Divergentemente de outras doutrinas, a doutrina brasileira admite a coautoria em crime culposo, entretanto, não admite a participação. Outras doutrinas tem pensamento diferente, tais como a alemã, que não admite concurso de pessoas para crimes culposos e a espanhola, que admite inclusive a participação.
Entendem os doutrinadores brasileiros que há vinculo na realização da conduta, ainda que não haja quanto ao resultado, visto que esse não é previsto. Segundo Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra Tratado de Direito Penal, (vol. 1, parte geral, pág 497, 16ª edição, 2011, São Paulo) “Os que cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a atenção devida, são coautores.”
Dois sujeitos trabalhando na construção de um alto edifício, jogam sacos de cimento um para o outro, sem se preocupar se um arremesso mal calculado pode acertar alguém lá embaixo e causar uma tragédia. O sujeito A, sem ter a intenção, exagera na força e o sujeito B não pega o saco de cimento, que cai do edifício e acerta uma senhora que passava na rua, matando-a. Crime de homicídio culposo, na qual os dois sujeitos irão responder em concurso de pessoas.
CONCURSO DE PESSOAS EM CRIME COMISSIVO
Nos crimes comissivos, o concurso de pessoas pode ocorrer de forma comissiva ou omissiva, variando de acordo com o caso específico se isso implicará na co-autoria, cumplicidade ou participação.
O crime comissivo advém da conduta ativa do autor, o gesto principal, que pauta a configuração do crime tem de ser ativa, advinda de uma ação, não se confundindo com o crime omissivo, ainda que possa haver o concurso de pessoas por omissão em crime comissivo.
Dois sujeitos, A e B, roubam uma loja, na fuga, usam o carro do sujeito C que emprestou sabendo o fim que se destinava o empréstimo do veículo, D amigo de B, sabia dos planos, mas não fez nada para impedir. Nesse caso, A e B são co-autores do crime, que é comissivo, dada a ação ativa de furtar a loja, C é partícipe e D é cúmplice pela omissão ao crime comissivo praticado pelos demais.
CONCURSO DE PESSOAS EM CRIME OMISSIVO
Diferentemente do partícipe omisso em crime comissivo, o concurso de pessoas em crime omissivo se dá quando, o partícipe instiga o autor a não proceder a ação de que tinha obrigação, ou quando, em comum acordo, autor e co-autor decidem por não proceder a ação necessária da qual eram obrigados a executar.
O sujeito na praia que instigou o salva-vidas que ficou na areia, e que tem a obrigação de entrar no mar e realizar o salvamento da vítima que está se afogando, a não cumprir seu dever é partícipe no crime omissivo cometido pelo salva-vidas. Se ambos são salva-vidas e decidem não entrar por razão não justificadora, então são co-autores do crime omissivo.
COMUNICABILIDADE DAS ELEMENTARES E CIRCUNSTANCIAS
Dispõe o art. 30 do Código Penal a seguintes afirmações:
“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.
Para que seja feita a correta análise dos termos, e por conseguinte a correta classificação e determinação de sua comunicabilidade entre os agentes ou não, vamos trata-las em separado inicialmente.
Tem-se como circunstâncias as características próprias do fato e do caso específico. São os motivadores do crime, os fatores que determinaram as condutas do crime e outros pontos relevantes que venham a alterar a qualidade e a extensão da pena.
Por sua vez, as condições se referem ao agente e a sua relação com a sociedade, com o mundo exterior. São exemplos de condições a menoridade ou maioridade, o estado civil, a nacionalidade, o cargo exercido, se este tiver relação com o crime.
Conforme determinado no art. 30, tanto as condições quanto as circunstâncias são próprias e pessoais a cada agente, salvo nos casos em que estas são elementares ao caso específico. Isso significa que se essas características forem essenciais ao fato criminoso e do contrário os elementos factuais do crime teriam sido diferentes, pode entender o juízo que são comunicáveis esses elementos.
A título de exemplo, os crimes de infanticídio e peculato são tipos penais em que a circunstância e condição de um dos agentes se transmite aos demais.
O infanticídio é cometido pela mãe do nascituro sob a influência do estado puerperal, embora não esteja nesse mesmo estado, tal condição se transmite aos demais agentes, pois é elementar ao crime de infanticídio.
O peculato é ato criminoso é praticado por funcionário público, condição de caráter pessoal do agente, que, em havendo concurso de pessoas, se transmitirá aos outros agentes.
Entretanto, é necessário que os outros agentes tenham o conhecimento da existência das condições ou circunstâncias elementares para que sejam comunicáveis.
O CONCURSO DE PESSOAS NOS CRIMES DE INFANTICÍDIO E ABORTO
Infanticídio
Previsto no artigo 123 do Código Penal Brasileiro, o infanticídio é uma espécie de homicídio privilegiado. Tratando-se de um crime próprio, onde o agente principal necessariamente é a mãe, que logo após o parto (este ‘logo após’ tem discussões doutrinárias), influenciada pelo estado puerperal mata com caráter doloso, o filho recém-nascido.
O chamado estado puerperal se caracteriza pelo estado de relativa ausência de lucidez em que algumas mulheres permanecem após vir a dar a luz a sua prole. Esse estado se dá devido as diversas modificações físicas e hormonais advindas do trabalho de parto, o que gera alterações psíquicas temporárias na mulher. Esse estado pode durar vários dias.
A condição necessária de ser mãe e do estado puerperal que caracteriza o crime, o faz ser um crime próprio, visto que esse crime só pode ser cometido por uma restrita categoria de agente em um momento característico pré-determinado.
A condição de mãe e do estado puerperal é vista por parte da doutrina como condição pessoal e essencial para caracterização do crime de infanticídio, entretanto, por ser característica elementar do crime, a condição é transmitida aos outros agentes em caso de concurso de pessoas. Um terceiro que auxilie na morte da criança, responde como sendo partícipe de infanticídio.
Outras linhas de pensamento doutrinário entendem que a condição da mãe é personalíssima, o que impediria a comunicação no caso de concurso de pessoas fazendo com que o terceiro respondesse por crime de homicídio doloso.
Aborto
A interrupção da gravidez, fazendo com que o produto da fecundação venha a óbito é o aborto. O aborto que ocorre de forma natural não é tido como relevante para o objetivos do direito penal.
Abordado nos artigos 124 a 128 do Código Penal, o aborto é considerado crime em diversas formas, determinando penas para seus agentes e partícipes.
“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:”
O autoaborto, previsto no artigo citado é crime próprio, visto que só pode ser cometido pela mulher em estado de gravidez, e admite coautoria e participação. O consentimento ao aborto, também citado no referido artigo, é, na visão da grande maioria dos doutrinadores, de mão própria, cabendo participação, mas não co-autoria.
“Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:”
Crime praticado por terceiro, atentando contra a gestante e seu embrião. Pena mais alta que as modalidades anteriores, cabe co-autoria e participação.
“Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:”
Nesse caso, o artigo se refere ao terceiro que provocou aborto, a gestante responde pelo art. 124.
“No caso de aborto consentido, a gestante responde por infração ao artigo 124 (consentir que outro lho provoque) e quem realizou o aborto pelo crime do artigo 126 (provocar aborto com consentimento da gestante)” nas palavras do professor Guaracy Moreira Filho.
“Art. 127: As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de 1/3, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provoca-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.”
As penas previstas no art. 127 atingem o terceiro provocador em caso de lesão corporal grave ou óbito. A gestante não tem sua pena aumentada em virtude da não previsão de punição por auto lesão.
“Art. 128: Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”
Em caso de aborto necessário, nos moldes previstos no referido artigo, não há que se falar em punibilidade do médico provocador do aborto. O artigo prevê a proteção da vida da gestante em detrimento a vida que está em formação em seu útero. Essa modalidade só ocorre em evidente e diagnosticada gravidez de alto risco.
Nos casos de estupro, buscando evitar um aumento no trauma da mulher que sofreu o abuso e evitando o transtorno de ter obrigações com a prole advinda de tal invasão a sua intimidade, o aborto é permitido, desde com a anuência da gestante.