A participação das minorias no processo legislativo brasileiro no âmbito das iniciativas populares e comissões de participação popular

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14/06/2015 às 17:57
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O artigo visa discutir sobre a participação das minorias no processo legislativo brasileiro, utilizando como referências o instituto da Iniciativa Popular e as Comissões de Participação Popular.

1 INTRODUÇÃO

O artigo visa discutir sobre a participação das minorias no processo legislativo brasileiro, utilizando como referências o instituto da Iniciativa Popular, que viabiliza a efetiva intervenção do povo; e as Comissões de Participação Popular, que de forma palpável permitem a exposição de projetos dos grupos minoritários perante o Congresso Nacional.

2 MINORIAS

2.1 Surgimento Histórico:

O início da história moderna da proteção internacional dos direitos das minorias ocorreu no século XVI e XVII, cuja primeira manifestação está relacionada às minorias religiosas. Desse modo, o Tratado de Westphalia de 1648, que concedeu direitos a determinadas minorias religiosas declarou o princípio da igualdade entre protestantes e católicos. Assim, é possível considerar esse Tratado como o primeiro documento que garantiu direitos a um grupo minoritário.

Nos anos subsequentes, diversos tratados surgiram garantindo a liberdade religiosa. Porém o objetivo principal desses tratados era a celebração da paz, não evidenciando os anseios de uma coletividade específica. No século XVII, a “proteção das minorias” tinha foco nos grupos minoritários religiosos, à medida que, posteriormente, o cerne mudou para as minorias étnicas ou nacionais.

A Conferência da Paz (Paris 1919), que tem como principal documento produzido o Tratado de Versalhes, declarou a isonomia, a igualdade dos direitos civis e políticos, de tratamento e a segurança das minorias. Isto posto, a Conferência da Paz pode ser considerada como o primeiro momento específico de proteção das minorias por garantir direitos concretos. A Liga das Nações foi a primeira organização internacional que procurou proteger de forma universal os direitos de todas as pessoas.

Em 1966, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 27[1], estabeleceu a proteção das minorias éticas, linguísticas e religiosas. Já a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 não fez nenhuma referência sobre esse tipo de direito.

2.2 Definição de Minorias:

Há uma dificuldade em definir a palavra minoria, talvez como consequência da morosidade para regular importantes direitos. Todavia, em razão da necessidade de conceituar o termo, a Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, criada pela ONU, requisitou ao perito italiano Francesco Capotorti um projeto que, consequentemente, suscitou a definição de minoria como: “Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Estado - possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua”. [2]

Capotorti destaca a existência de critérios subjetivos e objetivos para definir as minorias. Sendo estes: a existência em um Estado de um grupo de pessoas com peculiaridades étnicas, religiosas ou linguísticas distintas do resto da população; a colocação não dominante desse grupo minoritário e em relação ao resto da população a diferença numérica do mesmo. E aqueles: a vontade das minorias de preservar os elementos caracterizantes do grupo, ou seja, a vontade comum de conservar suas particularidades.

Porém, nem todas minorias são inferiores numericamente, ou seja, certas minorias apresentam números expressivos, por exemplo na África do Sul no tempo do apartheid, em relação à população negra. Sendo assim, o critério objetivo numérico é insatisfatório para definir o conceito de minoria. O melhor quesito objetivo de definição para determinar a concepção de minoria é a exclusão social e a falta de participação nas decisões políticas de um determinado grupo.

Segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha:

 “Não se toma a expressão minoria no sentido quantitativo, senão que no de qualificação jurídica dos grupos contemplados ou aceitos com um cabedal menor de                 direitos, efetivamente assegurados, que outros, que detêm o poder. [...] em termos de direitos efetivamente havidos e respeitados numa sociedade, a minoria, na               prática dos direitos, nem sempre significa menor número de pessoas”. [3]

O típico conceito de minoria tem-se limitado a conceber apenas as características linguísticas, religiosas ou étnicas de um grupo para considerá-lo minoritário. Portanto, como afirma Ana Maria D´Ávila Lopes[4], “todo grupo humano, cujos membros tenham direitos limitados ou negados apenas pelo fato de pertencerem a esse conjunto, deve ser considerado um grupo minoritário”.

3 INICIATIVA POPULAR

3.1 Democracia semidireta:

Diante da impossibilidade de alcançar a democracia direta, a semidireta consiste no meio-termo entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa tradicional dos modernos. Ou seja, as formas clássicas de democracia representativa são alteradas em sua estrutura para inserir mecanismos de democracia direta.

A democracia semidireta não existe continuamente, ela se manifesta nas democracias indiretas quando o povo é convocado para tomar uma decisão direta de governo. É um acontecimento ocasional e nenhum Estado é assim classificado.

O povo não se limita a eleger representante, pois suas atividades também abarcam obrigações de legislar. Na cooperação política é acrescentado certa participação jurídica. Consequentemente, a alienação política de vontade popular ocorre apenas parcialmente.

Determinadas instituições contribuem para a efetiva intervenção do povo, pois lhes garante um poder de decisão de última instância, supremo, absoluto, definitivo e irrefutável. São elas o referendum, a iniciativa, o veto e o direito de revogação.

3.2 Definição de iniciativa popular:

A Iniciativa Popular consiste na capacidade jurídica do povo de propor formalmente a legislação que, na sua compreensão, melhor condiz ao interesse público.

Da Iniciativa origina-se novas leis ou ab-rogação das existentes, tanto em matéria de legislação ordinária, quanto constitucional. Porém essa instituição é um direito possível de exercer desde que, para tanto, determinada parcela do corpo eleitoral reúna o número legal de proponentes, substancial para dar o impulso legislativo. Pela Iniciativa Popular, os parlamentares se submetem a discutir e votar os projetos de origem popular, mas não necessariamente a aprová-los.

Assim, a Inciativa Popular é uma capacidade dada ao povo, pela Constituição, não de consultar, mas de apresentar um projeto de legislação ao órgão próprio de governo.

3.3 Iniciativa popular no Brasil:

No Brasil a Iniciativa Popular, que representa a possibilidade de o eleitorado nacional provocar o processo legislativo de lei ordinária e de lei complementar, é regulamentada no artigo 14, inciso III e artigo 61, §2º da Constituição Feral de 1988:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)

III - iniciativa popular. (...)

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso              Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos              casos         previstos nesta Constituição. (...)

§ 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado                      nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. ” [5]

E pela lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, em seu artigo 13, §1º e §2º:

“Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional,                distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

§ 1º O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.

§ 2º O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a            correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.” [6]

Nesse sentido, claras são as palavras de CATTONI (2013, p. 2.221):

“No processo legislativo, é garantida a iniciativa popular, independentemente de regulamentação legislativa (§ 2º), sendo que a lei pode disciplinar as formas de sua             elaboração legislativa, inclusive ampliando-a. A Lei n. 9.079/98 regulou a matéria no seu art. 13, §§ 1º e 2º, estabelecendo que o projeto de lei de iniciativa popular             deverá circunscrever-se a um só assunto e que não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente,                       providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa. Assim, a Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências do art. 61, §           2º, da Constituição e do art. 13 da lei, dará seguimento à iniciativa popular, de acordo com as normas do seu Regimento Interno, art. 252. É iniciativa legislativa que           ingressa no campo das iniciativas concorrentes e não se admite iniciativa legislativa popular em matéria reservada à iniciativa exclusiva de outros titulares.”[7]

Para a apresentação de projetos de lei por Iniciativa Popular a Constituição exige como requisito a adesão mínima de um por cento (1%) do eleitorado nacional, mediante assinaturas, distribuídas por pelo menos cinco Estados e com no mínimo de três décimos por cento (0,3%) dos eleitores em cada uma dessas unidades. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o número de eleitores do Brasil em abril de 2015 era de 143.744.283 [8](cento e quarenta e três milhões, setecentos e quarenta e quatro mil e duzentos e oitenta e três).  Assim sendo, o número mínimo de assinaturas para apresentar um projeto de Iniciativa Popular, seria, portanto, 1,44 milhão.

3.4 Exemplos de projetos de lei decorrentes de iniciativa popular aprovadas no Brasil:

Colaborando para o melhor entendimento dos conceitos de Iniciativa Popular explicados acima, tem-se os seguintes exemplos de projetos de lei decorrentes deste instituto: lei 8.930/94 (projeto de Iniciativa Popular Glória Perez para modificação da Lei de crimes hediondos); lei 9.840/99 (Lei de combate à corrupção eleitoras pela compra de votos); e lei 11.124/2005 (fundo nacional para moradia popular, primeiro real projeto de inciativa popular da história brasileira). [9]

4 A DIFICULDADE DAS MINORIAS DE PROPOREM INICIATIVA POPULAR

As minorias usufruem de direitos humanos fundamentais que nenhum governo ou maioria podem extirpar. A liberdade de expressão, de religião, de crença, de organizar, denunciar, discordar e participar plenamente na vida pública da sua sociedade, assim como, julgamento justo e isonomia são alguns direitos que o governo democrático deve proteger.

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Proteger os direitos das minorias é essencial para apoiar a identidade cultural, práticas sociais, consciências individuais e resguardar crenças distintas. O governo da maioria é uma das formas de organização do Estado e não deve ser um meio de opressão. Ou seja, nenhuma maioria pode retirar os direitos e as liberdades fundamentais de um grupo minoritário ou de um indivíduo.

Esses grupos podem participar e auxiliar as instituições democráticas de seu país, o governo tem o dever de proteger o direito e a identidade destes. Uma das formas de resguardar e garantir o direito e a cooperação das minorias na formação da democracia estatal é com a representação desses grupos no processo legislativo. Porém, no Brasil, não há meios coerentes para que essa contribuição de pensamentos contra majoritários ocorram.

Umas das possíveis formas de participação das minorias na construção legislativa do Estado seria a Iniciativa Popular. Esse mecanismo de democracia semidireta apresenta requisitos legais para acontecer, expressos principalmente no artigo 61, §2º da CF/88. Todavia, grupos minoritários, muita das vezes, encontram problemas para participar deste processo. Dado que, algumas minorias não tem uma representatividade suficiente para apresentar uma inciativa popular, que exige no mínimo um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores em cada uma dessas unidades.

Posto isto, os quesitos legais para apresentar uma lei de Inciativa Popular dificilmente serão alcançados por algumas minorias existentes. Portanto, os grupos minoritários ficam excluídos, em certa parte, do processo legislativo por não atingirem os requisitos necessários para participar desse mecanismo de democracia semidireta.

5 COMISSÕES DE PARTICIPAÇÃO POPULAR

A dificuldade de acesso dos grupos minoritários ao processo legislativo, como explicado no tópico anterior, ocasiona a exclusão das minorias. Nesse sentido, o Congresso Nacional e alguns legislativos estaduais criaram uma nova Comissão: a Comissão de Participação Popular.

A Comissão de Participação Popular recebe propostas da sociedade independentemente do número de assinaturas, diferentemente da Iniciativa Popular que requer prévios requisitos. Podem apresentar sugestões de ações legislativas os sindicatos, ONG´s, associações profissionais e comunitárias, conselhos ou qualquer entidade legalmente constituída, exceto partido político com representação na Assembleia Legislativa. [10]

Sendo assim, a Comissão de Participação Popular contribui para ampliar a participação direta dos cidadãos no processo Legislativo; propicia uma nova forma de inteiração entre o Estado e a Sociedade; e estimula a organização das forças da sociedade para fiscalizar e propor as políticas públicas.

Nesse sentido, a Comissão de Participação Popular define-se como um espaço de democracia direta, que permite qualquer entidade legalmente constituída da sociedade civil a oportunidade de apresentar propostas de ações legislativas. Como, por exemplo, projeto de lei, solicitação de audiência pública, consulta popular, emenda a projeto de lei em tramitação e requerimento de informações oficiais a órgãos públicos e autoridades.[11]

Por fim, a Comissão de Participação Popular viabiliza a participação das minorias no processo legislativo, sendo um alento para grupos minoritários apresentarem projetos de seu interesse ao Congresso.

6 CONCLUSÃO

A representação de diversas minorias no processo legislativo fica desamparada pelo instituto da Iniciativa Popular. Apesar de ser um mecanismo democrático considerável de movimentação da opinião pública e pressão popular sobre o Parlamento, trata-se de um mecanismo de difícil utilização.

Neste aspecto, no Congresso Nacional e em alguns legislativos estudais foi criada a Comissão de Participação Popular, que visa ampliar a participação direta dos cidadãos no processo legislativo.

Isto posto, a Comissão de Participação Popular viabiliza de forma mais eficaz a apresentação de projetos do interesse de grupos minoritários no Congresso, ou seja, proporciona a maior participação de minorias no processo legislativo.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado a disciplina de Direito Constitucional II: Faculdade de Direito da UFMG, 4º Período Noturno.

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