Gestão temerária na Petrobrás?

05/06/2015 às 06:34
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O ARTIGO, A PARTIR DE CASO CONCRETO NOTICIADO, FAZ ABORDAGEM JURÍDICA SOBRE O TEMA.

Informa-se que a ex-presidente da Petrobrás, Graça Foster, reclamou de “gestão temerária” na estatal e se disse ofendida quando seus atos foram comparados aos da administração anterior, que foi nomeada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tal desabafo foi feito em reunião tensa do conselho de administração da companhia, em 27 de janeiro de 2015, quando se discutia uma forma de estimar as perdas com a corrupção e o superfaturamento das obras, descobertos na operação  Lava-Jato.

O objetivo era a publicação do balanço contábil do terceiro trimestre da estatal.

Segundo o Jornal Estado de São Paulo, dias antes de ser levada a renunciar ao cargo, Graça Foster, em colisão com outros conselheiros, defendeu a publicação de notas explicativas que indicavam, naquele momento, a necessidade de baixar R$88 bilhões dos ativos da companhia. Dias depois, conforme se noticiou, contrariada com a divulgação do valor, a presidente Dilma Roussef acertou com a executiva a renúncia dela e de mais cinco diretores.

A matéria merece ser tratada sob o ponto de vista de suas repercussões no direito.

Para Magalhães Noronha(Direito penal, volume II, 1976, pág. 481), em se tratando de sociedades por ações, parece necessário o exame de que o fato tenha lesado ou posto em perigo as pequenas economias de um grande, extenso e indefinido número de pessoas. Disse Magalhães Noronha: “Assim se o fato é enquadrável no artigo 177 do Código Penal e em dispositivos da Lei n. 1.521, de 1951, que substituiu o Decreto-lei n. 869, de 1938, mas se a lesão real ou potencial atinge apenas a uma ou duas dezenas de pessoas ricas ou de magnatas que subscreveram tudo o capital social, cremos que muito mal o delito poderia ser considerado  contra a economia do povo. Ao contrário, se a subscrição fosse feita por avultado e extenso número de pessoas que, com seus minguados recursos, subscreveram uma ou outra ação, a ofensa patrimonial seria dirigida contra a economia popular. Numa hipótese, temos pequeno grupo de pessoas prejudicadas, noutra é, a bem dizer, o povo, tal o número de lesados que sofre o dano”.

O interesse patrimonial genérico dos acionistas é protegido através de normas que salvaguardam a veracidade e a autenticidade das informações sobre a constituição e o funcionamento da sociedade; a integralidade de seu capital social e o funcionamento correto do mercado de títulos societários; a atuação correta de administradores e fiscais no interesse da sociedade e, pois, os interesses jurídicos patrimoniais da própria sociedade e de seus credores.

É crime a conduta de fraudar  sobre as condições econômicas da sociedade por ações: Comete o crime o diretor, o gerente, ou o fiscal de sociedades por ações, que, em prospecto, relatório(incluindo-se demonstrações financeiras), parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo. É crime praticado após a constituição da sociedade. O elemento subjetivo é o dolo. O crime é formal. O tipo objetivo consiste em fazer afirmação falsa(ao público ou assembleia) sobre as condições econômicas da sociedade ou em ocultar fraudulentamente fato a elas relativo. O tipo e misto alternativo e a realização de mais de uma das formas de conduta punível não implica em pluralidade de crimes. Na primeira modalidade o crime é comissivo e na segunda omissivo. No caso do falseamento do balanço, ensinou Nelson Hungria(Comentários ao código penal, volume VII, pág. 287), aludindo às fraudes destinadas a falsear o balanço ao exemplificar: criação de um ativo artificial, pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários, ou ao estoque; criação de um ativo artificial pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários ou ao estoque; simulação de estoques inexistentes; majoração do algorismo dos títulos em carteira; cômputo no ativo de dívidas incobráveis, litigiosas ou prescritas;inclusão de lucros problemáticos ou ainda não realizados; omissão de  perdas previstas como certas; jogo de escrita sobre operações fictícias. A ocultação fraudulenta, como disse Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 450), é ainda o fato de omitir para enganar a outrem, fato relevante sobre as condições econômicas da sociedade, que o agente tenha o dever de revelar.

Pune-se a manipulação do mercado.

No Brasil, a conduta específica de realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, por exemplo, é disposta em legislação extravagante.

Tem-se o tipo penal disposto no artigo 27 – C da Lei 10.303/2001:

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.

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Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

O crime envolve a conduta de criar condições artificiais de demanda e ou oferta desses títulos, objetivando tornar os preços irreais. Assim estaria minada a confiança dos investidores no mercado, pois são criados novos riscos além daqueles normais do mercado a gerar ineficiência. Desta forma  o agente, através de manipulações do mercado, simula um risco elevado para determinada ação, acarretando a desvalorização desta, de forma a inibir investidores que seriam  atraídos para comprar uma ação de alto risco, sendo que poderiam comprar  uma outra com menor risco, reduzindo, de forma artificial, a demanda, pois quanto menor esta, menor será o preço. O agente assim, com a manipulação, poderia comprar estes papeis a preços muito baixos e revendê-los, logo após, a preços mais altos após estar normalizado o mercado. Essa conduta traria prejuízos ao mercado. Ainda poderia acontecer tal quando algumas pessoas realizam uma série de operações seguidas de compra e venda que vão crescendo de modo a criar uma ilusão de que o valor  das ações seria muito maior do que realmente valeriam, trazendo prejuízos a investidores de boa-fé, que comprarem essas ações supervalorizadas. Cria-se uma situação artificiosa, em estado de fraude, onde se busca valorizar ações que detém para vê-los negociados a altos preços, quando, na verdade, não ostentam tal valor. Buscam desvalorizar ações que pretendem, para adquiri-las, por ninharias, para, logo em seguida, revendê-las pelo valor que efetivamente possuem obtendo assim o lucro fácil, em prejuízo e até quebra de empresas envolvidas.

Trata-se de crime formal que tem como elemento do tipo a forma dolosa.

Sujeito ativo do crime é o administrador. Mas somente poderá ser responsabilizado como administrador aquele que exercer poder de gestão na instituição, direcionando e organizando a sua vida social. Não se trata de ocupar um cargo meramente figurativo, mas se trata de saber se o administrador contribuiu ou não para a infração. Na Lei das Sociedades Anônimas, administrador é o diretor, bem como o conselheiro, membro do Conselho de Administração. Essa a melhor interpretação a ser dado ao conceito de quem pode cometer tal crime.

E vital a devida apuração do fato informado pela Comissão de Valores Mobiliários.

É mais um leque de investigações que certamente devem ser conduzidas no âmbito da chamada operação “Lava-Jato”, que têm preventa Vara da Justiça Federal no Paraná.

A prevenção se dá quando, tendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, venha um dele, antecipando-se aos outros praticar algum ato ou determinar alguma medida, mesmo antes de oferecida a denúncia (prisão preventiva, fiança) que o torne competente para o processo, excluídos os demais" (PAULO LÚCIO NOGUEIRA. Curso Completo de Processo Penal, 3ª ed., Saraiva. l987, pág. 66).

Preventa estará a jurisdictio de um juízo, quando este preceder, antecipar-se aos demais juízes igualmente competentes em algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anteriormente ao oferecimento da denúncia ou queixa.

Prevenção é critério de fixação da competência.

Prevenção é ato de prevenir, e prevenir (de prevenire) é vir antes, chegar antes, antecipar-se etc. Diz-se, então, prevenida ou preventa a competência de um juiz quando ele se antecipou a outro, também competente, na prática de ato do processo ou de que a este se relacione, como sucede com a prisão preventiva, a em flagrante, as buscas e apreensões, o reconhecimento de pessoas ou coisas etc.

O caso aqui tratado é um dos motivos pelos quais se discute uma Lei de Responsabilidades das Estatais.

O projeto estabelece requisitos mínimos de experiência e aptidão técnica para ocupantes de cargos em conselhos, comitês e diretorias das estatais. Define ainda a responsabilidade civil, administrativa e/ou criminal dos administradores (diretores e membros do conselho de administração) das empresas estatais.

O tema está extremamente atual sobretudo depois que os escândalos da Petrobrás vieram à tona e se descobriu que o Conselho de Administração da estatal deixou passar ilicitudes que resultaram em prejuízo à empresa. Acresça-se a necessidade de inserir restrições, como proibir ministros e ocupantes de cargos até o terceiro escalão de participar de conselhos das estatais.

Observa-se no episodio o conflito de interesses quando revelado o papel do então Ministro da Fazenda no sentido de impedir que a então presidente da Petrobrás, Graça Foster colocasse no balanço o prejuízo que considerava correto. O balanço acabou saindo com metade daquele prejuízo previsto inicialmente.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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