Cybercrimes na deep web: as dificuldades jurídicas de determinação de autoria nos crimes virtuais

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03/06/2015 às 21:52
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           3. O PARADOXO DO CONTROLE E LIBERDADE: EVITANDO O EFEITO “INIMIGO DO ESTADO”.

                3.1 A TUTELA ESTATAL E O CONTROLE DA INTERNET

Uns dizem que eles são cineastas, jocosamente dizemos que são profetas, verdadeiros Nostradamus contemporâneos. Um bom exemplo do que falamos é a mensagem deixada pelo diretor Tony Scott no filme Inimigo de Estado[86], um tema atual – o controle da sociedade via rede - abordado nos idos de 1998. Na obra cinematográfica o protagonista Will Smith vira alvo de uma agência de segurança norte-americana e tem sua vida totalmente controlada e vigiada pelos modernos sistemas de tecnologias ao arrepio de todas as garantias e direitos que conhecemos.

Esse controle moderno e tecnológico é o mesmo tratado outrora pelos filósofos Michel Foucault e Gilles Deleuze. Em Post-Scriptum, artigo sobre sociedade de controle, Gilles Deleuze nos dá a tônica dessa modificação dos mecanismos de controle. Passando pelo controle disciplinar de Foucault para a sociedade de controle e culminando com sua modulação, ora senão vejamos:

[...]Controle é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virilio também analisa sem parar as formas ultrarrápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado.[87]

Em sua análise, Deleuze aduz que os antigos mecanismos de controle como escola, fábrica, exército foram substituídos. Ressalta a mudança do sistema capitalista que já não é mais dirigido para produção, mas, sim para o produto.

Os sistemas de controle não se preocupam mais com a vigilância dos movimentos do indivíduo o interesse atual é interpretar, interceptar e escutar. Com o advento da internet a preocupação é com a dinâmica das comunicações.[88] A todo o momento nós produzimos informações na web, fazendo compras on-line, preenchendo cadastros, estudando, participando de debates em fóruns, nos divertindo, nos relacionando, etc. Colocamos na internet um gigantesco volume de dados que são processados e analisados para que depois os controles possam se estabelecer objetivando moldar os padrões de comportamentos a partir das nossas próprias ações.

As tecnologias disponíveis nos oferecem uma série de vantagens, contudo, há sempre um mecanismo que pode ser utilizado para o controle, um bom exemplo disso é do GPS (Global Positioning System) embutido nos smartphones, por meio deles é possível ter a localização geográfica exata da pessoa que porta o respectivo aparelho.

Os sistemas de segurança de vídeo se espalham nos grandes centros urbanos e já chegam às pequenas cidades, de tal forma que dificilmente, quando em público, não temos nossas imagens registradas pelas câmeras de vídeo desses circuitos.

Grandes empresas e Governos já experimentam a ferramenta denominada Big Data, que nada mais é do que o processamento por computadores de grande porte de inúmeras informações estruturadas e desestruturadas disponíveis na rede mundial de computadores. Por meio dessa tecnologia é possível, por exemplo, prever o comportamento em massa, gostos, preferências, fluxos de informações, etc. Vejamos o conceito da mídia especializada:

Big Data é o conjunto de soluções tecnológicas capaz de lidar com dados digitais em volume, variedade e velocidade inéditos até hoje. Na prática, a tecnologia permite analisar qualquer tipo de informação digital em tempo real, sendo fundamental para a tomada de decisões.[89]

Os exemplos de utilização são os mais diversos, desde o uso de programas que analisam mensagens postadas em redes sociais para prever os índices de desemprego à analise de geolocalização de pessoas por meio de chips SIM, após uma catástrofe para facilitar a ajuda humanitária. As soluções tecnológicas permitem analisar um enorme volume de dados de forma rápida e ainda oferecem total controle ao gestor das informações, sendo que as fontes de dados são as mais diversas possíveis, textos e fotos em rede sociais, passando por imagens e vídeos, até jogadas específicas no esporte.

Diante desses mecanismos de controle que se tornam quase imperceptíveis, é que a questão acerca da tutela penal sobre cybercrimes mostra-se sensível. A linha nesse ponto é muito tênue, qualquer medida pode afetar os limites entre tutelar e controlar o ciberespaço.

A grande rede mundial de computadores tem como princípios básicos a liberdade e a privacidade, dois grandes princípios que geralmente são relativizados quando se busca uma tutela eficaz.

A Internet é o meio que possibilita a comunicação mais livre que já se conheceu. A liberdade de expressão é ponto crucial para a construção de uma sociedade democrática, nas sociedades contemporâneas o acesso a Internet e o fluxo de ideias possibilitam o crescimento da pessoa e dos povos. Qualquer usuário conectado a grande rede mundial de computadores tem capacidade para falar livremente, debater ponto de vista, inovar conceitos, aprender e dividir conhecimentos.

A observação desses princípios é crucial no momento de regulamentar o ciberespaço, recentemente nos Estados Unidos e na Europa houve uma grandes manifestações contra projetos de leis antipirataria na web que buscam controlar e limitar o uso da Internet, os mais conhecidos são: Stop Online Piracy Act (SOPA), Protect IP Act (PIPA) e o Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA). Passamos a destacar logo abaixo alguns comentários realizados pela mídia especializada acerca desses projetos de leis:

[...]O Acta foi negociado a portas fechadas, apenas entre os países ricos e os que estão no seu campo de influência direta, e agora deve ser empurrado para outros países em troca de vantagens comerciais. O presidente dos EUA, Barack Obama, colocou as negociações como “segredo de segurança nacional”,[...]O ponto mais polêmico certamente é o que fala que provedores de acesso e a polícia devem agir para “prevenir” e impedir infrações da propriedade intelectual, o que pode levar à desconexão forçada de reincidentes e de alguma forma impedir a livre circulação de ideias na internet e também fora dela.[...][90]

Observemos com cautela uma crítica ao SOPA:

[...]No Sopa, a proposta é ter penas de até 5 anos de prisão para os condenados por compartilhar conteúdo pirata por 10 ou mais vezes ao longo de 6 meses. Os sites como Google e Facebook, por exemplo, também poderiam ser punidos pela acusação de "permitir ou facilitar" a pirataria. A pena seria o encerramento dos serviços e banimento de provedores de internet, sistemas de pagamento e anunciantes em nível internacional. Pela lei, qualquer site pode ser fechado apenas por ter conexão com outro site suspeito de pirataria a pedido do governo dos EUA ou dos geradores de conteúdo[...][91]

O sistema de alerta/sanção do SOPA é similar ao da política criminal repressiva denominada Three Strikes and You’re Out (Três faltas e você está fora). Nascida em 1994, no estado de Illinois Estados Unidos, as regras dessa política criminal faz alusão às do jogo de beisebol onde se determina a expulsão do jogador no cometimento da terceira falta. A lei orienta-se pela perpetuidade da reincidência e estabelece penas gradativas, de acordo com as condenações sofridas[92].

O texto do SOPA prevê que as empresas detentoras dos direitos autorais emitam os alertas, bem como, permite que o Departamento de Justiça dos EUA investigue e desconecte qualquer pessoa ou empresa acusada de disponibilizar na rede sem permissão material sujeito a direitos autorais dentro e fora do país.

Com receio de terem seus serviços bloqueados em virtude de divulgação não autorizada de conteúdos protegidos, provedores de conteúdos, como Google, Facebook, Youtube, etc, iriam monitorar todo conteúdo inserido e pesquisado em seus sites. Neste cenário, imagine que todas as nossas consultas ao Google seriam monitoradas em tempo integral.

Notadamente essas propostas violam direitos fundamentais, como a exemplo da privacidade, a liberdade de expressão e de defesa, assim como a livre circulação de ideias e o anonimato na rede fica seriamente ameaçado, uma verdadeira ditadura digital.

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Cumpre-nos ressaltar que os usuários da Deep Web não serão afetados com essas restrições, visto que, como já expomos outrora, o anonimato e segurança são características dos navegadores das camadas mais profundas da internet. A lei só alcança o usuário comum.

    3.2 UM PEQUENO ESBOÇO DA SOLUÇÃO

Seria pretensioso de nossa parte apontar uma solução definitiva para um problema tão completo quanto o apresentado durante esse trabalho. São tantas variáveis em um ambiente dinâmico e ubíquo que no pautamos por uma sugestão que atenue a incidência de cybercrimes.

A determinação da autoria de um cybercrime oriundo da Deep Web não depende tão somente de um arcabouço normativo, vai muito mais além. Existe a necessidade de um esforço mundial, tanto na seara legislativa quanto na parte operacional e logística com treinamento e atualização técnica, bem como no emprego de tecnologias disponíveis. Todo esse esforço deve ter na cooperação internacional um apoio irrestrito e a participação efetiva da iniciativa privada, como já é realizado nos Estados Unidos que mantém parcerias com grandes empresas do setor, como por exemplo:Google, Microsoft, Facebook, Yahoo, dentre outras.

Apontamos no capítulo anterior que a solução para uma tutela eficaz sobre cybercrimes requer mais do que um conjunto de regras hermeticamente fechado em um plano jurídico. A pluralidade de legislações sem a devida conexão com leis de outros países, resta ineficaz. Por outra banda leis de abrangência global dificultam a logística no cumprimento por parte dos países signatários, haja vista as diferenças inerentes a cada país.

A regionalização harmônica de legislações pertinentes aos cybercrimes, na nossa ótica, desponta como uma das melhores formas de se tutelar de forma satisfatória os delitos oriundos do ciberespaço. Uma legislação que observe e equacione as desigualdades tecnológicas e jurídicas de cada nação. Os planos regionais seriam conectados uns aos outros criando uma verdadeira malha mundial para o combate aos cybercrimes.

A composição da malha anti cybercrimes utilizaria uma estrutura pré-existente, tendo como vértice orientador a Organização das Nações Unidas (ONU) e as demais Organizações Internacionais.

Com a estrutura definida buscaríamos concretizar os seguintes pontos:

  • Harmonização das legislações materiais e processuais pertinentes aos cybercrimes nos moldes da Convenção de Budapeste, tendo a ONU como vértice;
  • Homogeneização das leis de cybercrimes dividindo-as em blocos respeitando as desigualdades técnico-juridicas inerentes aos países que compõe o respectivo bloco;
  • Criação de um centro de comando operacional e jurídico a ser mantido em regime de plantão 24 horas por cada país integrante do bloco para atender os incidentes de cybercrimes;
  • Criar mecanismos jurídicos que possibilitem a troca de informações em tempo hábil entre os blocos;
  • Transferência de técnicas, por meio de capacitação e treinamento entre os países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos objetivando minimizar as lacunas tecnológicas existentes;
  • Capacitação e treinamento de magistrados, promotores, advogado e serventuários da Justiça;
  • Criação de varas especializadas de cybercrimes;
  • Doação de equipamentos informáticos de ponta dos países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos manter uma estrutura homogênea;
  • Dotar e capacitar as policiais para investigar em tempo hábil os incidentes de cybercrimes;
  • Criar mecanismos jurídicos para cooperação da iniciativa privada;

Há de se observar que vislumbramos muito mais que um plano jurídico, para que haja uma garantia de aplicação da lei e consequentemente consiga-se determinar a autoria de um cybercrime.

Ressaltamos que se torna preponderante por parte dos Governos que instituam desde o ensino fundamental disciplinas abordando a temática do ciberespaço, objetivando não só conhecimento, desenvolvimento e utilização das tecnologias existentes, como o bom uso delas. Como asseveramos, o comportamento da vítima é um fator que contribuí para o crescimento dos cybercrimes. Da mesma forma que somos educados para não falar e nem receber nada de estranhos, devemos também ter esse mesmo nível de consciência no ambiente virtual. Infelizmente a Internet está cheia de armadilhas prontas para nos vitimar, compete-nos ter um pouco de desconfiança e cautela com o nosso comportamento na rede. Na seara digital temos comportamento completamente antagônico ao que temos na vida real e isso deve ser trabalhado desde tenra infância.

Na elaboração deste trabalho apontamos para a existência de dificuldades técnicas envolvidas. São limitações geograficas, físicas, politicas, de hardware, de software e estrutural inerente ao próprio ciberespaço que plano normativo algum consegue alcançar e se fazer efetivo. A criptografia é um bom exemplo de limite físico, pois, dados criptografados não podem ser quebrados e seu conteúdo torna-se inviolável e protegido. Para que um dado criptografado fosse quebrado seriam necessários milhares de máquinas e centenas de anos.

Em verdade há como se conter todos os cybercrimes, existem várias formas para fazer esse controle, seja técnico seja jurídico, contudo, a adoção de tal medida inviabilizaria por completo a Internet. Tecnicamente tornaríamos a Internet extremamente lenta e bem diferente da dinâmica que ela possui hoje. Analogamente citamos os sistemas de proteção de uma residência, quanto mais proteção se tem, mais tempo se leva para sair e entrar na mesma.

Na seara jurídica o estabelecimento de controles totais traria dano social sem precedentes, pois, princípios, direito e garantias inerentes a todos os ordenamentos jurídicos seriam amplamente violados.

A Internet nasceu, cresceu e se desenvolveu sob a premissa da liberdade, a velocidade do seu desenvolvimento está diretamente atrelada a essa característica. Estabelecer a cultura do controle além de ser prejudicial, colocaria em risco toda a sociedade, pois, quem tivesse controle sobre a Internet, ditaria os rumos da humanidade.

Sobre o autor
Leonardo Andrade

Bacharel em Direito, formado pela UNIT - Centro Universitário Tiradentes. Pós Graduando em Direito Digital e Compliance pelo Damásio Educacional, Agente de Policia Civil do Estado de Alagoas especializado em Investigações de Cybercimes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

A virtualidade remove a percepção do perigo na internet, as pessoas não se atentaram ainda que o comportamento no ciberespaço é refletido na esfera real. Os cibercriminosos sempre estão atentos a esses comportamentos e colocam as armadilhas virtuais nos pontos vulneráveis, buscando atrair a maior quantidade de vítimas.As frágeis e inócuas leis restam ineficazes neste novo cenário digital, principalmente nos cybercrimes oriundos da Deep Web.

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