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Tratados internacionais em matéria tributária e as insenções de tributos estaduais e municipais

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01/04/2003 às 00:00
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2 Tratados Internacionais em Matéria Tributária

2.1 A Vedação Constitucional de Concessão de Isenção Heterônoma

Realizadas, no capítulo anterior, algumas incursões sobre matérias que servem de esteio para a discussão delimitada para este trabalho, há de se perquirir, de agora em diante, qual a extensão da vedação estabelecida na Constituição Federal quanto a União instituir isenção de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, a chamada isenção heterônoma, entendida como aquela isenção concedida por ente político que não seja o titular da competência tributária para instituir o tributo objeto da isenção.

Sacha Calmon Navarro Coelho (22), apenas para dar maior autoridade à definição acima, ensina que a "Isenção heterônoma é a concedida pelo Poder Legislativo de uma Pessoa Jurídica de Direito Público que não tem competência para instituir o tributo, objeto da isenção. A isenção heterônoma é a isenção de tributo de alheia competência."

No entanto, essa discussão inicia, necessariamente, por uma análise integrada, no que pertine, do texto constitucional, que tem prevalência sobre os tratados e leis, como já restou comprovado anteriormente. É importante, nesta senda, destacar alguns artigos da Carta Magna:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

VII – manter relações com os estados Estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

Art. 21. Compete à União:

"I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;

"Art. 49. É de competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

Dentro desse quadro normativo é que se propõe fazer uma ampla discussão sobre a extensão e limites da vedação contida no citado art. 151, III, da Constituição Federal para, em tratado internacional de matéria tributária, a União instituir isenção de tributos de competência dos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal.

O Presidente da República é a autoridade competente para celebrar tratados, convenções e atos internacionais. É o Presidente, como Chefe de Estado, a única pessoa que pode exercer a imprescindível representatividade, sujeito a referendo do Congresso Nacional.

A discussão pode ser introduzida dizendo que não é a União, compreendida apenas como um dos entes políticos da organização político-administrativa brasileira (art. 18 da CF), quem celebra os tratados, mas sim a República Federativa do Brasil, que comporta a União, mas também os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.

Nessa senda, Heleno Tôrres (23) sustenta que a União, enquanto representante da República Federativa do Brasil, logo, pessoa jurídica de Direito Público Internacional, constitucionalmente competente para comprometer o Estado brasileiro na ordem internacional, não se confunde com a ‘União’, pessoa jurídica de direito público interno, que compõe a organização político-administrativa brasileira (art. 18, CF), de forma federativa (art. 1º. CF), dotada das atribuições constitucionalmente distribuídas segundo os interesses do Constituinte.

O citado autor trata a questão sob o ponto de vista federativo, fazendo uma distinção entre ordem jurídica global, que é inerente à República Federativa do Brasil, sujeito de direito público externo, e as ordens jurídicas internas definidas na Constituição (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), divisão de competência que internacionalmente não tem relevância, vez que não têm autoridade para comprometer o Estado brasileiro, especialmente quando da assinatura de um tratado.

Parece óbvio, mesmo, que entre as ordens jurídicas parciais ou internas não há relação hierárquica, senão isonomia, cada qual autônoma face à divisão de competência prevista na Constituição. No entanto, parece-nos que, necessariamente, há que se fazer distinção entre interesses soberanos do Estado brasileiro quando assina tratado internacional e interesses das unidades da federação enquanto divididas por competência para instituir tributos.

José Souto Maior Borges (24), citado por Heleno Tôrres, na mesma linha, entende que seria um equívoco elementar transportar os critérios constitucionais de repartição das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam paradigma diverso de análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais, a CF dá à União competência para vincular o Estado brasileiro em nome dela e também dos Estados-membros e Municípios. A procedência dessa ponderação é corroborada pelo art.52, § 2ª, da CF, in fine, ao referir expressamente os ´tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil (sic: não a União Federal) é parte’. São, pois, áreas diversas e autônomas de vinculação jurídica.

Daniela Ribeiro de Gusmão (25), em artigo que publicou na Revista de Direito Administrativo nº 216, trilhando o mesmo caminho, faz interessante diferenciação entre autonomia e soberania. Explica a autora, citando o ensinamento de Victor Uckmar (26), na sua obra Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, que "o conceito de autonomia pode ser entendido nos dois sentidos no âmbito do direito público, isto é, de independência de um ente da Administração central e de potestade do ente de ditar normas."

Já a soberania – continua a mesma autora – é concentrada na Nação, que, politicamente organizada, forma a República Federativa do Brasil, estando a mesma, no contesto internacional, representada pela União. Como estabelecido no art. 21 da Constituição Federal, a União, no contexto externo, é o único ente soberano, representante dos Estados-membros no contexto internacional.

Ressalta a citada autora que quando vem à mente a idéia de Estado, não está ele fracionado, mas sim soberano, não submetido a nenhuma outra ordem (interna) da mesma espécie, observando que poder soberano do Estado é ilimitado do ponto de vista jurídico.

Por isso, o fato de os Estados-membros e municípios gozarem de autonomia de competência, fixada na Constituição, não quer dizer que sejam entes de direito público externo capazes de direitos e obrigações, prerrogativa somente atribuível ao Estado Federal, representado pelo Presidente da República e União Federal, que é soberano nas decisões que toma no âmbito do direito internacional, especialmente quanto aos tratados. A divisão de competência na ordem interna não implica em diminuição de autonomia dos interesses soberanos do Estado nas relações que mantém com outros Estados.

A mesma ilustrada autora quer levar à conclusão de que os Estados-membros, embora autônomos no âmbito do direito interno, não são soberanos, assim como internamente também não o é a própria União. Tanto a União quanto os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios são pessoas de direito público interno, com competências delimitadas internamente, competência essa conferida pela Constituição Federal de 1988.

No entanto, no plano externo, do direito internacional, a República Federativa do Brasil é soberana e representa a Nação, aí incluídos os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Roque Antônio Carrazza (27), também observa que

no plano internacional, a (União) representa a totalidade do estado brasileiro (...) Sobre esse enfoque, concentra a soberania da Nação, que exerce, em é de igualdade, perante os demais Estados independentes (art. 21, I e II da Constituição Federal). (...) Já no plano interno, a União é pessoa política, autônoma, investida pela Constituição de atribuições privativas (arts. 21, 34, 145, 153 154, etc.). Semelha-se, aqui, aos Estados-membros, que, como ela, são autônomos.

Não se nega, com isso, a autonomia decorrente do Estado Federativo. No entanto, os entes federados não possuem personalidade jurídica internacional, não podendo se relacionar com outros Estados soberanos neste cenário. Somente a República Federativa é que pode, no Direito das Gentes, assumir compromissos decorrentes de tratados e acordos internacionais.

Assim, quando assume compromissos em tratados, a União não atua como ente federado da divisão político-administratativa, mas congrega toda a Nação. É o que Souto Maior chama de caráter bifronte da União (28).

O mesmo Heleno Tôrres (29) observa que

A União, na qualidade de pessoa de Direito Público Internacional, não está limitada em seu poder por efeito do princípio federativo, afinal, in casu, ela exerce exclusivamente a soberania, sem conhecer qualquer limitação, a salvo as de direitos humanos ou dos princípios e regras de Direito Internacional, seja de ordem interna, uma vez que os entes federados são apenas autônomos, e não ‘soberanos’, seja de ordem externa, quanto ao direito de Estados estrangeiros.

As normas constitucionais de ‘repartição de competência tributária’, e, por corolário, as de ‘limitações ao poder de tributar’, estão dispostas para a distribuição de competência entre si, o que não impede que os compromissos, em matéria tributária, internacional e soberanamente assumidos pela União, representante da República Federativa do Brasil (quando atende interesses de cunho nacional.), derroguem a prescrições constitucionais predispostas para a supressão de possíveis conflitos de competência, em vista de soberania.

Seria ilógico pensar que apenas a União (pessoa jurídica de direito publico interno – ordem parcial autônoma, do mesmo modo com os Estados e Municípios) tivesse de ser a única a sofrer as coarctações ou a beneficiar-se das concessões inerentes às disposições acordadas nas convenções firmadas pela Republica Federativa do Brasil. O interesse nacional deve prevalecer sobre os interesses dos antes federados, sempre, pelo que não se deve confundir autonomia com sabedoria estatal. Outros fundamentos tão relevantes quanto o federalismo, como é o caso da presença da Nação na ordem internacional com autodeterminação, respeitando a todos os preceitos insculpidos no art. 4 da Constituição, exigem tal postura hermenêutica.

E dizendo isso estamos afirmando que não há qualquer antinomia entre normas tributárias de direito interno que tragam na hipótese de incidência materialidade isenta por tratado internacional, pela necessária prevalência de aplicabilidade que se deve conferir ao Direito Internacional."

Pela autoridade e embasamento dos argumentos do Professor Heleno Tôrres, merece especial destaque e atenção seu posicionamento sobre o tema, muito em função de que vem sedimentado por lições doutrinárias de outros Mestres.

Vê-se real sentido no entendimento acima esposado quando se verifica o próximo passo que deve ser dado para internalizar à ordem legal o texto de qualquer tratado. No Brasil, é sabido, após a sua assinatura, é necessária a aprovação do Congresso Nacional. A justificativa da aprovação legislativa decorre do fato de que quem é o titular da soberania é o povo, cujos representantes são os parlamentares eleitos. Assim, como o tratado internacional obriga todo o povo, a aprovação de seus representantes é corolário lógico-formal.

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Existem, no entanto, juristas de escol com posicionamentos diametralmente opostos. Roque Antônio Carrazza (30) é um deles. Contrapõe o argumento de que a União, quando firma um tratado, está representando a República Federativa do Brasil enquanto ordem jurídica global, dizendo que existe na Constituição da República vedação expressa. Além disso, que as exceções também estão expressas na Carta Magna (arts. 155, § 2º, XII, "e", e 156, § 3º, II, ambos da CF) e dentre tais exceções não está prevista a hipótese de concessão mediante tratado internacional. Ainda, que a União, mesmo no plano internacional, está subordinada à Constituição. Por isso, nem mesmo o Congresso Nacional poderia, na visão do precitado autor, referendar isenção heterônoma mediante decreto legislativo, pena de usurpar competências que a Constituição outorgou aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Estudo aprofundado sobre a matéria realizou Waldir Luiz Braga (31) em sua dissertação de mestrado, não publicada. Invoca, para afastar a possibilidade de concessão de isenção heterônoma em tratados internacionais, o argumento de que um dos princípios adotados pela Constituição Federal é o federativo. Tal princípio é imutável, tamanha a relevância que assume, não tendo nem mesmo o Congresso Nacional competência para reduzi-lo em sua intensidade e expressão, o que decorre do art. 60, § 4º, I, da CF (32).

Defende o autor supracitado que é pressuposto essencial da Federação a competência dos estados para legislar sobre certas matérias privativamente e que a lei federal não é hierarquicamente superior à estadual, estando ambas no mesmo patamar. Da mesma forma, se também em decorrência desta autonomia conferida aos entes da federação não podem eles instituir tributação recíproca, da mesma forma não poderia a União, ainda que representando a Federação, instituir isenção de tributos estaduais ou municipais em tratados que firma, pois isso vulneraria o princípio federativo. Alie-se a isso o fato de a competência dos entes federados não ser delegada da União, pois provém do próprio texto constitucional a condição de serem os titulares de tal competência.

Embora parte a parte, cada qual defendendo seu posicionamento, tenham razões de fato e de direito importantes, parece-nos que no Brasil não temos como desfocar a discussão, mais uma vez, da Constituição Federal, que, todos concordam, é a lei máxima da Nação, hierarquicamente superior a qualquer disposição contida em tratados internacionais, que podem sofrer do vício da inconstitucionalidade.

Além disso, impressiona o raciocínio de que a vedação de isenção heterônoma como princípio é bem-vinda ao federalismo, pois cada ente interno detém sua competência como titular dela, não como delegado da União.

No entanto, é de se destacar que a própria Constituição Federal, como exceção, permite a possibilidade de serem instituídas isenções heterônomas. É o que se depreende dos art. 155, § 2º, XII, e, e 156, § 3º, II, do referido Texto Maior, que prevê a possibilidade de a União excluir da incidência do ICMS e ISS certos produtos e serviços destinados para o exterior, conforme o caso, mediante lei complementar.

Assim, firmado e ratificado um tratado internacional em matéria tributária, onde se comprometeu o Estado brasileiro a conceder isenção de impostos (33) de competência dos Estados e/ou Municípios, pode, mediante edição de lei complementar, fazer valer tais isenções sem vulnerar a repartição de competência prevista na Constituição.

Não se pode esquecer que toda essa discussão tem origem, principalmente, no preceito da Constituição de 1967, que no seu art. 19, § 2º, dispunha que "A União, mediante lei complementar e atendendo o relevante interesse social ou econômico nacional, poderá conceder isenções de impostos estaduais e municipais.". Tal dispositivo, demasiadamente amplo, foi o motivo do freio que o constituinte quis colocar na União para restabelecer a repartição de que cada ente federativo é titular e estreitar a possibilidade da concessão de isenção heterônoma para as hipóteses expressamente previstas na Constituição.

De outra parte, não se pode olvidar que a comentada vedação engessa o país de manter relações econômicas com os demais países de forma a realizar e receber concessões de isenção de impostos, notadamente pelo fato de muitos países não adotarem o mesmo sistema de repartição de competência tributária, o que dificulta ainda mais a possibilidade de se realizar tratados que se possa cumprir.

Já se têm experiências anteriores, como o do Tratado de Itaipu, por exemplo, onde os interesses sociais, econômicos e políticos existentes, se transportados para os diais atuais, venceriam eventuais entraves quanto à concessão de isenção de imposto da competência dos Estados e Municipais pela União, vez que o relevante interesse na concretização da obra provavelmente sobrepujaria qualquer entrave de ordem jurídica.

Há que se entender, também, que o que era caracterizado na Constituição Federal de 1967 como relevante interesse social ou econômico nacional não teria a mesma conotação nos dias de hoje, pois a realidade brasileira, após quase quarenta) anos, é bem diferente.

Em razão disso, embora a vedação constitucional, parece que a dinâmica das relações internacionais pede, com responsabilidade, maior autonomia para a União conceder, quando relevantes os interesses, isenção heterônoma de impostos. Não é à toa que o Projeto de Reforma Fiscal (34) prevê alteração no dispositivo do art. 151, III, da Constituição Federal que passaria a dispor o seguinte: "É vedado à União conceder isenção de tributo da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, salvo quando previsto em tratado, convenção ou ato internacional do qual o Brasil seja signatário." (grifos nossos).

2.2 Contemporaneidade/inconstitucionalidade do Art. 98 do Código Tributário Nacional

Dentro do contexto de tudo o que até agora foi dito, surge o tão comentado art. 98 do Código Tributário Nacional que dispõe: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha".

As discussões referentes ao primado do direito internacional sobre o direito interno, lex posterior derogat priori, caráter bifronte da União, entre outras, vêm à tona novamente para poder se interpretar corretamente o espírito e extensão do citado artigo do CTN.

O CTN é lei complementar, ou seja, como o próprio nome diz, insculpida para complementar a Constituição Federal. Embora preceda à atual Carta, vez que do ano de 1966, grande parte de seus dispositivos foram recepcionados pela CF de 1988.

A primeira observação (35) a ser feita é que o legislador, segundo vários doutrinadores, laborou em equívoco ao falar em revogação da norma interna pela internacional. Não se trata aqui de ab-rogação, mas a norma de direito interno permanece válida, apenas sua eficácia fica paralisada em relação aos atos e fatos disciplinados pelas convenções internacionais. Nas demais hipóteses, onde não haja o conflito com a norma dos tratados, a lei interna mantém sua validade e eficácia (36).

Dentro desse quadro surge o questionamento se a atual Carta Magna recepcionou o citado art. 98 do Código Tributário Nacional. Mas o cerne da controvérsia reside no fato de que, se o art. 98 do CTN foi recepcionado pela CF de 1988, os Estados-membros e os Municípios não poderão legislar contrariamente a disposições contidas em tratados que impuserem isenções de tributos de suas competências. Ou seja, se o precitado artigo goza de plena eficácia, eventuais leis estaduais ou municipais que não observassem o tratado assinado afrontaria o texto da lei complementar (Código Tributário) (37) (38), que é lei nacional.

Entretanto, muito se tem questionado a constitucionalidade do art. 98 do CTN. Os principais argumentos foram bem sintetizados por Natanael Martins (39): (a) porque teria ferido o princípio federativo; (b) porque entra em choque com o texto da Constituição Federal de 1988 (art. 151, III); e (c) porque no caso de conflito da norma de direito interno com norma de direito internacional, a questão deve ser resolvida pelo princípio lex posterior derogat priori, ou seja, havendo um conflito deve prevalecer sempre a última palavra do Congresso.

O primeiro grande argumento que põe em dúvida a constitucionalidade do citado artigo de lei é que a Constituição Federal encarregou-se de limitar o alcance da lei complementar (art. 146 da CF). Nessa senda, entende-se que o art. 98 do CTN não é norma geral de direito tributário sobre conflitos de competência entre os entes tributantes – matéria prevista no inciso "I" do art. 146 da CF -, muito menos regula as limitações constitucionais ao poder de tributar (inciso II, art. 146, CF). O mesmo se diga em relação ao inciso III do mesmo artigo da Carta Magna. Dessa forma, a lei complementar onde está inserido o art. 98 vulnera outros dispositivos constitucionais, os que prevêem a repartição de competência entre os entes federados, configurando invasão de competência.

Além disso, que o CTN extravasou de sua competência, pois criou prevalência entre tratado e lei que somente o legislador constituinte poderia estabelecer" (40).

Outra crítica: se é verdade que o art. 98 do CTN preceitua a primazia do tratado internacional sobre a legislação tributária interna, essa prevalência, quando se trata de isentar tributos estaduais e municipais, não se sobrepõe ao texto da Constituição, que veda à União "instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios." (art. 151, III, da CF).

Heleno Torres, por exemplo, entende que a prevalência do direito internacional sobre o interno (41) poderia ser resolvido independentemente da redação do artigo, muito embora reconheça que a segunda parte do citado dispositivo "possui um comandamento ao próprio sistema e regula as relações entre as normas convencionais e as normas ulteriormente introduzidas no sistema de Direito Tributário interno." (42)

Natanael Martins (43) diz que o art. 98 do CTN é constitucional, pois buscou explicitar um princípio que sempre esteve implícito no ordenamento pátrio, o da prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna (44).

Parece que assiste razão àqueles que entendem que o legislador teve por objetivo, ao editar a norma do art. 98 do CTN, disciplinar a legislação infraconstitucional em matéria tributária, não a Constituição, que não se curva diante de textos legais pretéritos, como também para tratados internacionais, como já debatido. (45)

Afora o já citado julgamento realizado pelo Pleno do STF, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a interpretação que dá ao art. 98 do CTN quando se trata de aplicá-lo em razão de um tratado internacional.

Ao julgar, em 17 de junho de 1997, o Recurso Especial nº 90.871-PE, a Primeira Turma do STJ manifestou entendimento de que o art. 98 do Código Tributário Nacional deve ser interpretado em consonância com o art. 151, III, da Constituição Federal, em acórdão assim ementado, verbis:

TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. ICMS. TRATADO INTERNACIONAL.

1. O sistema tributário instituído pela CF/88 vedou à União Federal de conceder isenção a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios (art. 151, III).

2. Em conseqüência, não pode a União firmar tratados internacionais isentando o ICMS de determinados fatos geradores, se inexiste lei estadual em tal sentido.

3. A amplitude da competência outorgada à União para celebrar tratados sofre os limites impostos pela própria Carta Magna.

4. O art. 98, do CTN, há de ser interpretado com base no panorama jurídico imposto pelo novo Sistema Tributário Nacional.

5. Recurso especial improvido.".

O Min. Relator, em seu voto, observa que

Certo é que a amplitude que a Constituição Federal outorga à União Federal para celebrar tratados recebe os limites impostos pela própria Carta. No caso, há em tema de isenção, a proibição constitucional da União instituir isenções tributárias da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 151, III, CF). (sic)

Mas parece que a solução mais consentânea pode ser extraída de antigas lições. Vislumbra-se que a criticada distinção entre tratado-lei e tratado-contrato é que salva o art. 98 do CTN da pecha de inconstitucional. O STF, no julgamento do RE 80.004, interpretou a parte final do artigo 98 do CTN, em lição do Min. Cunha Peixoto, nos seguintes termos:

[... ] o dispositivo refere-se a tratados e convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos de interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de princípio abstrato, no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes acerca de qualquer assunto. O contratual é, pois, título de direito subjetivo.

Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é revogado por lei tributária interna. É que se trata de um contrato, que deve ser respeitado pelas partes.

Os tratados-contratos representam para os Estados o mesmo que os contratos representam para os particulares. Para Celso de Albuquerque Mello (46) a distinção remonta a Bergbohm, que observou a distinção de tratado-lei e tratado-contrato pela finalidade, ou não, de criar normas jurídicas. Exemplo de tratado-contrato são os acordos de comércio, onde se criam situações jurídicas subjetivas, e não objetivas, podendo qualquer das partes, dentro de certas regras gerais de conduta previamente ajustadas, podem determinar como implementar suas regras (47).

Assim, parece válido afirmar que a segunda parte do art. 98 do CTN somente tem aplicação quando se tratar de tratado-contrato. Quando em choque com um tratado normativo, incorporado ao direito interno, não tem aplicação a segunda parte do citado dispositivo, pois aí se ganha corpo o princípio do lex posterior derogat priori.

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Sobre o autor
Paulo Sérgio de Moura Franco

advogado em Porto Alegre, especializando em Direito Internacional pela UFRGS, membro da Comissão de Biodireito da OAB/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Paulo Sérgio Moura. Tratados internacionais em matéria tributária e as insenções de tributos estaduais e municipais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3982. Acesso em: 22 dez. 2024.

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