Utilização de força letal (sniper policial) em ocorrências com reféns sob risco de morte

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24/05/2015 às 23:02
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Gerenciamento de ocorrências com reféns e as alternativas táticas utilizadas para soluciona-las, tendo em evidência a utilização do sniper policial nestas ocorrências e, em contrapartida, a responsabilidade penal por sua utilização.

Resumo: Buscou-se o entendimento dos termos relacionados ao gerenciamento de ocorrências com reféns e as alternativas táticas utilizadas para soluciona-las, tendo em evidência a utilização do sniper policial nestas ocorrências e, em contrapartida, a responsabilidade penal por sua utilização. A pesquisa aborda o que vem a ser ocorrências de alta complexidade, discutindo suas variáveis e características, fazendo uma correlação com as ações a serem desencadeadas no local onde se manifestam estas ocorrências e o devido posicionamento de seus atores, passando por aspectos históricos da utilização das alternativas táticas para resolução das ocorrências denominadas de alta complexidade, sua evolução e ainda uma breve discussão sobre cada alternativa tática (negociação; táticas não-letais; sniper e time tático). No que tange a utilização da alternativa tática sniper policial para resolução da crise, o estudo passa por questões antecedem a utilização da alternativa em si, que vão desde a competência para atuação da policia militar, bem como, os aspectos legais para a utilização da força. Demonstra a complexidade do assunto diante da ausência de diretrizes que norteiem o trabalho policial militar nestas ocorrências, bem como questões de ordem prática ainda não solucionadas, que causam divergências de posicionamentos a seu respeito, como por exemplo, se o sniper atua mediante ordem ou autorização. Compara dados obtidos através de pesquisa de campo, como forma de detecção de posicionamento dos militares que atuam nesta área a respeito da responsabilidade quando da utilização da força por meio do sniper policial na resolução das ocorrências de alta complexidade, onde os dados obtidos apontam para a necessidade de ser adota uma diretriz que norteie o trabalho de gerenciamento de crise definindo o Comando destas ocorrências considerando a existência do Comando de Policiamento Especializado, bem com a forma de se acionar o sniper policial para atuação no teatro de operações.


INTRODUÇÃO

O avanço das formas de execução dos atos criminais tem exigido das instituições policiais ferramentas de combate das mais diversas, que vão desde a prevenção – patrulhamento diuturno, atendimento à comunidade, palestras, trabalhos sócias, etc – bem como, à repressão – prisão em flagrante de cidadãos infratores, cumprimento de mandados judiciais. Assim, não raro no dia-a-dia da sociedade, quando da repressão aos atos criminais, o infrator criminal sendo surpreendido na prática de ato delituoso, buscando impedir a intervenção repressiva dos órgãos policiais, utiliza membros inocentes da sociedade como escudos humanos, os quais passam a ser definidos como reféns ou vítimas.

Diante de ocorrências onde há presença de reféns, denominadas de alta complexidade ou crise, quando solicitada a intervir, a Polícia Militar coloca em ação métodos de resolução denominadas alternativas táticas, que vão desde a verbalização ate o uso máximo da força. Tendo todas as alternativas de resolução pacífica na busca da restauração da ordem pública e restabelecimento da tranqüilidade publica se esgotado, a polícia ostensiva se vê diante da necessidade de utilização da força para resolução da crise. Porém, quando utilizada a força, poderá advir algum resultado que se almodará na lei penal brasileira, e, com isto concomitantemente, a necessidade de uma apuração dos órgãos responsáveis pela defesa da ordem jurídica e julgadores, sob a existência ou não de crime, bem como a responsabilização do agente.

Neste contexto, a decisão pela utilização da alternativa tática Sniper policial é algo complexo, que exige em momento de crise, uma rápida decisão do responsável pelo gerenciamento, onde deverá avaliar além dos aspectos jurídicos de utilização da força (legalidade, necessidade, conveniência), a legitimidade e o reflexo que poderá recair sobre seu subordinado executor ou ainda sobre si.

A responsabilidade por atuar nestas ocorrências denominadas de alta complexidade, esta direcionada segundo a Diretriz para Produção de Serviços de Segurança Publica 01/2002 à 4ª Companhia de Missões Especiais (4ª Cia MEsp), subordinada ao Comando de Policiamento Especializado – CPE – que utiliza como alternativas táticas de resolução da crise além do Sniper Policial, o Time de gerenciamento de crise, Time Tático e Esquadrão Antibombas.

No Estado de Minas Gerais não foi detectado em pesquisas bibliográfico caso de utilização do Sniper policial através do tiro seletivo, porém este existiu em outros Estados, onde, infelizmente, no Estado de São Paulo a atuação do sniper policial não logrou o objetivo pretendido, onde com um tiro de fuzil preciso, disparado pelo Sniper Policial do Grupamento de Ações Táticas, obteve a neutralização do tomador de reféns, porém também acertou a professora Adriana Caringi que era mantida como refém e que resultou em sua morte.

Sendo assim, a presente pesquisa busca analisar as questões jurídicas que podem vir a interferir quando da utilização da força através da alternativa tática - Sniper Policial – em ocorrências com reféns, bem como a percepção dos militares pertencentes a 4º Cia Mesp com referencia à segurança jurídica de sua atuação e possível responsabilização por atos praticados que venham a ser praticados no desempenho da missão.

1.1. Justificativa

A atividade policial não raras vezes depara-se com fatos que necessitam de uma intervenção a qual requer um grau de força para o restabelecimento da ordem e da tranqüilidade pública, sendo necessário o conhecimento dos aspectos legais e técnicos operacionais que norteiam a atividade policial.

A utilização de força pelo órgão policial poderá ocasionar a letalidade ou a lesão corporal do cidadão infrator, o qual insistiu em dar continuidade em sua ação delituosa, que levará certamente a apuração da legalidade da ação praticada, bem como, possivelmente, responsabilização do agente policial pelo ato praticado.

Diante deste fato a pesquisa surge com o intuito de responder a questão citada como problema do objeto de estudo e ainda servir como instrumento de auxilio para aqueles que detêm a missão principal dentro da instituição de atuar em ocorrências com reféns sob o risco de morte (ocorrências de alta complexidade), servindo ainda de instrumento auxiliador em futuras pesquisas que procurem responder questões relacionadas ao tema proposto, ou até mesmo como fonte técnica na criação de instrumentos normativos da atuação policial.

1.2. Objeto de estudo

1.2.1. Tema

Utilização de força letal (Sniper policial) em ocorrências com reféns sob risco de morte.

1.2.2. Delimitação do tema

Utilização de força letal (Sniper policial) - alternativa tática - em ocorrências com reféns sob o risco de morte em Belo Horizonte e região metropolitana.

O desenvolvimento do trabalho busca responder quem será responsabilizado quando da utilização de força letal (Sniper policial) em ocorrências com reféns sob o risco de morte, ou ainda se haverá responsabilização quando da utilização desta força, tendo como público alvo os policiais militares pertencentes ao Grupamento de Ações Táticas Especais – GATE, nesta capital do Estado de Minas Gerais.

1.2.3. Objetivos
a) Objetivo Geral

Analisar quem estará sujeito à responsabilização quando da utilização de força letal (Sniper policial) em ocorrências com reféns sob o risco de morte.

b) Objetivos Específicos

Identificar legislação que faça uma abordagem da utilização de força letal e que dê amparo legal a Polícia Militar, na utilização da força letal em ocorrências com reféns sob o risco de morte;

Buscar teorias que tratam do uso da força letal (Sniper policial) em ocorrências com reféns sob o risco de morte;

Estudar doutrinas existentes na Polícia Militar de Minas Gerais que trata da utilização de força e procedimentos em ocorrências com reféns sob o risco de morte;

Apontar decisões judiciais no contexto da utilização de força letal pela policia militar em ocorrências policiais.

1.2.4. Problema

Ao ser utilizada a força letal (Sniper policial) em ocorrências com reféns sob o risco de morte quem será responsabilizado pelo ato praticado?

1.2.5. Hipótese

A responsabilidade penal quando da utilização de força letal pelo atirador de elite da Policia Militar em ocorrências com reféns sob o risco de morte incidira sobre o Comandante da Operação policial-militar pela decisão quanto à execução do ato.

1.2.6. Estrutura do trabalho

Para a busca dos objetivos propostos, o trabalho foi constituído da seguinte forma:

  • O primeiro capítulo apresenta uma breve introdução com referência à complexidade da atividade policial principalmente ao ser utilizada a força através da alternativa tática Sniper policial, e ainda o detalhamento do objeto da pesquisa demonstrando a justificava do trabalho em questão, seus objetivos, problema e hipótese.

  • O segundo capítulo apresenta a definição das ocorrências de alta complexidade, bem como suas características, sua resolução pautada no processo de gerenciamento de crise apontando suas variáveis, seu grau de risco, ações no teatro de operações e critérios para tomada de decisões.

  • O terceiro capítulo demonstra as alternativas táticas para a resolução das ocorrências de alta complexidade, analisando seu aspecto histórico e modalidades atualmente existentes e utilizadas pelos Grupos de Ações Táticas.

  • O quarto capítulo faz uma análise de questões jurídicas que definem a competência das instituições policiais militares para atuarem em ocorrências de alta complexidade, o amparo legal e técnico para a utilização da força, bem como questões de ordem técnica que podem surgir quando do emprego do Sniper policial.

  • O quinto capítulo traz a metodologia adotada na pesquisa, detalhando as técnicas empregadas na pesquisa, bem como, o processo de coleta de dados.

  • O sexto capítulo apresenta a analise e interpretação dos dados coletados através de questionário aplicado aos oficias que desempenham ou já estiveram desempenhando funções de comando na 4ª Companhia de Missões Especiais – GATE – e praças que desempenham a atividade de sniper policial, buscando uma visão acerca do entendimento dos entrevistados em relação ao problema em estudo.


2. OCORRÊNCIAS DE ALTA COMPLEXIDADE OU CRISE

O emprego de recursos humanos e materiais adequados à execução da atividade policial militar é fator determinante para o sucesso de resolução de uma ocorrência de alta complexidade ou crise. Assim, torna-se imprescindível o conhecimento detalhado destas ocorrências, desde o conceito ao desenvolvimento prático no teatro de operações.

A Academia Nacional do FBI (citado por MASCARENHAS, 1995, p.10), define Crise como um “evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”. Solução aceitável, aplicada à realidade brasileira, implica passagem pelo crivo da legalidade, que é o que está previsto em lei e legitimidade. Legal, na medida em que está previsto em lei, aceitável, na medida da razoabilidade da solução.

Vaz (2001, p. 67) afirma que, basicamente, temos quatro tipos de crises, dentro do seu conceito genérico:

  • Crises internacionais, que podem variar desde um conflito de fronteiras até uma situação de guerra. Atribuição específica do Governo Federal, através do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Defesa;

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  • Desastres e calamidades públicas, situações caracterizadas como crises, mas de atuação específica da Secretaria Nacional de Defesa Civil, através das Coordenadorias Nacional, Estadual e Municipal, que possuem um sistema de atuação próprio;

  • Crises sociais, situações de greves, tumultos, manifestações populares, distúrbios civis, ação de grupos politicamente organizados e outras situações de caráter público representativo. Exigem uma resposta especial para o seu gerenciamento;

  • Crises policiais, situações envolvendo rebeliões em penitenciárias, atos de terrorismo, tomada de reféns e outras ocorrências que extrapolam a capacidade de atuação normal da manutenção da ordem e segurança pública. Exigem uma resposta especial para o seu gerenciamento;

Silva Neto (1995, p. 24) intitula as ocorrências de Crise como de Alta Complexidade e apresenta o seguinte conceito:

Todo fato, de natureza humana ou natural, que, alterando a ordem pública, supere a capacidade de resposta dos esforços ordinários de polícia, exigindo intervenção de forças policiais através da estruturação de ações e operações especiais, ou típicas de bombeiro militar, com o objetivo de proteger e socorrer o cidadão.

Os conceitos apresentados por Silva Neto e Vaz demonstram que ocorrências de alta complexidade ou crise não são somente aquelas que irão recair sob a responsabilidade de órgãos de polícia, mas também a outros como, por exemplo, Corpos de bombeiros e Defesa Civil, no caso de desastres e calamidades públicas. A resolução satisfatória de uma crise exige ações coordenadas dos diversos órgãos nela envolvidos.

Pode-se concluir das abordagens anteriores que as ocorrências de alta complexidade ou crise são aquelas que, além de exigirem uma resposta especial da Polícia, também superam a capacidade de resposta dos esforços ordinários empregados diuturnamente por ela, exigindo uma intervenção tática e técnica especializada, com logística adequada e com pessoal especializado, detentor de conhecimento teórico e técnico, com objetivo de restabelecer a ordem pública, socorrendo e protegendo o cidadão.

No Estado de Minas Gerais, o decreto 43.295, de 29 de abril de 2003, que organiza a SEDS – Secretaria Estadual de Defesa Social – atribui a este órgão a finalidade de planejar, organizar, dirigir, coordenar, gerenciar, controlar e avaliar as ações operacionais do setor a cargo do Estado, visando à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, à redução da criminalidade, à recuperação de presos para reintegrá-los à sociedade e à assistência jurídica aos carentes de recursos.

O mesmo decreto atribui como competência do órgão elaborar, executar e coordenar, em conjunto com a Polícia Militar, a Polícia Civil o Corpo de Bombeiros Militar, a Defensoria Pública e entidades da sociedade civil organizada, o Plano Estadual de Segurança Pública e o sistema integrado de defesa social.

A Diretriz para a Produção de Serviços de Segurança Pública nº 01/2002 da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (DPSSP nº 01/2002), exemplifica como ocorrências de alta complexidade, o assalto com tomada de reféns; seqüestro de pessoas, rebelião em presídios; assalto a banco com reféns; ameaça de bombas; atos terroristas; seqüestro de aeronaves; e captura de fugitivos na zona rural.

Todas as ocorrências citadas na DPSSP/01, conforme os casos poderão evoluir para a modalidade com reféns sob o risco de morte, exigindo uma intervenção policial para sua solução. Conforme a situação, a utilização do sniper policial, poderá configurar-se como a melhor das alternativas táticas.

2.1. Características das ocorrências de alta complexidade ou crise

Sobre essa doutrina, Pontes (apud STOCHIERO, 2006, p. 63) cita as seguintes características de uma crise:

  • Impresivibilidade – está inserida em quase todas as ocorrências que envolvam a tomada de reféns. Porém, há crises perfeitamente previsíveis como, por exemplo, uma rebelião em presídio, facilmente detectada pelo comportamento dos presos [...]. Porém, é bastante comum que as autoridades sejam surpreendidas pela deflagração de uma crise sem que haja tempo para minimizar seu impacto, nem preparação para enfrentá-la;

  • Ameaça à vida – é a que mais justifica a preocupação das instituições com o seu preparo para administrar eventos críticos, mesmo quando a vida em risco seja a do próprio causador da crise, seja ele um suicida ou um delinqüente de alta periculosidade;

  • Compressão de tempo – exige grande rapidez de raciocínio, autocontrole e conhecimento técnico do administrador da crise. Quando se trata de crises provocadas por tomadores de reféns, seqüestradores ou terroristas, é uma das armas utilizadas pelos causadores de crise para pressionar as autoridades ao atingimento de seus fins;

  • Necessidade de considerações legais especiais – o administrador do evento crítico deverá avaliar aspectos legais quanto à responsabilidade pela condução das operações e os limites de atuação [...]. Poderá ter que considerar quanto ao amparo legal em relação à sua autoridade na área crítica, quanto ao atendimento ou não de exigências, emprego de força [...];

  • Necessidade de planejamento analítico especial – a primeira consideração é que cada caso é único, não havendo uma crise exatamente igual à outra [...] estará decidindo sob os holofotes da imprensa, dentro de interesses e posições políticas superiores, muitas vezes conflitantes entre si [...];

  • Necessidade de postura organizacional não rotineira – de todas as características da crise, esta é a que mais contribui para o estresse do administrador da crise. Só o conhecimento da doutrina e o treinamento poderão minimizar os efeitos do estresse sobre o eventual administrador de crises. Profissionais habituados a enfrentar ocorrências policiais serão mais confiantes para administrar crises de natureza policial.

Silva Neto (apud SACRAMENTO et al, 1998, p. 13), acrescenta outros três fatores que complementam a caracterização de uma situação de crise, a saber: alto poder de desestabilização do clima de segurança subjetiva, conflitos de competência e alto grau de pressão psicológica:

Os conflitos de competência surgem como um elemento complicador que tumultua ainda mais o ambiente crítico. Instalam-se em face de confusão de autoridades, políticos, imprensa, psicólogos, religiosos, organizações policiais e outros segmentos da sociedade que se apresentam para participar dos esforços de restauração da ordem pública.

O alto poder desestabilizador do clima de segurança subjetiva da comunidade causada por tais ocorrências tendo em vista serem amplamente divulgadas pela mídia, alcançando uma repercussão até mesmo em nível internacional.

As notícias de ambientes de crise ultrapassam os limites da imaginação e pessoas, mesmo distantes, passam a sofrer as influências do clima de insegurança, pois percebem e sentem a ansiedade, a tensão e o medo, como se estivessem participando ou assistindo tudo no local. A junção desses aspectos citados anteriormente faz com que as situações de crise se desenvolvam em um clima confuso e de alto grau de pressão psicológica.

Diante de tais características, observa-se que Ocorrências de crise ou alta complexidade exigem um elevado nível de conhecimento técnico por parte daqueles que possuam a responsabilidade de gerenciá-las. Portanto, nestes casos não são admitidas falhas, pois caso elas ocorram, poderão gerar resultados indesejáveis e prejudiciais a todos os envolvidos. É de ressaltar-se que, partes consideráveis das crises são acompanhadas pela mídia, fator que exige uma intervenção legítima.

Stochiero (2006) alerta que não basta a simples alocação de esforços e logística da polícia no local do fato, mas que haja o desprendimento de todo esforço técnico e tático especial que permita um avanço positivo no restabelecimento da ordem.

Dentre todas as características apresentadas, no caso de utilização de força letal, a que mais deve estar latente é a Ameaça à vida, pois ao contrário, não se justifica a resolução dessas ocorrências através desta alternativa tática.

2.2. Gerenciamento de crise

A resolução de uma crise somente tem possibilidade de êxito, caso ocorra um processo de bom gerenciamento. A Academia Nacional do FBI (apud MASCARENHAS, 1995, p. 14) adota a seguinte definição para Gerenciamento de Crise: “é o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”.

O FBI, em sua doutrina para o gerenciamento de crise, apresenta duplo objetivo, pautados na preservação da vida e aplicação da lei, apontando como melhor caminho a negociação exaustiva na busca de solução para estas ocorrências, porém, Mascarenhas (1995, p. 14) afirma que:

O Gerenciamento de Crises não é uma ciência exata, uma panacéia com um processo rápido e fácil de solução de problemas, pois cada crise apresenta características únicas, exigindo, portanto, soluções individualizadas, que demandam uma cuidadosa análise e reflexão.

Estas características, que já foram estudadas e novamente lembradas, devem ser dominadas pelo Gerenciador da crise, pois cada caso exigirá uma tomada de decisão diferenciada e a opção por uma única alternativa tática constitui um risco que pode ensejar repúdio social ou mesmo responsabilidade, por ação ou omissão.

Durante o gerenciamento de uma crise, podem ocorrer os conflitos de competência, em que alguns órgãos dizem-se competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para a resolução da crise.

A Diretriz para Produção de Serviços de Segurança Pública – DPSSP/01 – da Policia Militar de Minas Gerais, no escalonamento de seus esforços, confere especificamente a 4ª Companhia de Missões Especiais, a missão de atuar na resolução de ocorrências de alta complexidade considerando a especialização e a capacidade técnica, porém, adota o principio da hierarquização para o comando das operações:

Na condução das ações e operações em que haja simultaneidade de presença de Unidades e Frações da Polícia Militar, subordinadas a comandos distintos, para efeito de comando, serão adotados os seguintes critérios:

a) para exercer autoridade de Comando, deve prevalecer o grau hierárquico e não a natureza da ocorrência. A autoridade presente, de maior posto ou graduação ou mais antiga, será o comandante da operação, sendo assessorada pelo militar detentor de conhecimento específico; (MINAS GERAIS, 2002, p. 84).

A Polícia Militar de Minas Gerais é composta por Comandos Regionais que possuem uma responsabilidade territorial delimitada. Dentre estes comandos, encontra-se atualmente o Comando de Policiamento Especializado – CPE – o qual foi criado após a edição da DPSSP 01/02, não possuindo uma área de atuação delimitada dentro do Estado e ainda com responsabilidade de desempenhar ações e operações táticas de recobrimento em situações emergenciais no campo da segurança pública.

Estas ações e operações táticas em ocorrências com reféns sob o risco de morte recaem à 4ª Cia MEsp, que está diretamente subordinado ao CPE. Assim, fácil é a percepção do vazio doutrinário que existe a respeito da unidade responsável pelo gerenciamento das ocorrências de alta complexidade, pois quando da criação e adoção da DPSSP 01/2002 não existia a previsão de um Comando Especializado, com autoridade de linha sobre a 4ª Cia MEsp.

A indefinição sobre a responsabilidade pelo gerenciamento da crise poderá levar a conflitos. Santos (2003, p.53) destaca dois pontos cruciais que podem interferir por falta de adoção de uma doutrina única, colocando tudo a perder no teatro de operações de ocorrências de alta complexidade, que são: o conflito institucional (entre as instituições) e o conflito organizacional (disputas acontecem entre as Unidades da própria instituição).

O que deve ser observado, no teatro de operações, é o alto grau de profissionalismo por parte das autoridades, para que não caiam na armadilha do conflito de competência. Devem trabalhar coordenadamente e com ênfase nas soluções técnicas.

O gerenciamento de uma ocorrência de alta complexidade é algo que exige capacitação técnica, pois não basta apenas estar presente no teatro de operações; é necessário fazer com que todos os mecanismos disponíveis para a resolução da crise funcionem em níveis que permitam o avanço positivo para a solução do problema, observado os pressupostos da legalidade e legitimidade.

2.2.1. Variáveis do gerenciamento de crise

Para o devido gerenciamento da crise, devem ser observadas algumas variáveis que Silva Neto (apud ALMEIDA, 2003, p. 23) destaca:

a) administração política e governamental;

b) administração de ações iniciais no teatro de operações;

c) administração da produção de informações;

d) administração do processo de negociação;

e) administração do emprego de força;

f) administração da rendição;

g) administração de recursos humanos;

h) administração logística;

i) administração de comunicação social.

Cada variável possui um grau de importância, que varia conforme a crise e seu desenvolvimento, gerando reflexos na tomada de decisões pelo gerente da crise.

Ações iniciais como o isolamento do local, impedindo a aproximação de curiosos, garantido até mesmo a segurança dos que passam próximo ao local, servem também de apoio para outras ações como a delimitação do posto de comando, a administração dos órgãos de comunicação social entre outros. Neste sentido, devem ser designados grupos diferentes para administrar tais variáveis, mas que a todo o momento devem ser controlados pelo gerente da crise.

2.2.2. Avaliação do grau de risco de uma crise

Souza (2000, p. 43) divide em quatro graus, com os respectivos níveis de resposta:

  • 1° grau (alto risco): o causador do evento possui armas de pouco poder letal e não submete pessoas como reféns, entretanto tem a superioridade da situação, a exemplo de assalto a estabelecimento comercial.

    Resposta: a crise poderá ser debelada com recursos locais, por exemplo, o radiopatrulhamento.

  • 2° grau (altíssimo risco): temos o causador da crise com armas de médio poder de letalidade e, nessa ocasião, toma uma ou várias pessoas como reféns, a exemplo de assalto a banco em horário de funcionamento, frustrado pela chegada da polícia local.

    Resposta: a solução da crise exige recursos locais especializados, por exemplo, os Grupos Táticos.

  • 3° grau (ameaça extraordinária): os causadores do evento crítico são terroristas, normalmente motivados política, ideológica ou religiosamente. Na maioria das vezes, desejam publicidade, somas astronômicas de dinheiro ou desmoralizar o governo. São pessoas bem treinadas, bem armadas e com objetivos bem definidos.

    Resposta: a crise exige recursos locais especializados e também recursos de apoio do comando local.

  • 4° grau (ameaça exótica): os causadores da crise agem normalmente sozinhos, são extremamente delicados e exigem conhecimento de áreas específicas das quais a polícia normalmente não dispõe, como vírus, radioatividade, cianeto, etc.

    Resposta: a solução da crise requer o emprego dos recursos no nível 03 e outros, inclusive exógenos.

2.3. Teatro de operações

Podemos definir o teatro de operações como o local aonde irão se desenvolver as atividades de execução e resolução do gerenciamento de crise, considerando que atividades de planejamento poderão ocorrer fora desta zona de atuação.

Alguns doutrinadores também definem o teatro de operações como Cena de ação, ficando o gerenciamento deste local sob a responsabilidade de um policial de maior nível hierárquico da área de ocorrência do evento presente, o qual passa a receber a denominação de Gerente da crise ou Comandante da cena de ação, das quais preferimos adotar a segunda por definir melhor a característica hierarquizada do comando.

Para o exercício da atividade de comandamento do teatro de operações, inúmeras serão as atividades a serem desenvolvidas pelo Comandante da cena de ação, as quais lhe trazem uma serie de encargos e responsabilidades, onde Stochiero (2006) alerta que o Comandante não deve se envolver em atividades de execução ou coordenação de uma ou outra alternativa tática, mas sim, voltar sua capacidade de gerenciamento a todas as atividades desenvolvidas.

O gerente da crise terá a responsabilidade pelo comandamento da ocorrência, entretanto não deve ter a pretensão de querer ter domínio técnico para a solução do problema. Deve ter visão sistêmica, no que se refere às alternativas táticas, integrar de forma harmônica todos os esforços e formar uma sinergia positiva para alcançar seus objetivos, delimitando cada área de atuação e de movimentação de pessoas envolvidas ou não no evento, conforme figura.

FIGURA 1 – Modelo de estruturação do local de crise

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

Fonte: FONTANA, 20071.

2.3.1. Ações iniciais no teatro de operações

Baseando-se em documentos doutrinários relacionados com as providências iniciais no teatro de operações, citando o manual de gerenciamento de crises da Polícia Federal, Almeida (2003) estabelece que, tão logo tome conhecimento de uma crise, qualquer autoridade policial que chegar ao local deverá: conter a crise; isolar o ponto crítico e iniciar as negociações.

O problema que pode encontrar o policial que primeiro se depara com a crise é a falta de capacitação técnica para desenvolver a atividade de negociação. Stochiero (2006) adotando o conceito de estabilização do ambiente, abarcando a contenção e isolamento do ponto crítico, sugere que o policial que primeiro se depara com a crise adote somente a estabilização do ambiente, preservando assim sua integridade física e a de terceiros.

A estabilização do ambiente é um importante instrumento para evitar que a crise se alastre, ou seja, que o tomador de reféns aumente o número de reféns, amplie a sua área de atuação e controle, conquiste posições seguras, ou tenham acesso a matérias que possam utilizar como armamento.

Demonstrando Experiências vivenciadas na atuação policial em ocorrências de alta complexidade, onde os policiais não observaram estes conceitos, Santos (2003. p. 41) ilustra o desfecho que pode se ter no teatro de operações:

Assalto com tomada de reféns na rua Caetés em Belo Horizonte:

Em 28 de setembro de 2002, após assaltar o motorista de um veículo no centro de Belo Horizonte, um meliante tentou empreender fuga, sendo abordado por um policial militar que fora acionado pela vítima.

Diante da situação, o meliante corre até sofrer uma queda provocada por um transeunte, vindo este meliante a fazer uma criança de refém, dada a proximidade do policial militar.

Com a chegada de viaturas da Polícia Militar de Minas Gerais ao local, o meliante se detém no local, ainda com a criança, ameaçando dar um tiro em sua cabeça caso a PM se não se afastasse.

O oficial de serviço naquele momento ordenou que o quarteirão fosse isolado, permanecendo somente o policiamento, bem como o fechamento do comércio local, considerando a incerteza do desfecho da ocorrência, através de viaturas da Companhia de Trânsito e do Batalhão de Polícia de Eventos, além de outras do 1o Batalhão de Polícia Militar. (grifo nosso)

Adotados todos estes procedimentos, chegou ao local uma equipe de negociação do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), a qual deu prosseguimento à parlamentação com o marginal.

Os atiradores de elite da tropa se posicionaram e as demais medidas de praxe foram adotadas, mantendo-se o comando da Polícia Militar informado, a todo o momento, da situação.

Morro do pilar: O gerenciamento de uma crise

Em novembro de 1992, dois marginais planejaram um assalto à agência bancária da cidade de Morro do Pilar, após verificarem a inexistência de vigilantes naquele local e o reduzido número de policiais militares, que em princípio não ofereceriam resistência a eles.

Passada à fase de execução, os marginais, inicialmente, foram ao destacamento da PM e renderam o militar de serviço, apoderando-se de seu revólver e munição, chegando a ferir este militar na mão, durante tentativa de fuga deste.

Os assaltantes foram então até a agência bancária, onde pegaram o dinheiro e tomaram uma refém, deslocando-se a um posto de gasolina próximo, de onde praticaram um segundo assalto.

Diante da presença dos policiais militares do destacamento, os meliantes retornaram à agência bancária, de onde fugiram pelos fundos através de um terreno baldio, até uma pequena fazenda nas proximidades, onde fizeram novos reféns.

Um dos policiais militares que perseguiam os assaltantes, a fim de negociar com os marginais, deixou seu armamento e cinto de guarnição no chão e, levantando as mãos, aproximou-se do local, momento em que foi atingido por um tiro disparado pelos assaltantes, vindo a falecer. Ato contínuo, um dos assaltantes ainda foi próximo ao corpo do policial militar e apoderou-se de seu armamento e munições.(grifo nosso)

Diante da situação inusitada, as tropas da PM foram acionadas a comparecer ao local, quando se iniciou negociação até o rendimento dos assaltantes e libertação das reféns dois dias depois.

Problemas complexos como as ocorrências de alta complexidade em que pessoas são tomadas como reféns, raramente admitirão soluções simples. Exigem ações estratégicas, táticas e condutas operacionais específicas. Se as ações de resposta forem impulsivas ou desordenadas, como visto, ou se as autoridades e forças policiais não se organizarem devidamente, todos poderão contribuir para a ocorrência de um grande desastre.

2.3.2. Critérios para tomada de decisões

Nas ocorrências de alta complexidade, principalmente aquelas que envolvam reféns sob o risco de morte, o Gerenciador da crise, antes de decidir sob os critérios de ação deverá considerar alguns pontos.

Stochiero (2006) traz que a doutrina de gerenciamento de crise do FBI estabelece três critérios de ação, ou seja, necessidade, validade do risco e aceitabilidade. Para a confirmação destes critérios, há que se fazer a relação com os seguintes questionamentos:

  • Necessidade – isto é realmente necessário?

  • Validade do risco – vale a pena correr o risco?

  • Aceitabilidade – essa decisão é aceitável, sob o ponto de vista legal, moral e ético?

Além dos critérios apresentados, outro fator importante a ser considerado pelos agentes que irão gerenciar a crise e que auxiliará na decisão de utilização de força é a classificação de pessoas capturadas em vítimas e reféns que é dada por Thomé e Salignac (apud PICKLER, 2003, p. 27):

Para as nossas necessidades, trataremos de diferenciar em duas categorias as pessoas capturadas durante um evento crítico, denominando como reféns àquelas que possuem valor real para o captor. Diferentemente das vítimas, um refém será moeda valiosa para seu captor, que dele se valerá para garantir sua incolumidade física, a possibilidade de fuga ou de obtenção de vantagens, conforme cada caso.

Vítimas formam uma categoria que diz respeito àquelas pessoas capturadas e que não têm valor para os captores, sendo antes objeto de seu ódio: o captor busca a eliminação física dessa pessoa ou danos à sua integridade. Uma vítima não tem outro valor para quem a captura, exceto o da realização dos desejos de seu captor. Diferenciar entre uma e outra categoria muda radicalmente os rumos táticos e técnicos de uma Negociação.

Ocorrências em que se têm vítimas ao contrário de reféns, considerando o conceito apresentado em que o risco de vida para estas pessoas é iminente, caso o gerenciador da crise não consiga uma evolução no sentido da negociação, não lhe restará outra opção no sentido de alcançar os objetivos do gerenciamento (preservação da vida e aplicação da lei) que não através da utilização da força seja ela letal ou não.

Um questionamento poderia ser feito a respeito do direito a vida do cidadão infrator nestas situações, porém, considerando as palavras chaves na aplicação da lei descritas por Lazzarini (2003) negociação, mediação, persuasão, resolução de conflitos, o mesmo autor relembra que os objetivos de legitima aplicação da lei não podem sempre ser atingidos pelos meios de comunicação, permanecendo basicamente duas escolhas. Ou a situação é deixada como esta, e o objetivo da aplicação não são atingidos, ou os encarregados da aplicação da lei decidem usar a força e alcançar os objetivos.

Sobre o autor
Paulo Henrique Brant Vieira

Mestre em Direito. Especialização em Direito Público. Bacharelado em Direito e em Ciências Militares com ênfase em Defesa Social.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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