1 – INTRODUÇÃO.
Trazida de práticas européias, mais especificamente na Grã-Bretanha, a parceria público-privada foi inserida no ambiente jurídico brasileiro com o programa de Reforma do Estado, no início dos anos 1990.
As parcerias público-privadas foram criadas durante o governo Margareth Thatcher, com o intuito de contornar a escassez de recursos do Estado, o objetivo dessa relação era fazer com que fosse retomado os investimentos na infra-estrutura britânica. Esse conceito foi retomado pelo primeiro-ministro inglês Tony Blair.
No Brasil, o programa de Reforma do Estado trouxe a parceria público-privada para o cenário nacional a partir do início da década de 90, tendo seu ápice no governo do presidente da República Fernando Henrique Cardoso, com a privatização de grandes empresas federais, a flexibilização de monopólios de serviços públicos e o estímulo ao Terceiro Setor.
A partir de meados de 2002, a expressão parceria público-privada começou a ganhar força nova, pois se passou a defender a necessidade e a urgência de o Brasil criar um programa de parcerias público-privadas, aproveitando as experiências internacionais positivas existentes.
Projetos de lei sobre as parcerias público-privadas foram colocados em circulação nos Estados e na União em 2003.
A primeira lei a ser editada foi a do Estado de Minas Gerais, que seria seguida pela do Estado de São Paulo e outras mais.
Entretanto, o projeto de lei federal encontrou forte resistência e suscitou debates não só no mundo político, mas principalmente na imprensa.
O assunto só foi votado no Senado e na Câmara dos Deputados quando o Governo apresentou um novo texto para o projeto, surgindo, em 30 de dezembro de 2004, a Lei das Parcerias Público-Privadas.
2 – DEFINIÇÃO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA.
Parceria público-privada, para MARÇAL JUSTEN FILHO:
“é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro”.
No entendimento de CARLOS ARI SUNDFELD, a expressão, em face da legislação brasileira vigente, pode ser utilizada de duas formas paralelas: em sentido amplo e em sentido estrito.
As parcerias público-privadas, em sentido amplo:
“são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral (concessões comuns, patrocinadas e administrativas; concessões e ajustes setoriais; contratos de gestão com Organizações Sociais; termos de parceria com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, etc.), com regime jurídico disciplinado em várias leis específicas”.
Em sentido estrito
“são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão administrativa, tal qual definidas pela Lei federal 11.079/2004, sujeitando-se apenas esses contratos ao regime criado por essa lei”.
3 – Objetivos da Lei das Parcerias Público-Privadas.
As parcerias público-privadas, analisadas em sentido amplo, distinguem-se dos contratos que não criam relação contínua ou interesse comum juridicamente relevante, mesmo que envolvam a contratação entre o Estado e entidades privadas que buscam o lucro.
Porém, nas parcerias público-privadas analisadas em sentido estrito, é necessário a disciplinar o acordo feito entre as partes, definindo direitos e deveres de ambas partes para que o contrato cumpra sua função social e também com relação aos riscos envolvidos.
Dentre esses contratos temos (i) a concessão de serviço público; (ii) os contratos de gestão; e (iii) os termos de parceria. Portanto, podemos afirmar que o Brasil já tinha uma legislação sobre parceria público-privada, mas a existência deste instituto não era o suficiente.
Era necessário complementar a legislação já existente de forma a viabilizar contratos em sentido estrito que, ainda não podiam ser feitos por insuficiência normativa ou proibição legal.
Faltavam normas disciplinando o oferecimento, pelo concedente a concessionários de serviço ou de obra pública, de garantia de pagamento de adicional de tarifa.
O fato é que esses contratos já eram juridicamente possíveis, mas sua viabilidade prática dependia da criação de sistema de garantias que protegesse o concessionário contra o inadimplemento do concedente.
Nesse cenário, surge a Lei das Parcerias Público-Privadas, que regulamenta a criação da parceria público-privada no âmbito da Administração Pública.
Então, a Lei das Parcerias Público-Privadas, suprindo as lacunas, denominou “concessões patrocinadas” as concessões de serviço público que envolvam o pagamento de adicional de tarifa pela Administração.
Dessa forma, com o advento da Lei das Parcerias Público-Privadas, as já conhecidas “concessões de serviço” da Lei de Concessões foram divididas em patrocinadas, em que há adicional de tarifa; e comuns, em que não há.
Não era suficiente.
Faltava, ainda, criar condições jurídicas para a celebração de outros contratos em que, à semelhança das concessões tradicionais, os particulares assumissem os encargos de investir e de implantar infra-estrutura estatal e depois mantê-la, fazendo-a cumprir seus fins, sendo remunerados em prazo longo.
Era necessário permitir a aplicação lógica econômico-contratual da concessão tradicional a outros objetos que não a exploração de serviços públicos, utilizando-a em serviços administrativos em geral.
Para atender tais fins, a Lei das Parcerias Público-Privadas criou a “concessão administrativa”, que copia da “concessão tradicional” a lógica econômico-contratual e aproveita da “concessão patrocinada” as regras destinadas à viabilização das garantias.
Assim, é de clareza solar que a Lei das Parcerias Público-Privadas não é uma lei geral de parcerias, mas, sim, uma lei sobre duas de suas espécies: a concessão patrocinada e a concessão administrativa.
Além disso, concluímos que a Lei das Parcerias Público-Privadas superou uma insuficiência da legislação anterior, qual seja, a falta de um sistema bem-organizado de garantia dos compromissos financeiros de longo prazo do Estado com o contratado, não só afirmando a licitude dessas garantias, mas também concebendo uma entidade jurídica nova para esse fim, que é o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP).
4 – DIRETRIZES DA Lei das Parcerias Público-Privadas.
As parcerias público-privadas seguem uma tendência de descentralização estatal. Embora de forma menos drástica que as privatizações, a parceria público-privada propõe a delegação ao setor privado de atividades até então carreadas diretamente pelo Estado, seja pela falta de recursos ou pelo freio da Responsabilidade Fiscal, se faz necessário a percepção de investimentos particulares.
A Lei das Parcerias Público-Privadas, em seu artigo 4º, estabelece uma série de princípios norteadores do programa de parcerias público-privadas. Tais diretrizes têm o escopo de complementar as já existentes na Constituição Federal, funcionando como parâmetro garantidor de um bom funcionamento das parcerias, seja na elaboração como na aplicação dos contratos.
Fica evidente a presença dos princípios da eficiência, da publicidade, da segurança jurídica e da supremacia do interesse público.
A eficiência visa assegurar a presteza, a perfeição e o rendimento dos contratos celebrados, não somente em relação à atividade administrativa, como também do emprego dos recursos da sociedade, ou seja, do parceiro privado.
Assim, os deveres, que tal princípio impõe, são o do cumprimento dos prazos estipulados, da qualidade dos serviços prestados ao longo do tempo e de impedir a existência de obras inacabadas.
Para que não ocorra o risco do projeto ser paralisado por falta de fundos, o projeto que for escolhido deverá ter maior função social, pois o Estado não desembolsará o valor da obra em si.
A Administração Pública só arcará com os gastos proporcionais aos serviços disponibilizados pelo parceiro privado, fazendo com que os custos e os resultados sociais coincidam, permitindo que haja maior quantidade e qualidade dos serviços oferecidos a população.
A lei determina a indelegabilidade das funções de regulação jurisdicional e do exercício do poder de polícia, cabendo única e exclusivamente à Administração a realização do controle interno, seja na escolha, como no acompanhamento da obra.
Essa fiscalização será realizada pelas agências reguladoras, que embasadas neste diploma legal, escolherão, estruturarão e executarão os projetos anteriormente selecionados pelo órgão gestor da parceria público-privada.
Além disso, o Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, ficará responsável pelo controle externo.
Desta análise, poderão ser sustadas as decisões do Executivo, se o projeto não condizer com os princípios da oportunidade e economia, por exemplo.
Outrossim, o Ministério Público, as instituições não-governamentais e a própria população podem fiscalizar a realização das obras, através do instituto ação civil pública, em relação às duas primeiras, e da ação popular, quanto à última.
Sobre a responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias, a lei estabelece que as parcerias público-privadas devem obediência aos princípios orçamentários, estando de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária Anual e o Plano Plurianual.
Tem-se bastante claro que a porcentagem da receita líquida que o ente pode empregar para a realização da parceria é limitada a 1% (um por cento), o que garante o não endividamento rápido do parceiro público, já que os contratos podem ser fixados no prazo de até trinta e cinco anos.
A transparência dos procedimentos e das decisões nada mais é do que a aplicação do princípio constitucional da publicidade, que torna universal os atos publicados pela administração pública, conferindo-os controle e possibilidade de execução.
A existência de procedimentos licitatórios, que neste caso utilizam a modalidade da tomada de preço e leilão, obrigam a publicação dos atos, para que estes se façam válidos.
Quanto à repartição dos riscos de acordo com a capacidade dos parceiros em gerenciá-los, tem-se que quanto maior o risco não-administrável, maior será a compensação exigida pelo capital, ou, no limite, simplesmente o capital não entrará na operação.
O capital que se investe em infra-estrutura, geralmente, troca rentabilidade por segurança nos investimentos em longo prazo.
A respeito da sustentabilidade financeira e vantagens sócio-econômicas do projeto, observa-se que o parceiro privado, realizador da obra, coloca os frutos desta a disposição do público, mediante uma contraprestação do Estado ao longo do tempo.
Desta forma, a Administração Pública não arca necessariamente com os gastos do projeto, tendo, mesmo assim, disponibilizado a funcionabilidade da obra.
Com isso, o Estado pode participar da realização de um maior número de obras, proporcionando a sustentabilidade dos projetos e vantagens sociais por atingir um maior contingente de particulares que cada vez mais precisam dos serviços públicos.
Com a intenção do Estado em atrair maiores investimentos do setor privado, fez-se necessário à previsão da repartição objetiva dos riscos entre as partes, complementando o princípio da segurança jurídica.
Fica evidente, assim, a preocupação explicita do ente público em atrair recursos particulares que só aparecem com uma certa estabilidade apresentada.
5 – DAS VEDAÇÕES.
A Lei das Parcerias Público-Privadas foi editada para conceber alternativas de financiamento privado para a implantação, expansão ou recuperação da infra-estrutura pública.
Pretendeu-se obtê-lo sem gerar o tradicional endividamento estatal, por meio de contratos puramente financeiros, com a posterior contratação de empreiteira para a execução de obra e, ao final, a assunção da infra-estrutura pela próprio Administração.
Assim, para cumprir os objetivos políticos do programa de parcerias público-privadas, seus contratos não podem limitar-se apenas à execução de serviços ou obras, devendo, incluir, necessariamente, o investimento privado.
A lei impediu que a prestação se limitasse à execução de obras ou fornecimento de equipamentos, fazendo com que a remuneração dos parceiros privados ficasse diretamente vinculada à fruição dos serviços pela Administração ou pelos administradores e viabilizou sua variação de acordo com o desempenho do parceiro privado, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade fixadas.
Portanto, a boa ou má qualidade das obras ou bens utilizados na infra-estrutura repercutirá diretamente na determinação do valor a ser recebido pelo parceiro privado, devendo gerar para ele um interesse próprio de bem executar a parte relativa à infra-estrutura, pois os serviços devem se estender por, ao menos, cinco anos e a infra-estrutura deve ser capaz de resistir bem durante todo esse período.
O período mínimo de cinco anos é imposição da lei.
A primeira razão da exigência foi explicada acima. A outra consiste no fato de que a remuneração será paga pelos serviços, e não diretamente pelas obras ou fornecimentos, dando prazo para a Administração amortizar os investimentos, diluindo no tempo a pressão financeira.
Proibiu-se, ainda, a celebração de contrato de parcerias público-privadas, cujo valor seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), justificando-se a outorga ao contratado dos benefícios do regime de concessão.
Ficou estabelecido, também, o limite de 1% da receita corrente líquida do exercício dos Estados, Municípios e Distrito Federal para projetos de parceria, ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subseqüentes excederem a 1% da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios.
Segundo o art. 28 da Lei 11.079/04, a União não poderá conceder garantia e realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios que descumprirem as vedações acima descritas.
Isto só vem para complementar os limites impostos pela lei de responsabilidade fiscal, fazendo com que os entes estatais não comprometam, com um rápido endividamento, todo o orçamento de um longo período.
A aplicabilidade da súmula vinculante alcança, também, a administração pública, tudo com o escopo de afastar a insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, sob os quais se aplicavam entendimentos distintos.
6 – LICITAÇÃO PARA AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS.
A parceria público-privada não é uma modalidade licitatória e sim uma modalidade de contratação.
A contratação pode ser feita com base na Lei de Licitações ou pode ser uma contratação diferente, com base na Lei de Concessões.
Se baseada na primeira lei, seu procedimento, tanto para as concessões patrocinadas quanto para as concessões administrativas, poderá seguir o modelo da concorrência tradicional.
Mas também é viável a adoção do procedimento da concorrência-pregão, criado a partir do modelo da Lei do Pregão, em que podem ocorrer: i) inversão de fases, iniciando-se pelo julgamento e examinando-se a habilitação apenas do vencedor; ii)o saneamento de falhas documentais de índole formal; iii) a determinação do vencedor por lances de viva voz, após a etapa da abertura das propostas lacradas.
Quanto aos critérios de julgamento, são viáveis o da menor tarifa do serviço público a ser prestado e o da menor contraprestação da Administração, adotados isoladamente ou em conjunto com o da melhor técnica.
7- Conclusão
A Parceria Público-Privado, ideia importada de legislações européias - com maior ênfase na legislação inglesa - é um contrato entre entes público e privado, de longa duração, por meio do qual o ente privado se obriga a executar obra pública e/ou serviço público, com o objetivo de livrar os entes públicos do investimento sozinho em obras cujo valor social é muito grande à sociedade, dividindo com entes privados não só o risco do empreendimento, mas também garantindo maior eficiência da obra/serviço.
Embasada nos princípios da (i) eficiência; (ii) publicidade; (iii) segurança jurídica; e (iv) supremacia do interesse público, a parceria público-privada criou vedações, como tempo e valores mínimos, para a contratação do ente público com o ente privado. Isto se dá, pois esta forma de contratação pública não é uma licitação, mas sim uma nova forma de contratação do Estado: A Parceria Público-Privada
8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
JUSTEN FILHO, Marçal, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1998.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1999.
MUKAI, Toshio, Direito Administrativo Sistematizado, São Paulo: Saraiva, 1999.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella de, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 1999.
SUNDFELD, Carlos Ari, coord., Parcerias Público-Privadas, São Paulo: Malheiros, 2005.