O crime de lavagem de dinheiro

16/05/2015 às 11:59
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Aspectos legais e fáticos do crime de lavagem de dinheiro.

I. INTRODUÇÃO

No Brasi o crime da lavagem de dinheiro é regulamentado pela Lei nº 12.683 de 2012, que ampliou a abrangência da legislação penal.

A legislação, em seu artigo 1º, tipificou o crime como “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

A pena prevista para o crime de lavagem de dinheiro é de três à dez anos de reclusão, e multa.

A lei ainda prevê demais condutas que são consideradas lavagem de dinheiro, quais seja,  converter em ativos lícitos os valores provenientes de infração penal, os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere, importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

Ainda, incorre, na mesma pena quem utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos na Lei nº 12.683.

Atualmente existem cerca de 60 instituições integradas à Estratégia, criadas para dar efetiva fiscalização e punição à quem pratica os crimes de lavagem de dinheiro foi criada.

Criada em 2003, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro (ENCCLA), pelo Ministério da Justiça, contribui para a sistematização das várias iniciativas em torno do tema e para a articulação de diversos órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos, sociedade civil e iniciativa privada que atuam direta ou indiretamente na prevenção e no combate aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, com o objetivo de identificar e propor seu aprimoramento.

Além disso, o Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD), vinculado ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional do Ministério da Justiça, é a realização da meta 16 da ENCCLA 2006, que previa a necessidade de "implantar laboratório modelo para a aplicação de soluções de análise tecnológica em grandes volumes de informações e para a difusão de estudos sobre as melhores práticas em hardware, software e a adequação de perfis profissionais”.

O presente trabalho tem por objetivo conceituar o crime de lavagem de dinheiros e, e um segundo momento, expor as atuais estratégias e implantações para o combate do crime no Brasil.

II. O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

O crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente

Em março de 1998, dando continuidade a compromissos internacionais assumidos a partir da assinatura da Convenção de Viena de 1988, o Brasil aprovou a Lei de Lavagem de Dinheiro ou Lei nº 9613, de 1998.

Essa lei atribuiu às pessoas físicas e jurídicas de diversos setores econômico-financeiros maior responsabilidade na identificação de clientes e manutenção de registros de todas as operações e na comunicação de operações suspeitas, sujeitando-as ainda às penalidades administrativas pelo descumprimento das obrigações.

Para efeitos de regulamentação e aplicação das penas, o legislador preservou a competência dos órgãos reguladores já existentes, cabendo ao COAF a regulamentação e supervisão dos demais setores.

Em 2012, a Lei nº 9.613, de 1998, foi alterada pela Lei nº 12.683, de 2012, que trouxe importantes avanços para a prevenção e combate à lavagem de dinheiro, tais como a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, admitindo-se agora como crime antecedente da lavagem de dinheiro qualquer infração penal,  a inclusão das hipóteses de alienação antecipada e outras medidas assecuratórias que garantam que os bens não sofram desvalorização ou deterioração.  inclusão de novos sujeitos obrigados tais como cartórios, profissionais que exerçam atividades de assessoria ou consultoria financeira, representantes de atletas e artistas, feiras, dentre outros, e o aumento do valor máximo da multa para R$ 20 milhões.

A “lavagem de dinheiro”, também chamada “lavagem de capital” ou “branqueamento de capitais”, pode ser explicada vulgarmente (e de modo reducionista) como o processo de mutação do “dinheiro sujo” (produto criminoso) em “dinheiro limpo” (aparentemente regular).

Trata-se, em verdade, da manobra delitiva de introdução no sistema econômico e financeiro oficial dos produtos auferidos através de práticas criminosas.

O próprio artigo 1º da Lei n.  9.613 de 1998 define a lavagem de dinheiro como “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

É inegável, portanto, que o delito de lavagem de dinheiro possui natureza acessória, derivada ou dependente, mediante relação de conexão instrumental e típica com ilícito penal anteriormente cometido (do qual decorreu a obtenção de vantagem financeira, em sentido amplo, ilegal).

Diz-se que a lavagem de dinheiro é, nessa linha, um “crime remetido”, já que sua existência depende, necessariamente, de fato criminoso pretérito (antecedente penal necessário).

Uma das principais alterações introduzidas pela Lei n. 12.683/12, de 09 de julho de 2012, encontra-se justamente neste tema específico, qual seja, o antigo rol de infração penal antecedente.

 Antes dessa modificação legislativa, o crime de lavagem de dinheiro estava vinculado a certas e determinadas infrações penais, segundo rol taxativo. Ou seja: só haveria crime de lavagem de capitais se todo esse processo de mutação financeira ocorresse tendo como objeto o produto de determinados crimes (antecedentes), a saber: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.

Nesse contexto, tinha-se que a classificação da legislação brasileira como sendo do tipo “segunda geração”

Com o advento da Lei n. 12.683,não há mais restrição quanto ao rol (antes taxativo) de crimes precedentes e necessários à discussão sobre a lavagem de capital. Em verdade, não há sequer rol de crimes antecedentes. A nova legislação sobre o tema alargou por completo o âmbito de reconhecimento (ou esfera de tipificação) da lavagem, que poderá ocorrer, em tese, diante de qualquer “infração penal”.

Vale lembrar, neste particular, que “infração penal” é gênero do qual são espécies o crime e a contravenção penal.

Assim, será possível, por exemplo, responsabilizar alguém por lavagem de dinheiro tendo como infração penal antecedente o jogo do bicho.

A considerar essa nova realidade legislativa inaugurada, temos uma segunda alteração quanto à classificação da lei de lavagem de dinheiro brasileira em face do sistema de gerações de criminalização da lavagem de capitais no mundo.

Têm-se, classicamente, três sistemas quanto aos tipos ou processos de criminalização da lavagem de dinheiro, quais sejam:

a) “legislação de primeira geração”: a tipificação do crime de lavagem ficava circunscrita apenas e tão-somente ao delito antecedente de tráfico ilícito de drogas (e afins). Ex.: Convenção de Viena de 1988;

b) “legislação de segunda geração”: o rol dos crimes precedentes à lavagem é alargado, de maneira a prever, além do tráfico ilícito de drogas, outros injustos penais de significativa gravidade e/ou relevância. Contudo, o rol de crimes ainda é taxativo. Ex.: Alemanha, Espanha e Portugal;

c) “legislação de terceira geração”: o delito de lavagem de dinheiro pode ocorrer tendo como precedente qualquer ilícito penal. Fala-se em rol aberto (ou, melhor, sem qualquer lista de injustos penais precedentes).

Ex.: Argentina, Bélgica, França, Estados Unidos da América, Itália, México e Suíça.

Inegavelmente, passamos de uma legislação de segunda para de terceira geração quanto ao sistema de criminalização da lavagem de dinheiro.

Registre-se, nesse sentido, o próprio parecer da Comissão de Consituição da Justiça e Cidadania do Senado Federal sobre o então projeto de lei em discussão:

 “A nova proposta deixa o rol em aberto; isto é, a ocultação e dissimulação de valores de qualquer origem ilícita – provenientes de qualquer conduta infracional, criminosa ou contravencional – passará a permitir a persecução penal por lavagem de dinheiro. Isso igualaria nossa legislação à de países como os Estados Unidos da América, México, Suíça, França, Itália, entre outros, pois passaríamos de uma legislação de “segunda geração” (rol fechado de crimes antecedentes) para uma de “terceira geração” (rol aberto)”.[1]

                                                                 

No mais, sempre oportuna a lembrança de que, em se tratando de lei penal mais gravosa ("lex gravior") ou lei penal incriminadora ("novatio legis incriminadora"), submete-se ao princípio constitucional da irretroatividade.

Assim, somente poderia se aplicar, em regra, aos fatos praticados após a sua entrada em vigor. Não haveria que se falar em lavagem de dinheiro, em sistema de terceira geração, tendo por objeto quaisquer espécies de infrações penais, no tocante a fatos anteriores à vigência da Lei n. 12.683/12.

Contudo, é preciso sublinhar que os verbos “ocultar” e “dissimular” (núcleos do tipo) indicam permanência; logo, o momento consumativo se protrai no tempo.

Nessa esteira, prevê a Súmula n. 711 do STF que “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, SE a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. O que não contraria, em momento algum, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa ou incriminadora.

Portanto, necessário identificar as duas situações possíveis, e suas diferentes consequências quanto à aplicação da lei penal no tempo: se a ocultação ou dissimulação, embora iniciada antes da nova lei (gravosa ou incriminadora), se prolonga no tempo depois da entrada em vigor da modificação legislativa, é plenamente possível a responsabilização nos termos da Lei n. 12.683/12, ou,  caso a ocultação ou dissimulação tenha sido iniciada e concluída antes da entrada em vigor da modificação legislativa (gravosa ou incriminadora), impossível a responsabilização nos termos da Lei n. 12.683/12.

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III. FASES DA LAVAGEM DE DINHEIRO

Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "limpo".

Os mecanismos mais utilizados no processo de lavagem de dinheiro envolvem teoricamente essas três etapas independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente.

A primeira etapa do processo é a colocação do dinheiro no sistema econômico. Objetivando ocultar sua origem, o criminoso procura movimentar o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie

                   A segunda etapa do processo consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas "fantasmas".

Na última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.

Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "limpo".

IV. AÇÕES DO ESTADO E ESTRATÉGIAS DE COMBATE AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Nos anos 80, a prevenção da lavagem de dinheiro passou a ser considerada como uma estratégia prioritária para o combate ao crime organizado e, em especial, ao narcotráfico. Países e organismos internacionais passaram a incentivar a adoção de medidas para inibir a proliferação desses crimes, firmando diversos acordos internacionais, notadamente após a Convenção de Viena, no âmbito das Nações Unidas, em 1988. Essa Convenção, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 154/1991, teve como objetivo promover a cooperação internacional no trato das questões relacionadas ao tráfico de entorpecentes.

Em 1989, foi criado o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF), no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com a finalidade de examinar medidas, desenvolver e promover políticas de combate à lavagem de dinheiro. O Brasil passou a integrar o GAFI/FATF em 1999, como observador, tornando-se membro efetivo em 2000.

O GAFI/FATF publicou as 40 Recomendações para prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Posteriormente, após os atentados de 11 de setembro de 2001, foram acrescentadas outras nove recomendações voltadas para o combate ao financiamento do terrorismo. Em 2012, as Recomendações do GAFI foram revistas e consolidadas, formando um conjunto único de 40 recomendações em substituição às 40+9 anteriores.

Paralelamente, a constatação da necessidade de cooperação internacional e da criação de um fórum de ajuda mútua, com dados sobre operações suspeitas disponíveis em uma rede de segurança máxima, levou à criação do Grupo de Egmont, em 1995, que congregou Unidades de Inteligência Financeira (UIFs) de vários países.

Na estrutura estatal brasileira de prevenção da lavagem de dinheiro, destaca-se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência criada no âmbito do Ministério da Fazenda pela Lei 9.613/98 (alterada pelas leis 10.701, de 9/7/2003 e 12.683 de 9/7/2012) e com organização e estrutura definidos pelo Decreto 2.799/98. Trata-se de um órgão de deliberação coletiva cujo plenário é composto por representantes do Banco Central do Brasil (BCB), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da Receita Federal do Brasil (RFB) , da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), do Departamento de Polícia Federal (DPF), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério da Previdência Social (MPS) e do Ministério da Justiça - Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).

São competências do COAF: i) coordenar e propor mecanismos de cooperação e troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes na prevenção e no combate à ocultação ou à dissimulação de bens, direitos e valores; ii) receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas na Lei; iii) disciplinar e aplicar penas administrativas a empresas ligadas a setores que não possuem órgão regulador ou fiscalizador próprio e; iv) comunicar às autoridades competentes, para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de fundados indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro ou de qualquer outro crime.

Destaca-se, ainda, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), criado por meio do Decreto 4.991, de 18 de fevereiro de 2004, e subordinado à Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça. O Departamento tem como principais funções analisar cenários, identificar ameaças, definir políticas eficazes e eficientes, bem como desenvolver cultura de combate à lavagem de dinheiro. Essas funções têm como objetivo a recuperação de ativos enviados ao exterior de forma ilícita e de produtos de atividades criminosas, tais como as oriundas do tráfico de entorpecentes, do tráfico ilícito de armas, da corrupção e do desvio de verbas públicas. Além disso, o DRCI é responsável pelos acordos internacionais de cooperação jurídica internacional, tanto em matéria penal quanto em matéria cível, figurando como autoridade central no Brasil para intercâmbio de informações e de pedidos judiciais internacionais.

Como uma das autoridades administrativas encarregadas de promover a aplicação da Lei 9.613/1998, o Banco Central editou normas estabelecendo que as instituições financeiras e demais instituições sob sua regulamentação devem manter atualizados os cadastros dos clientes; manter controles internos para verificar, além da adequada identificação do cliente, a compatibilidade entre as correspondentes movimentações de recursos, atividade econômica e capacidade financeira dos usuários do sistema financeiro nacional; manter registros de operações; comunicar operações ou situações suspeitas ao Banco Central; promover treinamento para seus empregados e; implementar procedimentos internos de controle para detecção de operações suspeitas.

Nesse quadro, a atuação o Banco Central, por sua Diretoria de Fiscalização, busca avaliar os controles internos das instituições supervisionadas voltados para a prevenção de ilícitos financeiros, da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo, com o objetivo de verificar a adequação e a qualidade dos procedimentos implementados com vistas a coibir a utilização do sistema financeiro para a prática desses ilícitos, bem como de assegurar a observância das leis e regulamentos pelas instituições na execução de suas atividades.

Por fim, cabe destacar a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), criada em 2003 para suprir a falta de articulação e de atuação estratégica coordenada do Estado no combate à lavagem de dinheiro, a inexistência de programas de treinamento e capacitação de agentes públicos, a dificuldade de acesso a bancos de dados, como também a carência de padronização tecnológica e a insuficiência de indicadores de eficiência. Além da articulação entre os órgãos envolvidos no combate a esses ilícitos, a ENCCLA define metas anuais, bem como ações e recomendações para a consecução dessas metas, a serem realizadas pelos membros da Estratégia.

Importa destacar ainda, que a Lei 12.846/2013, chamada de “Lei Anticorrupção”, implementa que, qualquer empresa, nacional ou estrangeira, fundações ou associações que praticarem atos ilícitos contra a administração pública de qualquer poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou esfera (federal, estadual e municipal) será responsabilizada objetivamente pelos seus atos.
 

A punição em caso de crimes contra o Estado poderá chegar a 20% do rendimento bruto da empresa. Caso não seja possível calcular o valor, a punição poderá alcançar R$ 60 milhões. A multa será aplicada a pessoas jurídicas, aos responsabilizados pelo ato, dirigentes ou administradores. 

A lei proporcionará medidas mais efetivas contra crimes empresariais como fraudes em licitações; oferecimento de vantagem indevida a funcionário público ou pessoas a ele relacionadas, o uso de chamados ‘laranjas’, e, claro, a lavagem de dinheiro. 

A Lei promove uma evolução no combate aos crimes contra a Administração Pública, ao possibilitar a criminalização também das empresas, além das pessoas físicas, o que incrementa a capacidade de ação dos órgãos de fiscalização e investigação”, ressalta o Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão. 

Aqueles que colaborarem com as investigações e processos administrativos poderão desfrutar do acordo de leniência. Ele garante redução de pena, sem afetar a obrigação de reparar integralmente o dano causado. 

“A idéia de se ter uma lei anticorrupção foi uma iniciativa fomentada pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), fórum deliberativo com mais de 60 instituições do país e cuja secretaria executiva é exercida pelo Ministério da Justiça. A lei trará muitos benefícios ao país ao responsabilizar também as empresas”, destacou Ricardo Saadi, Diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça (DRCI/SNJ). 

O Ministério da Justiça participou da formulação do anteprojeto de lei, por intermédio da Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) e do DRCI/SNJ. A lei aguarda agora o decreto que a regulamentará. Esse processo está em curso na Controladoria-Geral da União (CGU), responsável por fiscalizar o cumprimento da norma.

V. CONCLUSÃO

  O crime de lavagem de dinheiro caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente

O artigo 1º da Lei de lavagem de dinheiro a define como “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

Com relação a aplicação da lei penal no tempo, em se tratando de lei penal mais gravosa ("lex gravior") ou lei penal incriminadora ("novatio legis incriminadora"),  as alteração trazidas pela Lei nº 12.683 de 2012 submetem-se ao princípio constitucional da irretroatividade.

Assim, somente poderia se aplicar, em regra, aos fatos praticados após a sua entrada em vigor. Não haveria que se falar em lavagem de dinheiro, em sistema de terceira geração, tendo por objeto quaisquer espécies de infrações penais, no tocante a fatos anteriores à vigência da Lei n. 12.683/12.

Contudo, é preciso sublinhar que os verbos “ocultar” e “dissimular” (núcleos do tipo) indicam permanência, logo, o momento consumativo se protrai no tempo.

Nessa esteira, prevê a Súmula n. 711 do STF que “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. O que não contraria, em momento algum, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa ou incriminadora.

Portanto, necessário identificar as duas situações possíveis, e suas diferentes consequências quanto à aplicação da lei penal no tempo: se a ocultação ou dissimulação, embora iniciada antes da nova lei (gravosa ou incriminadora), se prolonga no tempo depois da entrada em vigor da modificação legislativa, é plenamente possível a responsabilização nos termos da Lei n. 12.683/12, ou,  caso a ocultação ou dissimulação tenha sido iniciada e concluída antes da entrada em vigor da modificação legislativa (gravosa ou incriminadora), impossível a responsabilização nos termos da Lei n. 12.683/12.

No mais, quanto as ações do estado de prevenção e fiscalização do crime de lavagem de dinheiro, na estrutura estatal brasileira destaca-se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência criada no âmbito do Ministério da Fazenda pela Lei 9.613/98 (alterada pelas leis 10.701, de 9/7/2003 e 12.683 de 9/7/2012) e com organização e estrutura definidos pelo Decreto 2.799/98. Trata-se de um órgão de deliberação coletiva cujo plenário é composto por representantes do Banco Central do Brasil (BCB), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da Receita Federal do Brasil (RFB) , da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), do Departamento de Polícia Federal (DPF), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério da Previdência Social (MPS) e do Ministério da Justiça - Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).

Por fim, cumpre recordar que a Lei 12.846/2013, chamada de “Lei Anticorrupção”, implementa que, qualquer empresa, nacional ou estrangeira, fundações ou associações que praticarem atos ilícitos contra a administração pública de qualquer poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou esfera (federal, estadual e municipal), ou seja, incluindo a lavagem de dinheiro, será responsabilizada objetivamente pelos seus atos.


[1] Eduardo Braga. Parecer do Relator, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, ao Projeto de Lei do Senado nº 209, de 2003. In: “http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/108491.pdf”. Acesso em 11.07.2012 às 00h14min.

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Sobre a autora
Nicolle Duek Silveira Bueno

Advogada inscrita na OAB/SP sob o n° 368.004, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Associada à Lee, Brock, Camargo Advogados Associados, atuante em Direito Eletrônico no Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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