A flexibilização dos direitos trabalhistas no cenário socioeconômico

21/05/2015 às 23:40
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Atualmente desenvolve-se o a aplicação e utilização do instituto da Flexibilização dos Direitos Trabalhista, que busca flexionar a rigidez na legislação trabalhista, trazendo à discussão o benefício compartilhado entre empregado e empregador.

Introdução

Para este trabalho serão expostos alguns conceitos e reflexões sobre a flexibilização dos direitos trabalhistas.

Essa análise será observada sob a relativização do Princípio da Irrenunciabilidade (via de regra, aplicado a todos os contratos individuais de trabalho), estabelecendo-se um paralelo com o cenário social e econômico atual do país que viabilizam a utilização desse instituto.

A aplicação da flexibilização dos direitos mencionados é vista com cautela pelo sistema jurídico brasileiro, que, por vezes, tem como barreira a visão conservadora do legislador ou até mesmo do Poder Judiciário, dificultando que empregado e empregador faça concessões mútuas a fim de se chegar a uma negociação acerca de determinadas garantias constitucionais.

A intenção não é beneficiar uma parte em detrimento da outra. Esta análise busca estabelecer um equilíbrio entre os interesses de empregador e empregado, respeitando-se a vulnerabilidade do trabalhador para que não seja suprimido nenhum direito conquistado.

1 Utilização da flexibilização no aspecto socioeconômico

As partes numa relação de emprego não se encontram em igualdade, pois deve-se considerar o poder econômico e financeiro, subordinação laboral, poder diretivo do empregador, entre outros aspectos. Por conta disso, entende-se que uma negociação sobre garantias irrenunciáveis, expressamente vedada pela Constituição e pela legislação infraconstitucional, não poderia ser realizada de maneira equilibrada e benéfica para os dois lados. O Princípio da Autonomia da Vontade se choca com o Princípio de Irrenunciabilidade, que visa proteger o trabalhador.

Sob outra visão, temos o entendimento de que as normas trabalhistas podem ser flexibilizadas, adentrando a ordem pública do Direito do Trabalho. Portanto, cumpre demonstrar o conceito breve sobre essa flexibilização no Direito do Trabalho.

Conceituação trazida pelo advogado Joseph Bruno dos Santos Silva, em seu artigo publicado na Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011, diz que “Conota ao tema a idéia de quebra da rigidez pertinente à legislação trabalhista, em face do seu caráter nuclear de proteção ao trabalhador”.

Estabelecer um paralelo com o desenvolvimento econômico e social recente possibilita entender a necessidade dessa discussão acompanhada pela flexibilização das normas trabalhistas.

Importante observar as mudanças contínuas na área da tecnologia e o acesso a ela, acompanhadas por mudanças nas relações de emprego. Por esse motivo, vivendo num momento de aproximação dessas relações, otimização da força de trabalho, que cada vez mais é substituída pelo trabalho desenvolvido computadores avançados, redução no número de pessoal nas empresas, é que necessita-se analisar esse instituto de maneira mais moderna.

Podemos adotar aqui, a visão da doutrinadora, Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti, que sustenta que “o sentido de flexibilidade pode ser de adaptação dos meios tecnológicos e das técnicas de produção à dimensão e à intensidade do mercado, ou seja, à necessidade de a empresa se estruturar em função de um mercado em progressão”[1].

Exemplificando melhor a discussão, trazemos a seguinte situação: uma determinada atividade de trabalho, por exemplo, montagem de automóveis, necessitava de vários trabalhadores para montar um veículo. Hoje em dia, essa mesma empresa, com todo o desenvolvimento tecnológico, precisa de um número reduzido de mão-de-obra, consequentemente causando um impacto social e econômico, no qual discute-se a viabilidade de flexibilizar as garantias trabalhistas, em prol da manutenção e preservação do maior número de empregos oferecidos por esse empregador.

Outro exemplo presente diariamente, e amplamente divulgado em vários meios de comunicação, diz respeito as demissões em massa das montadores de automóveis. Centenas de empregados perdendo emprego por conta da crise econômica e das quedas, mês após mês, nas vendas de automóveis. Este cenário demonstra, no mínimo, a necessidade de se discutir a viabilidade de flexibilizar algumas garantias em busca da manutenção dos empregos, pois com esse número elevado de trabalhadores sem emprego aumenta ainda mais a dificuldade deles se sustentarem e consequentemente contribuir para o avanço da economia do país. Essa crise reflete, inclusive, em problemas sociais. Desta forma, podemos afirmar que numa visão ou pensamento mais progressista e moderno, a utilização do instituto da flexibilização tem como base e sustentáculo o impacto social e econômico que essa quebra da rigidez pode trazer nas relações trabalhistas.

Nítido constatarmos que o cenário econômico atual é instável, no qual a criação de empregos e a manutenção destes estão cada vez mais difíceis, seja por falta de investidores, seja por qualquer causa, este é o momento, e merece ser destacado que a crise econômica reforça a idéia de flexionar a rigidez do direito trabalhista.

2 Necessidade de Flexibilizar

Com toda a explanação feita acerca da atual situação econômica, aliada com a necessidade de se discutir a utilização do instituto da flexibilização, podemos trazer aqui alguns exemplos de garantias passíveis de flexibilização e que estão previstas no texto constitucional e na legislação trabalhista.

Diante do exemplo da dificuldade econômica da montadoras de automóvel, insta salientar uma possibilidade de flexibilizar o salário recebido pelo empregado. Nessa ponto, há previsão na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso VI, de que o salário pode ser reduzido mediante negociação coletiva[2], senão vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. (grifo nosso)

Acerca dessa questão da redução salarial prevista na Constituição Federal, elucida com seu entendimento o professor, doutrinador e magistrado, Sérgio Pinto Martins, quando expõe o seguinte[3]:

Havendo redução salarial, pode o empregador desistir de dispensar trabalhadores, dentro de um período em que há maior retração da economia. Representa uma forma de flexibilização, autorizada pelo inciso VI do art. 7º da Constituição, mas apenas por convenção ou acordo coletivo e não por acordo individual.

(...) São formas de flexibilização do salário a remuneração variável, em que o empregado pode receber uma importância fixa mensal, mas depender dos fatores ligados à produção, como de comissões sobre vendas, de bônus pela produtividade atingida ou então participação nos lucros ou resultados da empresa, decorrente do incremento que ajudou a conseguir para casa.

(...) A flexibilização é necessária, mas não ao ponto de existir um salário indigno. (grifos nossos)

No tocante a última parte do trecho trazido acima, onde o citado professor diz que a flexibilização é necessário observando que o salário não pode ser reduzido a ponto de se tornar indigno ao trabalhador. O que deve ser discutido aqui é o limite da flexibilização exposto pelo douto professor, no qual entende que deve ser respeitado a garantia à segurança, integralidade, saúde, dignidade, entres outras garantias do trabalhador.

A idéia aqui não é de ignorar a regulamentação e normatização das relações de trabalho, apenas é defendida a possibilidade de “suprimir” parcialmente alguns direitos que são permitidos constitucionalmente.

Um outro exemplo a ser citado, porém este de aspecto limitador e proibitivo sobre a flexibilização da rigidez trabalhista, é a vedação prevista também no artigo 7º da Constituição Federal, em seus incisos “XXX” e “XXXI”. Vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. (grifos nossos)

Existem direitos que não podem, sob hipótese alguma, sofrer redução ou mitigação, e um exemplo disso é a diferenciação de salários em razão de sexo, cor, orientação sexual, estado civil. Isso seria um retrocesso social, inadmissível nos tempos atuais.

Há a classificação sustentada pelo professor Sérgio Pinto Martins a respeito dos limites imposto à mitigação de algumas garantias:

Os limites às flexibilização podem ser analisados quanto à sua admissibilidade: (a) admissíveis: que são usados, por exemplo, nas épocas de crise, permitindo a continuidade da empresa, porém garantindo um mínimo ao trabalhador. A flexibilização deverá ser feita por negociação coletiva; (b) inadmissíveis: quando são instituídos apenas com o objetivo de suprimir direitos trabalhistas.[4]

Uma vez mais é trazido à baila deste trabalho a análise da situação econômica vivida pelo país para se chegar à necessidade de flexibilizar direitos, e o trecho acima citado mostra que é admissível quando usado em momento de crise, sendo possível justificar sua utilização. Ao passo que inadmissível quando se pretende apenas suprimir garantias dos trabalhadores sem qualquer justificativa, visando apenas o benefício do empregador e a seu bel prazer. Esta é mais uma situação que podemos considerar limitadora do instituto aqui discutido.

Para não restringir essa análise à apenas um exemplo de direito que pode ser flexibilizado e que está previsto na Consolidação das Leis de Trabalho, citamos a jornada de trabalho:

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. (grifos nosso)

Ainda sobre a mesma garantia, prevê a Constituição Federal o que segue abaixo:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. (grifos nosso)

Complementando os textos acima, faz necessário trazer o entendimento do professor Sérgio Pinto Martins:

A flexibilização da jornada de trabalho proporciona tempo livre ao empregado para que possa fazer outras coisas, como estudar, freqüentar a igreja, o clube etc.

Pode proporcionar maior produtividade na empresa, pois o empregado trabalha mais descansado. É sabido que o maior índice de acidentes do trabalho ocorre no período da prorrogação da jornada de trabalho, quando o empregado já está cansado.

(...) Pode a flexibilização de horários ser adotada de várias formas, como a anualização, a recuperação, horários individualizados, horários cíclicos.[5]

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Contrapondo o ponto exposto pelo professor Sergio Pinto Martins, o Tribunal Superior do Trabalho entende que “é válido o acordo individual para compensação de horas, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário” (Orientação Jurisprudencial nº 182 da SDI).

Resta claro que o TST emitiu a Orientação Jurisprudencial com base na máxima do “negociado sobre o legislado”, na qual permite maior liberdade negocial entre empregador e empregado para decidirem acerca da flexibilização da jornada de trabalho, estabelecendo a compensação de horas. Com esta orientação o TST admite que a negociação seja feita sem a participação de sindicatos representando as partes, contrario ao que pressupõe o artigo 611 da CLT[6].

3 Citações

O objetivo primordial da flexibilização nas relações de trabalho foi de proporcionar a implementação de nova tecnologia ou novos métodos de trabalho e, bem assim, o de evitar a extinção de empresas, com evidentes reflexos nas taxas de desemprego e agravamento das condições socioeconômicas. Mas, simultaneamente, a tese se universalizou para prestigiar os grupos sociais como fontes de direito (pluralismo jurídico). (ARNALDO 2002).

A flexibilização não poderá ser feita sobre direitos mínimos assegurados constitucionalmente ao trabalhador, salvo quando a própria Lei Maior a permitir, como nos incisos VI, XIII, XIV do art. 7º da Lei Maior, em que há uma expressa determinação para admitir situações in peius para o trabalhador. Também não será possível a flexibilização de normas de higiene e segurança do trabalho, pois são fundamentais à saúde do trabalhador. (SÉRGIO, 2002).

Dá-se o nome de cláusula in mellius às estipulações mais benéficas para o trabalhador e in pejus àquelas que reduzem vantagens antes existentes. O convênio coletivo é um instrumento para estipulações daquelas como regra geral, e destas como exceção nas ocasiões em que é absolutamente necessário contornar crises econômicas da empresa e reduzir vantagens para preservar empregos. (AMAURI, 2005)

Considerações Finais

Ante a realização e análise deste artigo, conclui-se que a flexibilização dos direitos trabalhista se faz presente no meio social e econômico e remete à discussão acerca da necessidade de sua aceitação, aplicação, validade, limites, entre outros aspectos essenciais para sua análise.

Acerca de seu alcance, nota-se que, embora seja uma discussão antiga, nos dias de hoje ainda se debate a viabilidade de flexibilizar a rigidez da legislação trabalhista diante do momento econômico em que o país atravessa. Inegável constatar a crise de emprego, seja na dificuldade de geração, seja na manutenção de emprego.

Portanto embasado por diretrizes constitucionais podemos admitir que determinadas garantias podem ser alteradas em prol da preservação das relações de emprego, pois esta se mostra uma medida que diretamente influencia na economia e no desenvolvimento do país.

Bibliografia Consultada

CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista; A flexibilização do direito do trabalho no Brasil – desregulação ou regulação anética do mercado?; 2008; Editora LTR

MARTINS, Sérgio Pinto; Flexibilização das Condições de Trabalho; 2ª edição; 2002; Editora Atlas

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; Compêndio de Direito Sindical; 4ª edição; 2005; LTr

SILVA, Joseph Bruno dos Santos. Flexibilização do Direito do Trabalho: geração de empregos?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3054, 11 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20414>. Acesso em: 7 abr. 2015

TEIXEIRA, Arnaldo Sussekind Lima; Instituições de direito do trabalho; 20ª edição; volume 1; editora LTR


[1] (A flexibilização do direito do trabalho no Brasil – desregulação ou regulação anética do mercado?; 2008; Editora LTR, pág 145)

[2] Negociação coletiva é aquela negociação em que dois ou mais sindicatos representativos, estabelecem novas condições de trabalho negociadas visando mútuo benefício para as partes (empregado e empregador), previsão na Consolidação das Leis de Trabalho, em seu artigo 611 caput e § 1º: “Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho; § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho”

[3] Flexibilização das Condições de Trabalho, 2 ed., 2002, Editora Atlas

[4] Idem. 

[5] Idem.

[6] Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. 

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho. (grifos nossos).

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