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Aspectos relevantes do dano moral

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01/04/2003 às 00:00
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5. Indenização pecuniária como satisfação pelo dano moral

Mister discorrer acerca da função pecuniária na reparação moral.

É evidente que a prestação pecuniária jamais poderá suprir de forma eqüipolente os danos morais, porquanto óbvio que os padecimentos extrapatrimoniais e a pecúnia possuem naturezas díspares, sendo, destarte, eqüitativamente incompensáveis.

Contudo, há o intento da concepção de ofensa moral como fato jurídico, onde a indenização assume o mister de atenuar os prejuízos experimentados, na tentativa de suprir, monetariamente, os agravos gerados.

Nesse sentido, o escopo da indenização pecuniária como forma de reparação por danos morais é justamente proporcionar ao ofendido um eficaz instrumento para purgar, ou ao menos atenuar, os efeitos dos prejuízos extrapatrimoniais suportados.

Isto porque a indenização não tem o condão de conceder à vítima a satisfação pelo mesmo objeto do agravo, mas possibilita que se restabeleça, na medida do factível, o status quo ante a ofensa sofrida.

Não obstante ao ordenamento jurídico não possuir ferramentas para aferir o quantum exato em dinheiro para satisfazer o dano moral puro, é unívoco ao prescrever pela integral reparação dos abalos dessa natureza.

Vale ressaltar, a indenização como instrumento de reparação por danos morais há que descrever o binômio da satisfação – punição. Veja-se:

O caráter satisfatório da composição do prejuízo moral é revelado pela busca da efetiva reparação dos padecimentos amargados pela vítima, ou ao menos pela minimização destes, haja vista que o intento precípuo do aspecto satisfatório da reparação moral é "dar à vítima um meio adequado para fazer desaparecer, ou, pelo menos, para neutralizar ou, sequer seja, para atenuar seus efeitos." [10]

A indenização moral sob seu prisma punitivo é exprimida pelo sentido de que a conduta lesiva do ofensor não fique impune, devendo-lhe ser atribuída determinada sanção, sobretudo como forma de dissuasão de práticas abusivas congêneres, haja vista que "seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido". [11]

Manifesta-se a Jurisprudência:

"... o direito a indenização pecuniária, está voltada não apenas a trazer atenuação à ofensa causada, mas também constituindo uma sanção imposta ao ofensor, que estimule a melhor zelo pela integridade da reserva moral dos outros." (TJSP, ap. cível 40.061-4, São Carlos, 5ª Câmara de Direito Privado, rel. Marco César, j. 21.05.98)


6. Sobre a banalização do instituto

Em consonância ao que foi exposto anteriormente - tópico 1 -, o tema concernente à reparação por dano moral puro sofreu considerável evolução, demorando árduos longos anos para ser efetivamente inserido no ordenamento jurídico pátrio.

Não obstante, agora que reconhecido, o instituto transformou-se em objeto de inúmeras ações que abarrotam nosso Poder Judiciário, muitas delas absolutamente descabidas, revelando o intento pernicioso dos autores dessas demandas, que visam pretensões absurdas.

Um exemplo de despropósito, bem possível aliás: aquele que, valendo-se do seu direito constitucional de ação, sofre uma brusca fechada no trânsito e se vê no direito de postular uma indenização por danos morais no valor de R$ 1.000.000,00. É um verdadeiro disparate.

Ora, defendemos, sim, a ampla tutela à moral e à imagem. Contudo, o pedido indenizatório deve ser pautado por uma pretensão justificada, marcada pela razoabilidade e conveniência. Se assim não for, imperiosa a submissão do autor da demanda judicial aos efeitos da litigância de má-fé, além, é claro, da total improcedência do pedido.

Mesmo que fundamentada a pretensão do autor pela reparação moral, por certo que procedentes serão as ações, mas que ao menos seja a indenização fixada na medida do agravo sofrido, mas sob hipótese alguma em valores exorbitantes.

Justamente por essas razões, nossos tribunais têm se mostrado rígidos na fixação da verba reparatória, inclusive como instrumento de preservação do instituto, impedindo que absurdas indenizações subvertam o causador do dano à condição de nova vítima ao ter de suportar uma reparação demasiada e desproporcional à ofensa.

A Jurisprudência vem coibindo com êxito o locupletamento indevido do ofendido, limitando a verba reparatória a valores adequados e condizentes com a realidade atual, máxime porque a vítima deve encontrar na reparação um meio de satisfação do dano moral experimentado, e não uma caderneta de aposentadoria ou um bilhete de loteria premiado.

Com efeito. Convém dizer que nem todo mal-estar configura dano moral, no sentido de que "seria reduzir o dano moral a mera sugestibilidade, ou proteger alguém que não suporta nenhum aborrecimento trivial, o entendimento que o dano moral atinge qualquer gesto que causa mal-estar". [12]

Veja-se ainda:

"O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância (...) e que o homem médio tem de suportar em razão de viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações". [13]

Vale ressaltar que a reparação por dano moral há que ser arbitrada dentro da razoabilidade, haja vista que não tem o condão de propiciar enriquecimento ilícito de quem postula, prática repelida pelo sistema jurídico.

Corroborando com o que se aduz, cabe trazer à colação a orientação prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça:

"É de repudiar-se a pretensão dos que postulam exorbitâncias inadmissíveis com arrimo no dano moral, que não tem por escopo favorecer o enriquecimento indevido. (AGA 108923/SP, 4ª Turma, DJ 29/10/96)"

Os demais Tribunais pátrios são unívocos ao prescreverem o mesmo posicionamento:

"Dano moral arbitrado como prudente arbítrio, não sendo fonte de enriquecimento. (TJSP, ap. cível 016.547-4, 3ª Câmara de Direito Privado, re. Ney Almada, 01/04/97)"


7. O Projeto de Lei do Senado número 150 de 1999

Tramita pelo Senado Federal o Projeto de Lei n.º 150 de 1999, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares, que dispõe sobre danos morais e sua reparação, limitando os valores de acordo com a gravidade da ofensa.

O texto original do Projeto, em seu artigo 11, § 1º, prescreve:

Art. 11..........

§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis:

I – ofensa de natureza leve: até cinco mil e duzentos reais;

II – ofensa de natureza média: de cinco mil duzentos e um reais a quarenta mil reais;

III – ofensa de natureza grave: de quarenta mil e um reais a cem mil reais;

IV – ofensa de natureza gravíssima: acima de cem mil reais.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, modificando a proposição do artigo 11, § 2º, aprovou o Substitutivo com o seguinte teor:

"Entendi por bem alterar, por via do Substitutivo que ora apresento, os valores constantes da proposição, elevando o teto da ofensa de natureza leve para R$ 20.000,00; fixando a ofensa de natureza média de R$ 20.000,00 a R$ 90.000,00, e ainda, fixando a ofensa de natureza grave de R$ 90.000,00 a R$ 180.000,00. Supri a ofensa gravíssima, por entender que o superlativo fazia-se desnecessário".

Destarte, o que se propõe é a subdivisão da indenização por danos morais em três categorias distintas, levando-se em consideração o grau de culpa contida no ato ilícito perpetrado pelo causador da ofensa. À divisão:

- Natureza leve: até R$ 20.000,00;

- Natureza média: de R$ 20.000,00 a R$ 90.000,00;

- Natureza grave: de R$ 90.000,00 a R$ 180.000,00.

Em que pese o nobre propósito, o Projeto de Lei em apreço, que busca a parametrização dos valores das indenizações por danos morais, é em alguns aspectos incompatível com a essência do instituto da reparação por prejuízos extrapatrimonias. Vejamos:

Atendo-se à análise do caso concreto posto em julgamento, a indenização pela ofensa moral pode ultrapassar em várias vezes o valor limite sugerido pelo Projeto.

Para abstração. Como submeter ao limite proposto pelo Projeto de Lei, um assassino que friamente e por motivo torpe, mediante traição e pelas costas, subjuga forçosamente uma criança de tenra idade, torturando-a de forma bestial e cruel até a morte, escalpelando seu corpo a final? Por certo que tal ofensa exigiria uma reparação sobremaneira superior ao teto máximo de R$ 180.000,00, quantia que se mostraria manifestamente irrisória.

E mais. Inevitavelmente, a limitação proposta alargaria a possibilidade de eventuais prolações de decisões contraditórias entre os órgãos judicantes.

Por exemplo, um certo magistrado lotado no Estado do Ceará poderia entender que publicação de notícia difamatória e depreciativa sobre um determinado produto comercial enquadra-se na categoria leve de culpa para fixação da indenização por danos morais, enquanto que um outro juiz do Rio Grande do Sul poderia achar que tal se trata de ofensa grave.

Atualmente, é bem verdade, há certa disparidade entre o arbitramento dos montantes indenizatórios por prejuízos extrapatrimonias semelhantes, justamente pelo quê estão jungidos às limitações e ao controle dos tribunais.

Demais disso, os valores fixados pelo Projeto de Lei, como o passar dos anos, inevitavelmente seriam abrandados pelos índices inflacionais, significa dizer, passariam à insuficiência no decorrer do tempo.

No mais das vezes, quando nossa legislação empreendeu em regular valores pecuniários fixos, hora ou outra a norma caiu em desuso pela insuficiência. Foi o que ocorreu com os parâmetros previstos pela Lei n.º 5.250 de 1967, a Lei de Imprensa. Veja-se a orientação atual exarada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"A limitação estabelecida pela Lei de Imprensa quanto ao montante da indenização não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Admissibilidade da fixação do quantum indenizatório acima dos limites ali previstos (STJ, RESP 213188/SP, 4ª Turma, j. 21/05/2002, r. Barros Monteiro, DJ 12/08/2002, p. 214)".

Assim, uma mesma ofensa que hoje exigiria a reparação no importe de R$ 180.000,00, daqui a vinte anos talvez imponha uma indenização de R$ 300.000,00, o que não será possível, ante ao limite legal preestabelecido.

É indubitável que essa circunstância tornaria ineficaz o duplo escopo – sancionador/reparador – da indenização por danos morais.

Mais ainda. Há outro aspecto de crucial proeminência ser debatido. Questiona-se se a limitação do montante por danos morais consistiria em eficaz instrumento de desestímulo à prática de ofensa moral. Isso porque o teto previsto em lei possibilitaria ao ofensor uma pré-medição do risco máximo pelo qual teria que arcar pela prática de um ato ilícito. Noutros termos, antes da prática do dano o ofensor teria em mãos um instrumento de pré-avaliação dos riscos de sua conduta ofensiva moral. Se, antes da prática do ato ilícito, o potencial ofensor verificar que o benefício auferido com o ataque à honra alheia superar a sanção legal limite, o imperativo da norma perde completamente a eficácia, não constituindo meio impeditivo para prática de ofensa moral.

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Passemos a uma hipótese prática para elucidação. Se, por exemplo, uma revista sensacionalista de grande circulação nacional optasse por veicular em primeira página uma inverdade gritante sobre uma personalidade, o que lhe renderia milhões de reais em vendagem de exemplares, estaria adstrita ao risco máximo de ter de pagar insignificantes R$ 180.000,00 à vítima da ofensa.

Assim, se o ofensor, agindo de má-fé, constatar que os lucros de um ato ilícito seriam muito superiores ao valor de uma eventual indenização, preestabelecida e limitada em lei, certamente praticaria a ofensa.

De outra borda, o projeto de lei em questão apresenta-se como eficaz vicissitude no que atina à mensuração do dano moral, positivando no regramento jurídico pátrio as pautas de medição da ofensa moral, atualmente sem previsão legal.

Nesse sentido, prescrevem o artigo 11, e § 2º, do Projeto de Lei em tela:

Art. 11. Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.

§ 2º. Na fixação do valor da indenização, o juiz levará em conta, ainda, a situação social, política e econômica das pessoas envolvidas, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a intensidade do sofrimento ou humilhação, o grau de dolo ou culpa, a existência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa ou lesão e o perdão, tácito ou expresso.

Destarte, ante a disceptação explanada acima, vê-se que o Projeto de Lei do Senado em comento propõe de forma satisfatória a regulamentação das lacunas hoje existentes no instituto da reparação por ofensa moral, embora apresente arestas ainda que necessitam de lapidação, haja vista que denota aspectos incompatíveis à indenização extrapatrimonial.


8. Síntese conclusiva

O intuito deste trabalho foi focado a salientar alguns aspectos alusivos ao dano moral, hodiernamente matéria de indubitável ressalto no ramo do direito, além da incontestável incidência na vida social.

Em síntese, concluímos que a grande propensão do ordenamento jurídico pátrio é a tutela da moral como predicado inexorável ínsito às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, submetendo o causador da ofensa moral a arcar com indenização proporcional ao agravo cometido sempre que houver ataque injusto à honra alheia. Contudo, esse mesmo ordenamento permanece em terreno sólido ao coibir a vulgarização do instituto da reparação moral, de tão difícil inserção e reconhecimento entre o meio jurídico.

Trouxemos à discussão alguns aspectos processuais de destaque no campo da reparação por danos morais, com o fito de levar ao estudioso do tema um plus como mecanismo voltado à aplicação prática nas ações indenizatórias.

Vimos, ao final, a preocupação do nosso Poder Legislativo em regular as lacunas existentes na seara do instituto, em verdade, de difícil colmatação, porquanto árdua e espinhosa a navegação pelas especificidades do tema ventilado, que traz consigo uma gama de peculiaridades ainda pouco disseminadas.

Procuramos aquilatar posições doutrinárias e jurisprudenciais na medida em que a matéria foi discorrida, com o escopo precípuo de endossar as hipóteses aqui defendidas.

Operadores do direito que somos, cumpre-nos o mister da justa discussão sobre assuntos tão polêmicos e controvertidos, colocando em baila nossos posicionamentos e opiniões como forma de contribuição ao aprimoramento dessas matérias tão em evidência atualmente, porquanto acima do individualismo e da própria conveniência, sobre-pairam os interesses de uma sociedade ávida por JUSTIÇA!


Notas

01. CAHALI, Yussef Said. Dano moral, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 20.

02. BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, n.º 7, p. 41, in CAHALI, Yussef Said, Idem.

03. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, v. 2, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 738.

04. SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, 2ª ed., São Paulo, LEJUS, 1999, p. 159.

05. CAHALI, Yussef Said. Dano moral, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 396.

06. CAHALI, Yussef Said. Idem, p. 395.

07. SANTOS, Antônio Jeová. Idem, p. 159.

08. CAVALIERI FILHO, Sérgio, in VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, v. 3, São Paulo, Atlas, 2001, p. 650.

09. SANTOS, Antônio Jeová. Ibidem, p. 94.

10. SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável, 2ª ed., São Paulo, LEJUS, 1999, p. 56.

11. SANTOS, Antônio Jeová. Idem, p. 56.

12. SANTOS, Ibidem, p. 115.

13. SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável, 2ª ed., São Paulo, Lejus, 1999, p. 118.

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Sobre o autor
Cícero Camargo Silva

advogado na área de direito civil empresarial, comercial e processual civil, consultor de empresas, sócio do escritório Camargo Silva, Dias de Souza Advogados, pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cícero Camargo. Aspectos relevantes do dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3981. Acesso em: 25 abr. 2024.

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