O direito do turista e o turismo receptivo.

A responsabilidade das agências de viagens e operadoras de turismo em relação ao consumidor turista.

21/05/2015 às 23:41
Leia nesta página:

Trata-se de levar à comunidade acadêmica informações jurídicas e relevantes acerca dos direitos do consumidor turista que a leve à compreensão destes direitos com o Turismo Receptivo.

Introdução

Se Thomas Cook, inglês, organizador da primeira viagem em larga escala, em 1841, fosse vivo e brasileiro certamente estaria preso, falido ou respondendo a inúmeros processos.

Isto aconteceria porque naquele momento histórico não existia o Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8078, nem tanta tecnologia que o obrigasse a responder por eventuais descumprimentos de promessas feitas aos seus clientes, nem estes poderiam contar com a proteção de leis severas para a apuração processual de eventuais vícios na execução dos trâmites para as viagens.

Quer se afirmar que em tempos atuais Thomas Cook, mesmo valendo-se deste mundo tecnológico e globalizado, não estaria livre de processos, haja vista os eventos acidentais do contrato de prestação de serviços, o qual permeia toda a relação existente entre fornecedores e consumidores.

Neste sentido, este artigo tratará da responsabilidade das empresas prestadoras de serviços turísticos, mais especificamente as agências de viagens e operadoras turísticas, por eventuais descumprimentos das cláusulas contratuais inerentes à relação de consumo, envolvendo o tema O Direito do Turismo e o Turismo Receptivo: a responsabilidade das agências de viagens e operadoras de turismo em relação ao consumidor turista.

O objetivo geral é levar à comunidade acadêmica informações jurídicas e relevantes acerca dos direitos do consumidor turista para uma compreensão das relações destes direitos com o Turismo Receptivo.

Identificar no ordenamento jurídico os direitos que norteiam o exercício da cidadania do turista consumidor acerca da relação jurídica de consumo, propondo uma reflexão é o objetivo específico deste artigo.

Quanto à metodologia, trata-se de uma pesquisa qualitativa baseada em textos de lei, artigos científicos de revistas e livros de circulação nacional.

Assim, compreende-se que o tema é polêmico, pois é objeto de inúmeras lides, inclusive com doutrina e jurisprudências já consolidadas, no entanto são necessárias cada vez mais reflexões como a aqui proposta.

O Direito do Consumidor Turista

O turista é um consumidor que ao perceber-se lesado em seus direitos deverá efetivamente socorrer-se na Constituição Federal de 88, a qual destaca à luz do artigo 5º, inciso XXXII que o “Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor”.

A consolidação dos direitos dos consumidores é a certeza da manutenção da dignidade da pessoa humana como direito e garantia fundamental. Sobre isto, infere o artigo 170, inciso V da Constituição Federal, a respeito do Princípio da Ordem Econômica, justamente para também proteger o consumidor turista das mazelas prejudiciais das empresas prestadoras de serviços a este nicho de mercado.

Também importa destacar que o texto constitucional une-se à lei 8.078 de 1990, a qual institui o CDC – Código de Defesa do Consumidor e, consequentemente, estabelece normas de ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 5º, XXXII, 170 da Constituição Federal e 48 das disposições transitórias, como se percebe na leitura do artigo 1º do CDC:

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

O CDC, como se verifica na citação supra, tem caráter de norma de ordem pública, ou seja, não pode ser derrogada pelas partes na configuração da relação jurídica de consumo.

Isto significa que há no CDC um emaranhado de normas cogentes, isto é, regras que visam garantir a segurança de seus destinatários.

Este caráter cogente das normas que compõem o CDC está permeado pontualmente pelo capítulo que trata das cláusulas abusivas, no artigo 51, o qual prevê nulidade absoluta e de pleno direito em conluio com o artigo 39 ao tratar da vedação de cláusulas abusivas.

Deste modo, toda esta regulamentação das atividades inerentes à relação jurídica de consumo nos faz acreditar na forte presença do Estado intervindo nesta relação com o objetivo de proteger o lado mais frágil, que é, neste contexto, o turista consumidor, de modo que as partes sintam-se obrigadas a aceitar o que está disposto na lei, não ao previsto, por exemplo, nas cláusulas contratuais.

Nada mais justo que haja tal intervenção estatal, haja vista que muitas vezes o consumidor ao efetuar a compra de serviços turísticos (pacotes, passagens, passeios, carro, hospedagem, etc.) traz consigo um sonho planejado que o induz circunstancialmente a ceder às exigências do fornecedor.

O fato é que o CDC naturalmente se potencializa como uma ferramenta reguladora da atividade turística, tal qual nos ensina Tebedino (1998):

No caso brasileiro, não há dúvida quanto à incidência do Código de Defesa do Consumidor, sendo o turista o destinatário final do pacote turístico consubstanciado na prestação de serviços oferecida pelo operador ou pela agência de viagens. Cuida-se normalmente de contrato de adesão, onde ao turista não é dado discutir cláusulas, condições de pagamento ou cláusulas penais pelo inadimplemento (TEBEDINO, 1998).

Destaca o autor que o contrato firmado entre consumidor e fornecedor chama-se contrato de adesão, no qual há regras elaboradas unilateralmente pelo fornecedor, ou seja, já coloca o consumidor como parte vulnerável, obrigando-o às regras para justamente dar um passo além na realização dos seus sonhos.

É o contrato um instrumento que origina a obrigação entre as partes e sua importância está na delimitação de seus efeitos e na definição de sua disciplina legal, pois está vinculado à prestação de serviços especializados concernentes à organização de viagem para fins turísticos, celebrado entre operador ou a agência de viagem, de um lado e, de outro, o cliente contratante.

Portanto, a existência de um contrato, mesmo que com regras elaboradas apenas pelo fornecedor, é fundamental, pois formaliza a relação jurídica de consumo implicando em obrigação para ambas as partes (consumidor e fornecedor).

O Turismo e sua relação com o direito do consumidor

Conhecidas fontes de dados estatísticos, como a OMT – Organização Mundial do Turismo e o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, por meio de suas pesquisas periódicas, atestam a importância conjuntural do Turismo no crescimento nacional e mundial, enfatizando sua responsabilidade por uma enorme parcela de circulação de pessoas e valores financeiros.

O resultado é a consolidação de uma economia forte oriunda da geração de divisas, empregos, melhoria de vida de comunidades locais e sólida criação de uma imagem positiva do país no cenário econômico e social mundial.

Spode (2000) é enfático ao destacar a importância do Turismo economicamente. Ele assim aduz:

Considerada a importância econômica da atividade turística, havida como segunda na movimentação de recursos financeiros (perdendo apenas para o setor petroquímico), já não se pode tratar o turismo, simplesmente como mais uma das muitas atividades a que o homem se dedica, seja na condição de beneficiário dela, seja como empresário do setor (SPODE, 2000).

Comprovada a força econômica da atividade turística, nada mais justo do que consolidar a regulamentação dela de forma a evitar lesões aos cidadãos em geral.

Sobre isto, a Constituição de 88 foi eficaz ao tratar do Turismo sob o móbil de despontar iniciativas e de redefinir relações jurídicas decorrentes da atividade turística.

O artigo 180 do texto constitucional é contundente ao aduzir que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o Turismo como fator de desenvolvimento econômico”.

Esta promoção da atividade turística relaciona-se diretamente com a finalidade do Código de Defesa do Consumidor, à luz do artigo 4º, que dispõe:

A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (...).

Importa explicar, com base no fragmento acima, que o CDC ao tratar das necessidades dos consumidores em geral, protege também o consumidor turista na medida em que este adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, ou seja, diante da utilização dos serviços e operações turísticas de forma ampla e extensiva como destinatário final.

Esta segurança jurídica criada para o turista leva em consideração seu caráter de visitante, ou seja, todos os objetivos do turista no processo de contratação dos serviços são consolidados a partir da figura do visitante, que nas afirmações de Silva se enfatiza que

É preciso considerar que os turistas são visitantes, sejam quais forem as motivações de suas viagens, os sujeitos que desfrutam da realização das operações turísticas. O termo turista não pode ser definido a partir do objetivo da viagem (SILVA, 2005).

Entende-se que a autora faz uma reflexão voltada para um aspecto em que o termo turista não pode ser definido a partir do objetivo da viagem. Isto é importante porque são aspectos distintos o primeiro fator, que é o objetivo da viagem, suas nuances e anseios, e o segundo fator, que é o papel da pessoa que realiza tais anseios e isto acontece sob a condição de visitante.

Assim, é fundamental tratar da informação como elemento norteador das decisões do consumidor na escolha por um produto ou serviço.

A informação como elemento permeador do Direito do Turista

O direito ao acesso à informação por parte do consumidor (não somente o turista, mas todos em geral) tem previsão no texto constitucional cujo reconhecimento é assegurado no artigo 5º, XIV, além de que este direito, sendo considerado fundamental, rege-se pelo mesmo artigo 5º, XXXII da magna carta. Isto significa que se reconheceu no ordenamento jurídico, pelo Poder Constituinte Originário a vulnerabilidade do consumidor, assegurando – lhe o acesso à informação.

Lôbo (2013) colabora com este preceito na medida em que enfatiza:

(...) Os efeitos do direito à informação não estão contidos, apenas, no âmbito da legislação infraconstitucional, pois as constituições mais recentes elevaram-no ao nível dos direitos fundamentais. Portanto, não diz respeito apenas à ordem privada dos sujeitos, mas irradia-se na consideração pública do campo indisponível da cidadania ativa, segundo a concepção contemporânea que não a vê apenas no exercício do direito oponível ao poder político, mas em face do poder econômico (...) (LÔBO, p.68, 2013).

A pertinência das afirmações acima comprova o fato de que a informação é requisito essencial ao exercício da cidadania e, sendo esta um elemento imprescindível para a construção e reconstrução do conhecimento, para que uma pessoa possa exercer plenamente sua qualidade de cidadão é preciso que ela tenha adquirido conhecimento suficiente para buscar, à luz do ordenamento jurídico, seus direitos e exercer seus deveres.

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A própria lei federal nº 10.962 de 2004 é um exemplo dado à importância da informação para o consumidor ao dispor sobre as formas de afixação de preços de produto e serviços para o consumidor:

        O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

        Art. 1o Esta Lei regula as condições de oferta e afixação de preços de bens e serviços para o consumidor.

        Art. 2o São admitidas as seguintes formas de afixação de preços em vendas a varejo para o consumidor:

        I – no comércio em geral, por meio de etiquetas ou similares afixados diretamente nos bens expostos à venda, e em vitrines, mediante divulgação do preço à vista em caracteres legíveis;

        II – em auto-serviços, supermercados, hipermercados, mercearias ou estabelecimentos comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, sem intervenção do comerciante, mediante a impressão ou afixação do preço do produto na embalagem, ou a afixação de código referencial, ou ainda, com a afixação de código de barras.

        Parágrafo único. Nos casos de utilização de código referencial ou de barras, o comerciante deverá expor, de forma clara e legível, junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código.

        Art. 3o Na impossibilidade de afixação de preços conforme disposto no art. 2º, é permitido o uso de relações de preços dos produtos expostos, bem como dos serviços oferecidos, de forma escrita, clara e acessível ao consumidor.

        Art. 4o Nos estabelecimentos que utilizem código de barras para apreçamento, deverão ser oferecidos equipamentos de leitura ótica para consulta de preço pelo consumidor, localizados na área de vendas e em outras de fácil acesso.

        § 1o O regulamento desta Lei definirá, observados, dentre outros critérios ou fatores, o tipo e o tamanho do estabelecimento e a quantidade e a diversidade dos itens de bens e serviços, a área máxima que deverá ser atendida por cada leitora ótica.

        § 2o Para os fins desta Lei, considera-se área de vendas aquela na qual os consumidores têm acesso às mercadorias e serviços oferecidos para consumo no varejo, dentro do estabelecimento.

        Art. 5o No caso de divergência de preços para o mesmo produto entre os sistemas de informação de preços utilizados pelo estabelecimento, o consumidor pagará o menor dentre eles.

        Art. 6o (VETADO)

        Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 11 de outubro de 2004; 183o da Independência e 116o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Márcio Thomaz Bastos (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.962.htm. Acesso em 22 de maio de 2013))

A afixação de preços de bens e serviços para o consumidor descrita no artigo 1º, bem como se o fornecedor optar pelo disposto no artigo 2º, parágrafo único: “utilização de código de barras”, afirma a lei que “deverá expor de forma clara e legível, junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código”.

O artigo 4º também exemplifica o direito à informação quando enfatiza que “equipamentos de leitura ótica para consulta de preço pelo consumidor, localizados na área de vendas e em outras de fácil acesso”, definindo no parágrafo segundo a área de vendas como “aquela na qual os consumidores têm acesso à mercadorias e serviços oferecidos para consumo no varejo, dentro do estabelecimento.”.

Faz-se necessário explicitar o disposto no artigo 5º, o qual definiu que “no caso de divergências de preços para o mesmo produto entre os sistemas de informação de preços utilizados pelo estabelecimento, o consumidor pagará o menor preço entre eles”.

O que se verifica até aqui são as formas de precificação como elementos colaborativos ao direito à informação. Portanto, o direito à informação firma-se como um elo entre a vulnerabilidade e o direito fundamental, pois compreendendo que o consumidor é parte vulnerável na relação de consumo, é tarefa obrigatória do fornecedor informá-lo com clareza e ostensivamente a respeito dos produtos e serviços; afinal, se houver informação enganosa ou insuficiente, terá o fornecedor violado o direito à informação.

Turismo Receptivo

Em novembro de 2012, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, afirmou que “embora muito importante, o turismo de negócios aqui é pouco acolhedor” e que “a prefeitura pouco auxilia no turismo de negócios, fazendo com que o setor cresça apenas com o esforço do empresariado”.

Estas afirmações foram contestadas pelo Presidente da ABAVSP – Associação das Agências de Viagens de São Paulo, William Périco, que justificou o sucesso do turismo de negócios com dados do São Paulo Convention & Visitor Bureau, expondo que há diariamente em São Paulo 300 (trezentos) eventos por dia relacionados ao turismo de negócios.

Sabe-se que o turismo de negócios é um dos importantes segmentos consolidadores do Turismo Receptivo na cidade de São Paulo e a fala do prefeito só ratifica o fato de que há a necessidade de interação entre a gestão pública e o trade, como afirma Périco:

“(...) o mais importante para o trade é ser ouvido e ter voz na gestão que durará até 2016. Nós conhecemos as dificuldades pelas quais passamos. Se houver uma ação integrada entre o governo e o trade, todos sairão ganhando. Temos problemas com a circulação de ônibus turísticos, existe uma carga excessiva de impostos, entre tantos outro. O que queremos é ter uma maior participação na gestão do Haddad. Talvez com uma secretaria específica para a classe, poderíamos ter mais voz e expor os nossos problemas” (...).

Acredita-se que não se tem prestado atenção devida à importância do Turismo Receptivo, na sua complexidade e imprescindibilidade na configuração de uma imagem local.

Verifica-se o descaso da gestão pública e do mercado na articulação de ações de melhoria, todavia há, não se pode negar, a existência de um terceiro setor forte e disposto a se articular com os demais setores sociais. Daí a importância do turismo receptivo.

O Turismo Receptivo, também chamado de Receptivo Turístico é um importante elemento de composição de valores apreendidos por turistas e comunidade local, destacando seus aspectos funcionais e operacionais. Tem um caráter pragmático, no qual é composto por um conjunto de elementos organizacionais e logísticos planejados e organizados para a recepção de pessoas.

Oliveira (2000, p. 94), enfatiza que o turismo receptivo é aquele que “compreende - se pelo conjunto de serviços de apoio e assistência destinados à recepção de pessoas. Seria uma infraestrutura organizacional para o receber humano”, não enfocando diretamente o autor os aspectos tangíveis (um hotel, uma pousada, um meio de transporte; enfim, um produto palpável) de boa qualidade.

Já Vaz (1999, p.67) define turismo receptivo como um produto turístico resultante de um “conjunto de benefícios que o consumidor busca em uma determinada localidade e que são usufruídos tendo como suporte estrutural um complexo de serviços oferecidos por diversas organizações”.

Teixeira (1999) aponta que o “Turismo Receptivo diz respeito ao conjunto de atividades responsáveis pela acolhida dos visitantes nos locais de destino, quer sejam desenvolvidas pelo setor público, quer sejam desenvolvidas pelo setor privado.”.

Talvez esta definição seja pertinente pelo fato de que se aproxima da principal finalidade de um lugar prontamente preparado para receber pessoas, acolher bem seus visitantes e integrar cada vez mais seus moradores, todavia não esclarece objetivamente quando enfoca o “conjunto de atividades” atribuídas ao turismo receptivo.

À luz dos estudos de Pelizzer (2004), trata-se de um “processo empresarial pelo qual se explora uma forma ou prática de turismo, por ocasião da chegada de pessoas (turistas, visitantes, passageiros, excursionistas, hóspedes) em um destino ou cidade ou polo turístico”.

Neste sentido, as relações entre os moradores e/ou a infraestrutura que um lugar possa oferecer a estes e aos visitantes devem ser recíprocas, isto é, o visitante e o morador devem estar sempre bem instalados, alimentados, transportados, guiados, atendidos e bem informados.

O Turismo Receptivo enquadra-se nos direitos fundamentais que privilegiam o aspecto da coletividade, ou seja, faz parte dos direitos humanos difusos, por isso, sua importância na construção de uma sociedade justa formada por pessoas conscientes de seus direitos e deveres.

Importa destacar que toda a complexidade que envolve este receber humano encontra-se permeada por uma infraestrutura, a qual não é representada única e exclusivamente pela arquitetura local, que atenda às necessidades do turista e esteja à disposição do morador como oferta.

As pessoas têm o direito a esta infraestrutura na medida em que compram seus pacotes e, no caso do morador, a utiliza como nos casos de praias, parques, praças, montanhas, cachoeiras, etc.

Neste caso, pode se considerar como oferta de receptivo o conjunto de bens acessíveis ao turista e ao morador, tais como o conjunto de redes hoteleiras, restaurantes, museus, teatros, clubes, cinemas, parques, bancos, centros comerciais, instituições educacionais, salas de exposições, meios de transporte, telefones públicos, áreas verdes, praças, ruas, danceterias, pet shops, lan houses, entre outros, entretanto com espaços planejados para o portador de necessidades especiais.

A oferta de receptivo deve estar atrelada à logística de serviços, isto é, com a forma pela qual o conjunto de bens é oferecido, com os mecanismos de entrega dos produtos considerados essenciais e com a qualidade em que estes serviços são executados.

Deste modo, incluem–se a qualidade do atendimento, como por exemplo, na eficácia do hotel em atender as exigências de seus hóspedes quanto à ambientação do quarto, na forma de pesquisar perfis homogêneos sem desconsiderar outros perfis, procurando agradar o maior número de hóspedes possíveis, no eficiente monitoramento do museu, na cordialidade dos funcionários ao oferecer seus serviços, na forma das pessoas se vestirem, na qualidade dos uniformes dos colaboradores, na segurança, enfim, no processo harmônico em que uma cidade atende o turista e seus moradores.

É preciso atentar-se para a questão de que o turista, visitante, ou hóspede, além de ser um consumidor que busca exclusivamente serviços, busca também um produto: uma comida e bebida de qualidade, um bom carro para se transportar, um hotel confortável mesmo que econômico, enfim, busca além de serviços outros elementos.

Urge claramente mais do que ser bem atendido, bem recebido ou bem servido, pois o turista que compõe este cenário globalizado é exigente, ou seja, além do exímio atendimento, quer um produto de qualidade, ou seja, o aspecto do ótimo serviço prestado aliado ao bom produto entregue e sempre disponível.

 Então, a preocupação que os setores sociais tiverem com o planejamento, organização, desenvolvimento, manutenção e promoção de sua infraestrutura receptiva é o que determinará a receptividade de um lugar.

A responsabilidade das operadoras de turismo e agências de viagens na perspectiva do Turismo Receptivo e do Direito

Observemos o seguinte case:

Guilherme firmou contrato com uma operadora de turismo e comprou os seguintes serviços: passagens aéreas ida e volta, hospedagem em hotel cinco estrelas com café da manhã, almoço e jantar, carro para se deslocar no local, passeio de barco ate uma ilha paradisíaca e histórica.

No primeiro dia tudo ocorreu tranquilamente vôo de ida com pontualidade e check in no hotel. À noite, Guilherme não conseguia dormir por causa do barulho emanado por uma obra de recapeamento na dura detrás do hotel.

No segundo dia, Guilherme enfrenta trânsito de mais de duas horas para chegar ao local de onde sairia o barco de passeio para a ilha paradisíaca e histórica, não havendo previsão contratual sobre estes fatores.

A operadora até se comprometeu a uma remarcação, porém Guilherme recusou porque a data disponível se daria após os cinco dias firmados em contrato.

Diante da situação descrita, há dois fatores condicionantes para uma avaliação em relação ao turismo receptivo: o barulho emanado por obrar de recapeamento na rua detrás do hotel em que Guilherme esta hospedado e o trânsito local que impediu a chegada de Guilherme no local de partida a uma ilha paradisíaca e histórica.

À luz do Direito, Guilherme poderia exigir da empresa contratante a mudança para um local mais calmo e assim poder dormir com tranqüilidade. Poderia também exigir agendamento dentro dos limites dos cinco dias, que foi o período comprado e fechado em contrato, todavia há de se fazer uma reflexão a respeito do receptivo turístico.

O barulho oriundo das obras e o trânsito são elementos do turismo receptivo, haja vista que compõe a infraestrutura local importante ao acolhimento de pessoas (comunidade local e turistas) e, consequentemente, são indicadores responsáveis pela imagem que Guilherme construiria do lugar visitado.

A reflexão está no fato de que a relação entre o Direito do Consumidor e o Turismo Receptivo é complementar, pois no caso em tela, Guilherme, ao ser lesado em seu direito de consumidor, pela interferência de fatores de infraestrutura referentes ao local visitado, certamente o classificaria como inóspito, colocando em dúvida a qualidade de sua cultura receptiva.

Por outro lado, Guilherme construiria boa imagem caso não houvesse trânsito no dia de seu passeio nem barulho na rua detrás do hotel e teria assegurado seu direito de consumidor nos termos contratuais.

Seria válido afirmar, neste sentido, que o direito a um receptivo turístico de qualidade é elemento crucial na construção de valores e efetividade de obrigações. Também vale destacar o quanto os fatores sociais (caso fortuito e força maior barulho - transito) influenciam no Turismo Receptivo.

Assim, o exemplo de Guilherme é válido para uma compreensão mais detalhada a respeito da responsabilidade das empresas como as operadoras de turismo e agências de viagem. Sobre isto, o CDC, artigo 7º, parágrafo único, é incisivo ao indicar que “Tendo mais de um autor todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.

Este artigo trata do Princípio da Solidariedade Legal entre os causadores de danos do consumidor criado pelo CDC, de modo que se mais de um autor der causa ao dano, todos responderão solidariamente pela reparação. Ada Pelegrine Grinover, citada por Carvalho (2013) esclarece ainda mais esta questão ao advertir que:

Como a responsabilidade é objetiva, decorrente da simples colocação no mercado de determinado produto ou serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação de serviço (Grinover, 2013)

Isto é relevante porque enfatiza a proteção do consumidor a fim de evitar lesões. Sabe-se que nos contratos de turismo há condições pré definidas com cláusulas protecionistas imunes a alterações unilaterais que objetivam a empresa vendedora, interessada na obtenção de lucros e, pior, livrando-se de quaisquer ônus futuros.

Por esta razão, a responsabilidade objetiva está diretamente ligada ao conjunto de serviços ou produtos necessários para atrair pessoas e dispensar-lhes atendimento por meio da provisão itinerários, guias, transportes, alimentação. Hospedagem, etc., contemplando um contrato de prestação de serviços celebrado entre a operadora ou agência de viagem, de um lado e do outro lado o cliente contratante.

Importa destacar que os contratos firmados entre as operadoras e agências de turismo e consumidores, os quais incluem em seu objeto a viagem (aérea, marítima ou terrestre, hospedagem, translado, atividades recreativas, restaurante e etc.) são de prestação de serviço, todavia nem todos os serviços são prestados pela agência ou operadora e, sim, por uma rede de fornecedores, ficando por conta destes a prestação total.

Como a relação contratual do consumidor é com a operadora ou agência, ele poderá exigir destas a prestação com qualidade de todos os serviços pertinentes ao pacote, ou seja, estas empresas têm responsabilidade própria e solidária, pois intermediam e se conectam pela atuação de toda uma cadeia de fornecedores por elas escolhidas e previamente contratadas. Importa destacar que o serviço prestado será considerado ineficiente quando ocorrer disparidade entre sua prestação e as indicações encontradas na oferta ou na mensagem publicitária, nos termos do artigo 20 do CDC.

Responder objetivamente pela ineficácia de um serviço prestado significa, na prática, que se uma empresa vendedora, mesmo não se dando conta de um serviço precário prestado por um terceiro interligado, a sua responsabilidade como contratante subsistirá (artigo 23 do CDC), ou seja, se houver um vício detectado no futuro e que seja resultante de um serviço incompleto ou sem qualidade, não será excluída por parte do fornecedor sua responsabilidade, conforme o artigo 25 do CDC: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores”.

Este item tem relação com o artigo 7º, parágrafo único do CDC, pois trata da solidariedade legal, ou seja, impõe a responsabilidade solidária para as pessoas que de forma direta ou indireta dão suporte ao fornecedor no seu negócio e representam os seus interesses. Spode (2000), ratifica com veemência esta questão contratual que exorbita às regras entre cliente – consumidor e empresa – fornecedora:

O Código de Defesa do Consumidor rompeu a tradição contratualista que admite vínculos apenas entre o que presta serviço e aquele que recebe a prestação, para incluir todos os partícipes da cadeia, por exemplo, se o serviço é prestado por terceiro (Spode, 2000).

Portanto, está esclarecido que responsabilizar solidariamente todos os elementos da cadeia que alimenta a prestação do serviço por operadoras e agências de viagem significa gerir e incrementar com qualidade o Turismo Receptivo e consolidar (respeitar) ao mesmo tempo o Direito do Consumidor.

Conclusão

Diante dos aspectos abordados acerca do tema proposto neste artigo, foi possível verificar que a responsabilidade que permeia os direitos do turista consumidor é objetiva e solidária, isto é, recai sobre as operadoras e as agências de viagens e sobre os terceiros que juntos prestarem serviços ou produtos dos clientes contratantes e partes na relação jurídica de consumo.

Compreendeu-se que o consumidor turista deve se socorrer, na busca por todos os seus direitos, pelos textos de lei, tais como a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor – CDC, isto é, de leis que o protejam das imposições prescritas nos contratos de adesão.

Foi possível propor uma reflexão acerca do Turismo Receptivo na medida em que se percebeu sua importância como elemento da construção de valores por parte do turista além de sua importância na consolidação de direitos e garantias fundamentais.

Conclui-se que é necessário cada vez mais impor às operadoras e agências de viagem punições cada vez mais efetivas e severas de modo a frear o descaso e a má fé com relação aos consumidores, os quais quase sempre são lesados por estas empresas que na busca incessante por lucros, estrategicamente, firmam pelo contrato de adesão, compromissos com seus consumidores, criando cláusulas exorbitantes e abusivas privilegiando ônus apenas aos clientes e esquecendo-se das previsões impostas no ordenamento jurídico, as quais protegem os consumidores dos exageros cometidos por estas empresas.

Referências

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

CÂMARA, Marcelo Henrique. Estado libera e autonomia da vontade: O papel dos intelectuais orgânicos na formação e consolidação do direito burguês pós-revolucionário.

CARVALHO, Carlos Alencar Carvalho Antonio. Responsabilidade Civil das Operadoras de Turismo por Vício de Qualidade de Pacotes Turísticos. Disponível em www.jus.com.br/doutrina/pacotur.html.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Reclamação do consumidor para sanação do vício do produto. Jus Navigandi. Teresina, ano 11, n. 1045, 12 maio 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8373>. Acesso em: 3 jun. 2013.

MEZZAROBA, Orides (Org.). Gramsci: estado e relações internacionais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.

PELIZZER, Hilário Ângelo. Conceitos de Turismo Receptivo. Mestrado em Hospitalidade. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi – aula de 09/10/2004.

SPODE, Guinter. Turismo e consumidor. RDC – Revista de Direito do Consumidor. Vol. 35, Julho/setembro, 2000.

SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da. A responsabilidade civil nos contratos de turismo em face ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil nos contratos de turismo. Ajuris – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – Edição Especial, Vol. II, Março de 1988.

http://www.abav.com.br/artigos_entrevistas_detalhe.aspx?id=55&id_area=20

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.962.htm

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Sobre o autor
Francisco de Castro Matos

Graduado em Letras, Matemática, Educação Especial, Gestão do Turismo, Pedagogia, Direito, Técnicas Legislativas e Redação Forense, Mestre em Hospitalidade.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de um artigo científico que interessa aos operadores do Direito e estudiosos do fenômeno turístico.

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