecorrível. Cabendo recurso da decisão que não recebe a denúncia ou a queixa, concluindo que o despacho que acolhe a denúncia, na linha do Ministro Lafayette Guimarães, possui a mesma roupagem de cite-se no Processo Civil, sem que aqui jamais se tenha afirmado que este ato seja decisório.

Divergiu desse entendimento, no RE 74.297/RJ, o Ministro Rodrigues Alckmin, ao dizer que não dava adesão à tese de que o recebimento da denúncia é simples despacho de expediente. Entendeu que se tratava de decisão após cognição liminar e necessariamente incompleta, para afirmar existentes pressupostos e justa causa para ação penal, pois mero despacho não é. Considerava, pois, que o despacho que recebe a denúncia se há de entender como ¨ato decisório¨, a que se refere o artigo 567 do Código de Processo Penal. Entendia que da, conjugação do disposto no artigo 567 e no artigo 108 do Código de Processo Penal, em sendo incompetente o juízo, os atos decisórios são nulos.

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Para o Ministro Xavier de Albuquerque, ¨isoladamente considerado, o despacho de recebimento da denúncia é, sem dúvida, ato decisório, pois envolve juízo de delibação da demanda penal.¨

Não se desconhece outra decisão, já pelo Superior Tribunal de Justiça, esta no Recurso Especial 2.378 – SC, Relator Ministro Carlos Thibau, no sentido de que sendo decisório o despacho de recebimento da denúncia a incompetência superveniente declarada de quem o proferiu anula-o, pelo que o respectivo efeito interruptivo do prazo prescricional deixa de existir. Mesmo tratando-se de incompetência relativa, de denúncia recebida por juiz relativamente incompetente, o reconhecimento da nulidade impedirá a interrupção do prazo prescricional, como se vê da jurisprudência.

Por sua vez, o Ministro Costa Leite, no julgamento do já citado Recurso Especial 2.378, aduziu que ainda que se entenda que o despacho de recebimento da denúncia não é ato decisório, certo é que a interrupção da prescrição somente se opera com a ratificação no Juízo competente, a teor do que já fora decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Ação Penal 12 – SP.

Não anulado o recebimento da denúncia, em caso de incompetência relativa, o processo seguiria seu curso normal, com o aproveitamento de todos os atos não decisórios. A ratificação, que é mencionada no artigo 108, § 1º, do Código de Processo Penal, seria automática.

Colho, a propósito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 719.421/RJ, Relator para o acórdão o Ministro Nilson Naves, DJ de 25 de setembro de 2006, quando se entendeu que a incompetência do juízo anula os atos decisórios, a teor do artigo 567 do Código de Processo Penal e que é decisório o ato de recebimento da denúncia. Assim, tratando-se de caso de competência da Justiça Estadual, a declaração, em casos que tais, de incompetência da Justiça Federal provoca nulidade radical – nulidade ex radice do processo.

Para melhor entender a matéria, necessário atentar para a explícita observação de OLIVEIRA26 ao dizer que o entendimento no sentido de o recebimento da denúncia não configurar um ato decisório seria mais confortável.

Quanto a prescrição, lanço a colação os termos do HC 76.748/MT, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, decisão unânime, DJ de 17 de março de 1998, quando se disse que a interrupção pela decisão condenatória em processos de competência originária dos tribunais ocorre na data do julgamento e não da data da publicação do acórdão.

De outra parte, quando se trata de ilegitimidade ativa no ajuizamento da peça acusatória, a nulidade é absoluta, como é o caso do oferecimento de denúncia, se o caso é de ação penal privada, mediante queixa. Nesse caso o processo deve ser anulado ab initio.

Em se tratando de ação de iniciativa privada os defeitos da procuração outorgada pelo querelante devem ser sanados dentro do prazo decadencial previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal.


Notas

1 GRINOVER, ADA PELLEGRINI, e outros, As nulidades no processo penal, São Paulo, Malheiros, 1997, pág. 18.

2 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli, Curso de Processo Penal, 10ª edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris, pág. 669.

3 MARQUES, José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, São Paulo, Forense, 1961, volume III, pág. 407.

4 OLIVEIRA, Eugênio Pacceli, obra citada, pág. 684.

5 MIRABETE, Júlio Fabbrini, obra citada, pág. 569.

6 OLIVEIRA, Eugênio Pacceli, obra citada, pág. 681.

7 OLIVEIRA, Eugênio Pacceli, Curso de Processo Penal, 4ª edição, Belo Horizonte, Del Rey, 2005.

8 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, 16ª edição, São Paulo, Atlas, 2004.

9 MIRABETE, Júlio Fabbrini, obra citada.

10 OLIVEIRA, Eugênio Pacceli, obra citada.

11 NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 10ª edição, pa´g. 1053.

12 RTJ 103/398-9 895, 105/745, 108/418, entre outros.

13 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, São Paulo, Atlas, 1991, pág. 565.

14 GRINOVER, Ada Pellegrini, obra citada, São Paulo, Malheiros, 1992, pág. 116.

15 RJTJESP, 122/466.

16 OLIVEIRA, Eugênio Paccelli, obra citada, pág. 678.

17 RT 575/367.

18 RTJ 79/436, RT 616/374 ,dentre outras decisões.

19 Espínola Filho, Eduardo, Código de Processo Penal Brasileiro, volume II, pág. 291.

20 FRANCO, Ary Azevedo, Código de Processo Penal, volume III, pág. 104. e 105.

21 NORONHA, E.Magalhães, Curso de Direito Processual Penal, pág. 366.

22 TORNAGHI, Hélio, Comentários ao Código de Processo Penal, volume I, tomo II, pág. 309.

23 MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, volume II, pág. 160. a 161.

24 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, obra citada,. Volume I, pág. 04, 45 e 195.

25 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros, obra citada, 8ª edição, RT, 2004, pág. 57. e 58.

26 OLIVEIRA, Eugênio Paccelli, obra citada, pág. 679.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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