4. DAS SUGESTÕES À EFETIVA REPRESSÃO
Em virtude da complexidade da questão da repressão ao tráfico de entorpecentes, essa pesquisa propõe sugestões sem o propósito de solucionar em definitivo a problemática apresentada, uma vez que, até o presente momento, nenhum Estado conseguiu tamanha façanha. Na busca desse objetivo, é imprescindível o intercâmbio entres as forças de segurança pública nacionais, pois:
[...] importância dos convênios avulta, na medida em que se constata o incremento as fontes abastecedoras de drogas no mercado clandestino brasileiro, a exigir uma conjugação de esforços dos organismos policiais de todo o país, para uma ação mais direta e imediata. 22
Nessa mesma linha, a boa vontade por parte dos governos no enfrentamento do tráfico de entorpecentes também é fator relevante. Cita-se o bom exemplo que ocorreu na Colômbia, de acordo com reportagem publicada pela revista Veja:
O governo de Álvaro Uribe, na Colômbia, atraiu investimentos externos e reduziu a pobreza. Mas foi no combate aos grupos narcoterroristas que ele conseguiu resultados mais impressionantes. [...] A participação do país na oferta mundial de cocaína, por exemplo, passou de 96% para 51%. 23
Por outro lado, quando há um governo que aquiesce com o tráfico, agrava-se o problema, nesse sentido, reporta o já citado periódico:
O incentivo de Morales fez a produção de cocaína e pasta de coca cresceu 41%. A política cocaleira teve efeito desejado pelo governo bolivariano: o negócio prosperou. O volume de cocaína apreendido pela Polícia Federal nos quatro estados brasileiros que fazem fronteira com a Bolívia triplicou: “ Os traficantes estão fazendo a festa, porque o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína do continente, atrás apenas dos Estados Unidos, e chegar a esse mercado nunca foi tão fácil”, diz o boliviano Humberto Vacaflor, especialista em narcotráfico. Entre 80% e 90% da droga consumida no Brasil e boliviana – por não ter a mesma qualidade da colombiana, ele é desprezada por americanos e europeus. 24
Por conseguinte, não apenas é necessário que cada país internamente reprima de forma firme o tráfico de drogas, ou seja, que faça bem a “tarefa de casa”, bem como “não há possibilidade de combate razoável à disseminação das drogas sem cooperação internacional, que deve ser recíproca, bilateral e até multilateral.” 25
Acerca dessa necessidade de cooperação, o Brasil caminha a passos curtos, diz o Superintendente de Polícia Federal do Amazonas:
Atualmente é pacífico o entendimento acerca dos principais métodos para se combater o crime organizado transnacional, são eles: dinamização do intercâmbio de informações.[...] ampliação da cooperação internacional. O desafio está na capacidade dos governos em implementar tais métodos, principalmente quanto a integração internacional de esforços. No Brasil, nossos dificuldades nesse campo são enormes, bastando lembrar que sequer conseguimos ainda integrar nossas forças de segurança, quanto mais buscar essa política com outros países. 26
Ainda, esse estudo elenca as seguintes sugestões para debelar o tráfico, sem, contudo, exauri-las:
1) abertura imediata de concurso público para provimento de cargos de Delegado, Perito, Agente e Escrivão para lotação nas regiões de fronteiras;
2) investimento na modernização dos equipamentos para emprego nas regiões de fronteiras (armamento, equipamentos de comunicação, barcos, lanchas, aviões, helicópteros, veículos etc),
3) criação de postos de fronteiras a cada 300 km de fronteira amazônica (aproximadamente 54 unidades), pois a presença física do Policial Federal (bem municiado e instalado) é, juntamente com o sistema de inteligência, peça fundamental à repressão. É importante ressaltar que a criação de postos de fronteira não pretere a vigilância eletrônica através de satélites e de Aeronaves não Tripuladas. No entanto, a barreira física é um obstáculo para pronta resposta, a final, tem-se uma guarita nos rincões das fronteiras para o aporte logístico de operações mais complexas;
4) transferência ex ofício de, no mínimo, 30% por cento do efetivo da Polícia Federal para as áreas de fronteiras, no entanto, frise-se, garantidas as mínimas condições de moradia, educação, segurança e saúde para o policial e seus familiares, o incremento substanciado dos vencimentos daqueles agentes lotados nas regiões de fronteira e a garantia de transferência por tempo de área (no máximo dois anos). É imprescindível erigir esse assunto, por mais polêmico e indigesto que seja, pois é impossível combater o tráfico numa região de dimensões colossais sem que haja um efetivo condizente;
5) diante da imensidão fronteiriça, constata-se a imprescindibilidade de um eficiente e articulado sistema de inteligência entre os países;
6) efetivar a cooperação com as forças armadas, os órgãos de segurança públicas estaduais e órgãos como IBAMA e Funai ;
7) vigilância eletrônica através de Veículos Aéreos não Tripulados. A Força Aérea Brasileira está implementando este programa com empresas israelenses; e
8) reativação da operação COBRA e fortalecimento das já existentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, é notório que o Brasil não combate de forma eficaz o tráfico de entorpecentes em suas fronteiras, posto que há anos as regiões fronteiriças são negligenciadas pelo poder público. Decerto, a questão central acerca da ineficácia estatal não decorre simplesmente da falta de recursos materiais e humanos, mas, principalmente, está ligada ao desinteresse político.
Essa inação do governo brasileiro induz, de certa forma, a pensar que a leniência pode ter origem na corrupção, uma vez que o dinheiro proveniente do tráfico de drogas muitas vezes financia políticos, alicia agentes públicos e enriquece ilicitamente empresários que o “lavam” em atividades lícitas.
Além de combater a corrupção, é necessário compreender que, em um país de proporções vastíssimas, o tráfico de entorpecentes nas fronteiras só se reduzirá com forte investimento público em instalações e recursos humanos, integração entre as forças de segurança pública nacional e cooperação internacional.
Ainda, é preciso que a sociedade brasileira exija dos bons agentes públicos postura austera no combate ao tráfico nas fronteiras, pois é de lá que entram as drogas que abastecem os lares brasileiros. No entender deste autor, apreender toneladas de drogas nas grandes cidades é de certo modo inócuo e ineficaz, posto que o interessante, na verdade, é impedir a entrada dessas substâncias no território brasileiro. Esse é o objetivo que tem de ser almejado pelo governo.
Por outro lado, é necessário que o Estado invista socialmente nas populações de fronteiras, construindo hospitais, escolas e delegacias. Isso tem por objetivo afastar a influência dos traficantes junto às comunidades que facilmente são cooptadas em troca de serviços que caberia ao próprio poder público prestar.
Enfim, o Brasil só despertará seriamente para a questão da repressão aos entorpecentes em suas fronteiras, quando substâncias como o “oxi”, droga ainda mais barata e agressiva do que o crack, vicejarem em seu território e causarem uma verdadeira hecatombe humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
a) obras
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Serviço de Repressão a Tóxicos e Entorpecentes. Normas gerais sobre tóxicos e entorpecentes e normas de serviço. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1966.
b) matéria de jornais e revistas em meio impresso
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COUTINHO, Leonardo.Terra sem lei. Especial Amazônia. Veja . São Paulo, ed. 2130, ano 42, p. 34, set. 2009.
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CRIME as raízes, a impunidade, as soluções. Veja . São Paulo, ed. 1990, ano 40, n. 1, p. 45-86, 10 jan. 2007.
FONSECA, Ana Claudia. Colômbia Pós- FARC. Veja . São Paulo, ed. 2166, ano 43, n. 21, p. 108-112, 26 mai. 2010.
TEIXEIRA, Duda; Mello, Fernando. José Serra vai direto ao ponto. Veja . São Paulo, ed. 2167, ano 43, n. 22, p. 164-8, 2 jun. 2010.
Notas
1 As fronteiras, nesta pesquisa, cingir-se-ão às da Amazônia Ocidental, abarcando os estados-membros do Amazonas, Acre e Rondônia, com exceção de Roraima. Sobre a Amazônia Ocidental, vide Decretos-Lei 291/67 e 356/68.
4 Com advento da Amazônia Legal, o complexo Amazônico compreende todos os estados da região Norte e os estados de Mato Grosso e do Tocantins, e a metade oeste do Maranhão. Sobre a Amazônia Legal, vide Leis 1.806/53 e 5.173/66, e Lei Complementar 31/77.
5 O crack é obtido a partir da mistura da pasta-base de coca ou cocaína refinada (feita com folhas da planta Erythroxylum coca), com bicarbonato de sódio e água. Por ser produzido de maneira clandestina e sem qualquer tipo de controle, há diferença no nível de pureza do crack, que também pode conter outros tipos de substâncias tóxicas - cal, cimento, querosene, ácido sulfúrico, acetona, amônia e soda cáustica são comuns.
6 USUÁRIOS de crack, pais vendem filha de dois meses por R$ 50 em Passo Fundo- RS. Folha de São Paulo Online . Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/861615-usuarios-de-crack-pais-vendem-filha-de-dois-meses-por-r-50-em-passo-fundo-rs.shtml> Acesso em: 17 jan. 2011.
7 O grupo ATS (amphetamine-type stimulants) inclui o grupo anfetamina (metanfetamina, anfetamina e outros inibidores de apetite) e o grupo ecstasy (MDMA, MDA e MDEA/MDE).
8 Muitas dessas substâncias como anfepramona e fenproporex são utilizadas como inibidores de apetite; isto é, remédios para emagrecer.
9 Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Relatório Mundial Sobre Drogas. Referências ao Brasil e ao Cone Sul. Wold Drog Report (WDR 2010) . Disponível em:<https://www.unodc.org/documents/southerncone//Topics_drugs/WDR/2010/WDR_2010_Referencias_ao_Brasil_e_Cone_Sul.pdf> Acesso em: 24 abr. 2011.
10 Departamento de Polícia Federal. Relatório anual da PF 2008 . Disponível em:<https://www.dpf.gov.br/institucional/relatorio-anual-pf> Acesso em: 24 abr. 2011.
11 FONTES, Sérgio Lucio Mar dos Santos. A segurança pública na amazônia: situação atual (monitoramento de fronteiras, presença estrangeira, atuação de ONG, ilícitos transnacionais e perspectivas futuras). Disponível em: <https://www.sae.gov.br/seminarioamazonia/wp-content/uploads/2010/08/Artigo-Dr-Sergio-Fontes-DPF.pdf> Acesso em: 7 jan. 2011.
12 Sobre as incumbências e responsabilidades desses órgãos, vide Regimento Interno da DPF: Portaria n0 1.825 - Ministério da Justiça, de 13 de outubro de 2006. DOU 198, de 16/10/06.
13 Organograma do Departamento de Polícia Federal. Disponível em: <www.dpf.gov.br> Acesso em: 24 abr. 2011.
14 LIMA, Paulo C. A.. Repressão aos tóxicos . Rio de Janeiro, 1976, p. 94-5.
15 MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Tóxicos . Bauru: Javoli LTDA, 1977, p. 18.
16 AÇÃO da PF contra o tráfico deixa dois agentes mortos no Amazonas. Folha de São Paulo Online . Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/831815-acao-da-pf-contra-o-trafico-deixa-dois-agentes-mortos-no-amazonas.shtml> Acesso em: 17 nov. 2010.
17FRONTEIRA é vulnerável, admite ministro. Folha de São Paulo Online . Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/908859-fronteira-e-vulneravel-admite-ministro-apos-reportagem.shtml> Acesso em: 11 mai. 2011.
18 MENNA BARRETO, João de Deus Lacerda. Estudo geral da nova lei de tóxicos . 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1982, p. 49.
19 COUTINHO, Leonardo.Terra sem lei, Especial Amazônia, Veja , São Paulo, ed. 2130, ano 42, p. 34, set. 2009.
20 AÇÃO da PF para proteger fronteira no AM perde força. Folha de São Paulo Online . Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/poder/739746-acao-da-pf-para-proteger-fronteira-no-am-perde-forca.shtml> Acesso em: 24 mai. 2010.
21 CORTE de verba na PF prejudica vigilância de fronteiras. Folha de São Paulo Online . Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br/poder/903962-corte-de-verba-na-pf-prejudica-vigilancia-de-fronteiras.shtml> Acesso em: 19 abr. 2011.
22 MENNA BARRETO, op. cit., p. 50.
23 FONSECA, Ana Claudia. Colômbia Pós- FARC. Veja , São Paulo, ed. 2166, ano 43, n. 21, p. 108-112, 26 mai. 2010.
24 TEIXEIRA, Duda; Mello, Fernando. José Serra vai direto ao ponto. Veja , São Paulo, ed. 2167, ano 43, n. 22, p. 164-168, 2 jun. 2010.
25 GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção e repressão . 13.ed. rev., ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 267.
26 FONTES, op. cit.
Abstract: According to reports by international and national bodies, Brazil is the scene of international trafficking in narcotics as strategic and profitable storage and deficient oversight of its borders, especially the Amazon region. Given this, must understand the reasons why a country with the economy on an upward trend can not effectively prosecute trafficking mentioned. This study is guided in the research literature, periodicals, reports and interviews with public authorities responsible for the repression of this study. We seek to contribute to the understanding of the phenomenon upon exposure of the state infrastructure, the suppression of the obstacles and suggestions for bringing the problem.
Key words : International Traffic in Narcotic Drugs. Amazon Borders. State Repression.