Dos crimes de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica, charlatanismo e curandeirismo

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02/07/2015 às 12:09
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III– CHARLATANISMO

Art. 283 - Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, sobre o qual cabe o instituto da transação penal.

O Código Penal de 1890 incriminava “a ação de praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar ou subjugar a credulidade pública”.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, seja médico ou leigo, sem qualquer que seja a habilitação para o exercício de profissão sanitária.

A materialidade do crime reside na ação de inculcar(encarecer, sugerir) ou anunciar(divulgar, noticiar) cura, por meio secreto ou infalível. O crime reside numa fraude que ocorre  num momento anterior, tendo em vista a relevância do interesse prevalentemente atingido ou posto em perigo, que é a saúde pública. O crime deve ser praticado com consciência da falsidade, ainda que sem fim de lucro.

Embora se tenha a opinião de Soler(IV, 626), mencionada por Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 267), de que o crime é mais de engano do que de perigo, trata-se de crime de perigo presumido, que se consuma com a simples ação de inculcar ou anunciar, não se enquadrando como crime habitual. Esse anúncio pode ser feito por qualquer meio de divulgação: rádio, pela internet, alto-falantes, cinema, televisão, etc. o agente há de prometer cura ou anuncie a cura, o restabelecimento da saúde e que o faça na base de meios especiais, que afirme ou faça supor que são secretos ou ocultos ou infalíveis, de eficiência certa. O agente terá de ser insincero e falso, pois, do contrário, o profissional que age sinceramente poderá ser apenas ignorante.

O tipo subjetivo é o dolo genérico, que consiste na conduta   dirigida à pratica de qualquer das ações que constituem a materialidade do crime.

O crime de charlatanismo pode concorrer com o de estelionato.


IV – CURANDEIRISMO

Art. 284 - Exercer o curandeirismo:

- prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;

II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

III - fazendo diagnósticos:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa.

Mais um crime de menor potencial ofensivo sob o qual pode ser utilizado o benefício da transação penal.

O Código Penal de 1890 dispunha; “Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, assim, o oficio denominado curandeiro”. A pena era de prisão celular, por um a sete meses, e multa.

Na lição de Nelson Hungria(Obra citada volume IX, pág. 154) enquanto o exercente ilegal da medicina tem conhecimentos médicos, embora  não esteja devidamente habilitado para praticar a arte de curar, o charlatão pode ser o próprio médico que abastarda a sua profissão com falsas promessas de cura, o curandeiro é o ignorante, sem elementares conhecimentos da medicina, que se arvora em debelador de males corpóreos.

Assim, pratica o crime de curandeirismo e não homicídio culposo aquele que convence doente de grave moléstia a deixar o hospital em que se achava internado para tratamento, prometendo-lhe a cura através de unções de manteiga, vindo o mesmo a falecer(RT 458/365).

Já se decidiu pelo concurso formal entre curandeirismo e estupro na conduta do curandeiro que, sob pretexto de possuir poderes sobrenaturais e afastar a vítima de “encosto” dos maus espíritos, mantém com ela conjunção carnal(RT 255/334).

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, porém, não o médico, nem pessoa que tenha conhecimentos médicos, embora não legalmente habilitada. O crime é sempre praticado por curandeiro, pessoa ignorante, rude, sem conhecimento médico qualquer e que se cuida à  cura de doenças por meios extravagantes e grosseiros, como ensinava Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 269).

A habitualidade é elemento constitutivo do crime, nela residindo o perigo para a saúde pública. Não se admite a tentativa.

A ação criminosa consiste em:

a)      Prescrever(receitar, recomendar, ministrar ou aplicar qualquer substância vegetal(vegetal, animal, mineral), pertença ou não a qualquer farmacopeia oficial, tenha ou não virtudes medicinais;

b)      Usar palavras, gestos ou qualquer outro modo para contemplar a atividade misteriosa e o recurso à magia;

c)       Fazendo diagnósticos, não se exigindo qualquer ação de cura, pois o simples diagnóstico se configura em crime(RT 516/345).

Discute-se a confusão entre o curandeirismo e a prática religiosa. A esse respeito, mister que se lembre a lição de Nelson Hungria(obra citada, volume VI, pág. 155-156):

“ Sem dúvida alguma, há de tolerar-se o espiritismo como religião ou como filosofia. Não se pode vedar a crença nos seus postulados(existência de Deus, da alma e do “corpo etéreo”, imortalidade do espírito e sua evolução por estágios sucessivos, comunicação entre este mundo e dos espíritos, reencarnação, etc); mas o que é de todo inadmissível    é por certos fenômenos, já explicados pela ciência e que nada têm a ver com o sobrenatural, sejam empiricamente provocados, quando não simulados, por meio de truques já completamente desacreditados para o fim de tratamento de enfermidades”.

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Há o entendimento de que se deve distinguir “o que é feito por devoção religiosa daquelas práticas que infringem a disposição penal”. Desta forma se a cura é pedida comunitariamente, através de orações, pura questão de fé, a prática não configura o delito de curandeirismo, em respeito à liberdade de culto que é assegurada pela Constituição(RT 446/414, 452/406, 577/384, 642/314). Os chamados “ passes”, que fazem parte do ritual e são espécie de benção para fins espirituais, não propriamente para fins curativos, não constituem o curandeirismo(RT 340/274, 404/282). Por certo, não constitui crime a prática do espiritismo como religião, como disse Antonio Motta Neto(Curandeirismo. Justitia 91/385).

Já se entendeu que é  crime de curandeirismo o uso de passe ou a indicação ou doação de remédio aos doentes chamados benzedores, ainda que gratuitamente, não excluindo o ilícito a circunstância de ser o infrator um místico, um idealista, um caridoso(RT 205/704).

O tipo subjetivo é o dolo genérico, consistente na vontade conscientemente dirigida ao exercício do curandeirismo. Se houver fim de lucro, haverá aplicação adicional de pena de multa. Se ocorrer morte ou lesão corporal, de natureza grave, que ocorrerão como eventos  preterdolosos, aplica-se o artigo 258 do Código penal. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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