Não precisa ser especialista para perceber que algo de errado acontece nas cidades brasileiras, em especial, em suas grandes cidades, as quais se confundem com as capitais dos principais Estados da federação. Em todas elas percebe-se uma desconexão entre as políticas de desenvolvimento social e econômico e as políticas de redução das desigualdades sociais e, principalmente, territoriais.
De maneira geral, a ocupação histórica das principais cidades brasileiras se deu por processos dos mais variados, segundo as concepções de planejamento e “urbanização” que se conheciam ao seu tempo. No entanto, percebe-se um fato comum nos processos de ocupação destas áreas urbanas: a existência de zonas não estruturadas, onde foram “depositadas” e se acumularam as populações “menos favorecidas”. Tudo bem que este processo não é uma exclusividade de nosso país. Trata-se de realidade que sucedeu em diversos países. Ocorre que o Estado brasileiro não realiza, senão na Constituição Federal, um esforço eficaz no sentido de melhorar as condições de vida destas populações segregadas.
Não se pode negar que ocorreram melhorias (nas últimas décadas) no padrão de vida de muitas destas pessoas (“populações periféricas”), através de prestações materiais específicas (auxílios, bolsas, programas, etc.). No entanto, entendo que tais medidas não são suficientes para mudar, definitivamente, a realidade de suas condições de vida. Mais do que o que transferência de renda ou a garantia de um “mínimo existencial”, o Estado brasileiro precisa realizar obras estruturantes que permitam gerar inclusões sociais e econômicas, com o aumento gradativo da competitividade dos territórios segregados.
Uma das formas de garantir tais mudanças, por exemplo, é através da implantação de um eficiente e regular sistema de transportes públicos, que seja independente do natural fluxo de automóveis que “entopem” e “engarrafam” as principais ruas e avenidas das cidades brasileiras, o que têm gerado inúmeros transtornos aos usuários e demais moradores da urbe e das regiões metropolitanas, com incontáveis prejuízos às atividades econômicas.
Não há dúvida que um sistema de transporte público eficiente é importante para a concretização de direitos fundamentais (muitos deles integrantes da denominada Ordem Social) dos mais diversos tipos, tais como: saúde, educação, lazer, moradia, trabalho, segurança pública, entre outros.
No entanto, o que se observa é que as mudanças necessárias nesta área se “enroscam” em interesses políticos e econômicos (que se elevam como fatores “reais” de poder, na famosa acepção de Ferdinand Lassale) que dominam o cenário das relações políticas nas principais cidades do país. Algo ou alguém precisa romper com as barreiras de barganhas políticas e econômicas que cercam e restringem a realização de políticas de planejamento urbano que sejam verdadeiramente democráticas, de modo que se realizem as obras necessárias à redução do referido déficit de competitividade territorial observado em parcelas do território urbano, segregadas por processos históricos de ocupações elitizadas que polarizaram e ainda polarizam o contexto da distribuição espacial das populações urbanas nas principais cidades do Brasil.
A reserva do possível (argumento para não se realizar tudo que é necessário em um “curto espaço de tempo”, baseado na escassez de recursos financeiros - orçamentos) não deve prevalecer como “discurso preparado” para a não realização das transformações necessárias com vistas a esta mudança de paradigma, ainda mais quando a realização da Copa no Brasil neste ano de 2014 tem dado provas de que quando o país quer, consegue dotar as cidades das estruturas necessárias para os objetivos que queiram alcançar.
Em síntese: dinheiro o país tem de sobra (investe-se até em obras estruturantes em outros países, como ocorre em Cuba, por exemplo), para dotar as cidades da estrutura de transportes públicos e de obras de mobilidade urbana que forem necessárias: implantação de sistemas de Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) ou de Veículos Leves sobre Rodas (VLRs), Metrôs, etc. O que o país precisa agora é de políticos corajosos e honestos que estejam mais comprometidos com as cidades do que com seus próprios interesses, de modo que este único aspecto do cenário urbano possa gerar grandes transformações sociais, dando os primeiros passos para o estabelecimento de cidades sociais e economicamente sustentáveis.