Principios constitucionais processuais na arbitragem

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30/06/2015 às 11:18
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1.5. Princípio do livre convencimento

O princípio do livre convencimento do árbitro confere ao julgador competência e capacidade para valorar os fatos e provas que lhe são apresentados de forma livre, e por meio de um exame crítico livre, chegar à solução que entenda mais justa para o litígio em questão, desde que o faça de forma fundamentada e motivada.

O árbitro goza de independência funcional, e é livre para conduzir o procedimento da melhor forma que entender, desde que de forma motivada, pois a motivação represente requisito obrigatório da sentença arbitral, conforme dispõe o art. 26 da Lei de Arbitragem.

O princípio do livre convencimento coloca-se no plano da avaliação fática e jurídica de todas as razões e provas apresentadas pelas partes envolvidas no litígio. Apesar disso, o árbitro, assim como o juiz no processo judicial, deverá sempre fundamentar sua decisão, demonstrando de forma clara os fundamentos que o fizeram chegar a uma determinada decisão.

Referido princípio está relacionado com o tema da valoração das provas e com o devido processo legal, por determinação expressa do § 2º do art. 21 da Lei de Arbitragem[18]. Com relação às provas, há 3 sistemas distintos de valoração. O primeiro deles é o sistema da prova legal ou tarifada, sistema este que consiste na prévia valoração de cada um dos meios de prova. No momento de decidir o litígio, os juízes ficam então subordinados a estes prévios valores. Referido sistema era utilizado no antigo processo germânico e no direito romano-canônico. Há também o sistema secundum conscientizam, onde o juiz não tem sua convicção limitada, podendo utilizar ou não as provas apresentadas durante o processo no momento de decidir. Por fim, temos o sistema do livre convencimento ou da persuasão racional, por meio do qual o juiz pode julgar e apreciar as provas livremente, desde que ao proferir sua decisão, o faça de forma motiva, nos termos do art. 93, inciso IX da Constituição Federal, surge então o sistema que nosso ordenamento admite: o sistema do livre convencimento motivado, previsto no art. 131 do Código de Processo Civil.

Neste sentido, dentro do livre convencimento motivado é necessária também a aplicação do art. 26, inciso II e do art. 32, inciso III da Lei de Arbitragem, in verbis:

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:

(..) II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

(...)

III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei.

Em suma, conclui-se que a liberdade das partes do processo arbitral não é irrestrita, sofrendo limitações. Uma delas é a do convencimento do juiz. Não podem as partes estabelecer qualquer tipo de vinculação sobre o convencimento do juiz, leia-se, do árbitro. Tanto o árbitro quanto o juiz são livres para apreciar as provas como bem entenderem[19]. Neste sentido, afirma Rafael Francisco Alves:

Nesse sentido, seria nula toda estipulação na convenção arbitral que estabeleça regras rígidas de valoração probatória ou mesmo que confira pesos ou valores predeterminados para cada um dos meios probatórios, assim como é igualmente nula a sentença arbitral proveniente de julgamento baseado em prova tarifada nesses termos.  Não podem as partes, por exemplo, determinar que o árbitro observe obrigatoriamente o que ficou dito no laudo pericial, quando esta espécie de prova é utilizada na arbitragem – ou as partes confiam no árbitro ou no perito. (...)[20]

A segunda limitação está relacionada com a motivação das decisões. A motivação das decisões é imperativo de ordem pública, previsto constitucionalmente, e requisito da sentença arbitral, de modo que as partes não podem dispensá-la. Nula será toda e qualquer convenção neste sentido, do mesmo modo que será nula também a sentença arbitral que não contiver expressos os motivos que levaram o árbitro a decidir de uma determinada maneira a controvérsia.

O princípio do livre convencimento está relacionado, como dito, com a valoração das provas, sendo que sua aplicação ocorre no momento final do procedimento, quando é proferida a sentença arbitral. Sua aplicação não ocorre no momento da aplicação da lei, mas no plano da avaliação fática e jurídica das razões apresentadas pelas partes, de forma que a decisão final tomada pelo arbitro deverá ser produto de operação lógica e sistemática, e sempre de forma fundamentada.[21]


1.6. Princípio da igualdade das partes

A seu turno, o princípio da igualdade das partes busca evitar que a parte economicamente mais poderosa possa impor sua vontade por meio de um processo simulado e imperfeito. Assim, será causa de anulação da sentença arbitral qualquer caso qualquer previsão na convenção arbitral que garanta superioridade de uma parte em relação à outra, seja por onerar apenas uma das partes, seja por determinar o ônus da prova a apenas uma das partes, etc.

Dispõe o art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. A igualdade que contempla a Constituição Federal deve ser vista de forma ampla, equiparando homens e mulheres quanto à fruição de direitos, e sujeição de deveres e obrigações. No campo da arbitragem, quer este princípio dizer que deve ser conferido tratamento isonômico às partes, garantindo-se igualdade processual das partes.

O princípio da igualdade entre as partes é inseparável da noção moderna de processo, de modo que não se admite, seja no processo judicial, administrativo ou arbitral, que às parte seja concedido tratamento desigual, que resulte em favor de uma delas em detrimento da outra.

Referido princípio possui duas dimensões: a substancial e a formal. A primeira diferencia-se da segunda na medida em que vai além da simples igualdade perante a lei para buscar os meios para sua aplicação, estabelecendo o equilíbrio entre as partes litigantes. No processo judicial, referido princípio traz a idéia de audiência bilateral, contida na expressão audiatur et altera pars. Conclui-se assim que o juiz tem o dever de ouvir e dar oportunidades de defesa na mesma proporção para as partes, em todos os atos do processo. Assim, dois elementos integram o princípio: a ciência dos atos processuais e a oportunidade de reação a estes atos. Processo é participação, e esta, por suz vez, é contraditório, que necessita da igualdade processual para ser exercido. [22]

O árbitro tem o dever de sempre oferecer iguais oportunidades de defesa às partes, e ainda, de ouvir a ambas, cientificá-las de forma igual acerca da realização de atos processuais e dar iguais oportunidades de reação, sob pena de violar o princípio do devido processo legal, incorrendo assim em hipótese de nulidade da sentença arbitral.

Considerando a liberdade que as partes possuem dentro da Arbitragem, para estipular as regras que devem ser respeitadas pelo árbitro, resta agora delimitar os limites que as partes devem observar no momento em que estiverem disciplinando o processo arbitral, para que todos os princípios previstos pela Lei de Arbitragem sejam respeitados.

No processo judicial, o contraditório e a igualdade tem aplicação no momento da citação (comunicação de ato processual), ato cujo conceito técnico não pode ser aproveitado pela esfera arbitral. Na Arbitragem, as partes têm plena liberdade para estipularem a comunicação dos atos processuais da forma como bem entenderem, desde que a cada uma das partes seja dada oportunidade de defesa (reação aos atos processuais), em respeito ao princípio do contraditório. Trata-se da igualdade de participação das partes envolvidas no litígio. Desta forma, uma vez realizada a comunicação do ato processual à parte contrária, e possibilitado seu efetivo direito de defesa, estará assegurada a igualdade de participação e o exercício do contraditório, independentemente da forma pactuada pelas partes para comunicação dos atos processuais. O que realmente importa no procedimento arbitral é a realização da citação, independentemente de sua forma, que constitui mero instrumento.[23]

Ainda com relação a este princípio, outro ponto que devemos abordar está relacionado com o poder instrutório do árbitro. Dispõe o caput do art. 22 da Lei de Arbitragem[24] que o árbitro tem competência para determinar a produção de provas de ofício ou a requerimento das partes. Assim, estão consagrados os princípios dispositivo e inquisitivo, no sentido de que tanto as partes quanto o próprio árbitro, de ofício, podem requerer a produção de uma determinada prova, lembrando que sempre que o ato for praticado de ofício, deve, necessariamente, ser dada ciência às partes e a respectiva oportunidade de reação (defesa) também.


1.7. Princípio da boa-fé

Nosso Código Civil de 2002 adota expressamente o princípio da boa-fé objetiva em seus arts. 113, 187 e 422, que assim dispõem, respectivamente:

Art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”

Art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Art. 422:” Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

Vemos que o legislador optou por prever expressamente para os contratantes a existência de uma conduta pautada na ética social, a fim de assegurar a harmonia e justiça entre as partes, garantindo relações justas e harmônicas em nossa sociedade.

Ao adotar expressamente o princípio da boa-fé objetiva, nosso legislador valorou as condutas humanas com uma forte carga ética, buscando demonstrar que em nossa sociedade a boa-fé não se limita ao momento da celebração do contrato, devendo ser mais extensa, perdurando no tempo durante toda a fase pré-contratual, as fases da celebração e execução do contrato propriamente ditas, e também após sua celebração, quando todos os efeitos decorrentes da celebração deste contrato já estiverem atingidos e esgotados. A Arbitragem se insere neste cenário, vez que decorre de manifestação contratual, com base no exercício da autonomia da vontade das partes.

Todos os artigos acima mencionados demonstram que caberá ao árbitro uma análise sistemática quanto ao conteúdo e alcance da boa-fé em cada caso concreto, pois, como sabemos, não possui a boa-fé um conceito pré-determinado, variando conforme o caso.

O árbitro deverá, no entanto, sempre levar em consideração que a boa-fé está pautada na conduta ética dos contratantes, de modo a conferir significado claro e real quanto àquilo que fora pactuado, evitando-se ambigüidades e abuso de direito por qualquer das partes.

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Em decorrência da adoção expressa do referido princípio no campo da Arbitragem, as partes estão obrigadas a agirem com probidade, boa-fé e lealdade, desde o momento em que for celebrada a convenção arbitral, até o final do procedimento arbitral. Assim, as partes devem agir de forma ética e moral, sendo que caso assim não seja, poderão ser aplicadas as sanções que o Código de Processo Civil prevê para a litigância de má-fé.[25]

A conduta ética que o legislador previu para os contratantes tem, portanto, a finalidade primordial de garantir legitimidade e transparência no negócio firmado, no caso, no documento que estabelece a escolha das partes de submeter um determinado litígio à solução arbitral, ou seja, a convenção de arbitragem. Referido princípio tem também a finalidade de trazer confiança mútua por parte dos contratantes, evitando desconfianças e inseguranças.

No caso da boa-fé objetiva, o que se espera do indivíduo é justamente lealdade, transparência, fidelidade e sinceridade em suas relações. Todas estas características devem nortear todo o procedimento arbitral, desde o início, até o seu fim.

A boa-fé objetiva é, portanto, uma regra de conduta, que determina e estabelece o modo de agir das partes, sempre pautado em valores como a lealdade, honestidade, sinceridade e transparência. Somente deste modo poderá existir equilíbrio nas relações sociais. O comportamento fiel das partes dentro do procedimento arbitral garante que não haja abuso durante o procedimento, evitando abusos e eventuais lesões, cooperando com a realização do interesse das partes.

Parece claro o conteúdo da boa-fé objetiva. Não nos restam dúvidas de que se trata de um modelo de conduta que deve ser seguido pelas partes, em todas as tratativas sociais, buscando sempre o equilíbrio na relação e evitando abusos de uma parte sobre a outra.

A boa-fé é assim a energia que propulsiona todas as relações humanas, conferindo lealdade e transparência entre as partes. Traz também harmonia e informação às partes.

Referido princípio estabelece limites éticos à liberdade do indivíduo, liberdade esta característica da Arbitragem, e revela-se, sem dúvidas, como corolário do princípio da transparência, e principalmente do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Qualquer que seja a natureza jurídica da Arbitragem, as partes são obrigadas a seguir o princípio da boa-fé, de forma a guiar suas condutas de forma proba e leal, desde a celebração da convenção arbitral até a decisão final a ser proferida.

Assim, as partes têm o dever de agir de forma ética e moral dentro da Arbitragem, sob pena de restar configurada a litigância de má-fé, a teor do que dispõe o art. 17 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: 

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; 

II - alterar a verdade dos fatos;  

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; 

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; 

 V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; 

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Pode ser entendido como corolário do princípio da transparência, porque permite que as partes conheçam, de forma clara e bastante objetiva, as cláusulas contidas na convenção arbitral e que serão posteriormente aceitas.

Em resumo, o princípio da boa-fé estabelece a necessidade de conduta leal e honesta das partes, tanto durante a fase negocial (elaboração da convenção de arbitragem) que antecede o procedimento em si, quanto durante o procedimento da Arbitragem. Sua principal função é limitar, assim, o exercício de direitos subjetivos de maneira desleal.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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