Lei n.13.140/2015:a mediação em matéria tributária e a difícil implementação prática

30/06/2015 às 23:28
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A nova lei de mediação, publicada em 30 de junho de 2015, trouxe inovações na área tributária, mas algumas previsões podem atrapalhar ou até impedir a sua implementação prática.

Em 30 de junho de 2015, finalmente, foi publicada a lei que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública - Lei nº 13.140/2015.


             Desde setembro de 2013, o Governo Federal demonstrou a sua preocupação com a quantidade de processos que tramitam perante o Poder Judiciário brasileiro, tendo pensado em uma modalidade alternativa para desafogar os órgãos judiciais, tanto em relação às ações que envolvem grandes corporações privadas quanto àquelas relacionadas ao Poder Público. Segundo estudos do próprio governo, 50% das 90 milhões de causas que tramitavam em 2013 envolviam órgãos do Governo Federal.


             No que diz respeito à matéria tributária, a novel legislação inovou ao trazer a possibilidade de solução de conflitos através da mediação, nestes termos:

"Art. 35.  As controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações poderão ser objeto de transação por adesão, com fundamento em:
I - autorização do Advogado-Geral da União, com base na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou
II - parecer do Advogado-Geral da União, aprovado pelo Presidente da República.
§ 1o Os requisitos e as condições da transação por adesão serão definidos em resolução administrativa própria.
§ 2o Ao fazer o pedido de adesão, o interessado deverá juntar prova de atendimento aos requisitos e às condições estabelecidos na resolução administrativa.
§ 3o A resolução administrativa terá efeitos gerais e será aplicada aos casos idênticos, tempestivamente habilitados mediante pedido de adesão, ainda que solucione apenas parte da controvérsia.
§ 4o A adesão implicará renúncia do interessado ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o recurso, eventualmente pendentes, de natureza administrativa ou judicial, no que tange aos pontos compreendidos pelo objeto da resolução administrativa.
§ 5o Se o interessado for parte em processo judicial inaugurado por ação coletiva, a renúncia ao direito sobre o qual se fundamenta a ação deverá ser expressa, mediante petição dirigida ao juiz da causa.
§ 6o A formalização de resolução administrativa destinada à transação por adesão não implica a renúncia tácita à prescrição nem sua interrupção ou suspensão.
 Art. 36.  No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal, a Advocacia-Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito, observados os procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.
§ 1o Na hipótese do  caput, se não houver acordo quanto à controvérsia jurídica, caberá ao Advogado-Geral da União dirimi-la, com fundamento na legislação afeta.
§ 2o Nos casos em que a resolução da controvérsia implicar o reconhecimento da existência de créditos da União, de suas autarquias e fundações em face de pessoas jurídicas de direito público federais, a Advocacia-Geral da União poderá solicitar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a adequação orçamentária para quitação das dívidas reconhecidas como legítimas.
§ 3o A composição extrajudicial do conflito não afasta a apuração de responsabilidade do agente público que deu causa à dívida, sempre que se verificar que sua ação ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar.
§ 4o Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o  caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator. 
 Art. 37.  É facultado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, suas autarquias e fundações públicas, bem como às empresas públicas e sociedades de economia mista federais, submeter seus litígios com órgãos ou entidades da administração pública federal à Advocacia-Geral da União, para fins de composição extrajudicial do conflito.
 Art. 38.  Nos casos em que a controvérsia jurídica seja relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em dívida ativa da União:
I - não se aplicam as disposições dos incisos II e III do  caput do art. 32;
II - as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços em regime de concorrência não poderão exercer a faculdade prevista no art. 37;
III - quando forem partes as pessoas a que alude o  caput do art. 36:
a) a submissão do conflito à composição extrajudicial pela Advocacia-Geral da União implica renúncia do direito de recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais;
b) a redução ou o cancelamento do crédito dependerá de manifestação conjunta do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado da Fazenda.
Parágrafo único.  O disposto no inciso II e na alínea a do inciso III não afasta a competência do Advogado-Geral da União prevista nos incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993."


           O avanço da legislação é louvável, mas trouxe alguns empecilhos que podem fazer com que a sua implementação seja difícil e poucos contribuintes se sintam confortáveis em aderir à nova sistemática, em especial no que diz respeito à submissão da matéria controvertida à Advocacia Geral da União e à renúncia do direito de recorrer ao CARF.


           Nas disposições gerais da Lei nº 13.140/2015, mais precisamente no seu artigo 2º, I e II, consta que a mediação será orientada pelos princípios da imparcialidade do mediador e isonomia das partes.


           Nos termos do artigo 131 da Constituição Federal, “a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.”.


           Ora, em que pese a  Advocacia Geral da União ser um órgão de extremo prestígio e respeitado pela comunidade jurídica, entendo que não seria a figura mais adequada para atuar como mediador de um conflito de natureza tributária federal, tendo em vista que a função precípua de tal instituição é representar a União, ou seja, parte interessada na solução de tal controvérsia tributária.


           Destarte, a previsão legislativa traz uma incongruência entre os preceitos que devem reger todas as mediações e aqueles que versam sobre questões tributárias, pois os litígios eventualmente trazidos pelo contribuinte poderiam não ser tratados de maneira imparcial, muito menos haveria isonomia entre as partes, pois a União Federal teria mais condições de vencer o litígio do que o sujeito passivo da obrigação tributária.


          Ademais, a legislação pode ter criado uma situação de conflito de interesses, uma vez que o papel de mediador da AGU conflita com o seu próprio papel institucional que é o de defender e representar a União Federal.


           Com alguma semelhança com o tema tratado na Lei nº 13.140/2015, em Maio de 2014, a Revista Tributária e de Finanças Públicas, nº 116, págs. 77/96, publicou artigo denominado “Expert Determination no Direito Tributário”, de minha autoria, em que defendi a criação de uma nova modalidade de solução de conflitos técnicos e específicos em matéria tributária e que poderia ser resolvida por um perito independente e imparcial.


            A nova legislação de mediação comprovou que a ideia demonstrada no artigo em comento pode trazer uma nova perspectiva para o entrave existente nos litígios tributários, mas da forma como foi publicada pode fazer com que as previsões legais se transformem em letra morta, pois os contribuintes poderão se sentir desconfortáveis em renunciar ao direito de recorrer ao CARF para submeterem suas questões para uma instituição que tem o dever de defender os interesses da União Federal, uma das partes da matéria controvertida, merecendo assim ser revista tal previsão legal.  
 

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Sobre o autor
Leonardo Douek

Advogado no Rio de Janeiro e professor de Direito Tributário no MBA em Gestão de Compras e Suprimentos.<br>

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