1 – INTRODUÇÃO
As cláusulas abusivas nas relações de consumo tem despertado o interesse por parte dos doutrinadores, dos juristas, da comunidade acadêmica, dos membros que fazem os órgãos de proteção ao consumidor e de todos os cidadãos que, direta ou indiretamente, contribuem para o movimento consumerista na atualidade. Contudo, surgiu o interesse em estudar sobre o mencionado tema através do presente estudos.
Fruto da fase pós-industrial, com o sistema de produção e distribuição em massa, o contrato não mais assegura apenas a vontade das partes, exige-se a equidade nas relações contratuais, evidenciando com clareza a passagem de uma visão individualista e liberal para uma visão do Direito.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sob a égide da atual Constituição Federal, representou uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação aos contratos, com normas de proteção eficazes, realmente, apesar de antigo o tema das cláusulas abusivas, passa a ser disciplinado de maneira específica diante das atuais disposições. Sendo assim, justifica-se a relevância da pesquisa didática e doutrinária de sua pertinência prática, ficando evidenciado a interdependência entre os conceitos jurídicos apresentados e a realidade dos fatos quando da análise das cláusulas abusivas nos contratos de consumo.
No decorrer do presente artigo, pretendo analisar, com base nas posturas mais acertadas do direito positivo brasileiro, as cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, aceitando a teoria do dano extrapatrimonial, conceito utilizado independentemente do dano moral, uma vez que este se reserva a violação dos direitos da personalidade e aquele decorre da simples violação de um direito jurídico, levando o consumidor a obter a reparação dos danos causados independentemente da existência de culpa do fornecedor, pela simples inserção de cláusulas abusivas, uma vez que este instituto possui caráter punitivo e inibitório, diferentemente da indenização por dano moral que possui caráter ressarcitório
2 – CLÁUSULAS ABUSIVAS X CONTRATO DE ADESÃO
2.3 – Cláusulas abusivas
De acordo com o doutrinador João Bosco Leopoldino da Fonseca (1993, p. 156), por sua vez, diz:
[...] uma cláusula contratual poderá ser tida como abusiva quando se constitui um abuso de direito (o predisponente das cláusulas contratuais, num contrato de adesão, tem o direito de redigi-las previamente; mas comete abuso se, ao redigi-las, o faz de forma a causar dano ao aderente). Também será considerada abusiva se fere a boa-fé objetiva, pois, segundo a expectativa geral, de todas e quaisquer pessoas, há que haver eqüivalência em todas as trocas. Presumir-se-á também abusiva a cláusula contratual quando ocorrer afronta aos bons costumes, ou quando ela se desviar do fim social ou econômico que lhe fixa o direito. A aferição dessas condições não se faz, contudo, através da indagação da real intenção das partes intervenientes no contrato.
Portanto, em regra, cláusulas abusivas são aquelas que estabelecem obrigações iníquas, que colocam em desvantagem indiscriminada um dos contraentes, ferindo os princípios da boa-fé e da equidade. Pressupõem a existência de um direito subjetivo, tornando-se nulas diante de certas circunstâncias. Não significa que elas sejam privativas dos contratos de consumo, pois sempre existiram, mesmo com outras denominações, como de cláusulas leoninas, exorbitantes ou vexatórias, não sendo ainda exclusivas dos contratos mediante condições gerais ou de adesão, sendo mais frequentes nestes.
2.3 – Contratos de adesão
O contrato de adesão é negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. É um instrumento fundamental da nova economia de mercado, necessário para a maioria das relações de consumo, uma vez que fornecedores e consumidores não dispõem de tempo suficiente para discutir as cláusulas contratuais que envolvem suas inúmeras atividades no dia-a-dia, possuindo o fornecedor um contrato padrão, que é utilizado para todos os consumidores.
Conforme o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, nesses termos:
{C}[1]{C}“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 1º A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.
§ 2º Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando - se o disposto no § 2º do artigo anterior.
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
§ 5º (Vetado.)”.
O produto e/ou serviço são oferecidos acompanhados do contrato. Com isso, o consumidor, para estabelecer a relação jurídica com o fornecedor, tem de assiná-lo, aderindo a seu conteúdo. Daí se falar em “contrato de adesão”. Agora, anote-se que o uso do termo “adesão” não significa “manifestação de vontade” ou “decisão que implique concordância com o conteúdo das cláusulas contratuais”.
No contrato de adesão não se discutem cláusulas e não há que falar em pacta sunt servanda. É uma contradição falar em pacta sunt servanda de adesão. Não há acerto prévio entre as partes, discussão de cláusulas e redação de comum acordo. O que se dá é o fenômeno puro e simples da adesão ao contrato pensado e decidido unilateralmente pelo fornecedor, o que implica maneira própria de interpretar e que, como também vimos, foi totalmente encampado pela lei consumerista[2]. Foi isso o que reconheceu o legislador na redação do caput do art. 54, ao dizer que o contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo[3].
Diante de um processo histórico, por razões econômicas e pelo fato de o consumidor não possuir conhecimentos técnicos, tornou-se necessário reconhecer a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, com a conseqüente intervenção estatal, levando a vedação das causas que levassem uma das partes a uma situação de desequilíbrio, impondo o princípio da boa-fé objetiva a todos os negócios jurídicos, tornando viável a proibição de cláusulas abusivas nas relações de consumo em nível legal.
3 – AS RELAÇÕES DE CONSUMO E A CARACTERIZAÇÃO DAS CLÁSULAS ABUSIVAS.
O Código de Defesa do Consumidor positivou o que há de mais moderno no direito contratual para disciplinar todos os negócios jurídicos envolvendo relações de consumo. Para melhor compreensão será oportuno esclarecer alguns conceitos básicos. Inicialmente os conceitos de consumidor e fornecedor não apresentam nenhuma dúvida dada a clareza no texto legal, porém ainda são debatidos tais conceitos como veremos adiante, bem como a relação jurídica de consumo.
3.1- Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor define em seu art. 2º consumidor como: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” e em seu parágrafo único: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, portanto, uma universalidade de consumidores, como por exemplo, os segurados de um plano de saúde, que utilizam bens e serviços, são considerados consumidores.
Prevalece, no entanto, a inclusão da pessoa jurídica também como consumidor de bens e serviços no nosso ordenamento jurídico, embora com ressalva de que, nessa hipótese, age exatamente como o consumidor comum, ou seja, como destinatária final dos referidos bens e serviços, devendo a interpretação ser objetiva e analisada caso a caso a existência ou não da hipossuficiência e se houve aquisição para bens de consumo. Em síntese, consumidor é o elo final da cadeia produtiva ao qual se destina o bem ou o serviço à sua utilização pessoal.
3.2 – Fornecedor
No pólo passivo da relação de consumo encontra-se o fornecedor, ou seja, pessoas ou entidades que fornecem bens ou serviços. Ao definir fornecedor, assim dispõe o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Entretanto, todo aquele que coloca no mercado bens ou serviços à disposição do consumidor, com habitualidade, é fornecedor, congregando o produtor, o industrial, o intermediário, o prestador de serviços e outros agentes, mesmo sem personalização jurídica, que atuam na circulação econômica e jurídica de bens ou de serviços. Incluem-se entre a categoria dos fornecedores os consórcios privados ou governamentais e organismos multinacionais.
O Código de Defesa do Consumidor ao declarar direitos para o consumidor impõe obrigações ao fornecedor, qualquer que seja sua área de atuação ou exploração. A finalidade do Código é regular as atividades de fornecedores e consumidores ligados por uma relação de consumo.
3.3 - Relação jurídica de consumo e cláusulas abusivas
A relação jurídica de consumo estabelece-se entre fornecedor e consumidor, tendo como objeto a aquisição de produtos ou utilização de serviços pelo consumidor, logo, destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor, que submete-se ao poder e condições dos produtos e fornecedores dos bens e serviços, subordinação, esta, denominada de hipossuficiência ou vulnerabilidade do consumidor, pelo legislador.
São, em regra, pessoas físicas ou jurídicas, fornecedores ou consumidores, ou seja, agentes ou destinatários finais de bens ou serviços, inclusive de natureza bancária, financeira, creditícia e securitária, excetuadas as de cunho trabalhista, e desenvolvidas por entidades privadas ou públicas (art. 3o do CDC).
Nos termos do Código de Defesa do Consumidor não é necessário que o fornecedor concretamente venda bens ou preste serviço, sendo necessário apenas que os coloque à disposição de consumidores em potencial, como por exemplo, em propaganda.
Portanto, o que define realmente uma relação jurídica como de consumo é a destinação final ao consumidor, do produto ou do serviço. Conforme disposto no art. 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor um dos direitos básicos do consumidor é o da proteção contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços, sendo sua proteção um dos mais importantes instrumentos de defesa do consumidor.
Uma série de cláusulas consideradas abusivas está enumerada no art. 51 do CDC, dando-lhes o regime de nulidade de pleno direito, significando que contrariam a ordem pública de proteção ao consumidor, podendo ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo o juiz ou tribunal pronunciá-las ex officio. O elenco de cláusulas abusivas é apenas exemplificativo, pois a expressão “entre outras” do caput do art. 51 do CDC, evidencia que sempre que se verificar a existência de desequilíbrio entre as partes no contrato de consumo, o juiz poderá declarar abusiva determinada cláusula, desde que não atendidos o princípio da boa-fé e da compatibilidade com o sistema de proteção ao consumidor, entre outros.
3.4. Transferência de responsabilidade a terceiros
Conforme Rizzatto Nunes, {C}[4]o inciso III proíbe a transferência da responsabilidade a terceiros. Qualquer relação que o fornecedor tenha com terceiro é problema dele. Não pode ele, mediante cláusula contratual, transferir no todo ou em parte sua responsabilidade pelos produtos ou serviços vendidos para terceiros.
4 – NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
A previsão de nulidade das cláusulas abusivas está prevista no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que elenca em seus incisos algumas dessas cláusulas.
Como a cláusula abusiva é nula de pleno direito (CDC, art.51), deve ser reconhecida essa nulidade de ofício pelo juiz, independentemente de requerimento da parte ou interessado. O reconhecimento ex officio do vício acarreta a nulificação da cláusula. Por ter sido declarada nula, a cláusula não pode ter eficácia. Assim procedendo, o juiz não estará declarando de ofício à incompetência relativa, motivo pelo qual não é aplicável à hipótese a STJ 33. (NUNES, Luis Antonio Rizzato, 2009, p. 657).
Abusiva é a previsão da irresponsabilidade por vícios e defeitos de qualidade, isto é o produtor ou fornecedor não pode se eximir de sua responsabilidade em havendo quaisquer vícios ou defeitos de qualidade. O consumidor não pode também abrir mão de seu direito de reembolso das parcelas já pagas em caso de rescisão, sendo considerada uma hipótese de abusividade. Não se pode admitir também que se transfira a responsabilidade contratual a terceiros. Essa prática, apesar de comum, é abusiva. Sabe-se que o ônus da prova da veracidade da informação ou comunicação publicitária cabe a quem patrocina, logo esse ônus não pode ser transferido ao consumidor.
5 – CONCLUSÃO
O Código de Defesa do Consumidor assegura o ressarcimento do prejuízo sofrido, com base na teoria do risco do negócio, a qual transfere aos fornecedores todos os riscos da exploração da atividade econômica no mercado, os quais respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados.
O fornecedor poderá indenizar o consumidor, por inserir cláusula abusiva no contrato, por dano patrimonial, moral ou extrapatrimonial dela decorrente, podendo as mesmas estar previamente ou não inseridas no Código de Defesa do Consumidor. [5]Ademais, conforme a Portaria nº 03/99, que determina aumentos de prestações nos contratos de planos e seguros de saúde, firmados anteriormente à Lei nº 9.656/98, por mudanças de faixas etárias sem previsão expressa e definida.
Portanto, nos contratos de consumo, para configurar o dano extrapatrimonial, basta a simples inserção de cláusulas abusivas, pois estas violam o princípio da boa-fé objetiva, devendo o fornecedor indenizar o consumidor. Em virtude de seu caráter punitivo e inibitório será o meio mais eficiente de controle social, evitando que os fornecedores continuem a inseri-las nos contratos.
Referências
NUNES, Luis Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012.
PADILHA, Sandra Maria Galdino. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. Prim@ facie, João Pessoa, ano 2, n. 3, p. 89-133, jul./dez. 2003. Disponível em: <http: //www.ccj.ufpb.br/primafacie>. Acesso em: 27.05.2015.
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 1990. v. 1.
______. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
NUNES, Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. _____. Curso de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Cláusulas abusivas nos contratos de adesão. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: Acesso em: 29 maio 2015.
SHARP JUNIOR, Ronald A. (Ronald Amaral) - Código de defesa do consumidor anotado/Ronald Sharp Jr., - 2ª.ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003
{C}[1]{C} Redação do § 3º dada pela Lei nº 11. 785, de 22 de setembro de 2008.
[2]. Cf. comentários no Capítulo 31.
{C}[3]{C}. Lei n. 8.078 é a primeira no Brasil a definir contrato de adesão (cf. Nelson
Nery Junior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto,
cit., p. 359).
[4]{C} NUNES, Luis Antonio Rizzatto, Curso de direito do consumidor / Rizzatto Nunes – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2009.
[5] Código de defesa do consumidor anotado/Ronald Sharp Jr., - 2ª.ed – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.