Os riscos da descaracterização de estágio e reconhecimento do vínculo empregatício

06/07/2015 às 14:17
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Este trabalho tem como objetivo demonstrar os riscos da descaracterização do estágio com o reconhecimento do vínculo empregatício com fulcro na lei 11.788/08, que regulamenta a relação entre o estagiário, parte concedente e a Instituição de Ensino.

1.    Introdução

 O presente estudo visa demonstrar as condições estabelecidas pela lei 11.788/08 para que uma relação de estágio atenda a sua finalidade.

É frequente na Justiça do Trabalho a existência de reclamações trabalhistas envolvendo empresas que colocam os estagiários para exercer força de trabalho de empregados, o que configura fraude, já que a lei é bem clara ao determinar a função do estágio e como ele deve ser estabelecido.

O estágio foi criado para que atinja os seus objetivos sociais e educacionais, buscando o aperfeiçoamento e a complementação da formação acadêmica e profissional do estudante.

Dessa forma, tem-se que o estudante deve exercer atividades vinculadas ao aprendizado acadêmico, aplicando os seus conhecimentos para auxiliar em sua formação profissional e consequentemente ser detentor de mão de obra qualificada, trazendo impactos positivos para a sociedade.

O exercício de atividade incompatível com os conhecimentos adquiridos em seus estudos, bem como a existência de outras irregularidades na execução do estagio, desvia sua finalidade, sendo fatores essenciais para descaracterização do estágio e reconhecimento do vínculo empregatício.

O assunto tem sido tratado por alguns doutrinadores, como o Ilustre Sérgio Pinto Martins em seu livro Direito do Trabalho.

A preocupação em abordar o tema, é para que sejam evitadas as inúmeras irregularidades praticadas no âmbito da relação de estágio, o que tem gerado demandas trabalhistas, prejudicado substancialmente a formação teórico-acadêmica dos alunos e gerado passivo trabalhista pra as empresas relapsas ao texto legal.

2. Os Riscos da Descaracterização de Estágio e Reconhecimento do Vínculo Empregatício

 2.1. Regulamentação do Estágio – Breve Histórico

O estágio tem por finalidade a aplicação prática dos conhecimentos teóricos acadêmicos adquiridos, possibilitando a melhor assimilação do conteúdo.

Diante da necessidade acadêmica de complementar a teoria com a prática, visando um profissional que se adeque ao mercado de trabalho, tornou-se essencial que a legislação se preocupasse em regular essa relação, para que não houvesse a caracterização do vínculo empregatício, visando proteger o estagiário dos abusos da empresa concedente, bem como a própria empresa de ser figurada como empregadora.

Anteriormente, não existia nenhuma regra tratando do estágio em si, apenas a Portaria nº 1.002, do Ministério do Trabalho, de 29/12/1978, que disciplinava direitos e obrigações, oriundos da relação das empresas com os estagiários. A portaria em questão mencionava a inexistência do vínculo empregatício, mas não abordava os detalhes e minucias que deveriam reger tal relação.

Posteriormente, foi instituído o Decreto nº 66.545 de 11/05/70, que fundou a Coordenação do Projeto de Integração, objetivando a implementação de estágios para áreas prioritárias, a fim de que estes exercessem atividades pertinentes às respectivas especialidades constantes no decreto. Cinco anos depois, foi disciplinado, através do Decreto nº 75.778, o estágio perante o serviço público federal.

Em 1971, com o advento da lei nº 5692, houve a determinação de regras para o ensino de 1º e 2º graus, a qual previa o estágio como forma de cooperação entre empresas e escolas, no entanto, em meados de 1996 a referida lei foi revogada.

Finalmente, houve a regulamentação do estágio pela Lei nº 6.494 de 7/12/77, a qual perdurou até o ano de 2008, com o advento da lei 11.788 de 25/09/2008, que estabeleceu de forma minuciosa as normas quanto à contratação de estudantes na condição de estagiários.

2.2. Definição de Estágio

 A lei vigente, em seu art. 1º, define o estágio como sendo “ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, de educação especial e dos anos finais de ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos”.

Observa-se que a lei 11.788 aumentou o “leque” de possibilidades de estágio e ao mesmo tempo determinou expressamente tratar-se de ato educativo escolar, integrando o que é aprendido na escola com a prática, sendo indispensável no processo de formação do futuro profissional.

2.3. Tipos de Estágio

O estágio deve atender as diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso, podendo ser dividido em estágio obrigatório e não obrigatório.

De acordo com os §1º e §2 do art. 2º da lei 11.788/08, o estágio obrigatório é aquele que está definido no projeto do curso, onde se deve atender determinada carga horária para que seja aprovado e obtenha o diploma, já o não obrigatório, é desenvolvido como atividade opcional, somando-se a carga horária regular e obrigatória.

Ambos os tipos de estágio não configuram vínculo empregatício, desde que sejam observados todos os requisitos previstos na legislação e que serão vistos adiante.

2.4.        Obrigações da parte concedente e da instituição de ensino

A relação compreendida por estagiário, parte concedente e instituição de ensino, deve atender todos os termos constantes na legislação, tais como: plano de atividades do estagiário elaborado em acordo com as três partes, celebração do termo de compromisso de estágio que progressivamente deverá conter aditivos que demonstrem o desenvolvimento do estudante.

Para que a empresa ofereça estágio, deve atender as obrigações elencadas no art. 9º da Lei 11.788/2008, conforme segue:

(...)

I – celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento; 

II – ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural; 

III – indicar funcionário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente; 

IV – contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso; 

V – por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho; 

VI – manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio; 

VII – enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de 6 (seis) meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário. 

Parágrafo único.  No caso de estágio obrigatório, a responsabilidade pela contratação do seguro de que trata o inciso IV do caput deste artigo poderá, alternativamente, ser assumida pela instituição de ensino. 

Ademais, a legislação aplica nas modalidades de estágio de educação profissional, educação especial dos anos finais do ensino fundamental, um número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal. A preocupação do legislador nesse ponto é evitar que a parte concedente do estágio substitua mão de obra permanente pela de estagiários, devido ao baixo custo.

A lei 11.788/08 em seu art. 7ºtomou o cuidado de elencar as obrigações da Instituição de Ensino para com os estágios praticados pelos seus alunos:

I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar; 

II – avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando; 

III – indicar professor orientador, da área a ser desenvolvida no estágio, como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário; 

IV – exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a 6 (seis) meses, de relatório das atividades; 

V – zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local em caso de descumprimento de suas normas; 

VI – elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos; 

VII – comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas. 

Veja que a lei determina que a instituição de ensino, a partir da efetivação do estágio, passa a ter o dever de monitorar o aluno/estagiário, inclusive as instalações da parte concedente, com a finalidade de evitar qualquer tipo de abusos ou exploração que possam vir a ocorrer pela empresa concedente.

2.5. Descaracterização do estágio e o vínculo empregatício

2.5.1. Requisitos para não descaracterização do estágio

Em seu atr. 3º, a lei preocupou-se em elencar os requisitos para que não seja descaracterizado o estágio e reconhecido o vínculo empregatício de qualquer natureza, conforme segue:

“I – matrícula e frequência regular do educado em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação dos jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino.”

Nota-se que a primeira determinação é a matrícula do aluno com a devida frequência nas aulas, dessa forma, qualquer tipo de irregularidade quanto a matrícula, ou comprovada a falta de frequência mínima exigida, haverá a descaracterização do estágio.

O descumprimento do referido requisito, ocorre muitas vezes, por uma carga excessiva de trabalho, que acaba por impedir o estagiário de comparecer às aulas, logo, a instituição de ensino tem a responsabilidade de se certificar se a ausência nas aulas é oriunda ou não do estágio, assim como a parte concedente deve se informar sobre a regularidade do aluno perante a instituição de ensino.

“II – Celebração do termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino.”

III – Compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.

Os dois incisos deixam claro que o termo de compromisso é requisito essencial e indispensável, tendo em vista que nele constará como se efetivará aquele estágio, não podendo haver qualquer divergência entre o acordado e a execução do estágio.

Dessa forma, a de ser observar, se as atividades previstas no termo e as executadas, estão de acordo entre si e perante o aprendizado do aluno na instituição de ensino, considerando que o principal objetivo do estágio é a complementação do ensino através da experiência prática, ou seja, o intuito é o aluno trabalhar para aprender.

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Por ser o estágio uma forma de proporcionar experiência ao aluno, logo, o curso deve estar totalmente compatível com a atividade desempenhada pelo estagiário e a parte concedente deve ter as condições necessárias para que o estágio seja executado atendendo a finalidade para a qual foi criado, sendo vedado qualquer desvio de função que não esteja relacionada ao conteúdo de estudo do aluno.

A ausência do Termo de Compromisso e a incompatibilidade de atividades descaracteriza o estágio e consequentemente configura o vínculo empregatício.

2.5.2.  Supervisão e acompanhamento do estágio para evitar fraudes

É comum, as empresas concedentes contratarem a figura do estagiário para exercer atividades de responsabilidade de empregado, com o único intuito de não reconhecer o vínculo empregatício e não pagar as verbas rescisórias de natureza trabalhista.

O ato de fraudar a legislação trabalhista está previsto no artigo 9º da CLT, dizendo que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação”.

Dessa forma, ao determinar que o estagiário exerça atividades comuns aos empregados, que logicamente receberiam valor superior, indica claramente uma relação fraudulenta que objetiva a exploração, e contraria a finalidade do estágio, enquadrando-se perfeitamente na CLT como uma relação trabalhista.

Para evitar que o referido deslize aconteça, o §1º do art. 3º da lei 11.788/08, estabelece que o estágio deve ser supervisionado, tendo o acompanhamento do professor orientador nomeado pela instituição de ensino, bem como por supervisor da empresa concedente. Esse acompanhamento deve ser comprovado por meio de vistos nos relatórios e por menção de aprovação final.

2.5.3. Jornada de atividade

O legislador se preocupou em determinar a jornada de atividade no estágio, podendo esta ser definida entre a instituição de ensino, a empresa concedente e o aluno estagiário, desde que não ultrapasse os limites da lei.

No caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, a lei estabeleceu que a jornada não ultrapasse quatro horas diárias e vinte horas semanais, sendo que para os estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular, foi estabelecida jornada não superior a seis horas diárias e trinta horas semanais.

2.5.4. Duração do estágio

No que tange a duração do estágio, na mesma empresa concedente, não poderá exceder dois anos, observadas as exceções legais como na hipótese de o estagiário ser deficiente físico.

A execução do estágio, na mesma parte concedente, por período superior a dois anos, configurará o vínculo empregatício, já que invalida o negócio jurídico por não atender os requisitos legais.

2.5.5. Concessão de benefícios

 Caso a empresa, conceda benefícios, tais como transporte, alimentação, saúde ou quaisquer outros, essa concessão não caracteriza vínculo empregatício, já que apenas implicam em outras vantagens ao estagiário não sendo legalmente obrigadas.

3. Conclusão

O advento da lei 11.788/0/, visou garantir uma relação segura e livre de fraudes, possibilitando ao aluno estagiário vislumbrar na prática os ensinamentos adquiridos na escola e o preparando para o mercado de trabalho, sem que seja prejudicado em seus estudos ou mesmo explorado pela parte concedente.

Ao mesmo tempo, mostrou que as empresas tem papel fundamental para reduzir o impacto dos acadêmicos, que sem passar pelo estágio, terminariam os seus estudos tendo que enfrentar uma realidade para qual estariam totalmente despreparados.

Ademais, os requisitos impostos na lei, trazem segurança para a própria parte concedente, pois os seguindo corretamente a empresa evita que sua colaboração com o estudante não seja uma “armadilha” em frente a um estudante que pleiteia o estágio com interesses diversos do que atingir a finalidade teórico prática.

A instituição de ensino tem a importante função de fiscalizar o estágio e garantir sua execução perfeita, de forma que inexista qualquer irregularidade que venha a prejudicar o aluno estagiário em seu desenvolvimento acadêmico e produtivo, buscando e incentivando para que o aluno utilize as experiências adquiridas para complementação teórica e seja um profissional qualificado.

As partes envolvidas em uma relação de estágio devem conhecer os seus direitos e deveres, estando cientes de que o descumprimento dos requisitos estabelecidos na lei 11.788/08, descaracterizará o estágio e será reconhecida uma relação empregatícia, o que dará ao pseudo estagiário o “título” de empregado, devendo a empresa concedente arcar com todos os direitos previstos na legislação trabalhista e previdenciária.

Referências

- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas 2009, 25ª edição;

- Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;

- www.planalto.gov.br - Lei 11.788 de 25 de setembro de 2008;

- www.conjur.com.br;

- www.guiatrabalhista.com.br

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