Imunidades parlamentares

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07/07/2015 às 05:48
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III – IMUNIDADES PARLAMENTARES MATERIAIS

Na lição de MAXIMILIANO[9], as imunidades parlamentares compõem a prerrogativa que assegura aos membros do Congresso a mais ampla liberdade de palavra, no exercício de suas funções e os protege contra abusos e violações por parte dos outros Poderes constitucionais.

Preserva-se não o parlamentar, mas sua atuação livre. Por certo, já se disse , a imunidade parlamentar não alcança o parlamentar que se licencia para ocupar outro cargo na Administração Pública. Nesse caso, embora não perca o mandato, perderá as imunidades parlamentares. Foi cancelada a Súmula 4 do Supremo Tribunal Federal que dizia que ¨não perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado pelo Ministro de Estado¨. Tal se deu no julgamento do Inquérito 104[10], quando se disse que o deputado não perde o mandato, porém não leva consigo a imunidade material ou processual.

É o que se lê de entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando considerou que se o afastamento se deu voluntariamente, o agente não continuará gozando de imunidade parlamentar.[11]

O suplente não tem direito à imunidade, pois não está no exercício de suas funções.

Porém, a imunidade parlamentar não se estende ao coautor do ilícito, que não esteja no exercício do mandato parlamentar, como se lê da Súmula 245 do Supremo Tribunal Federal. Tal ilação, data vênia, só é válida, como se percebe, em relação a imunidade processual do parlamentar.

Há duas espécies de imunidades parlamentares: a  de natureza material ou substantiva, denominada imunidade absoluta e a de natureza formal ou processual denominada imunidade relativa.

Divide-se a doutrina com relação a natureza jurídica dessa imunidade:

a)      Causa excludente do delito(Pontes de Miranda, Nelson Hungria, José Celso de Mello Filho);

b)     Causa oposta à formação do crime(Basileu Garcia);

c)      Causa pessoal ou funcional de isenção da pena(Anibal Bruno);

d)    Causa pessoal de exclusão da pena(Heleno Claudio Fragoso);

e)      Causa de irresponsabilidade(Magalhães Noronha);

f)       Causa de incapacidade penal por motivos políticos(José Frederico Marques);

g)    Causa Impeditiva de aplicação da lei ou ainda causa paralisadora da eficácia da lei relativamente a congressistas, em razão das funções(Caccuri[12]).

Considero que a imunidade material elimina: a responsabilidade criminal; a responsabilidade civil[13], as sanções disciplinares, a responsabilidade política.

No sentido de que a imunidade material exclui a responsabilidade civil, se lê do que foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal, no AI 473.092/AC, Relator Ministro Celso de Mello, decisão de 7 de março de 2005, que tem como precedente outro julgado no RE 140. 867/MS, Relator para o acórdão o Ministro Mauricio Corrêa. Aqui se tem a síntese:

¨A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material(CF, art. 53, caput), exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato(prática in officio) ou externadas em razão deste(prática propter officium) qualquer que seja o âmbito espacial em que se haja exercido a liberdade da opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa Legislativa q que pertence.¨

Posto-me dentro do entendimento de HUNGRIA[14] para quem estamos diante de causa excludente de crime.

A inviolabilidade protege, até mesmo, os relatórios e trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e outras do Poder Legislativo.

Assim as palavras, teses ou denúncias sustentadas pelas práticas in officio ou propter officium do mandato legislativo ficam isentas de ações repressivas.

A imunidade parlamentar é irrenunciável. Com isso não se pode instaurar inquérito policial ou ação penal mesmo com autorização do parlamentar. Nesse sentido, entendeu o Supremo Tribunal Federal que o instituto da imunidade é garantia da independência do Poder Legislativo, razão pela qual não se reconhece ao congressista a faculdade de a ela renunciar.[15]

Por sua vez, os deputados estaduais também devem gozar da imunidade parlamentar e das prerrogativas que lhes têm sido reconhecidas pelas diversas Constituições dos Estados-membros desde a proclamação da República.

Aliás, explica BAPTISTA[16] que a Constituição Federal impõe, sob pena de intervenção federal, a observância do sistema representativo e do princípio da independência ou da harmonia de Poderes.

O artigo 27, § 1º, da Constituição Federal determina que as imunidades dos deputados federais são automaticamente deferidas aos deputados estaduais.

Por sua vez, os vereadores, que perderam a imunidade absoluta a partir de 1964, a readquiram, do que se lê   do artigo 29, VIII, da Constituição Federal, onde se diz que são eles invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, mas quando o ato for praticado no exercício do mandato e na circunscrição do Município, observada a redação dada ao artigo, que foi  fruto de renumeração feita pela Emenda Constitucional 1/1992 com relação a antiga dicção do artigo 29, VI.

A imunidade material produz efeitos que se prolongam no tempo. Sendo assim, mesmo após o término da legislatura, o deputado ou senador não poderá sofrer qualquer investigação, incriminação, tampouco responsabilização penal, civil, disciplinar ou política pelas opiniões, palavras e votos proferidos no estrito exercício da sua atuação funcional.

No entanto, já se decidiu que, na propaganda eleitoral, tal garantia não exclui a criminalidade das ofensas a terceiros, em atos de propaganda eleitoral, fora do exercício da função e sem conexão com ela.[17]


IV – AS IMUNIDADES PARLAMENTARES FORMAIS

As imunidades parlamentares processuais, ou relativas, são aquelas que se referem à prisão, ao processo, às prerrogativas de foro e para servir como testemunha, embora somente as duas primeiras sejam incluídas na noção de imunidade em sentido estrito.

A imunidade processual é, pois, aquela que impede o processamento do parlamentar, desde a expedição de diploma, que é uma relação jurídica estabelecida entre o parlamentar e o seu eleitorado, considerada como o  termo inicial da imunidade.

A teor do parágrafo primeiro do artigo 53 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 35/2001, os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Como dito, a novidade foi a expressão ¨desde a expedição do diploma¨.

Nessa linha de entendimento os Parlamentares poderão ser processados nas infrações penais comuns pelo Supremo Tribunal Federal, mas sem a necessidade da licença prévia da Casa a que pertencem.

Delitos  comuns são todas as modalidades de cometimentos de ilícitos[18]. Tal se dá ainda nos crimes eleitorais, nos crimes dolosos contra a vida e ainda até nas contravenções penais.[19]

Esclareça-se que a imunidade propriamente dita não impede a instauração de inquérito ou procedimento administrativo pelo Ministério Público, visando apurar uma prática delituosa.[20]

É certo que a constituição de 1988, mesmo em sua feição originária, alcançou os mesmos resultados obtidos na ordem constitucional anterior. O parlamentar poderia ser processado, porém, para a ação penal poder prosseguir, seria necessária a licença de seus pares.

Veio a redação dada ao parágrafo terceiro, do artigo 53, na redação da Emenda Constitucional n.35 /2001, onde se diz que recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa do partido político, nela representado e pelo voto da maioria absoluta de seus membros, poderá, até decisão final, sustar o andamento da ação.

Na palavra do Ministro Celso de Mello tem-se:

¨A EC n. 35/2001, ao introduzir modificações no art. 53 da Carta da República, suprimiu, para efeito de prosseguimento da persecutio criminis, a necessidade de licença parlamentar, distinguindo, ainda, entre delitos ocorridos antes e após a diplomação, para admitir, somente quanto a estes últimos, a possibilidade de suspensão do curso da ação penal(CF, art. 53, §§ 3º e 5º). Vê-se, portanto, de jure constituto, que não mais se exige licença da Casa  a que pertence o congressista acusado, eis que – com a supressão constitucional desse requisito de procedibilidade – viabilizou-se, agora, de modo pleno, sem qualquer condição prévia, a tramitação judicial da persecução penal, como o reconhece o autorizado magistério doutrinário, em lição que acentua não mais depender, o processo penal condenatório contra membro do Congresso Nacional, da concessão de licença parlamentar.¨[21]     

O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

É certo que a sustação do processo suspende a prescrição enquanto durar o mandato(artigo 53, § 5º da Constituição Federal).

A Emenda Constitucional n. 35/2001  restringiu a imunidade formal parlamentar às acusações de práticas de crimes comuns por parlamentares apenas após a diplomação, bem como permitiu como regra o normal processamento do feito no Supremo Tribunal Federal, sem necessidade de licença prévia.

   Por outro lado, falo da prisão que se permite aos parlamentares, por força do  parágrafo segundo do artigo 53 da Constituição Federal.

A imunidade formal tem sido entendida como abrangente, englobando a prisão penal e a civil. Isso significaria que o parlamentar não poderá sofrer nenhum ato privativo de sua liberdade, exceto em flagrante delito em crime inafiançável.

No entanto, e, por óbvio, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal em nada obsta a execução da pena privativa de liberdade definitivamente imposta ao membro do Congresso Nacional.[22]

A extensão da inviolabilidade processual no tempo protege o deputado e o senador somente no período de exercício do mandato parlamentar.

Direi que os vereadores são agraciados apenas com a imunidade material, que assegura a inviolabilidade dos atos empreendidos em função da atividade parlamentar que exerçam.

 Discute-se se essa licença também é dispensável no caso das denúncias ajuizadas contra Deputado Estadual nos delitos ocorridos.

 Entendo que sim. Não cabe aqui falar em condição de procedibilidade.

Estamos diante dos chamados princípios constitucionais estabelecidos.

Na palavra de HORTA[23], os princípios constitucionais estabelecidos são os que limitam a autonomia organizatória dos Estados; aquelas regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estabelecida cuja identificação reclama pesquisa no texto constitucional.

Trata-se de regra de natureza vedatória que proíbe ao Estado-Membro criar ou manter, em sua Constituição, dispositivo que condicione a continuidade de determinado procedimento penal contra parlamentar a licença da Câmara. Tal dispositivo é autoaplicável.[24]

O fim do juízo de procedibilidade para a instauração da persecução penal contra parlamentares, restaurando o regime que já era objeto de abordagem pela Emenda Constitucional n. 22/1982 é manifesta congruência sistêmica com diversos outros princípios protegidos pela Constituição Federal, como o princípio republicano(artigo 1º da Constituição), o princípio da separação de poderes(artigo 2º da Constituição Federal) e ainda o do acesso à jurisdição(artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), exigindo-se que a ação penal dirigida contra o mandatário seja analisada exclusivamente sobre a tônica de parâmetros estritamente jurídicos, despida, portanto, de peculiaridades outras.

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O princípio republicano, sabemos, determina que combatem-se  os desvios da corrupção, inserindo, no povo, o senso de respeito à coletividade por meio da educação, das leis. É assim o princípio republicano um principio democrático por excelência, voltado para o respeito à responsabilidade.

Ora, não  há democracia sem liberdade, igualdade e respeito à dignidade da pessoa humana.

Fala-se ainda com relação a privilégio de foro.

As autoridades beneficiadas com prerrogativa de foro  previsto na Constituição Federal  não irão a Júri, sendo julgadas pelo respectivo tribunal competente. Já aquelas com foro previsto na Constituição Estadual caso incorram em crime doloso contra a vida irão a Júri.

Aliás, ao julgar o HC 58.410  o Supremo Tribunal Federal, com o voto do Ministro Moreira Alves, considerou ser válida a norma da Constituição do Estado que deu foro do Tribunal de Justiça para Deputado Estadual nos crimes dolosos contra a vida, excluindo a competência do Tribunal do Júri.

Atualmente, não há de se falar em manutenção da prerrogativa de foro  uma vez encerrado o cargo ou mandato. A esse respeito, lembro o julgamento do Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade n. 2.797 – 2 e ainda 2860  – 0, julgadas procedentes, em razão de inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002. De há muito, aliás, está revogada a Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal, com relação a privilégio de foro para ex-parlamentares. Aliás, tal entendimento se coaduna, de forma veemente, com o princípio republicano, vetor do Estado Democrático de Direito.

Por outro lado, a renúncia ao mandato, como forma de perda de tal foro, foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ap. 396, Relatora Ministra Cármen Lúcia, 28 de outubro de 2010, onde se entendeu que tal hipótese se caracterizava como inaceitável fraude.

O parágrafo sexto do artigo 53 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional n. 35/2001 determina que os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. Tal limitação é inovação advinda da Constituição de 1988.

A imunidade constitucional alcança a incorporação do Parlamentar às Forças Armadas, ainda que  embora militares, e ainda que em tempo de guerra, na medida em que a condiciona à prévia licença da Casa respectiva(artigo 53, §7º).

Não se há de falar em suspensão das imunidades parlamentares no estado de defesa(artigo 136 da Constituição Federal). Aliás, o artigo 53, § 8º, da Constituição, parágrafo remunerado pela Emenda Constitucional n. 35/2001, é de modo claro, ao determinar que as imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sitio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva,  nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.


Notas

[1] ROSAS, Roberto. Direito Sumular, São Paulo, Ed. RT, 4ª edição, pág. 15.

[2] BARBALHO, João. Constituição Federal Comentada, pág. 93.

[3] JACQUES, Paulino Ignácio. Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense, pág. 209.

[4] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada, 6ª edição, São Paulo, Saraiva, pág. 774.

[5] OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Commentarios à Constituição Federal brasileira, São Paulo, Saraiva, 1933, tomo II, pág. 42.

[6]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1934, I, 492. 

[7] RT 648/318.

[8] RDA 181 – 182-247; RT 659/340 ; RT 654/374, dentre outros.

[9] MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira, 5ª edição, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1954, pág. 44 a 45.

[10] RTJ 99/479 – Relator Ministro Djaci Falcão.

[11] RDA 203/221.

[12] CACCURI, Antônio Edying. Imunidades parlamentares, RT 554/298.

[13] RE 210.907/RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Informativo STF n. 118; agosto de 1998.

[14] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, 5ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1977, volume I, tomo I, pág. 253.

[15] RDA, 203:221.

[16] BAPTISTA, Cleômenes Mário Dias. As imunidades parlamentares, RT 662/276.

[17]RTJ 148: 73. 

[18] RTJ 33:590.

[19] RTJ 91/423.

[20] RDA 201: 190.

[21] Inq. 1.599/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 7 de agosto de 2002.

[22] RDA 183/107.

[23] HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional brasileiro, Belo Horizonte, 1964, pág. 225.

[24] Questão de Ordem 1070 QO/TO, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6 de setembro de 2001.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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