A lei de improbidade administrativa e sua aplicação aos agentes políticos

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16/06/2015 às 23:05
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O presente artigo tem como objetivo demonstrar a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos como forma de concretização do princípio da moralidade administrativa, instrumentalizado pela Lei nº 8.429/92, e de combate à corrupção.

SUMÁRIO

1. Introdução;

2. Administração Pública – Agentes Políticos e Princípios;

    2.1 Do conceito de agente político e suas funções;

    2.2 Princípios Constitucionais e os Atos Políticos – Legalidade, Moralidade e Probidade;

   2.3 Princípio da Moralidade Administrativa;

   2.4 Liberdade funcional X Princípio da Moralidade;

3. Formas de responsabilização dos agentes políticos;

   3.1 Crimes de Responsabilidade – Lei 1.079/50;

   3.2 Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92;

   3.3 Atos de Improbidade e os Crimes de Responsabilidade;

4. Foro privilegiado em sede de Ação Civil por Improbidade Administrativa;

5. Aplicação do regime da lei 8.429/92 aos agentes políticos;

   5.1 Evolução do ordenamento jurídico brasileiro quanto a Improbidade Administrativa;

   5.2 Da jurisprudência;

   5.3 Da doutrina;

6. Conclusão;

7. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Segundo o dicionário Aurélio[1] da Língua Portuguesa, a palavra Improbidade deriva do latim improbitate, que designa a falta de probidade, maldade, perversidade, desonestidade e mau caráter. Desde os primórdios da sociedade civilizada têm-se registros de atos de improbidade por parte dos detentores do poder. Esse mal social que enferruja a máquina gerencial do país, implica no desvirtuamento da Administração Pública à medida que desequilibra e destroça o Sistema Democrático de Direito, causando prejuízos ao erário e à sociedade como um todo.

Sob essa perspectiva, a Ação Civil por Improbidade Administrativa regulada pela Lei 8.429/92 surge em um contexto social em que a gestão da coisa pública é marcada por um alto grau de incidência de improbidade. Com o seu advento, inaugura-se no país mais uma ferramenta capaz de sancionar o agente público que age de forma irregular, sempre que seu comportamento se revista de um ato ímprobo.

Como efeito da aparente endemia político – social que é a improbidade, cujo desenlaçar se dá na corrupção, o presente trabalho visa apresentar uma verdadeira análise dos aspectos formais e matérias da Lei de Improbidade e desta forma, propor uma reflexão no que concerne a sua possível aplicação aos agentes políticos como um instrumento eficaz de concretização do princípio constitucional da Moralidade e o consequente combate à corrupção.

A metodologia utilizada no presente trabalho é a bibliográfica, com ênfase na importância singular da Carta Magna e nas Leis Federais nº 8.429/92 de Improbidade Administrativa e 1.079/50 que define os crimes de responsabilidade. Além da posição de alguns doutrinadores e do conteúdo jurisprudencial dos Tribunais Superiores, onde se destaca a Rcl 2138 de relatoria dos Ministros Nelson Jobim e Gilmar Mendes.

Visando um maior entendimento e repercussão deste artigo é imperioso abordar algumas questões. Precipuamente, identificar quem são os agentes políticos, delimitando suas funções e quais seriam os limites da liberdade funcional quando no exercício da Administração Pública. Destarte, ponderar o princípio da moralidade administrativa em face da garantia da liberdade funcional essencial para o desempenho da função política.

Em um segundo momento, apresentar os institutos da Lei de Improbidade Administrativa e da Lei que define os Crimes de Responsabilidade. Identificar seus regimes jurídicos, as suas naturezas e aplicabilidades a fim de traçar parâmetros e distinções. Desta forma, tratar de algumas questões divergentes na doutrina e nos Tribunais Superiores, em especial, a competência para a fixação do foro privilegiado por prerrogativa de função e a coerência legal na aplicação desta prerrogativa aos agentes políticos processados com base na Lei 8.429/92.

Isto posto, imprescindível adentrar no contexto histórico de evolução dos instrumentos de combate à Improbidade. Observar e levantar aspectos sociais e políticos, bem como, o posicionamento jurisprudencial e doutrinário. Por fim, demonstrar os benefícios da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos como mecanismo de combate à impunidade política, de manutenção da democracia e da efetiva proteção do Estado Democrático de Direito.

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – AGENTES POLÍTICOS E PRINCÍPIOS

 2.1 DO CONCEITO DE AGENTE POLÍTICO E SUAS FUNÇÕES

Os Agentes políticos são sem dúvida alguma, os componentes de elevada hierarquia, os que ocupam o mais alto escalão na organização da Administração Pública, todavia, ainda não há um consenso na doutrina quanto à sua conceituação. Existem hoje duas correntes de pensamento: a primeira denominada de conceito amplo, onde se destaca a citação de Hely Lopes Meirelles[2], e que segundo ele os agentes políticos seriam:

Os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses atuam em plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e leis especiais.

Sob esse entendimento, os agentes políticos possuem uma independência funcional que os distingue dos demais agentes públicos e como consequência, pertencem a um sistema de responsabilização próprio. Desta forma, integrariam o rol de agentes políticos os Chefes do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal (Presidente, Governador e Prefeito) e seus auxiliares diretos (Ministros e Secretários), os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados ou Vereadores), membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Magistratura, dos Tribunais de Contas, representantes diplomáticos e demais autoridades com independência funcional.

A segunda corrente denominada de conceito restrito, e que por hora é a doutrina majoritária, conceitua que os agentes políticos são sim, os ocupantes dos mais autos escalões da Administração Pública, porém, ao contrário da doutrina minoritária, executam atividades estritamente políticas de direção e governo do Estado, geralmente no exercício de mandato eletivo. Nesse sentido o entendimento de Sylvia Zanella Di Pietro[3]:

São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, porque exercem típicas atividades de governo e exercem mandato, para o qual são eleitos, apenas os Chefes dos Poderes Executivos federal, estadual e municipal, os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e Vereadores. A forma de investidura é a eleição, salvo para Ministros e Secretários, que são de livre escolha do Chefe do Executivo e provido em cargos públicos, mediante nomeação [...] A idéia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de Governo e à de função política, a primeira dando idéia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo). (Grifos do original).

De acordo com essa corrente, o vínculo estabelecido entre os agentes e a Administração não seria profissional, mas sim um vínculo político. Destarte os agentes políticos são tão somente os chefes do Poder Executivos (Presidente, Governadores, Prefeitos e seus respectivos vices), seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores), excluídos, portanto desse rol os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, dentre outros.

Pedimos vênia para ilustrar o conceito lecionado magistralmente por Celso Antônio Bandeira de Mello[4], in verbis:

Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores.

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público.

A Relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis. Donde, são por elas modificáveis, sem que caiba procedente oposição às alterações supervenientes, sub color de que vigoravam condições diversas ao tempo das respectivas investiduras.

Aludindo-se a este conceito, que por hora corrobora com dilatada doutrina, permite-se concluir que o objeto de distinção entre um agente público em sentido amplo e um agente político é o cargo em que ocupam, além da natureza especial das atribuições por eles exercidas. Os agentes políticos acabam por assumir o timão de direção da atividade política estatal. Nesse diapasão, permite-se concluir que o agente público é aquele que se reveste de autonomia e competência de vínculo representativo do Estado, já o Agente Político, é o titular de cargo decorrente da organização política estatal e desta forma participa diretamente das decisões governamentais atuando com a independência e autonomia necessárias para o desempenho de suas funções.

2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS ATOS POLÍTICOS – LEGALIDADE, MORALIDADE E PROBIDADE

Os princípios são materializações dos valores e preceitos que determinada sociedade carrega ao longo de sua evolução. Funcionam como balizas de orientação e sustentação do ordenamento jurídico. Emanam a verdadeira vontade que se reveste na Lei e desta forma se edificam em pilares, alicerces de concretização do Direito. Não é à toa que alguns princípios carregam consigo preceitos capazes de modificar, reformar ou até mesmo afastar a aplicação de leis. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[5] demonstra os efeitos dos princípios no ordenamento jurídico:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico [...]. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção a um princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

Sob esse contexto, surge ao princípio uma nova função: ao direcionar a sociedade, os princípios acabam agindo como verdadeiros limitadores de atos. Dessa forma, os agentes políticos devem ser regidos pelo manto dos princípios constitucionais e da administração pública, sob pena de se tornarem nulos os seus atos ou até mesmo, caso que trataremos a seguir, sofrerem a responsabilização pela violação dos mesmos.

O advento da Constituição de 88 erigida no berço de anseios sociais e políticos, dentre eles, a evolução do princípio da Legalidade - já tão evocada por outros países e que representou uma verdadeira mudança de paradigma na forma de aplicação e interpretação da Lei – chancelou de forma singular a instituição do Estado Democrático de Direito.

A essência da evolução do princípio da legalidade está na verdadeira retaliação ao positivismo jurídico. A aplicação sistematizada e mecânica da lei passa a ser vista de forma restrita. Surge então, a preocupação com os valores e princípios sociais. A legalidade ganha novos vértices, e se desdobra em lados nunca antes atingidos. A razoabilidade, a boa-fé, a economicidade, o interesse público e a moralidade, ecoam na aplicação do princípio da Legalidade. Há uma verdadeira mudança na forma de interpretação da lei que agora deixa de ser formal e passa a ser material. Nas palavras de Di Pietro: “O objetivo foi o de reconquistar o conteúdo axiológico do direito, perdido em grande parte com o positivismo jurídico” (DI PIETRO, 2004, p.767)

Surgem então duas formas de Legalidade: a legalidade restrita e a legalidade em sentido amplo. A legalidade restrita compreende o sentido formal em que a aplicação da Lei será exigida de forma sistêmica e impositora. Já a legalidade em sentido amplo permite ao legislador a observância dos princípios e valores e, não mais a obediência maquinal à Lei. A partir de então, o legislador deve obediência à lei e ao direito.

A Constituição de 88 redefiniu o perfil político constitucional do nosso país, reflexo das mudanças empregadas pelo processo de transição do Estado Formal de Direito para o Estado Democrático de Direito. Nasce um novo papel para o Estado, agora, de caráter interventivo. Busca-se não apenas a igualdade formal, mas, sobretudo a igualdade material.

Agora o Estado não tem apenas a função de cumprir e zelar pelas leis. Detém para si a verdadeira responsabilidade de ser o mantenedor das necessidades sociais. Faz parte do seu papel prover a sociedade. Nesse contexto, cresce a necessidade uníssona de se definir padrões de conduta, de gestão e diretrizes à Administração Pública a fim de que a atividade estatal seja desempenhada de forma efetiva na persecução dos objetivos e interesses sociais.

2.3 PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

O princípio da Moralidade surge pela primeira vez expressa como princípio Constitucional na Constituição de 88 em seu artigo 37 caput.[6] “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e [...]”.

Refletindo todos esses valores, a Constituição de 88 traduziu a preocupação no administrar da coisa pública e o anseio de toda uma sociedade democrática na busca pela moralidade administrativa amparada na honestidade, no combate à corrupção e à impunidade no setor público.

Dessa forma, a moralidade se reveste de grande importância, pois estabelece diretrizes à Administração Pública e veda condutas do administrador que ofendam a moral, a ética, os bons costumes, as regras da boa administração, os princípios de justiça e de equidade e a idéia comum de honestidade. Ele expressa a verdadeira preocupação com a honestidade na Administração e abre o caminho para o processo de superação da vergonhosa impunidade que campeia na Administração Pública.

O Princípio da Moralidade segundo os ensinamentos de Wallace Paiva Martins: “constitui verdadeiro superprincípio informador dos demais (ou um princípio dos princípios), não se podendo reluzi-lo a mero integrante do princípio da Legalidade. ”.

Nesse contexto, muitos doutrinadores confundem moralidade administrativa e probidade administrativa porque ambas têm como núcleo central o comprometimento com a honestidade, como bem leciona Di Pietro[7]:

Não é fácil estabelecer distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a idéia de honestidade na Administração Pública.

Todavia, deve-se ressaltar que a improbidade já era tratada como ato ilícito bem antes da Constituição de 88 nos crimes de responsabilidade praticados por agente político. E a moralidade apesar de não ter figura expressa no dispositivo, já orbitava as condutas da Administração, pois quando tratamos de condutas ímprobas estamos, por conseguinte, tratando de violação à honestidade e consequentemente à moralidade. O que ocorre, é que com a tradução expressa do princípio da moralidade, significa dizer que não basta o estrito cumprimento legal. Deve-se exigir a observância de preceitos éticos de honestidade no trato com a coisa pública. Note-se que moralidade administrativa não é simplesmente a moral comum, é uma moralidade jurídica, institucional, arraigada de uma idéia de boa administração cujos atos que não se fizerem sob a observância deste princípio serão passíveis das sanções legais.

Assim, criou-se pelo legislador a possibilidade de se compelir um maior número de atos atentatórios à boa conduta da administração. Hoje, não são apenas as condutas de improbidade que são punidas pela lei, mas principalmente as condutas imorais, que violem a moralidade pública.

A carga de subjetividade que o Princípio da moralidade trouxe para o ordenamento jurídico permitiu à sociedade um maior questionamento quanto aos atos praticados pelos agentes políticos, e hoje representa um reflexo do antigo brocardo latino non omne quod licet honestum est[8].

2.4 LIBERDADE FUNCIONAL X PRINCÍPIO DA MORALIDADE

O princípio da moralidade assume papel principal quando da análise dos atos praticados pelo agente político com fundamento nas prerrogativas de que gozam ao exercício de suas funções. Como já vimos, a função desempenhada pelo agente político não se resume apenas a um mero desempenho técnico na administração. Muito mais que isso, o agente político é o responsável por executar funções de governo e de direção da atividade política estatal, indo um pouco mais além, podemos dizer que são eles a investidura da própria Administração Pública.

Ao desempenhar as suas funções o agente político goza de independência, autonomia e liberdade funcional que lhe são essenciais para a execução e o pleno exercício da atividade política estatal. Desta forma, lhes são garantidas certas prerrogativas que só o agente político possui, sob pena de serem tolhidos da sua liberdade de decisão ante o temor de sofrer a responsabilização pelos padrões comuns da culpa civil e do erro técnico, os quais estão submetidos os demais agentes públicos. Frisa-se que essas prerrogativas não são concedidas em razão da pessoa, mas tão somente em razão do cargo que ocupam a fim de resguardar o pleno exercício público do agente.

Em virtude desta liberdade conferida e garantida aos agentes políticos através das prerrogativas, o princípio da moralidade representa o seu papel mais importante. Se o agente político goza da liberdade e independência para a prática de seus atos, o princípio da moralidade acaba por se tornar um instrumento eficiente de limitação das condutas praticadas com desídia, desonestidade e improbidade na Administração. Assim, os atos praticados pelo agente político com o “conluio” das liberdades e garantias de que gozam, devem sempre estar iluminados pelos holofotes da moralidade que indicarão os caminhos da conveniência e oportunidade e da mesma forma sujeitarão os seus agentes às suas responsabilizações.

Isto posto, com o reflexo do princípio da moralidade clareando toda a Administração Pública, se torna possível zelar pela probidade administrativa por meio da correta utilização dos instrumentos existentes na ordem jurídica, entre os quais a Ação Civil por Improbidade Administrativa. Esse avanço na busca do conteúdo axiológico do Direito permitiu uma extrema amplitude de investigação ao mérito do ato ou da decisão e consequentemente o questionamento de sua oportunidade e conveniência. Conclamando a reflexão. Até que ponto um ato legal é moral?

A moralidade administrativa acabou por se tornar o manto de toda Administração Pública e cada vez mais assume o seu papel no ordenamento jurídico na busca de um Estado equilibrado, justo e acima de tudo honesto.

3. FORMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES POLÍTICOS

3.1 CRIMES DE RESPONSABILIDADE – LEI 1.079/50

Os crimes de responsabilidade possuem suas raízes históricas no impeachment, cujo nascimento se deu na Inglaterra. No contexto, reinava o absolutismo com a figura perfeita e intocável do rei. Com o intuito de amenizar o excentrísmo absolutista, os parlamentares ingleses criaram o impeachment a fim de responsabilizar os assessores diretos do rei, ou seja, passaram a exercer um controle indireto de seus atos. Nas palavras de Maciel[9]:

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Para preservar a democracia, o Parlamento inglês elaborou lentamente e pôs em prática o instituto do Impeachment para, indiretamente, impedir a prepotência do soberano. Como ele era irresponsável e inatacável, o jeito foi atacar e responsabilizar seus colaboradores. Assim, na Inglaterra, o Impeachment era, em princípio, cabível contra todo aquele que detivesse em suas mãos parcela do poder público. No início, tinha caráter estritamente penal, podendo chegar mesmo à pena capital.

Contemporaneamente, os crimes de responsabilidade têm a sua previsão constitucional no artigo 85 da CRFB/88 e são infrações de natureza político-administrativas que têm como sujeito apenas os agentes políticos. Ao contrário do que muito se questiona e apesar da terminologia, não possuem correspondência com o processo criminal, pois a finalidade precípua do instituto não é a de punição do agente, mas de seu afastamento do exercício da função pública. Nem tão pouco visa à responsabilização civil e administrativa, não cabendo a aplicação das formulações dogmáticas típicas destes ramos. Objetiva-se tão somente examinar os atos políticos e de governo, o que ratifica a sua natureza política. Nesse sentido já se manifestou o Ministro do supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa[10]:

O contraste é manifesto com a outra disciplina da improbidade, quando direcionada aos fins políticos, isto é, de apuração da responsabilização política. Nesse caso, o tratamento jurídico da improbidade, tal como prevista no art. 85, V da Constituição e na lei 1.079/1950, assume outra roupagem, e isto se explica pelo fato de que o objetivo constitucional visado é muito mais elevado. Cuida-se aí de mais um dentre os inúmeros mecanismos de cheqs-and-balances típicos das relações entre os poderes do Estado no regime presidencial de governo [...]. É que o objetivo da punição é lançar no ostracismo político o agente político faltoso, especialmente o chefe de Estado, cujas ações configurem um risco para o estado de Direito, para a estabilidade das instituições, em suma, um Presidente e que por seus atos e ações perde da public trust, isto é, a confiança da Nação. Igualmente, a natureza política e os objetivos constitucionais visados com esse instituto é que explicam por que ao agente eventualmente condenado por crime de responsabilidade são aplicáveis apenas duas punições, e nada além dessas duas punições: a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de funções pública pelo prazo de 8 anos. (Grifos do original). (PET 3923, STF)

A Lei federal 1.079/1950 definiu no âmbito federal os Crimes de Responsabilidade praticados pelos agentes políticos: Presidente, Governador, Ministros de Estado e do Supremo Tribunal federal, Procurador Geral da República (Art 2º, Lei 1.079/50) e pelos Governadores e Secretários dos Estados (Art. 74, Lei 1.079/50). No âmbito Municipal, o Decreto Lei n° 201/67 foi direcionado aos prefeitos e Vereadores, sujeitando-os a julgamento na Câmara Municipal.

Logo, a figura do impeachment nos crimes de responsabilidade é um mecanismo de controle do Legislativo em face do Executivo no exercício da Atividade Pública. Buscam a punição e a retirada do poder das mãos daqueles que não agem em conformidade com os interesses da nação e a ordem constitucional. Já a possibilidade de controle pelo poder judiciário só se verifica quando da vinculação direta às normas jurídicas, o que ocorre apenas no rito procedimental. Muito embora nos dias atuais o termo impeachment seja utilizado apenas no que diz respeito aos crimes praticados por Presidente, verifica-se que seu conceito abrange a todos os agentes políticos que estão sujeitos à prática dos crimes de responsabilidade.

3.2 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LEI 8.429/92

A Lei 8.429/92 de Improbidade Administrativa nasceu da inserção do princípio da moralidade no ordenamento jurídico como uma norma de regência da administração e de vinculação direta do agente à moralidade. Com a relativização do princípio da legalidade pelo acolhimento da moralidade, ampliou-se o espectro do dever de probidade do agente que passa a ter o comprometimento não apenas com a legalidade, mas com toda a engrenagem ética e moral da boa Administração. O direito e a moral agora caminham juntos, lado a lado.

Neste contexto surge a Lei de Improbidade Administrativa como concretização do princípio da moralidade. Este dispositivo trouxe a sistematização de condutas abstratamente consideradas ímprobas, definindo com generalidade seus agentes, expondo exemplificamente seus atos e desta forma elencou as sanções passíveis de lhe serem aplicadas.

Ponto muito controverso diz respeito à natureza jurídica dos atos de improbidade administrativa, na palavra de Fernando Capez[11]:

Uma coisa é a natureza da ação cabível – não restam dúvidas que se trata de ação cível porque o artigo 37, §4º fala ‘sem prejuízo da ação penal cabível’.  Outra coisa é a natureza dos atos de improbidade – isto porque o próprio artigo 12 da Lei 8.429/92 fala em “sem prejuízo das sanções penais, civis e administrativas”.

De acordo com a doutrina e levando-se em conta as sanções aplicadas aos seus atos surgem divergências doutrinárias no que diz respeito à natureza da Lei de Improbidade. Para uma parte da corrente, trata-se de natureza penal nesse sentido, Sérgio Roxo da Fonseca e Vanderlei Anibal Júnior[12]:

A ação de improbidade administrativa tem a natureza jurídica de uma ação penal, pois no seu bojo aplicam-se penas ao acusado, subtraindo-lhe os atributos da cidadania e da vida honrada, ou seja, são-lhe aplicadas penas conceituadas como as mais graves do sistema jurídico em vigor. É o condenado posto ad metallum com a suspensão de direitos políticos e proibição de celebrar contratos com órgãos públicos, em uma saudosa recordação das penas medievais do direito filipino. A circunstância de derivar, da sentença, preceito indenizatório de maneira nenhuma descaracteriza sua natureza penal. Das sentenças penais, disciplinadas pelo Código de Processo Penal, também derivam preceitos condenatórios patrimoniais.

Por outro lado, importante parte da doutrina, dentre elas Di Pietro, entende que se trata de natureza civil, com uma maior abrangência do que os tipos e as sanções nos crimes de responsabilidade. Ainda nesse sentido, Fábio Medina Osório[13] com muita propriedade prevê que “o princípio da legalidade penal impõe que não existe crime sem pena e lei anterior que o defina, os atos de improbidade geram consequências cíveis, logo, não são regulados pelo Direito Penal”.

O Supremo Tribunal Federal também se manifestou nesse sentido no julgamento da ADI 2797. Concluiu por maioria que o ato de improbidade tem natureza cível. Ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Eros Grau, que equiparavam o ato ímprobo com o crime de responsabilidade. Conforme a ementa do mencionado acórdão[14]:

De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. [...] Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo – cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos –, a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir à prática de crimes de responsabilidade.

O STJ seguindo o mesmo entendimento corrobora o sentido de que por hora, as sanções por atos de improbidade administrativa importariam no reconhecimento do caráter extrapenal, excluindo-se desta forma a competência por prerrogativa de foro.

Até mesmo da leitura do artigo 37 § 4º da Constituição Federal é possível extrair a natureza cível da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) segundo o qual “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. ”.

Ora, se o legislador foi específico ao se referir a uma possível responsabilização penal de forma independente, significa dizer que há explicitamente uma diferenciação entre elas, do contrário, restaria violada a garantia do ne bis in idem[15]. Nesse sentido pode-se dizer que se trata de uma ação civil constitucional, pelo qual visa proteger os direitos difusos em sentido amplo.

Todo esse questionamento se consubstancia na possibilidade de aplicação simultânea e concomitante dos dois institutos aos atos praticados pelos agentes políticos, visto que segundo parte da doutrina, estariam eles sob a aplicação apenas da lei 1.079/50 que define os crimes de responsabilidade. Mais à frente, no item 3.3 o tema será abordado em profundidade.

No que diz respeito aos sujeitos ativos e passivos da lei 8.429/92, o dispositivo aludindo ao já firmado pela Lei da Ação Civil Pública trouxe em seu artigo primeiro o rol de sujeitos passivos. Englobou desta forma todas as empresas sob o controle direto ou indireto da Administração Pública e as entidades privadas que recebam dinheiro público. Via de regra, onde tiver envolvido o dinheiro público caberá a aplicação da LIA.

Ainda em seu artigo 1º, a lei 8.429/92, também apresenta os sujeitos ativos dos atos de improbidade: “Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não [...]”.

O legislador ao apresentar a expressão “agente público” procurou trazer para ela uma maior generalidade de sujeitos que exercem o múnus público e desta forma concretizar a função teleológica da Lei. Note - se que no artigo 3º a Lei de Improbidade se quer exige a condição de servidor público ao agente, bastando tão somente, que sua conduta induza ou concorra para a prática de um ato de improbidade, ou ainda que dele se beneficie.

Destarte, não seria razoável que este Instrumento de responsabilização não pudesse ser manejado diante de condutas ímprobas praticadas por Agentes Políticos já que os mesmos não deixam de ser uma espécie do gênero Agente Público. A questão que por hora é suscitada e até hoje não se deitou em decisão unânime e definitiva, diz respeito aos ilícitos civis contra a probidade da administração perpetrados por agentes políticos que também estão sujeitos aos crimes de responsabilidade. De acordo com larga doutrina ambos estão sujeitos a três esferas de responsabilização: Criminal, administrativa e civil.

Na esfera criminal a responsabilização se dá com a punição pelo cometimento de um crime por agente público quando no exercício de sua função ou em razão dele. A responsabilidade administrativa decorre da violação de um dever funcional, que atenta contra os princípios funcionais da administração pública e o funcionamento do serviço público que por hora deve ser reparado civilmente.

A tese sustentada em favor da não aplicação da LIA aos agentes políticos se fundamenta em razão da função desempenhada pelos agentes políticos e da sua especificidade. Grande parte da doutrina entende que a manutenção da liberdade funcional necessária ao exercício da função pública seria abalada caso houvesse a aplicação da Lei de Improbidade aos Agentes Políticos. Vale, no entanto, registrar a importância de se objetivar a máxima responsabilização dos detentores do poder, sendo eles verdadeiros delegatários do povo e do interesse público. Concentra-se então uma maior necessidade de punição a fim de resguardar o Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal não previu imunidade aos agentes políticos no que tange às sanções por ato de improbidade previsto no artigo 37§ 4º., portanto, seria incompatível que uma norma infraconstitucional impusesse imunidade dessa natureza, além é claro de um verdadeiro retrocesso político – social.

Com o intuito de se fazer eficaz no combate à improbidade e à corrupção, a Lei 8.429/92 elenca três tipos de modalidade de atos que importem em prejuízos à administração pública. A ilustração exemplificativa fornecida pelo legislador se debruça no fundamento de que, em se tratando de normas abertas e de rol essencialmente exemplificativo, permite-se uma maior abrangência na responsabilização do agente que pratica a conduta que resulte em uma das modalidades a seguir tratadas.

No artigo 9º da referida Lei estão previstos os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito. Eles abrangem situações que causam o aumento do patrimônio do agente por meio de vantagem obtida indevidamente em decorrência do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade.

O artigo 10 descreve os atos que causam prejuízos ao erário e compreendem ações e omissões dolosas ou culposas que importem em prejuízo aos cofres públicos, redução patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades listadas no art. 1º da lei. Neste artigo, apesar da Lei ter consagrado a responsabilidade subjetiva do agente exigindo desta forma apenas o dolo como elemento das condutas, quando se tratar de prejuízo ao erário o agente responderá também pela culpa (negligência, imprudência e imperícia). Nas palavras de Di Pietro[16]: “Não basta apenas à exteriorização do ato ilícito, exige-se igualmente a intenção do agente para a realização de tal ato, com exceção dos atos que causem lesão ao erário, sendo a culpa nesse caso presumida”.

Por fim, em seu artigo 11, um dos mais importantes e que fundamentam o presente trabalho, estão previstos os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. Ele então permite o enquadramento como ato de improbidade, de qualquer ação que violar algum princípio da Administração Pública ou os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Logo, nesses casos, havendo violação à moralidade administrativa, a prática importa em ato ímprobo passível de punição.

Incorrendo em um dos atos elencados nos artigos supracitados, os agentes públicos estão sujeitos às sanções cominadas no artigo 12 da Lei 8.429/92. Tais sanções de acordo com e entendimento aqui apresentado, tem conotação civil, o que afasta a natureza penal dos dispositivos. O artigo 37 §º 4º da Constituição expressa que os atos de improbidade importarão à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Indo além da norma constitucional, a LIA em seu artigo 12 também prevê outras medidas, a saber: a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Outro aspecto a ser tratado com relação às sanções diz respeito à possibilidade de o agente com apenas uma conduta, praticar vários atos de improbidade previstos pela lei (Arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92) o que implica em cumulação de punições. Por exemplo, é praticamente impossível desvirtuar um ato que incorra em prejuízo ao erário e que da mesma forma não viole os princípios Constitucionais e da Administração. Ao praticar um ato de improbidade o agente pode afetar valores de naturezas diversas: o patrimônio público e moral; o interesse da coletividade; a disciplina interna da Administração Pública e principalmente a Constituição. Destarte, se valores distintos são atingidos, nada mais razoável que tais penalidades sejam aplicadas concomitantemente. Devem ainda ser aplicadas de forma gradativa, de acordo com a conduta e os prejuízos causados ao erário. Indo um pouco mais além Di Pietro[17] ilustra que:

Trata-se de critérios para orientar o juiz na fixação da pena, cabendo assinalar que a expressão extensão do dano causado tem que ser entendida em sentido amplo, de modo que abranja não só o dano ao erário, ao patrimônio público em sentido econômico, mas também ao patrimônio moral do Estado e da sociedade. (Grifos do original)

3.3 ATOS DE IMPROBIDADE E OS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Da análise geral dos dois institutos é possível perceber que a intenção do legislador – tanto do constituinte originário quando do legislador ordinário – de tornar as sanções por atos de improbidade autônomas e independentes foi, justamente a de se permitir uma esfera maior de responsabilização do agente político. Note-se que não há qualquer restrição ou exceção quanto à sua aplicação a determinados agentes, buscando-se atingir assim um maior número possível.

A base legal por si só é clara e não permite dúvidas. A legislação ordinária previu expressamente a figura do agente público eleito e o que exerça mandato. Da mesma forma, a Constituição não previu qualquer menção da tese sustentada de que os agentes políticos estariam regidos única e exclusivamente pela responsabilização de ilícitos penais e por crimes de responsabilidade, o que corrobora para o esvaziamento dessa corrente.

Da simples análise dos dispositivos de que tratam a Lei de Improbidade Administrativa já seria suficiente para admitir a convivência com o sistema de responsabilização dos crimes de responsabilidade. Da mesma forma, do ponto e vista da Lei 1.079/50, a autonomia das instâncias também ficou consagrada.

Outro ponto a ser tratado e que corrobora ainda mais com a distinção entre os dois regimes, diz respeito ao julgamento dos atos. A diferenciação quanto aos órgãos competentes para julgamento de cada instituto leva inequivocamente à conclusão de que se tratam de naturezas distintas – um político, outro jurídico.

A fim de esgotar todas as possibilidades, deve-se lembrar de um ponto extremamente importante deste estudo que trata da distinção de incidência das Leis. Como se viu, a Lei de Improbidade Administrativa possui essência meramente civil, já a Lei de Crimes de Responsabilidade se pauta na repreensão de atos políticos. Os institutos não se comutam, ao contrário, estão em plena sintonia na busca pelo enfraquecimento da corrupção.

Assim sendo, não há que se falar em bis in idem quando da aplicação da Lei de improbidade e dos Crimes de Responsabilidade aos agentes políticos. Tanto o seu âmbito de aplicação, quanto a sua finalidade são distintas. Esta de natureza política e com finalidade de afastamento da atividade pública, enquanto aquela, de natureza civil e com finalidade punitiva.

4. FORO PRIVILEGIADO EM SEDE DE AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O foro por prerrogativa de função previsto nos artigos 102 e 105 da CFRB/88, nada mais é do que uma garantia constitucional aos detentores de cargos políticos a fim de resguardar o livre exercício de suas atribuições sem carregar o receio por conta de uma responsabilização futura. Tais garantias são atribuídas em razão do cargo e não da pessoa, de tal forma que o processo e julgamento dos agentes que ocupam a elevada hierarquia na Administração Pública são feitos por meio de um órgão colegiado de hierarquia superior. Uma vez findo o cargo ou a função, não cabe mais ao agente político o gozo de tal prerrogativa.

Trata-se de uma exceção ao principio da igualdade, pelo qual são fixados taxativamente na Constituição, devendo ser interpretados de forma restritiva, a fim de que não restem extrapolados os limites constitucionais.

Do reconhecimento da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos surge mais um questionamento, agora, no que diz respeito à possibilidade de aplicação da prerrogativa de foro nos julgamentos pelo crime de improbidade. Da leitura de normas constitucionais pertinentes ao tema, é possível verificar que em apenas duas hipóteses será aplicada o foro por prerrogativa, quais sejam, para o julgamento dos crimes comuns e dos crimes de responsabilidade. Uma vez definida a natureza cível da sanção de Improbidade devem ser aplicadas as regras gerais de competência.

O ordenamento constitucional brasileiro não contemplou a hipótese de prerrogativa de foro para os agentes políticos processados por atos de improbidade. Todavia, algumas correntes de entendimento passaram a defender a aplicação do foro por prerrogativa de função também em sede de ação civil por improbidade administrativa. Nesse sentido, sustentam a incompetência do juízo singular de primeiro grau para julgar os agentes políticos processados pela Lei 8.429/92. Alguns dos argumentos trazidos em defesa da aplicabilidade da prerrogativa se pautam em questões de valoração política. Segundo parte da doutrina, estando os juízos de primeiro grau autorizados a julgar e aplicar as sanções previstas na LIA aos agentes políticos, estes poderiam ser manipulados politicamente ou até mesmo sofrer a perda de seus cargos definitivamente, o que acabaria por gerar uma grande instabilidade jurídica e política. Com a edição da Lei 10.628[18] em 2002 que inseriu o §2º e alterou o artigo 84 da CFRB/88 trazendo a possibilidade de aplicação da prerrogativa abriu-se espaço para grande discussão, leia-se:

Art. 84 § 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n.° 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.

Portanto, a inserção do parágrafo §2º ao artigo 84 da Constituição despertou inúmeras críticas na doutrina. O principal argumento diz respeito à possibilidade de uma lei infraconstitucional criar uma nova espécie de aplicação do foro por prerrogativa de função, restando como evidente a sua inconstitucionalidade. Diante desta alteração legislativa, foi proposta a ADI 2797 contra a Lei n.° 10.628/2002 e o STF julgou inconstitucional o referido § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal (CPP). Decisão proferida em 15/09/2005, onde restou prevalecido que as ações de improbidade administrativa devem ser julgadas pelo juízo de 1º grau.

Outro aspecto a ser abordado diz respeito à possibilidade de um juiz singular no julgamento de agente político com base na Lei 8.429/92 determinar o afastamento definitivo de seu cargo, o que segundo parte da doutrina geraria mais uma insegurança política e jurídica. Contudo, deve-se salientar que apesar dos rumores, o réu somente sofrerá o afastamento definitivo do cargo após o transito em julgado da decisão e que, de toda forma, a lide poderá ser apreciada em Tribunais Superiores em grau de recurso.

Isto posto, a Constituição tratou de forma casuística de as possibilidades de aplicação do foro por prerrogativa de função. Em especial, no caso da Lei de Improbidade Administrativa, não instituiu nenhuma “redoma” a fim de proteger o agente político. Talvez, por conta da “imunidade” adquirida em decorrência do crescimento da corrupção e o seu debruçar na impunidade, o legislador optou por caminhar em sentido oposto e expressamente determinou que “importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública..., sem prejuízo da sanção penal cabível. ”.

Assim, a Suprema Corte afirmou que, como a Constituição não estabeleceu foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, a lei ordinária não poderia prever. Desse modo, com a decisão da ADI 2797, ficou prevalecendo o entendimento de que as ações de improbidade administrativa devem ser julgadas em 1ª instância.

5. APLICAÇÃO DO REGIME DA LEI 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS

5.1 EVOLUÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO QUANTO A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Os atos de corrupção e de improbidade atuam como uma verdadeira endemia político-social desde os primórdios, tão antiga como o próprio homem. Esse mal visceral que interfere diretamente no desenvolvimento da democracia e na manutenção do Estado, submete toda uma nação às inseguranças e questionamentos quanto à conduta de seus agentes e, da mesma forma, contribuem para o fortalecimento de institutos de controle da atividade política, a fim de acompanhar a intensificação da máquina pública e das competências estatais.

No entanto, foi apenas com o advento da Constituição de 88 que um dispositivo previu expressamente a conduta de improbidade. O legislador constituinte originário trouxe um grande avanço ao ordenamento jurídico no que tange a responsabilização de seus agentes ampliando o nível de incidência da punição.

Da análise do ordenamento jurídico brasileiro é possível perceber que o legislador sempre manifestou a preocupação no controle de atos dos encarregados de poder. Em 1824, ainda no Brasil Império, a Carta do Império, apesar de reconhecer a figura sagrada do Imperador, estabeleceu expressamente a responsabilização dos Ministros de Estado por corrupção ativa e passiva.

Ainda da análise, as Constituições de 1891, 1934 e 1937 já previam a responsabilização do chefe maior de Estado, no caso investido na figura do Presidente, por crimes de responsabilidade, além de atos que atentassem contra a probidade administrativa e a guarda e emprego de bens públicos.

As Constituições de 1946 e 1967, em caminho contrário, se limitaram à previsão apenas da responsabilização do sequestro e perdimentos de bens, no caso de enriquecimento ilícito e dano ao erário por influência, abuso de cargo ou função e ainda através da utilização de entidade autárquica. Nesse período, também surgiram leis infraconstitucionais que regulamentavam a administração. A Lei 3.164/57 (Lei Pitombo – Godoy Ilha) submetia a sequestro e perda em favor da Fazenda Pública os bens do servidor que o adquiriram por influência, abuso do cargo ou função. Logo depois, foi revogada pela Lei 3.502/58 (Lei Bilac Pinto) a qual previa a responsabilização pelo enriquecimento ilícito do servidor público e o estendia aos empregados de autarquias, sociedades de economia mista e fundações públicas, além de definir seis tipos de infrações que comportavam essa natureza. Representou um grande avanço porque manteve a natureza cível de suas sanções e dessa forma, previu a responsabilização independente na esfera penal.

Ao fazer a análise desses institutos constitucionais pode-se perceber que apesar da previsão de responsabilização dos agentes, tais dispositivos refletem uma concepção restrita de corrupção, pois se relacionam apenas aos casos de enriquecimento ilícito, desconsiderando outras condutas de improbidade tão ou mais severas.

Outro dispositivo infraconstitucional que merece destaque é a Lei 4.717/65 que trouxe a previsão da Ação Popular a fim de anular os atos lesivos ao patrimônio público e inovou ao fazer previsão de legitimidade de qualquer cidadão para propor a ação sob o fundamento do interesse público.

Como fruto de toda a aprendizagem e vivência histórica dos sistemas normativos anteriores, a Constituição Federal de 88 surgiu para reforçar a idéia de probidade. Traduziu sua preocupação ao receber diversos dispositivos com a finalidade precípua de resguardar a honestidade, a boa-fé, o comprometimento e o atendimento dos interesses sociais. Dentre eles, a ação popular que foi prevista como garantia fundamental (art. 5º, LXXIII) e a tipificação dos atos de improbidade como concretização do princípio da moralidade em seu art. 37, §4º.

Para disciplinar os atos de improbidade a Lei 8.429/92 é promulgada quatro anos após o advento da Constituição e representou um inigualável e inexorável avanço na persecução de atos ímprobos e no combate à corrupção. A rigidez, a generalidade e a intenção revelada na LIA refletem o atual cenário em que a atividade política padece.

5.2 DA JURISPRUDÊNCIA

O entendimento jurisprudencial sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade aos agentes políticos até hoje não se deitou nos berços da unanimidade. É que atualmente existem dois julgados do Plenário do STF que materializam o entendimento divergencial e que, portanto, merecem destaque.  São eles a ADI 2.797 e a Reclamação nº 2138.

Na ADI 2.797, cujo julgamento ocorreu em 15/09/2005, foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02 que estabelecia o foro por prerrogativa de função dos agentes políticos em sede de ação civil por improbidade administrativa. Como já vimos, a fundamentação da inconstitucionalidade do dispositivo se pautou no fundamento de que somente a Constituição poderia fixar o foro por prerrogativa de função, de forma que a Lei Ordinária não poderia tratar da exceção ao princípio da igualdade. Outro importante ponto do mesmo julgamento diz respeito à natureza cível da ação de improbidade, refutando a tese de que possuiria caráter penal.

Todavia, no julgamento da Reclamação nº 2.138 do STF em sessão apertada (6x5), a Suprema Corte decidiu que os atos de improbidade administrativa em verdade, seriam tipificados como crimes de responsabilidade previstos na Lei nº 1.079/50. De forma que tratariam de delitos de caráter político administrativo. Manifestou-se também na decisão, pela incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar a ação de improbidade ajuizada pelo agente público que se enquadrasse nas garantias de atribuição da prerrogativa de foro, previstas no artigo 102, I, c, da Constituição.

Em resumo, segundo o julgamento da Reclamação nº 2.138, o STF assim entende que os agentes políticos em geral não se submetem ao regime comum previsto na Lei de Improbidade, mas sim ao regime especial dos crimes de responsabilidade. A despeito do entendimento manifestado na ADI nº 2.797 ter efeito vinculante (proferida em sede de controle de constitucionalidade abstrato – erga omnes[19]), a posição sustentada pelo STF na Reclamação nº 2.138[20] tem sido invocada indiscriminadamente com o intuito de eximir os agentes políticos das imposições da Lei de Improbidade, leia-se:

Entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF.

Da análise jurisprudencial sobre o tema é possível perceber a resistência do STF em modificar o seu entendimento. Por derradeiro, ainda não se criou uma solidez jurisprudencial, como efeito, ambos os entendimentos ainda são aplicados. Com isso, a oscilação existente gera insegurança e instabilidade da justiça empregada nos casos da LIA.

Como ultima ratio[21], o Superior Tribunal de Justiça apresenta posicionamento diverso da Suprema Corte. No julgamento do AgRg no Resp 1.152.717 reconheceu a inexistência de vedação constitucional na aplicabilidade da LIA aos agentes políticos, todavia, em relação ao Presidente da República fez a ressalva de que os atos previstos no art. 85, V da CF se enquadrariam como crimes de responsabilidade, in verbis:

Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza[22].

Ademais, no julgamento no AgRg na Rcl 12.514 do Mato Grosso, o Superior Tribunal de Justiça solidificou o entendimento no que tange a inexistência de prerrogativa de foro em ações de improbidade administrativa.

Portanto, de um lado o STF defende o sentido de afastamento dos juízes de 1ª instância, invocando o foro por prerrogativa de função; do outro lado, doutrinadores, Ministério Público e juízes de 1.ª grau corroboram que a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa não anularia os crimes de responsabilidade, nem tão pouco os isentaria de um julgamento singular.

Diante o impasse ainda não resolvido pela Suprema Corte, a sociedade se encontra sedenta de soluções capazes de assegurar a conduta proba de seus governantes. Mais que criar institutos de responsabilização, é necessário operacionar e tornar efetivos os mecanismos já existentes, o que de fato se espera em um novo julgamento levando-se em conta a composição atual do STF e o clamor público envolvido no atual contexto político.

5.3 DA DOUTRINA

A doutrina adota posições antagônicas, mas sempre em sintonia com o princípio republicano da moralidade, onde se objetiva a máxima responsabilização dos agentes detentores de poder.

Para uma primeira corrente que adota em parte a posição do STF na Reclamação 2138, reconhecem que não houve na Constituição disposição tendente a excluir o regime da Lei de Improbidade aos agentes políticos, devendo responsabilizá-los por ambas as vias. No entanto, em relação ao Presidente da República, entendem haver norma material que equiparam os dois regimes (art. 84 da CF/88), o que afastaria a aplicação da LIA.

No que diz respeito à competência e ao processamento, defendem a tese de incompatibilidade processual do juízo de 1º grau, levando-se em conta que tais agentes gozam da prerrogativa de foro privilegiado nas ações penais, a solução para esta corrente seria a ampliação da aplicação da prerrogativa também em sede de ação civil por improbidade.[23]

O que se conclui, em suma, é que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (sujeito, por forca da própria Constituição, a regime especial), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, 4.º.” [...] “o que há, inegavelmente é uma situação de natureza estritamente processual, que nem por isso deixa de ser sumamente importante no âmbito institucional, relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas podem conduzir agentes políticos da mais alta expressão de perda de cargo e à suspensão de direito políticos.[24]

Em oposição, uma segunda corrente defende a aplicabilidade de ambos os regimes de responsabilização ao agente político. Todavia, reconhecem à competência processual em primeira instância previsto na Lei 8.429/92, excepcionando apenas a concomitância de regimes em relação ao Presidente da República, com a consequente mitigação das sanções de perda de cargo e suspensão dos direitos políticos, nesse sentido Fábio Medina[25]:

Seria um absurdo que o crime de responsabilidade (que constitui ilícito mais grave) tenha competência privilegiada para julgamento e aplicação da pena de perda de cargo, e o ato de improbidade (que pode ser ilícito menos grave, porque nem sempre constitui crime) pudesse resultar também em perda do cargo importa por outro órgão que não o Senado Federal.

A doutrinária majoritária, no entanto, defende a aplicação integral da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, inclusive a competência do juízo de 1º grau para seu processamento. Segundo eles, os ilícitos tratados na Lei 8.429/92 são de natureza civil e o foro por prerrogativa de função deve ser aplicado apenas quando das ações penais. Nas palavras de Decomain (2012, p.120):

 Admitindo-se que agentes políticos estariam alforriados à incidência das regras constantes dos mencionados dispositivos, que punem a improbidade administrativa, ocorreria significativa quebra inteiramente injustificada desse princípio constitucional.

 Ainda no mesmo sentido Martins Junior[26] leciona:

A vingar a tese da imunidade dos agentes políticos não estão os órgãos competentes para julgamento políticos autorizados à aplicação das sanções do art. 12 da Lei 8.429/1992. Com efeito, além da perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos por prazo determinado, as demais sanções só podem ser aplicadas pelo Poder Judiciário.

Para esta doutrina, sendo os agentes políticos os ocupantes da mais elevada hierarquia administrativa, representantes e signatários dos princípios e garantias defendidos e edificados pela Constituição Federal, devem mais que qualquer outro se sujeitar a uma maior esfera de responsabilização consoante à importância singular do bem maior que administram: o interesse público.

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho foi elaborado em virtude da necessidade atual de se objetivar a máxima responsabilização dos agentes políticos que administram a máquina gerencial do país. Levando-se em conta o contexto lastimável em que a gestão da coisa pública é marcada por altos índices de improbidade, abre-se discussão quanto às limitações da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos.

Assim, tem-se como ator principal o agente político no cenário de responsabilização de suas condutas quando no exercício da função pública. Dessa forma, verificam-se os pontos controversos na doutrina e jurisprudência no que diz respeito aos institutos de responsabilização existentes: A Lei de Improbidade e a Lei que define os Crimes de Responsabilidade.

Nesse contexto, a Lei de Improbidade surge em 1992, 4 anos após o advento da Constituição de 88 em que se estabeleceu a moralidade como princípio norteador de toda a Administração Pública. Com a instituição do Estado Democrático de Direito a gestão da coisa pública se torna o centro dos anseios e interesses sociais. Todavia, em sentido contrário aos ventos da moralidade e da boa administração, surgem entendimentos jurisprudenciais isentando os agentes políticos da esfera de responsabilização atribuída pela Lei 8.429/92.

Os argumentos levantados nas decisões judiciais podem e devem ser levados em conta, mas não em detrimento da lisura e eficiência que a Administração Pública necessita, sendo em última análise, a base do desenvolvimento dos setores econômicos e sociais brasileiros. Assim, devem-se analisar as conseqüências jurídicas e sociais na condição de inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa.

Percebe-se que de um lado, o Legislador Ordinário atendendo aos limites estabelecidos pelo Constituinte Originário criou a lei para punir os agentes e atender os anseios de toda uma sociedade no combate à corrupção. Por outro lado, os que detêm a prerrogativa de se fazer cumprir as leis, acabam por relativizá-la ao caso concreto em favor dos interesses institucionais, o que gera um verdadeiro desequilíbrio e retrocesso político-social.

O que se pretende ilustrar com este trabalho, é que apesar do clamor social pela criação de medidas de combate à corrupção, a Lei de Improbidade se mostra apta e eficaz a fim de garantir direitos e concretizar os princípios constitucionais, necessitando tão somente de operacionalização.

A Lei 8.429/92 deve ser instrumentalizada e efetivada, já que não encontra obstáculo legal em sua aplicação aos agentes políticos, pelo contrário, isentar um agente político da aplicação deste regime é como incentivar a corrupção e a prática dos atos ímprobos. Pois, não havendo punição, as condutas permanecerão.

Resta à população o papel essencial de postura crítica e de insubmissão. Além da contribuição da doutrina para preencher e elucidar as lacunas deixadas pelas Leis e pelos Tribunais a fim de garantir a função teleológica da Lei. O reconhecimento da aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos não é apenas um mecanismo de combate à impunidade política, mas, sobretudo de manutenção da democracia e da efetiva proteção do Estado Democrático de Direito.

Como em um espelho que reflete a imagem, os governantes devem refletir em suas condutas os anseios sociais, zelar pelo equilíbrio econômico e, sobretudo, salvaguardar o compromisso com o povo. Nas palavras de Santo Agostinho[27], “Com a corrupção morre o corpo, com a impiedade morre a alma. ”.

7. REFERÊNCIAS

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Rcl 2138 / DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/ o acordão Min. Gilmar Mendes, 13.06.2007.

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WALLACE, Paiva Martins Junior, Probidade Administrativa, 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

Sobre a autora
Luciana Knak

Graduanda do último período do Curso de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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