O diploma de jornalista e o Direito do Consumidor

31/05/2015 às 13:14
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Aborda a importância da formação acadêmica do jornalista sob a óptica do direito do consumidor

O diploma de jornalismo interessa ao Direito do Consumidor? Para responder a esta pergunta, façamos antes uma análise sobre o que é a notícia.

        Desde que passou a conviver em sociedade, o homem necessitou desenvolver meios de comunicação. Assim surgiram os códigos para a transmissão  de mensagens, Através das quais difunde-se entre os indivíduos dados sobre os mais diversos acontecimentos.

        Diante de cada acontecimento, o indivíduo é levado a adoção de atitudes. Para tanto, processa o significado dos dados que chegam ao seu conhecimento.

A informação vem a ser exatamente este fenômeno de emprestar significado as coisas. Portanto, a informação é a base do conhecimento humano. Logo, é ela essencial para todas as decisões do indivíduo ao longo de sua vida.

        Considerada sua existência imaterial, a informação é algo incorpóreo. E dado os  seus muitos e variados reflexos na sociedade, é induvidoso o interesse que desperta para a ciência do direito. Assim, então é ela um bem jurídico.

E pode-se atribuir-lhe valor econômico?  Como dito acima, sendo a informação a base do pensamento, as nossas escolhas resultam do processamento das informações de que dispomos sobre as situações vivenciadas. Se tencionamos uma viagem, procuramos conhecer os possíveis locais de destino; já quando se trata das finanças pessoais, levantamos dados para saber quais aplicações se adéquam ao nosso perfil e oferece maior rentabilidade; e assim o é em todos os assuntos da vida cotidiana. Logo, é induvidoso que a informação tem importância econômica.

            Reza o § 1° do Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor que  produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Sendo a informação um bem incorpóreo com potencial repercussão econômica, chega-se a sua classificação como  produto.

        Feita a análise da informação sob a ótica jurídica, avancemos agora em outros aspectos. O primeiro deles diz respeito ao seu transmissor.

        Todos nós a todo instante e em todo o lugar transmitimos informações. Porém, nem sempre fazemo-no em caráter profissional. Isto porque o ato da comunicação é essencial a convivência humana, independentemente de qualquer outro aspecto.

        Portanto, a informação que se enquadre como produto é aquela transmitida em caráter profissional. E vários são aqueles que o fazem. Para o nosso estudo a espécie de informação que interessa é a que transmite uma novidade. A notícia vem a ser essa espécie de informação, pois sua caracterização reclama a novidade como elemento essencial.

O historiador transmite informações, mas essas, ainda que inusitadas,  não se caracterizam como notícia no sentido estrito, eis que o fato revelado não possui a contemporaneidade de sua ocorrência. O profissional que produz uma informação que se classifica como notícia é o jornalista. Sua conceituação legal encontrava-se no Art 2º do Decreto-Lei 972, de 17 de outubro de 1969, o qual estabelecia que a   profissão de jornalista compreende, privativamente, o exercício habitual e remunerado de qualquer das atividades enumeradas em seus diversos incisos, todas elas relacionadas com a elaboração de uma matéria jornalística, desde a coleta de dados, até a sua divulgação.

Segundo reza o  Art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Cotejando-se os núcleos desta definição com as atividades que o supracitado Art 2º do Decreto-Lei 972/69 enumera como sendo intrínsecas  ao jornalismo profissional, encontramos a reprodução de dois deles , a saber: produção (na alínea “g” no seu sinônimo “preparo”), e distribuição (nas alíneas “d” e “j”). Então concluímos ser o jornalista um fornecedor na acepção das normas consumeiristas.

        Concluída esta segunda etapa do nosso raciocínio, agora é chegado o momento de abordar o sujeito que recepciona a notícia. Como enquadrá-lo juridicamente?

        Se esse sujeito for aquele que compra um jornal ou uma revista, a resposta não exige maior complexidade. É ele um consumidor, nos termos do Art. 2º da Lei 8.078/90, eis que é o destinatário final do que vai naqueles impressos, a notícia, a qual foi elaborada como objeto da atividade profissional de um fornecedor. Mas, se o sujeito em questão for o expectador de rádio ou de televisão ou, ainda, um leitor de site informativo? Ninguém paga a estes veículos para ter acesso aos seus conteúdos. A bem da verdade, sequer se pode individualizar a quem suas mensagens alcançam. Estamos, pois, diante do que prescreve o Parágrafo único. Do Art. 2º do CDC, segundo o qual equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. No direito norte-americano ––esse fenômeno é conhecido por  bystander. Reforçando estafigura de uma comunidade de pessoas indetermináveis, temos o consumidor por equiparação, prevista no Art. 17 do CDC. Portanto, é induvidoso que todo aquele que lê, assiste ou ouve uma notícia é o destinatário final de um produto, pelo que é um consumidor, seja no sentido estrito, seja-o por equiparação.

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Retornemos a nossa pergunta inicial: o diploma de jornalismo interessa ao Direito do Consumidor?  Sua resposta é sim. O jornalismo é uma atividade profissional. A informação é um bem. Logo, aquele que se ocupa em informar, é um fornecedor; a notícia é um produto; e, o seu destinatário é um consumidor, tudo conforme o CDC. Portanto, o diploma de jornalismo interessa ao Direito Consumeirista.

Ao julgar o Recurso Extraordinário 511961 / SP, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo obteve a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei 972/69. O STF entendeu que o citado Decreto-Lei afrontava a garantia de livre manifestação de pensamento, por torná-la privativa dos jornalistas.

        A liberdade da expressão merece a mais renida vigilância. Porém, é preciso distinguir o que é opinião e o que é informação.

        Vem das primeiras décadas do Século XVIII, uma cultura jornalística de separar os textos noticiosos daqueles opinativos. Seu precursor foi o Jornalista Samuel Buckley o qual dirigiu o Daily Courant (1702/1735). É comum em nossos dias a existência em jornais das colunas  entituladas “OPINIÃO”, reservadas aos editoriais e articulistas. Destinam-se os editoriais a transmitir o posicionamento do periódico sobre determinado assunto. No espaço reservado aos articulistas são veiculadas idéias sobre os mais variados temas sem o compromisso de refletir a opinião do veículo noticioso. Tais espaços não são exclusivamente ocupados por jornalistas.

        Já outros espaços dos veículos de comunicação são destinados as matérias informativas. Nelas os fatos são narrados com objetividade, para o que o seu autor, o jornalista, abstém-se dos juízos valorativos, numa atividade investigativa, na qual procura conciliar os pontos divergentes, buscando o máximo de isenção possível . A lógica aqui prevalecente é que ao público destinatário cabe a análise dos acontecimentos e a formação de sua própria opinião.

        Distintas as duas vertentes da imprensa, vê-se que o STF, declarando desnecessário o diploma para o exercício do jornalismo, ainda que o tenha feito em nome da liberdade de manifestação do pensamento, atendeu aos interesses das empresas de comunicação e vulnerou a dignidade de uma classe essencial a garantia do acesso a informação. E ainda prestou um desserviço aos seus consumidores.

Entre as empresas de comunicação e os seus destinatários há uma relação de consumo, como acima demonstrado. O fornecedor, o veículo de comunicação, deve entregar um produto de boa qualidade, isto é, uma informação fidedigna. Para dar uma boa mensagem informativa, não basta apenas boa redação, necessita-se do domínio de outros recursos técnicos, inclusive investigativos. E para tal destreza não há via mais segura do que a Academia.

        Dispensar a formação técnica do jornalista é expor os consumidores de informações ao risco de um produto defeituoso, que não oferece a segurança que dele se espera. Portanto, na discussão  do diploma de  jornalismo, está em jogo muito mais que o interesse corporativo de uma classe profissional, mas sim o interesse difuso de toda a sociedade. E como já disse Napoleão: não anda bem a sociedade quando as palavras contradizem os fatos.

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Sobre o autor
Mário Lima

advogado e procurador do Estado da Bahia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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