Factoring: o limiar entre atividade de fomento mercantil e usura

25/06/2015 às 16:32
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Demonstra o conceito e a natureza jurídica da “factoring”, identificando-a como uma atividade de fomento essencial para a sobrevivência no mercado das pequenas e médias empresas por constituir atividade de fomento

RESUMO: O presente trabalho tem o escopo de demonstrar o conceito e a natureza jurídica da “factoring”, identificando-a como uma atividade de fomento essencial para a sobrevivência no mercado das pequenas e médias empresas por constituir-se em atividade de fomento. De natureza jurídica controvertida e pela ausência de legislação específica, as atividades das empresas de “factoring” não se enquadram no Sistema Monetário e Financeiro Nacional, encontrando os seus limites nas taxas de juros estabelecidas na Lei da Usura.

PALAVRAS-CHAVE: Factoring. Fomento mercantil. Contrato atípico. Usura.


1 INTRODUÇÃO

O surgimento do “factoring” coincide com a fundação da Associação Nacional de Factoring (ANFAC) na década de 80. Inicialmente a prática da “factoring” no país encontrou inúmeras retaliações, principalmente das instituições financeiras, bancos - notadamente o Banco Central do Brasil (BACEN).

A fim de evitar concorrências ou por mero desconhecimento da prática de faturização, então emergente, o BACEN proibiu indiretamente a prática da atividade de fomento desenvolvida pelas empresas de “factoring”, através da Circular nº 703, de 16 de junho de 1982, considerando o “factoring” como crime (REINHARDT JÚNIOR; DI LUCA, 2008). Contudo, esta Circular foi revogada pela Circular nº 1.359 de 30 de setembro de 1988, reconhecendo o “factoring” como atividade comercial mista, atípica, que consiste na prestação de serviços conjugada com a aquisição de direitos creditórios ou créditos mercantis. Mais tarde, a Resolução 2.144 de 22 de fevereiro de 1995, definitivamente reconheceu a tipicidade jurídica das empresas de factoring e delimitou sua área de atuação.

Sem dúvida, tem sido o instrumento em excelência para manter a sobrevivência das pequenas e médias empresas. O “factoring” carece de um estudo mais aprofundado pelos juristas clássicos.

É comum a sua manifestação como contrato atípico, pois ainda não se encontra pautado em legislação específica (BULGARELLI, 1999, p. 543).

Em que pese a doutrina marginalizar este novo instituto, dando mais relevo aos outros contratos, como o leasing e o franchising, a jurisprudência está uniforme, com raros casos de divergência. Ante o silêncio do legislativo e a inércia da doutrina, o Judiciário tem atuado com veemência e brilhantismo, com a aplicação do direito comparado aos casos concretos.


2 “FACTORING”: FOMENTO OU USURA?

Muito se discute sobre a natureza jurídica do “factoring”, sua legitimidade e confiabilidade, por tratar-se de um instituto que ainda não possui legislação específica e pelos riscos enfrentados pelas empresas faturizadoras.

Ante a ausência de regulamentação legal, a prática do “factoring” no Brasil suscita várias dúvidas sobre a sua legalidade, natureza jurídica e limites de atuação. Será o “factoring” uma atividade de fomento como uma variação de atividades financeiras reguladas pelo BACEN? Os juros praticados pelas empresas de factoring são os mesmos que os praticados pelas instituições financeiras em geral?

Na tentativa de elucidar estas e outras indagações a doutrina, ainda incipiente nesta seara e, principalmente a jurisprudência se esforçam para reinterpretar os casos concretos à luz das normas já existentes.

2.1 Conceito e Natureza Jurídica da “Factoring”

Segundo conceito construído pela doutrina, “factoring” é uma atividade comercial mista atípica, equacionada da seguinte forma: “factoring” = serviços + compra de créditos (direitos creditórios) frutos de vendas mercantis. Em suma, é uma espécie de fomento mercantil, porque expande os ativos de suas empresas clientes, aumenta-lhes as vendas, elimina seu endividamento e transforma as suas vendas a prazo em vendas à vista( LEITE, 1997).

Esta atividade envolve a contínua e cumulativa prestação de serviços de assessoria mercadológica, creditícia, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo( FALCÃO, 2008).

Esta é, atualmente, a forma mais correta para descrever e conceituar o “factoring”, evolução natural do instituto que começou apenas como venda de faturamento tão somente. A intensificação e complexidade dos negócios para as empresas de fomento mercantil são consequência da concorrência entre as mesmas, fazendo-se necessária a mutação e reapresentação de outros produtos para sobreviver no mercado.

Outro conceito para “factoring”, segundo Rizzardo (2000, p. 11)), é a relação jurídica entre duas pessoas jurídicas, em que uma delas cede à outra um título de crédito, em troca do o valor constante do título, sendo abatida certa quantia, considerada a remuneração pela transação.

No Direito Comparado, há diversos conceitos como o do autor espanhol Roca Guillamón, (citado por  BRASIL, ano, p....) para quem “factoring” é uma atividade de cooperação empresarial com o intuito de aquisição definitiva, junto aos produtores de bens ou prestadores de serviço, dos créditos de que sejam titulares contra seus clientes ou compradores[1].

Pela inexistência de legislação específica sobre “factoring” no Brasil e em outros países as normas aplicáveis são de diversas naturezas, tais como comercial, civil e o costume de cada comunidade.

Ainda há a conceituação legal de “factoring” que está inserida na Resolução 2.144 do Banco Central (22.02.1995) como:

[...] a atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de direitos creditórios  resultantes de vendas mercatis a prazo ou de prestação de serviços.

Assim, a controvérsia sobre o conceito de “factoring” ou faturização ou fomento mercantil ou fomento comercial incide, principalmente, quanto à denominação empregada para o instituto jurídico.

Por ser um instituto novo e ainda sem regulamentação específica há uma tendência na doutrina em identificá-lo com outras figuras jurídicas já existentes.

Dependendo da conceituação adotada para o instituto, pode ter natureza jurídica de cessão de créditos, de desconto bancário, contrato atípico, ou outras figuras jurídicas comerciais, como o truste. Essencialmente, identifica-se com a cessão de créditos, visto que há, certamente, a venda do faturamento de uma empresa para outra.

A natureza jurídica do fomento da “factoring” é um pouco permeada de controvérsias devido à falta de legislação específica no Brasil e no exterior. No entanto, a maioria da doutrina perfilha o entendimento que a operação de fomento tem natureza de contrato atípico, visto que, não existe um conceito legal definido em norma geral para elucidar sua natureza jurídica, uma vez que é necessária a legislação específica para tanto, o que atualmente não há.

Apesar de tantas incertezas e dúvidas quanto à conceituação e natureza jurídica deste novo instituto, a jurisprudência tem decidido sobre a questão da cobrança de juros excessiva praticada pelas empresas de fomento mercantil.

Dúvidas não há que as empresas de “factoring” não se confundem com os bancos e instituições financeiras, pois estes captam e emprestam dinheiro e aquelas prestam serviços e compram direitos.

Pelo fato das empresas de fomento não se submeterem às normas do Banco Central- BACEN,  estão sujeitas à limitação da taxa de juros remuneratórios à base de 12% ao ano, sob pena de prática de crimes contra a economia popular e de usura. Tal entendimento é perfilhado pela Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 489658 (2002/0155862-8 - 13/06/2005), julgado em 05 de maio de 2005, tendo como relator o Ministro Barros Monteiro:

A jurisprudência desta Casa firmou-se, de há muito, no sentido de que, nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, não se aplicam as normas do Decreto n. 22.626/33 quanto à taxa dos juros remuneratórios. É o que se encontra enunciado na Súmula n. 596 do Excelso Pretório.

Todavia, no caso, não se trata de uma entidade privada integrante do Sistema Financeiro Nacional. A ré é sociedade que opera no ramo de factoring e, como tal, não se inclui no sistema introduzido no direito brasileiro pela Lei n. 4.595/64.

[...] Nessas condições, a contrário sensu do que dispõe a Súmula n. 596-STF, na hipótese em apreciação é aplicável, sim, a denominada Lei de Usura, razão pela qual é de ser mantida a limitação dos juros remuneratórios à taxa de 12% ao ano-art. 1º do Decreto n. 22.626/33 (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2008)

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Assim, em sua essência as empresas de “factoring” não são empresas com atividade ilegal e promíscua, pois podem realizar suas operações desde que não as pratiquem por meio de cobrança abusivas de juros. É o excesso na cobrança de juros praticados por algumas empresas que, na busca de lucros exorbitantes, levam a descaracterização de sua atividade de fomento, passando a constituir prática ilícita de crimes de usura, conhecidos popularmente como agiotagem.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de uma maior aceitação das operações de “factoring” num contexto mercantil ainda há grandes obstáculos a serem vencidos quanto à aceitação e confiabilidade destas práticas. As pequenas e médias indústrias nacionais, potencial cliente de “factoring”, procuram a redução de custos operacionais, aderindo a este mercado de compra e vendas de títulos oriundos das transações comerciais a prazo com o intuito de auferir capital de giro.

Atualmente são muitas as empresas que praticam operações de “factoring” ampliando a concorrência neste ramo da atividade. Até mesmo por um instinto de sobrevivência as empresas de “factoring” têm ampliado e diversificado os serviços.

Como é um instituto de Direito Privado e, em analogia aos contratos de cessão de crédito, é pela ausência de proibição que se permite este tipo de negociação ou prestação de serviços, desde que não confronte com os dispositivos da Lei das Instituições Bancárias e com a Lei de Usura.

A escassez doutrinária acena que o “factoring” é uma "atividade comercial mista atípica" ou ainda uma "operação complexa pelo aspecto tríplice que caracteriza o seu objeto", pois engloba as funções de garantia, gestão de crédito e de financiamento.

Não se constitui em atividade ilegal, ou agiotagem a prática do “factoring” nas relações comerciais, pois é uma atividade de fomento a pequenas e médias empresas que necessitam de capital de giro para realizarem as suas atividades com mais eficiência. O que foi vedado pelos nossos tribunais superiores é a prática abusiva de juros atentatórios à Lei da Usura, por não serem as empresas de “factoring” integrantes do Sistema Monetário e Financeiro Nacionais.


4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, D. R. A problemática do endosso na duplicata para o exercício do "factoring" no Brasil. Dissertação publicada no site da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em : <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/> . Acesso em: 13  nov. 2008.

BULGARELLI, W. Contratos Mercantis. 11. ed. São Paulo:  Atlas, 1999.

FALCÃO, G. J. Legislação que Regula as Empresas as Fomento Mercantil (“Factoring”) no Brasil. Disponível em:

http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/publicacoes/estnottec/pdf/111802.pdf. Acesso em:13  nov.  2.008.

LEITE, L. L. Factoring no Brasil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

REINHARDT JÚNIOR, C. D.; DI LUCA, G. Factoring e Legislação Brasileira. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/98/22/982/. Acesso em: 13  nov. 2008.

RIZZARDO, A. Factoring. 2. ed. rev atual. ampl. São Paulo:  Revista dos Tribunais, 2000.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial Nº 489658 (2002/0155862-8 - 13/06/2005). Quarta Turma, julgado em 05 de maio de 2.005, relator Ministro Barros Monteiro Disponível em: <https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200201558628&dt_publicacao=13/06/2005 >. Acesso em: 13 nov. 2008.

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Sobre a autora
Wilza Nara Teixeira Carneiro

Pós-Graduanda em MBA - Planejamento Tributário pela Univiçosa, Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM, Bacharela em Direito pela UFV, Advogada Efetiva da Procuradoria Municipal de Alvinópolis, MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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