Repressão ao tráfico internacional de entorpecentes:mecanismos de atuação da polícia federal nas fronteiras da Amazônia Ocidental

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Segundo relatórios de órgãos nacionais e internacionais, o Brasil figura no cenário do tráfico internacional de entorpecentes como estratégico e lucrativo entreposto, bem como deficitário fiscalizador de suas fronteiras...

                                                              

RESUMO

Segundo relatórios de órgãos nacionais e internacionais, o Brasil figura no cenário do tráfico internacional de entorpecentes como estratégico e lucrativo entreposto, bem como deficitário fiscalizador de suas fronteiras, em especial, da região amazônica. Diante disso, necessário entender os motivos pelos quais um país com a economia em trajetória ascendente não consegue reprimir eficazmente o tráfico mencionado.  Este estudo pauta-se em pesquisa à literatura especializada, periódicos e relatórios de autoridades públicas incumbidas pela repressão ao objeto deste trabalho. Busca-se contribuir para a compreensão do fenômeno através da exposição da infraestrutura estatal, dos óbices à repressão e da propositura de sugestões à problemática.

Palavras chaves: Tráfico internacional de entorpecentes. Fronteiras amazônicas. Repressão estatal.

ABSTRACT

According to reports by international and national bodies, Brazil is the scene of international trafficking in narcotics as strategic and profitable storage and deficient oversight of its borders, especially the Amazon region. Given this, must understand the reasons why a country with the economy on an upward trend can not effectively prosecute trafficking mentioned. This study is guided in the research literature, periodicals, reports and interviews with public authorities responsible for the repression of this study. We seek to contribute to the understanding of the phenomenon upon exposure of the state infrastructure, the suppression of the obstacles and suggestions for bringing the problem.

Keywoeds: International Traffic in Narcotic Drugs. Amazon Borders. State Repression.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O território brasileiro possui uma superfície de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e soma 15,8 mil quilômetros de fronteiras terrestres com as nações vizinhas. A região Amazônica[4]{C} ocupa aproximadamente 60% daquela área, mais de 50% dessas fronteiras, bem como possui 20 mil quilômetros de rios navegáveis. Dos seus 25 milhões de habitantes, 73% vivem em áreas urbanas. A densidade demográfica é a menor do país (4,89 hab/km2). Seu clima é o equatorial úmido, cujas características são temperaturas sempre elevadas, baixa amplitude térmica e chuvas abundantes e bem distribuídas durante o ano.

Assim, a suntuosa extensão geográfica, diversidades naturais e complexidade dessa região propiciam condições para que Organizações Criminosas cometam diversos ilícitos, dentre estes, o tráfico internacional de entorpecentes.

No cenário geopolítico das drogas no continente sul-americano, o Estado brasileiro tornou-se estratégico e lucrativo entreposto do tráfico ilícito de entorpecentes. No que se refere ao âmbito interno, as drogas vêm se alastrando de forma progressiva aos lares, em especial, àquelas de baixo valor econômico, porém não menos devastadoras, como as pedras de crack[5]{C}. A alta octanagem alucinógena que certas drogas possuem leva o viciado ao extremo: “Usuários de crack, pais vendem filha de dois meses por R$ 50 em Passo Fundo (RS).” [6]{C}

Algumas são as razões para esse cenário desolador, a citar: a imensa extensão territorial fronteiriça, deficitária infraestrutura logística em suas fronteiras (falta de estradas, portos e aeroportos), ineficiente vigilância, poder econômico das organizações criminosas, agentes públicos cooptados pelo tráfico ou em número diminuto, dentre outras.

Em virtude dessa constatação, deve-se pesquisar o porquê de um país em crescente ascensão econômica não combater de forma eficaz o tráfico internacional em suas fronteiras. Será que faltam recursos financeiros ou há inapetência estatal para repressão?

Assim, no sentido de buscar as respostas a essas perguntas, é necessário que seja lançada luz nessa problemática, a fim de que a sociedade brasileira possa não apenas compreender o fenômeno do tráfico internacional em seu território e os seus mecanismos de repressão, mas também exigir firme tomada de posição das autoridades públicas.

O presente artigo tem por objetivo geral analisar e criticar a eficácia dos mecanismos de repressão estatal ao tráfico internacional de entorpecentes nas fronteiras amazônicas, bem como objetivos secundários: a) analisar a inserção do Brasil no contexto da geopolítica das drogas no continente da América do Sul; b) apresentar a estrutura organizacional do órgão estatal incumbido pela repressão ao tráfico internacional de entorpecentes nas fronteiras amazônicas; c) identificar os óbices à repressão efetiva do tráfico internacional de entorpecentes nas fronteiras amazônicas; e d) propor sugestões à problemática do tráfico nas fronteiras amazônicas.

                          

1.  TRÁFICO DE ENTORPECENTES NA AMÉRICA DO SUL E O BRASIL

 Hodiernamente, o continente sul-americano é expoente na produção e comercialização ilícita de entorpecentes, bem como abriga os três maiores fabricantes mundiais de cocaína: Colômbia, Peru e Bolívia. Em decorrência da proximidade com esses países, o Brasil vem se tornado um elo estratégico dentro do sistema do tráfico internacional de entorpecentes, não apenas como um país de trânsito, ou seja, exportador, mas também detentor de um pujante mercado consumidor.  Nesse sentido, segundo dados extraídos do relatório mundial sobre drogas do ano de 2010 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), órgão integrante das Nações Unidas (ONU), na América do Sul observa-se que:

Cocaína: produção e tráfico.

Em 2009, a Colômbia representava cerca de 43% do cultivo mundial, enquanto o Peru representava 38% e o Estado Plurinacional da Bolívia 19%. [...] Mais de 99% dos laboratórios de processamento de coca foram localizados nos três países que cultivam a coca: Estado Plurinacional da Bolívia, Colômbia e Peru. [...] As apreensões de cocaína na América do Sul atingiram níveis recordes em 2008, totalizando 418 toneladas (incluindo pasta base e refinada) - quase um terço a mais do que o total em 2007 (322 toneladas). Em termos absolutos, o maior aumento desde 2007 foi, de longe, o registrado na Colômbia (um aumento de 61,9 toneladas). Em termos relativos, aumentos significativos também foram registrados no Peru (onde as apreensões quase duplicaram), no Estado Plurinacional da Bolívia (onde as apreensões aumentaram em 62%), na Argentina (51%), no Brasil (21%, passou de 17 toneladas em 2007 para 20,4 toneladas em 2008.) e no Equador (12%). Uma exceção à tendência geral de crescimento na América do Sul foi o Chile, que registrou uma diminuição de 12%. As apreensões na República Bolivariana da Venezuela permaneceram praticamente essencialmente estáveis.

Tradicionalmente, a maior parte da cocaína originária da Colômbia deixa o país diretamente, por mar ou pelo ar, pelo do Golfo do México e pelo Oceano Pacífico. Mas o aumento das apreensões, combinado com mudanças na demanda do mercado, causou o aumento da importância dos países de trânsito, especialmente a República Bolivariana da Venezuela, o Equador e o Brasil. [...] Há carregamentos de cocaína ocorrendo por via aérea a partir de diversos países sul-americanos (Brasil, Argentina, Uruguai etc.), do Caribe (Antilhas Holandesas, República Dominicana, Jamaica, etc.), e de países da América Central (incluindo a Costa Rica) com destino à Europa. [...] Os carregamentos também são enviados em pequenas aeronaves a partir da República Bolivariana da Venezuela ou do Brasil para diferentes destinos da África Ocidental. [...] A maior parte da cocaína apreendida na França em 2008 veio do Brasil (40% do total) ou da República Bolivariana da Venezuela (21% do total). A cocaína traficada pelo Brasil provavelmente é originária do Peru ou o Estado Plurinacional da Bolívia, refletindo a crescente importância desses produtores para a Europa. [...]

Maconha: produção e tráfico.

As apreensões de maconha parecem estar crescendo mais fortemente na América do Sul, em especial no Estado Plurinacional da Bolívia. A queda nas apreensões de maconha no México foi compensada por um aumento significativo na América do Sul, principalmente devido à contribuição do Estado Plurinacional da Bolívia.

Conforme o relatado pelo governo boliviano, as apreensões mais do que dobraram em 2008, e houve um aumento adicional de 74% em 2009, dando sequência a uma tendência de rápido crescimento que pode ser rastreada até 1999. Durante o período de 2003 a 2009, em especial, as apreensões da maconha no Estado Plurinacional da Bolívia aumentaram de forma constante, passando de 8,5 toneladas em 2003 para 1.937 toneladas em 2009. Isso representou um aumento de 228 vezes em um período de seis anos - o equivalente a um aumento anual de 147% por seis anos consecutivos. O índice de apreensões em 2008 foi o terceiro maior relatado por um país do mundo, e o índice de 2009 foi superior ao das maiores quantidades relatadas em todo o mundo em 2008. [...]

Substâncias do tipo anfetamina (ATS)[7]{C}  

Até poucos anos atrás, a fabricação de MDMA em larga escala era incomum fora da Europa. No entanto, desde 2003 e 2004, locais de fabricação MDMA têm sido cada vez mais encontrados em locais próximos aos mercados consumidores na América do Norte, no Sudeste Asiático e na Oceania. Há agora indícios de que a fabricação esteja se expandido para novas regiões, tais como a América Latina, com relatos de fábricas ilícitas na Argentina, em Belize, no Brasil, na Guatemala, no México e no Suriname. Tendo seu primeiro laboratório de pequena escala sido descoberto em 2008, as autoridades brasileiras desmantelaram um fabricante maior e mais sofisticado em 2009, que resultou em na apreensão de 30.000 comprimidos. [...] Apesar de que a fabricação no Brasil parece pequena, voltada para abastecer o mercado doméstico do sul do país, há pouca informação para considerável sobre a demanda local de ecstasy na África Ocidental, deixando a Europa como o mercado significativo mais próximo para exportação Os relatos mostram um aumento de 20% no número de laboratórios clandestinos de ATS[8]{C} registrados em 2008 e, pela primeira vez, revelaram a existência de laboratórios no Brasil, na Argentina, na Guatemala [...]   

O tipo e a forma das ATS fabricadas variam entre as regiões. [...] A metanfetamina e o ecstasy são fabricados em todos os países da América do Norte e há cada vez mais casos relacionados a metanfetaminas que ocorrem em toda América Central e América do Sul.  

Especialistas em diversos países da América do Sul, especialmente no Equador, em El Salvador e no Paraguai, apontaram um aumento no consumo de metanfetaminas em relação ao ano anterior. Em 2008, estimou-se que 1,3 a 1,8 milhão de pessoas (prevalência anual de 0,5% a 0,7%) usaram substâncias do grupo anfetamina na região. [...] Nas Américas Central e do Sul, novas informações de 2008 mostraram um ligeiro aumento no Suriname (de 0,6% para 0,7% da prevalência anual de pessoas com idade entre 12 e 65 anos) e uma estabilização na Colômbia e no Chile, onde a prevalência anual manteve-se em 0,5% e 0,4%, respectivamente. [9]{C}

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Ainda, informa esse documento que 67 % das drogas apreendidas no continente Europeu são provenientes de nações sul-americanos, sendo 10% a participação brasileira. Portanto, de cada dez quilos de cocaína apreendida na Europa, um quilo é de origem brasileira.

Dados da Polícia Federal ratificam as constatações desse relatório, uma vez que as apreensões de cocaína e maconha vêm crescendo ano após ano no Brasil, segundo tabela abaixo[10]{C}:

2004

2005

2006

2007

2008

Cocaína (kg)

7.199,380

15.656,84

13.387,51

16.510,76

19.617,41

Maconha (kg)

153.875,46

151.044,80

161.302,98

196.830,50

187.109,75

A fim de se compreender o tráfico de entorpecentes nesse continente, é preciso também conhecer algumas das características das Organizações Criminosas que se dedicam a esse delito, logo:

Atuação supranacional, criminalidade difusa, atividades especializadas, atos de violência, caráter permanente, disciplina interna, estrutura hierarquizada, poder centralizado, disseminação da corrupção, infiltração na administração pública, alto grau de operacionalidade, posicionamentos geográficos, lucratividade das atividades [...] [11]{C}

2. DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA REPRESSÃO: POLÍCIA FEDERAL

De acordo com o artigo 144, parágrafo10 , incisos II e III da Constituição Federal de 1988, a Polícia Federal destina-se a prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

Conforme a Portaria n. 3.691 MJ, de 24/11/09, o Departamento de Polícia Federal (DPF) [12]{C}está organizado da seguinte forma no que se refere à repressão ao tráfico internacional de entorpecentes:

1) Órgãos Centralizados:

*COESF (Coordenação de Operações Especiais de Fronteiras) subordinada a DIREX (Diretoria Executiva)

* DIREN (Divisão de Operações de Repressão a Entorpecentes) e CGPRE (Coordenação Geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes) subordinadas a DCOR (Diretoria de Combate ao Crime Organizado)

2) Órgãos Descentralizados:

* DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) e DRCOR (Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado) subordinadas a SR (Superintendência Regional)

* Delegacias Descentralizadas de Polícia Federal

* Delegacias Especiais de Polícia Mar

* Postos de Polícia Federal;

 Para combater o tráfico nas fronteiras dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, a Polícia Federal conta com cinco delegacias descentralizadas e oito postos, conforme tabela abaixo[13]{C}:

Delegacias Descentralizadas

Postos

Amazonas

1

8

Acre

2

0

Rondônia

2

0

Brasil

95

17

3. DOS ÓBICES À REPRESSÃO

A vulnerabilidade nas fronteiras brasileiras é o elemento central da problemática do tráfico de entorpecentes, em especial àquelas situadas ao norte e noroeste do país. Já na década de 70, esta constatação foi debatida pela Comissão Parlamentar de Inquérito que afirmava:

[...] problema é de aparência ainda mais grave, quando todos os elementos estão a indicar-nos que as drogas consumidas pelos viciados brasileiros, a exceção da maconha, são em geral procedentes do estrangeiro e tem seus caminhos marcados nos mais diversos pontos de nossas estradas fronteiras com os outros países sul-americanos e em outros locais de conexão internacional, utilizando-se para seu transporte dos mais diversos meios de locomoção. [...] No Brasil há um elevado consumo de maconha procedente do Paraguai, que trazida através das fronteiras é transportada para os grandes centros. [...] A cocaína consumida no Brasil é em geral procedente da Bolívia. Ingressa no território nacional atravessando nossas fronteiras e às vezes transportada em aviões, embora em pequena escala. [14]

Nessa mesma década, escreveu o autor Sérgio de Oliveira Médici que no Brasil:

[...] a situação se agravou nos últimos anos. As dimensões do país, suas fronteiras extensas e a imensa costa marítima são elementos que facilitam o tráfico de entorpecentes. A maior parte das drogas é originária do exterior, justificando não só a colaboração entre os países, como maior vigilância nas fronteiras. [15]

Atualmente, a questão da fragilidade no controle das fronteiras brasileiras vem repercutindo nacionalmente em virtude de consistentes reportagens jornalísticas. Decerto, os meios de comunicação vêm prestando relevante serviço à sociedade, visto que por meio desses é que se toma conhecimento das reais deficiências na fiscalização das regiões fronteiriças, além de agirem com isenção e sem floreios de dados governamentais. Nesse sentido, o jornal Folha de São Paulo informa:

A PF (Polícia Federal) no Amazonas confirmou a morte de dois agentes federas durante uma troca de tiros por volta das 3h desta quarta-feira na região de Codajás (240 km a oeste de Manaus). Um terceiro agente ficou gravemente ferido e pelo menos três suspeitos de tráfico de drogas foram baleados, mas conseguiram fugir. [...] O agente Nelson Oliveira atribuiu as mortes à falta de estrutura e fechamentos de postos de fiscalização da Polícia Federal na fronteira de países como Colômbia e Peru, principais produtores de cocaína. "Nós não temos combustível, armamento adequado e nas fronteiras os postos fecharam. Os colegas trabalham por amor ao trabalho, por amor a vida", disse. {C}[16]{C} 

O ministro da Justiça admitiu ontem (28), em Foz do Iguaçu, que há um "nível elevado de vulnerabilidade" nas fronteiras. José Eduardo Cardozo disse ainda que pretende combater o crime organizado com mais "integração" entre as forças de segurança. Ele não explicou, porém, com qual estrutura e verba fará a integração prometida. Ontem, a Folha revelou um esquema ilegal de compra de armas na fronteira com o Paraguai. A reportagem comprou revólver e munição em Ciudad del Este e recebeu a arma via motoboy, já em território brasileiro."Temos vários pontos vulneráveis em nossa fronteira. Estamos aperfeiçoando o controle. É claro que é impossível uma solução imediata para problemas históricos, mas garanto que estamos achando o caminho", afirmou o ministro da Justiça. {C}[17]{C}

Além de reconhecer a fraqueza no vigiar das fronteiras, é necessário compreender que:

[...] combate às drogas no seu aspecto preventivo, com vistas às infrações penais, implica uma imensa responsabilidade que exige pessoal e tecnologia cada vez mais aprimorados, devido à extensa área de fronteira do território nacional. [18]

No que se refere ao pessoal lotado para o combate ao tráfico nas regiões de fronteiras amazônicas, observa-se que os recursos humanos são insuficientes e mal distribuídos, conforme veicula reportagem:

Para os narcotraficantes, a Amazônia é uma região de pouco risco e alto retorno. A Polícia Federal, responsável pela repressão ao comércio de entorpecentes, mantém um contingente diminuto na área. Tem mais agentes em Brasília do que nos vinte postos situados na Amazônia, com os quais fiscaliza 59% do território nacional. [19]

Ainda, é necessário apontar mais uma grave deficiência brasileira no que tange ao controle das fronteiras, qual seja: má distribuição das delegacias de polícia federal. Só há cinco unidades para velar os estados do Amazonas, Acre e Rondônia. Ora, é de causar estranheza essa incoerente e diminuta quantidade em relação às demais localidades do país, por exemplo, o estado da Paraíba possui duas delegacias, ao passo que o do Amazonas apenas uma, em que pese este possuir área vinte e oito vezes maior que aquele (os estados do Amazonas e da Paraíba ocupam, respectivamente, áreas de 1.577.820,2 km2 e 56.584,6 km2). Essa gritante discrepância tem de ser corrigida em face da premente necessidade de ocupar regiões de fronteiras que são a porta de entrada dos tóxicos. Então, erige-se um questionamento: qual a relevância estratégica que o estado paraibano possui, no cenário internacional do tráfico de entorpecente, a fim de justificar o dobro de delegacias em relação ao amazonense?

Não obstante essa incongruência, o combate ao tráfico de entorpecentes sofreu relevante revés com o cancelamento da Operação COBRA, bem como em virtude de corte de 35% do orçamento da Polícia Federal, conforme veiculado pelo jornal Folha de São Paulo:

A Operação Cobra, criada há dez anos para combater o tráfico na fronteira do Brasil com a Colômbia, está a caminho da extinção. A região é uma das mais visadas por narcotraficantes ligados às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). É também o principal ponto de entrada de drogas colombianas destinadas aos EUA e à Europa. A operação, que foi criada em 2000 e abrigou mais de cem policiais, tem hoje apenas 20. De 2008 para cá, 5 dos 9 postos da Polícia Federal na fronteira foram fechados. Uma décima unidade, prevista no início da operação, nunca foi implantada. Os postos fechados ficam na área mais tensa da fronteira, conhecida como Cabeça do Cachorro, próxima a São Gabriel da Cachoeira (AM). É por ali que guerrilheiros das Farc fazem incursões no território brasileiro.

O traficante colombiano José Samuel Sánchez, por exemplo, preso neste mês pela PF, utilizava a região como ponto de entrada e saída para drogas, alimentos e remédios para a guerrilha. A Operação Cobra custou ao governo federal cerca de R$ 35 milhões, investimento que incluiu a compra de um avião e de um helicóptero. Hoje, porém, os policiais não contam com nenhuma das aeronaves, que foram deslocadas para outras funções. Segundo um agente, a polícia vê o tráfico aumentar sem poder fazer nada.

A região também está sem o prometido apoio do projeto Vant, que colocaria aviões não tripulados israelenses para vigiar as fronteiras da Amazônia. O projeto deveria ter começado em março, mas não entrou em vigor. Para Nelson Oliveira, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Amazonas, o recrudescimento da Operação Cobra acarretou na queda das apreensões de cocaína na fronteira. De 2005 a 2008, a média da droga apreendida por ano era de 2,3 t. Em 2009, o número baixou para 1,3 t e, neste ano, está em 687 kg. "A situação é a pior possível. A falta de estrutura fragilizou o combate ao narcotráfico", afirma Oliveira, para quem a Operação Cobra perdeu o perfil investigativo. O aumento da criminalidade na fronteira levou o Amazonas a cobrar a falta de segurança do governo federal. Em dezembro, a pedido do Estado, foram destacados cem policiais da Força Nacional de Segurança para realizar ações repressivas onde a Cobra deixou de operar. "Por que aparelhar a Força Nacional de Segurança, e não a Polícia Federal?", questiona Oliveira. O cientista político Ricardo Bessa, professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), diz que o controle da fronteira brasileira é uma questão constitucional. "O traficante passa com a cocaína como se fosse pescador. Se é impossível reprimir o tráfico, que o governo convoque o Exército", afirmou. {C}[20]{C}

O corte no orçamento da Polícia Federal para 2011 afetou a fiscalização em regiões de fronteiras e as ações de combate ao narcotráfico e contrabando de armas, informa reportagem de Kátia Brasil e Rodrigo Vargas, publicada na edição desta segunda-feira da Folha .[...]  Com orçamento previsto de R$ 4,2 bilhões para este ano, o Ministério da Justiça teve um corte de R$ 1,5 bilhão. O ministro da pasta, José Eduardo Cardozo, disse que a medida foi necessária "para a estabilidade do país". A Polícia Federal é subordinada ao ministério. [21]{C}

4. DAS SUGESTÕES À EFETIVA REPRESSÃO

Em virtude da complexidade da questão da repressão ao tráfico de entorpecentes, essa pesquisa propõe sugestões sem o propósito de solucionar em definitivo a problemática apresentada, uma vez que, até o presente momento, nenhum Estado conseguiu tamanha façanha. Na busca desse objetivo, é imprescindível o intercâmbio entres as forças de segurança pública nacionais, pois:

[...] importância dos convênios avulta, na medida em que se constata o incremento as fontes abastecedoras de drogas no mercado clandestino brasileiro, a exigir uma conjugação de esforços dos organismos policiais de todo o país, para uma ação mais direta e imediata. [22]

Nessa mesma linha, a boa vontade por parte dos governos no enfrentamento do tráfico de entorpecentes também é fator relevante. Cita-se o bom exemplo que ocorreu na Colômbia, de acordo com reportagem publicada pela revista Veja:

O governo de Álvaro Uribe, na Colômbia, atraiu investimentos externos e reduziu a pobreza. Mas foi no combate aos grupos narcoterroristas que ele conseguiu resultados mais impressionantes. [...] A participação do país na oferta mundial de cocaína, por exemplo, passou de 96% para 51%. [23]{C}

Por outro lado, quando há um governo que aquiesce com o tráfico, agrava-se o problema, nesse sentido, reporta o já citado periódico:

O incentivo de Morales fez a produção de cocaína e pasta de coca cresceu 41%. A política cocaleira teve efeito desejado pelo governo bolivariano: o negócio prosperou. O volume de cocaína apreendido pela Polícia Federal nos quatro estados brasileiros que fazem fronteira com a Bolívia triplicou: “ Os traficantes estão fazendo a festa, porque o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do continente, atrás apenas dos Estados Unidos, e chegar a esse mercado nunca foi tão fácil”, diz o boliviano Humberto Vacaflor, especialista em narcotráfico. Entre 80% e 90% da droga consumida no Brasil e boliviana – por não ter a mesma qualidade da colombiana, ele é desprezada por americanos e europeus. [24]{C}

Por conseguinte, não apenas é necessário que cada país internamente reprima de forma firme o tráfico de drogas, ou seja, que faça bem a “tarefa de casa”, bem como “não há possibilidade de combate razoável à disseminação das drogas sem cooperação internacional, que deve ser recíproca, bilateral e até multilateral.” [25]

Acerca dessa necessidade de cooperação, o Brasil caminha a passos curtos, diz o Superintendente de Polícia Federal do Amazonas:

Atualmente é pacífico o entendimento acerca dos principais métodos para se combater o crime organizado transnacional, são eles: dinamização do intercâmbio de informações.[...] ampliação da cooperação internacional. O desafio está na capacidade dos governos em implementar tais métodos, principalmente quanto a integração internacional de esforços. No Brasil, nossos dificuldades nesse campo são enormes, bastando lembrar que sequer conseguimos ainda integrar nossas forças de segurança, quanto mais buscar essa política com outros países. [26]{C}

Ainda, esse estudo elenca as seguintes sugestões para debelar o tráfico, sem, contudo, exauri-las:

1) abertura imediata de concurso público para provimento de cargos de Delegado, Perito, Agente e Escrivão para lotação nas regiões de fronteiras;

2) investimento na modernização dos equipamentos para emprego nas regiões de fronteiras (armamento, equipamentos de comunicação, barcos, lanchas, aviões, helicópteros, veículos etc),

3) criação de postos de fronteiras a cada 300 km de fronteira amazônica (aproximadamente 54 unidades), pois a presença física do Policial Federal (bem municiado e instalado) é, juntamente com o sistema de inteligência, peça fundamental à repressão. É importante ressaltar que a criação de postos de fronteira não pretere a vigilância eletrônica através de satélites e de Aeronaves não Tripuladas. No entanto, a barreira física é um obstáculo para pronta resposta, a final, tem-se uma guarita nos rincões das fronteiras para o aporte logístico de operações mais complexas;

4) transferência ex ofício de, no mínimo, 30% por cento do efetivo da Polícia Federal para as áreas de fronteiras, no entanto, frise-se, garantidas as mínimas condições de moradia, educação, segurança e saúde para o policial e seus familiares, o incremento substanciado dos vencimentos daqueles agentes lotados nas regiões de fronteira e a garantia de transferência por tempo de área (no máximo dois anos).  É imprescindível erigir esse assunto, por mais polêmico e indigesto que seja, pois é impossível combater o tráfico numa região de dimensões colossais sem que haja um efetivo condizente;

5)  diante da imensidão fronteiriça, constata-se a imprescindibilidade de um eficiente e articulado sistema de inteligência entre os países;

6) efetivar a cooperação com as forças armadas, os órgãos de segurança públicas estaduais e órgãos como IBAMA e Funai ;

7)  vigilância eletrônica através de Veículos Aéreos não Tripulados. A Força Aérea Brasileira está implementando este programa com empresas israelenses; e

8) reativação da operação COBRA e fortalecimento das já existentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, é notório que o Brasil não combate de forma eficaz o tráfico de entorpecentes em suas fronteiras, posto que há anos as regiões fronteiriças são negligenciadas pelo poder público. Decerto, a questão central acerca da ineficácia estatal não decorre simplesmente da falta de recursos materiais e humanos, mas, principalmente, está ligada ao desinteresse político.

Essa inação do governo brasileiro induz, de certa forma, a pensar que a leniência pode ter origem na corrupção, uma vez que o dinheiro proveniente do tráfico de drogas muitas vezes financia políticos, alicia agentes públicos e enriquece ilicitamente empresários que o “lavam” em atividades lícitas.

 Além de combater a corrupção, é necessário compreender que, em um país de proporções vastíssimas, o tráfico de entorpecentes nas fronteiras só se reduzirá com forte investimento público em instalações e recursos humanos, integração entre as forças de segurança pública nacional e cooperação internacional.

Ainda, é preciso que a sociedade brasileira exija dos bons agentes públicos postura austera no combate ao tráfico nas fronteiras, pois é de lá que entram as drogas que abastecem os lares brasileiros. No entender deste autor, apreender toneladas de drogas nas grandes cidades é de certo modo inócuo e ineficaz, posto que o interessante, na verdade, é impedir a entrada dessas substâncias no território brasileiro. Esse é o objetivo que tem de ser almejado pelo governo.

Por outro lado, é necessário que o Estado invista socialmente nas populações de fronteiras, construindo hospitais, escolas e delegacias. Isso tem por objetivo afastar a influência dos traficantes junto às comunidades que facilmente são cooptadas em troca de serviços que caberia ao próprio poder público prestar.

Enfim, o Brasil só despertará seriamente para a questão da repressão aos entorpecentes em suas fronteiras, quando substâncias como o “oxi”, droga ainda mais barata e agressiva do que o crack, vicejarem em seu território e causarem uma verdadeira hecatombe humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

a) obras

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b) matéria de jornais e revistas em meio impresso

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TEIXEIRA, Duda; Mello, Fernando. José Serra vai direto ao ponto. Veja. São Paulo, ed. 2167, ano 43, n. 22, p. 164-8, 2 jun. 2010.

Sobre os autores
Cássio Filipe Albuquerque Silva

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (2011). Aprovado no III Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. É Oficial Intendente formado pela Academia da Força Aérea (2002). Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Patrimonial, orçamentária, financeira e controle. É pregoeiro Oficial. Presidiu a Comissão Permanente de Licitações da Base Aérea de Santa Maria entre os anos de 2012 a 2014. Ocupou o Cargo de Chefe da Seção de Licitações do Sétimo Comando Aéreo Regional (2005) e da Base Aérea de Santa Maria (2012/2013). Ocupou o Cargo de Chefe da Seção de Finanças do Sétimo Comando Aéreo Regional e da Base Aérea de Santa Maria. Foi Comandante do Esquadrão de Intendência da Base Aérea de Santa Maria. Atualmente, é Prefeito de Aeronáutica da Prefeitura de Aeronáutica de Santa Maria.

Maria Sayonara Spreckelsen da Cunha Kurtz

Professora Doutora do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.

Informações sobre o texto

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