Capa da publicação Brasil e TPI: extradição, imunidades e prisão perpétua
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A problemática em torno da eficácia do Tribunal Penal Internacional

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09/06/2015 às 12:54

Resumo:


  • Existem divergências entre o Estatuto de Roma e as constituições nacionais dos Estados membros, incluindo o Brasil, mas muitas dessas contradições são consideradas aparentes e superáveis.

  • A não ratificação do Estatuto de Roma pelos Estados Unidos impacta a eficácia e a autoridade do Tribunal Penal Internacional, dado o peso político e econômico que os EUA têm no cenário internacional.

  • A cooperação entre os Estados é fundamental para a eficiência do Tribunal Penal Internacional, mas a falta de comprometimento dos Estados em cumprir os mandados de prisão e outras solicitações do TPI compromete sua eficácia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Cooperação entre os Estados como uma forma de tornar o Tribunal Penal Internacional mais eficaz

Para uma compreensão clara acerca do assunto em comento é necessária uma explicação acerca da sentença e da prisão no âmbito do TPI. Existem diversas sentenças internacionais aplicáveis ao Brasil, são elas as proferidas por Organizações Internacionais, como a Corte Interamericana de Justiça, Cortes Permanentes, Tribunal Penal Internacional, e as que são criadas para julgar casos específicos, que são as ad hoc.

A sentença internacional tem natureza de ato jurídico, pois se constitui de uma declaração de vontade apta a produzir efeitos. José Carlos Magalhães assim a define:

Sentença internacional consiste em ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou em submeter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Internacional de Justiça. O mesmo pode-se dizer da submissão de um litígio a um juízo arbitral internacional, mediante compromisso arbitral, conferindo jurisdição específica para a autoridade nomeada decidir a controvérsia.12

É importante salientar que após a ratificação do Estatuto pelo Estado, este passa a possuir eficácia em seu território. As sentenças internacionais, proferidas por tribunal de que o Brasil participe, não são sentenças estrangeiras. Emanam da própria vontade do Estado, por intermédio de seu representante no tribunal. Assim sendo, estão dispensadas de homologação, devendo ser executadas de acordo com o ato internacional que as rege.13

Trazendo para o âmbito nacional, as sentenças proferidas por tribunais internacionais dispensam homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, pois estas são proferidas por cortes internacionais não se enquadrando no conceito de sentenças estrangeiras a que se refere o artigo 483 do Código de Processo Civil Brasileiro, que estabelece a necessidade de homologação. Por sentença estrangeira se deve entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados.14

Após a expedição da sentença, o TPI envia um comunicado para o Estado em que habita o infrator, que pode ser participante ou não do tratado de Roma, para que este entregue o condenado com o intuito de cumprir a sua pena.

O Tribunal é financiado pelos Estados Parte, pela ONU e pelas contribuições voluntárias, e como é sabido este não possui institutos prisionais, contando com a colaboração dos seus membros para efetivar seus objetivos, e por este motivo não podem operar sem o intermédio dos tribunais nacionais. Acerca dessa sujeição, dispõe Alain Pellet:

Quando a coerção a serviço da aplicação do direito, ela permanece, também, difusa, espalhada, aleatória: os meios de coerção – exército, polícia – continuam nas mãos dos Estados. Ainda hoje os tribunais penais internacionais, que constituem um elemento inteiramente dependente dos Estados para a prisão de pessoas acusadas de crimes, reunião das provas e execução das penas.15

No caso de um acusado ser efetivamente entregue por um Estado ao TPI este cumprirá sua pena em um dos sistemas penitenciários designado pelo Tribunal que se localizará em algum dos Estados Partes,16 que já manifestaram sobre a disponibilidade para receber pessoas condenadas.

Contudo o maior empecilho na execução das sentenças e cumprimento das penas é exatamente algo tão simples como a cooperação dos Estados, que não mantém os compromissos assumidos, quando deveriam colaborar com o Tribunal e cumprir o solicitado com o intuito de preservar o direito internacional, o direito dos tratados e o “pacta sunt servanda”.

A expressão em latim significa que os pactos devem ser cumpridos e advém do Princípio da Força Obrigatória, que assevera que os contratos obrigam às partes, vinculando estas aquele, o que torna o pacto próximo da imutabilidade, salvo nos casos de infração direta à lei.

O Tribunal Penal Internacional não possui força armada, mas ainda que possuísse estaria de mãos atadas, pois ainda que este soubesse da habitação de um executado em um determinado território, naquele não poderia ingressar, já que estaria ferindo a soberania17 daquele Estado, ficando obrigado a contar com a cooperação dos Estados Parte para cumprir a sua finalidade.

Sobre a cooperação dos Estados Parte Muriel Ubéda dispõe que:

A obrigação de cooperar com as jurisdições penais internacionais é uma necessidade, seu respeito condiciona a eficácia delas, por conseguinte a sua razão de ser e, enfim, sua viabilidade. No entanto, ela traduz aspirações a uma justiça penal internacional que deve ser conciliada com as realidades da sociedade internacional, composta, sobretudo por Estados soberanos preocupados em presumir sua independência. À imagem do direito internacional, a obrigação de cooperar não é homogênea: seus elementos constitutivos variam em função da jurisdição, do aspecto da cooperação e do destinatário da obrigação levada em conta.18

O capítulo IX do Estatuto de Roma dispõe acerca da cordialidade dos Estados, dispondo a respeito dos mecanismos que estes devem seguir no momento de solicitar a cooperação. O pedido de cooperação pode ser enviado à todos os Estados, adeptos ou não ao TPI, mas os Estados Partes devem dar satisfação ao pedido de detenção e entrega, conforme estabelece o Estatuto.

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Os Estados Parte ainda podem recusar o pedido de cooperação, desde que motivado, todavia a recusa na cooperação, conforme estabelece o artigo 87 da ao Tribunal o poder de elaborar um relatório e remeter a questão à Assembleia dos Estados Partes ou ao Conselho de Segurança, quando tiver sido este obrigado a submeter o fato ao Tribunal.

Atualmente o Tribunal Penal Internacional conta com 13 mandados de prisão pendentes que não conseguem atingir seu objetivo por falta de cooperação. Alguns destes acusados ocupam altos cargos nos governos de seus países, é o caso do presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al-Bashir. O atual presidente recém-eleito do Quênia, Uhuru Kenyatta e seu vice-presidente, William Ruto, também são acusados pelo TPI que continuam a serem julgados e caso não haja o comparecimento destes ao Tribunal serão somados a lista dos fugitivos.

Ocorre que os 122 países membros do TPI, não sendo partes os Estados Unidos, Rússia, Israel e Sudão, não cumprem a sua parte na obrigação. O Tribunal Internacional investigou e julgou, é dever dos Estados cooperarem com o Tribunal prendendo os acusados quando da entrada em seu território.

Mas essa não é a realidade, pois o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad al-Bashir, transita livremente no Quênia, no Chade e na República do Malawi, Estados esses membros do TPI. O presidente do Sudão também ingressou livremente na Nigéria sem que houvesse qualquer coação a este.

A problemática encontra-se no momento de aplicação da sanção ao Estado Parte pelo descumprimento do dever de cooperar. A Nigéria terá que prestar esclarecimentos ao Conselho de Segurança da ONU, mas esta infração ao Estatuto de Roma não deve gerar consequências negativas a este país, pois, até hoje, nenhuma Estado foi punida por desobedecer a uma ordem da corte internacional.

Desta forma, fica evidente por que o Tribunal Penal Internacional não possui demasiada eficácia, pois como foi amplamente discorrido, não possui em seus membros a maior potência do mundo e ainda encontra óbice com a resistência dos acusados e a ausência de cordialidade pelos Estados Parte.


Notas

1 O Seminário ocorreu, entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro de 1999 na capital federal e tinha como tema “O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira”.

2 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op., cit., p. 1052

3 Artigo 86 do Estatuto.

4 CACHAPUZ DE MEDEIROS. Antônio Paulo. O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira. Disponível em: <https://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/tpi/cartilha_tpi.htm.> Acesso em 25 de março de 2015.

5 Mantendo a orientação da Corte no sentido de não se exigir do Estado requerente, para o deferimento de extradição, compromisso de comutação da pena de prisão perpétua aplicada ao extraditando na pena máxima de trinta anos, o Tribunal, por unanimidade, deferiu pedido de extradição, vencidos em parte os Ministros Celso de Mello, relator, Maurício Corrêa, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, que condicionavam o deferimento do pedido ao compromisso de o Estado requerente comutar, em pena de prisão temporária, a pena de prisão perpétua eventualmente aplicável ao extraditando. Precedente citado: Ext 426-EUA (RTJ 115/969). Ext 811-República do Peru, rel. Min. Celso de Mello, 4.9.2002.(EXT-811).

6 Artigo 401 do Código Penal Militar.

7 Artigo 27 da Convenção de Viena: Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.

8 Artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro.

9 MAIA, Marriele. O Tribunal Penal Internacional na grande estratégia norte-americana 1990-2008, p. 159.

10 SHABBAS, W. A. An Introduction to the International Criminal Court. Cambridge: Cambridge University Press, 2001, p. 1-2.

11 Movimento Armado para a Libertação do Sudão e o Movimento para a Justiça e Igualdade.

12TAKAHASHI PEREIRA, Marcela. Cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no âmbito interno. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6491#fn11> Acesso em 03 de fevereiro de 2015.

13 SILVA, Agustinho Fernandes Dias da. Direito Processual Internacional: efeitos internacionais da jurisdição brasileira e reconhecimento da jurisdição estrangeira no Brasil. Rio de Janeiro: Villani, 1971. p. 171.

14 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op., cit.,p. 736. e 737.

15 PELLET, Alain. As novas tendências do direito internacional: aspectos macrojurídicos. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Coord.). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 14.

16 Artigo 103 1 (a) do Estatuto de Roma.

17 Princípio pelo qual um Estado, por ser soberano, não precisa se subordinar à outros Estados ou o organismos internacionais.

18 UBÉDA, M. L´Obligation de Coopérer avec les Juridictions Internationales in ASCENSIO, H.; DECAUX, E; PELLET A. (Orgs.) Droit International Penal. Paris : A. Pedone, 2000, 951-967.

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