4. A TEORIA DA “ACTIO NATA” E SUA EFETIVIDADE
A execução fiscal disciplinada pela Lei nº. 6.830/1980 tem como escopo a cobrança de débitos de natureza tributária e não tributária. A cobrança dos créditos públicos sujeitos ao regramento desta norma pressupõe a existência de um título executivo, que, in casu, é a CDA, Certidão de Divida Ativa, título executivo extrajudicial.
A execução então tem início com base em um título. A Lei nº. 6.830/1980 apresenta os requisitos deste título e informa que após a inscrição do débito em dívida ativa este goza de presunção relativa de certeza e liquidez.
Com efeito, na execução fiscal o devedor ou o responsável integram o pólo passivo, sendo ônus seu a comprovação de fato capaz de elidir a presunção relativa de legalidade da respectiva CDA, incluído a comprovação da perda do direito de cobrar em razão de eventual ocorrência da prescrição.
Quanto à inclusão do sócio-gerente na CDA, o STJ pacificou o entendimento de que a execução pode ser ajuizada diretamente contra ele. O Código Tributário Nacional, no Art. 135, inciso III, cita as hipóteses de “responsabilidade pessoal dos diretores gerentes, ou representantes de pessoas jurídicas de direito público, quando agirem com excesso de poderes ou infração de Lei, contrato social ou estatutos”. (BRASIL, 2010, p.693)
A jurisprudência do STJ é assente no sentido de que a citação válida da empresa executada interrompe o prazo prescricional em relação ao sócio-gerente. Contudo, para redirecionar a execução contra este o prazo qüinqüenal começa a correr somente a partir da citação válida daquela, em razão da prescrição intercorrente.
No entanto, existe é a fixação do marco inicial deste prazo de 5 (cinco) anos quanto aos sócios gerentes, quando se verificar a dissolução irregular de uma sociedade limitada, se da citação da pessoa jurídica ou da época em que a parte exeqüente tomou conhecimento da irregularidade no encerramento da sociedade (Teoria da Actio Nata).
A teoria da actio nata vem sendo aplicada no direito civil, no qual foi recepcionada em seu art. 189, entre seu maior defensor temos Agnelo Amorim Filho7 e também vem sendo aplicada no direito tributário e administrativo. Não passou despercebido que na doutrina exista contestações quanto a sua aplicação, em contrapartida, cresce na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a adoção da teoria da actio nata, que apresenta ligação ao princípio da boa-fé.
Destarte, percebe-se que a teoria da actio nata é cabível na execução fiscal tendo respaldo na doutrina nacional e inclusive em julgados do próprio Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.
Nesse sentido, é o seguinte excerto de julgado:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. SÓCIO-GERENTE. PRESCRIÇÃO. TEORIA DA "ACTIO NATA". RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. MATÉRIA QUE EXIGE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 393/STJ.
1. O termo inicial da prescrição é o momento da ocorrência da lesão ao direito, consagrado no princípio universal da actio nata.
2. In casu, não ocorreu a prescrição, porquanto o redirecionamento só se tornou possível a partir da dissolução irregular da empresa executada.
3. A responsabilidade subsidiária dos sócios, em regra, não pode ser discutida em exceção de pré-executividade, por demandar dilação probatória, conforme decidido no Recurso Especial "repetitivo" 1.104.900/ES, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, julgado em 25.3.2009, DJe 1°.4.2009, nos termos do art. 543-C, do CPC.
4. Incidência da Súmula 393/STJ: "A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória".
Agravo regimental provido.
(Segunda Turma, AgRg no REsp 1196377 / SP, relator Ministro HUMBERTO MARTINS (1130), DJe de 27/10/2010) (BRASIL, 2010, p.5).
Por seu turno, o STJ já sumulou no seu verbete nº. 435. que a paralização das atividades da empresa no domicílio fiscal, sem a necessária comunicação aos órgãos competentes, por si só, configura sua dissolução irregular e, por conseqüência, autoriza o redirecionamento da execução ao sócio-gerente.
É imperioso, ademais, para se aplicar a teoria da actio nata no redirecionamento da execução fiscal, demonstrar que a Fazenda promoveu regularmente o andamento do feito, inclusive, diligenciando a fim de excutir os bens da sociedade suficientes para adimplir a dívida, uma vez que somente após restar demonstrada a insolvência da sociedade é que a Fazenda poderá exigir a dívida dos sócios gerentes.
É incontroverso que a referida teoria não pode ser aplicada aleatória e em todos os casos de executivos fiscais, embasado na frágil premissa da supremacia do interesse público arrecadatório, no caso, a satisfação do crédito fiscal, sob pena de violação aos princípios e institutos tributários, bem como diante da possibilidade da dívida se transformar em imprescritível.
A prescrição é um instituto criado justamente para punir a inércia do titular da pretensão que não a exerceu no tempo devido. Porém, só flui a partir do momento que o titular adquire seu direito de reivindicar.
Remarque-se que o redirecionamento pressupõe a prática de atos pelos sócios-gerentes, administradores ou controladores que extrapolam os poderes que lhe foram conferidos ou ferem a lei, os quais, de qualquer sorte, na maior parte, não são detectados de imediato pelos órgãos fiscais.
Portanto, não há como exigir do Fisco o prévio conhecimento da irregularidade da empresa em razão de atos praticados pelo seu administrador, especialmente as que, por sua essência, só podem ser constatadas no desenrolar do processo na fase judicial.
Deveras, aqui se enquadra o caso de dissolução irregular da sociedade que não possui patrimônio suficiente para honrar seus débitos, inclusive e principalmente, os fiscais, pois não houve o encerramento oficial e regular da empresa, com a necessária baixa junto aos órgãos competentes e pagamento dos tributos devidos.
Assim, em muitos casos, o redirecionamento da execução judicial para a pessoa dos sócios administradores só é possível a partir do momento em que a Fazenda toma conhecimento da lesão, da irregularidade perpetrada pelo gestor e, isso, às vezes, só pode ser verificável após anos de buscas infrutíferas por bens da empresa para satisfação do crédito, ou seja, após o exaurimento de todas as tentativas previstas em lei.
Nestas condições, ou seja, enquanto obscura a irregularidade ou o ato ilegal do administrador, não há de se falar em prescrição a pretensão ao redirecionamento, uma vez que esta ainda inexistia. Portanto, não se pode extinguir aquilo que não existe, não se tem. Com efeito, não se permite o redirecionamento no curso da execução antes de se exaurir os bens da empresa e comprovar a justa causa (ato praticado com excesso de poder, infração à lei ou dissolução irregular da sociedade).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, observamos que a política de incentivos da legislação brasileira em relação a execução fiscal merece melhoramentos, por vários aspectos. O primeiro seria o referente a demora na solução desses processo judiciais, visto que a execução fiscal é hoje vista como a maior responsável pela taxa de congestionamento do judiciário brasileiro.
O segundo seria no contexto de reformulação da legislação em consonância com a realidade brasileira atual, notadamente pela estruturação das procuradorias públicas, que já podem responder pelas demandas como se escritórios de advocacia fossem.
O terceiro aspecto seria entre os ganhos e perdas a execução fiscal atual, mas causa prejuízos do que traz benefícios, notadamente na recuperação do passivo que é inscrito em dívida ativa.
Tudo isso pode ser visto do ponto de vista da análise econômica do direito como algo que gera desperdício, gerando injustiças no sistema de cobrança judicial da dívida ativa.
Outrossim, entendemos eficaz o redirecionamento da execução fiscal no prazo de cinco anos para a Fazenda Pública contra os sócios-gerentes, a partir do momento em que a fazenda toma conhecimento da dissolução irregular.O redirecionamento da execução fiscal mostra-se eficiente a partir do momento que invade o patrimônio do real devedor, que geralmente utiliza-se da execução pessoa jurídica para praticar ilegalidade.
REFERÊNCIAS
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro – 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: 2. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2010. v. 5.
MARINONI, Luiz Guilherme, Curso de Processo Civil, v.3: execução / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. – 2. ed. rev. e atual. 2. tir – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
OLIVEIRA JUNIOR, Dário da Silva, Análise jurídica dos princípios tributários da legalidade, anterioridade e capacidade contributiva, Rio de Janeiro: Lúmen Júris Ltda, 2000.
MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 31ª ed. rev. atual e ampl.- falta cidade , Malheiros, 2010.
LOPES, Mauro Luís Rocha, Processo Judicial Tributário / Mauro Luís Rocha Lopes 3ª ed. rev. ampl. e atual – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis . Revista dos Tribunais – São Paulo, vol. 744, p. 725-750, outubro de 1997
Notas
1 <https://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>. Acesso 17/05/2014-11:18.
2 Ivo T. Gico Jr.. "Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito" Economic Analysis of Law Review 1.1 (2010): 7-32.Available at: <https://works.bepress.com/ivo_teixeira_gico_junior/44 >.
3 A Teoria dos Princípios, Humberto Ávila, Ed.Malheiros, Ano-2012. <https://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04-JULHO-2001-HUMBERTO-AVILA.pdf>
4 <https://www.pgfn.fazenda.gov.br/noticias/apesar-dos-programas-de-parcelamento-divida-ativa-da-uniao-sobe-13-4-em-2011> acesso em 18/05/2014.
5 www.stj.jus.br
6 www.stj.jus.br
7 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis . Revista dos Tribunais – São Paulo, vol. 744, p. 725-750, outubro de 1997