5. Conclusão
O direito estruturado no Pós-Segunda Guerra Mundial é o marco histórico da disseminação do novo modelo de constitucionalismo adotado pelos mais diversos países do globo, que, além de alçar a Constituição como ápice hierárquico das leis no Ordenamento jurídico, culminou com a adoção de uma jurisdição constitucional e uma ativa proteção dos direitos fundamentais.
Por meio da Constituição atual, a democracia representativa – utilizando-se da célebre expressão de Canotilho – foi democratizada, permitindo o advento de uma democracia participativa em nosso país. Este é o novo rosto do Estado contemporâneo, como vislumbrado por Bobbio (1987, p. 26): “O Estado de hoje está muito mais propenso a exercer uma função de mediador e de garante, mais do que a de detentor do poder de império.”
A jurisdição não pode mais ser considerada como aquela função do magistrado que se resume apenas na aplicação do direito ao caso concreto, o Juiz não pode ter um papel tão reduzido, tão mecanizado. O ordenamento jurídico não é capaz de atender todas as expectativas do cidadão. Ainda, a lei é um documento estático, enquanto a sociedade é dinâmica, sendo assim, não se pode afirmar que toda e qualquer demanda é amparada pela legislação vigente.
Partindo desse ponto, pode-se afirmar que não deve o juiz ser mero aplicador da lei. Nesses termos, no constitucionalismo contemporâneo, em que se tem “a ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos fundamentais”, o processo deixa de ser visto “como fenômeno técnico, voltado para atender aos anseios do mercado e vinculado à proposição liberal”, para se tornar um instrumento democrático na medida em que pode “auxiliar na formação de uma sociedade democrática e inclusiva”. (ZANETI, 2013, p. 47)
Marinoni (2001, p. 475) afirma que o processo é procedimento e, dessa forma, pode ser visto como instrumento, mas no sentido de “módulo legal ou conduto com o qual se pretende alcançar um fim, legitimar uma atividade e viabilizar uma atuação”, ou seja, “é o instrumento através do qual a jurisdição tutela os direitos na dimensão da Constituição”. Para o ilustre autor, o processo
É o módulo legal que legitima a atividade jurisdicional e, atrelado à participação, colabora para a legitimidade da decisão. É a via que garante o acesso de todos ao Poder Judiciário e, além disto, é o conduto para a participação popular no poder e na reivindicação da concretização e da proteção dos direitos fundamentais. Por tudo isso o procedimento tem de ser, em si mesmo, legítimo, isto é, capaz de atender às situações substanciais carentes de tutela e estar de pleno acordo, em seus cortes quanto à discussão do direito material, com os direitos fundamentais materiais.
A conjuntura desenhada é respaldada pelo projeto do novo Código de Processo Civil, PL 8046/2010, sancionado pela presidente da República no dia 16 de março de 2015, que, atento para a importância do tema, traz diversas previsões legislativas sobre o princípio em tela.
A coparticipação advinda da leitura dinâmica do contraditório, considerando outras garantias processuais constitucionais inclusive, promove uma democratização do sistema jurídico. Assim, chegaremos a uma aplicação de tutela com resultados úteis e de acordo com as perspectivas de um Estado Democrático de Direito.
Enfim, a legitimidade das decisões judiciais, sob a ótica das dimensões constitucionais do Estado Democrático de Direito, deve ser alicerçada como obra do esforço e da participação das partes e do juiz através do desenvolvimento do processo pelo contraditório. Neste sentido, não há margem ao autoritarismo judicial, de sorte que, até mesmo quando a questão é daquelas que o juiz pode enfrentar de ofício, não deverá decidi-la sem antes ensejar a discussão com as partes, e assim permitir-lhes influir, lógica e juridicamente, com seus argumentos, na formação do julgado.
6. Referências
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Notas
2 Sobre a humanização do processo, por meio do diálogo judicial, MELENDO, Santiago Sentis. Estudios de derecho processual. Buenos Aires: EJEA, 1967. p. 237: “Es necessário que, em el desarrollo del processo, se hable cuando em la vida real la gente se entende hablando”.
3 Nesse sentido, está uma interessante decisão do TJ/MG que aduz: "Data vênia, o douto Juiz, ao determinar a juntada das cópias das peças processuais relevantes, deveria ter especificado os documentos faltantes, notadamente se considerarmos que o artigo 736 do CPC é genérico ao se referir às peças processuais relevantes que devem ser anexadas aos embargos à execução, sob pena de ofensa ao princípio da colaboração, corolário lógico do princípio do contraditório e que se traduz numa visão cooperativista do processo. Com efeito, o princípio da colaboração entre os sujeitos processuais prevê o dever de auxílio - o Juiz deve auxiliar a parte na superação de eventuais falhas na condução do processo - e o dever de consulta - o Juiz não pode decidir uma questão de direito ou de fato, ainda que seja de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciarem sobre ela, com a necessária discussão sobre o respectivo tema. Destarte, a cooperação processual, consagrada como princípio exponencial do processo civil, tem como norte propiciar que as partes e o Juiz cooperem entre si, a fim de se alcançar uma prestação jurisdicional efetiva, com a justiça do caso concreto, sendo inconcebível, data vênia, o indeferimento liminar da petição inicial por irregularidade constante da petição inicial, sobre a qual o autor sequer tomou conhecimento." (Apelação cível n° 1.0024.08.993716-3/001, 1ª Câmara Cível, Relator Desembargador Eduardo Andrade, julgamento em 02.09.2008. Grifo nosso).
4 Nesse sentido, ainda, dispõe o artigo 6º “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” e o artigo 7º “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” BRASIL. Projeto-lei 8.046, de 08 de junho de 2010. Disponível em: <https://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp? p_cod_mate=116731>. Acesso em 31 jan. 2015.
5 Nesse sentido, sustenta-se o entendimento de que o processo justo seria definido como aquele em que os jurisdicionados teriam assegurada a concretização de todos os direitos fundamentais e garantias processuais-constitucionais. Dentre essas, está inserida a garantia da motivação das decisões judiciais, decorrente do contraditório dinâmico, representando limitação ao arbítrio estatal, posto que o juiz deve expor as razões de seu convencimento a partir da construção dialética existente no processo.