Preço diferenciado no pagamento com cartão é abusivo

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As compras realizadas com cartões de crédito e débito sempre causam muitas dúvidas entre consumidores e lojistas. O presente artigo centra-se em saber e informar o consumidor se a cobrança de preços diferenciados, pela mesma mercadoria, para o pagamento em espécie e para o pagamento efetuado por meio de cartão de crédito, constitui ou não prática consumerista abusiva.

As compras realizadas com cartões de crédito e débito sempre causam muitas dúvidas entre consumidores e lojistas, especialmente no que diz respeito aos direitos e deveres de cada um nesta relação.

A celeuma instaurada no presente artigo centra-se em saber e informar o leitor/consumidor se a cobrança de preços diferenciados, pela mesma mercadoria, para o pagamento em espécie e para o pagamento efetuado por meio de cartão de crédito, constitui ou não prática consumerista reputada abusiva.

Inicialmente, convém anotar que o sistema de cartão de crédito e o respectivo setor carecem de regulação específica. A despeito de esforços nesse sentido, com a tramitação dos Projetos de Lei advindos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados ns. 213/2007 e 2533/07, respectivamente, antagônicos quanto à possibilidade de se fixar preço diferenciado para a compra da mesma mercadoria, ressalte-se, é certo inexistir, até o momento, definição legal específica sobre esta questão. Entretanto, a presente controvérsia pode e deve ser analisada, sob o enfoque da lei consumerista, bem como da Portaria 118/1994 do Ministério da Fazenda.

Anota-se que, para o deslinde da controvérsia, impõe-se analisar, detidamente, as diversas relações jurídicas que o contrato de cartão de crédito encerra, considerando essencialmente os ônus e os benefícios que cada agente deve, necessariamente, experimentar ao assim contratar, e, a partir daí, definir se: I) o pagamento por meio de cartão de crédito pode ser classificado como forma de pagamento à vista; II) o pagamento por meio de cartão de crédito comporta majoração de preço em relação ao pagamento em dinheiro; e III) tal diferenciação importa ou não em prática abusiva de consumo.

Como é de sabença, a utilização do contrato de cartão de crédito encerra diferentes relações jurídicas, interligadas entre si.

Evidencia-se, num primeiro plano, a relação jurídica estabelecida entre a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão (cliente), na qual este paga àquela taxa de administração e, eventualmente, juros decorrentes de pagamento parcelado (do cartão), pela concessão de crédito e pela integral responsabilização da compra autorizada perante um estabelecimento comercial.

Outra relação jurídica que se estabelece pela utilização do cartão de crédito é aquela entabulada entre a instituição financeira (empresa emissora e, eventualmente, também administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). Nesta, a administradora do cartão credencia o estabelecimento comercial, implanta tecnologia e assume o risco integral do crédito e de eventual fraude. Em contrapartida, o estabelecimento comercial, a cada compra efetivada, transfere um percentual desta, previamente contratado, à emissora.

A análise da presente controvérsia recai, especificamente, sobre a relação jurídica que se estabelece entre o cliente (consumidor) e o estabelecimento comercial (fornecedor).

Nesta relação, é de se constatar que o estabelecimento comercial, ao disponibilizar a seus consumidores o pagamento por meio de cartão de crédito (forma de pagamento cada vez mais utilizada em razão das inúmeras vantagens que nela se verifica, tais como a segurança e conveniência de o consumidor não portar grandes somas de dinheiro, entre outras) agrega ao seu negócio, inequivocamente, um diferencial, um valor que certamente tem o condão de aumentar o fluxo de clientes e por consequência, majorar seus lucros.

Não se deve olvidar, ainda, que o pagamento por meio de cartão de crédito garante ao estabelecimento comercial o efetivo adimplemento, já que, como visto, a administradora do cartão se responsabiliza integralmente pela compra do consumidor, assumindo o risco de crédito, bem como de eventual fraude.

Nesse ponto, é de se observar que o consumidor, ao efetuar o pagamento por meio de cartão de crédito (que só se dará a partir da autorização da emissora), exonera-se, de imediato, de qualquer obrigação ou vinculação perante o fornecedor, que deverá conferir àquele plena quitação.

Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda, pro soluto (que enseja a imediata extinção da obrigação).

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC, cobrar mais de quem paga com cartão de crédito fere o inciso V do artigo 39 do CDC (Código de Defesa do Consumidor), que classifica como prática abusiva exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem como a Portaria 118/94. Neste sentido:

Art. 1º Dispensar a obrigatoriedade da expressão de valores em cruzeiro real nas faturas, duplicatas e carnês emitidos por estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços, representativos de suas vendas a prazo, inclusive para serem liquidados com prazo inferior a trinta dias, observado o seguinte:

Parágrafo único . O disposto neste artigo aplica-se também às faturas emitidas por empresas administradoras de cartões de crédito, caso em que:

I - não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com o uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro; e, (grifo nosso)

Insubsistente, assim, o argumento adotado pelos representantes dos estabelecimentos comerciais no sentido de que o recebimento do valor referente à compra, pela administradora, somente se daria depois de 30 (trinta) dias (ou, ainda, como pode ocorrer, se de imediato, por meio de cessão de crédito que abrangeria um percentual sobre a compra ainda maior daquele contratado). Como assinalado, este viés da contratação é restrito à relação estabelecida entre o estabelecimento comercial e a empresa de cartões, e em nada desnatura o apontado pagamento à vista procedido pelo consumidor, que se exonera de qualquer obrigação perante o fornecedor.

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Ademais, impõe-se deixar assente que o custo pela disponibilização de pagamento por meio do cartão de crédito deve ser arcado exclusivamente pelo estabelecimento comercial.

Na verdade, este custo é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário, destinada à obtenção de lucro, em nada referindo-se ao preço de venda do produto final.

Imputar mais este custo ao consumidor equivaleria a atribuir a este a divisão de gastos advindos do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva, como visto, do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial do sistema protecionista do consumidor.

Veja-se, no ponto, que, ao estabelecimento comercial, é conferido o direito de eleger a forma de pagamento que entenda ser a mais conveniente, segura e de maior credibilidade a seus negócios, sem que isto acarrete qualquer violação ao direito do consumidor. É certo, também, que o estabelecimento comercial sequer é obrigado a disponibilizar o pagamento por meio de cartão de crédito de suas mercadorias. Se o faz, tal se dá justamente pelas benesses que referido sistema lhe proporciona.

Entretanto, o consumidor, pela utilização do cartão de crédito, já paga à administradora e emissora do cartão de crédito taxa por este serviço (taxa de administração). Atribuir-lhe ainda o custo pela disponibilização de pagamento por meio de cartão de crédito, responsabilidade exclusiva do empresário, importa em onerá-lo duplamente (bis in idem) e, por isso, em prática de consumo que se revela abusiva.

Poder-se-ia, ainda, argumentar que a proibição de diferenciação de preços para o pagamento em espécie e o efetuado por meio de cartão de crédito teria, diversamente do que ora se propõe, o condão de fazer com que os estabelecimentos comerciais diluíssem o valor do qual são responsáveis no preço da mercadoria para todos os consumidores, mesmo para aqueles que pagassem em dinheiro. Tem-se, entretanto, que referida argumentação parte de premissa equivocada.

Isso porque, não há qualquer imposição legal aos estabelecimentos comerciais de conceder desconto em razão de pagamento em dinheiro. E nem poderia haver, já que a mensuração do preço da venda cabe exclusivamente aos empresários (desde que, nos termos assentados, não repasse ao consumidor, custos inerentes ao risco de seu empreendimento).

Na verdade, o impedimento à referida diferenciação de preços fará com que aquele estabelecimento comercial que, a seu alvedrio, prefira não conferir desconto em razão do pagamento à vista (seja ele por qualquer meio: dinheiro, cheque, cartão de crédito - não parcelado), perca um diferencial a seu negócio (e que, certamente, importe num menor fluxo de clientes) em relação àquele empresário, do mesmo ramo, que conceda o referido desconto para qualquer pagamento à vista. Esclareça-se: o que não se permite não é a concessão de desconto (este, salutar para as relações de consumo), mas sim a diferenciação de preços para formas de pagamentos que em muito se assemelham.

Tem-se, assim, por qualquer aspecto que se aborde a questão, inexistir razões plausíveis para a existência de diferenciação de preços para o pagamento em pecúnia, por meio de cheque e de cartão de crédito (não parcelado), constituindo, inclusive, prática de consumo abusiva, nos termos da Portaria 118/94, bem como dos artigos 39, inciso X, e 51, inciso X, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Desse modo, o consumidor que for cobrado a mais pelo pagamento com cartão, ou lhe for exigido um valor mínimo para a utilização do mesmo, pode exigir seus direitos. Caso não seja atendido, não precisa aceitar a imposição e assim, deverá escolher outra loja para realizar suas compras. O consumidor pode ainda fazer a denúncia ao PROCON de sua cidade.

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Sobre o autor
Flávio Augusto Araújo Cardoso

Advogado. Pós Graduando em Direito Público. Membro da Comissão Especial de Eventos Desportivos da OAB/SE. Sócio do Escritório Cardoso Bispo Zuzarte Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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